O Relatório hoje divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência sobre a frequência do ensino superior por
parte de alunos necessidades especiais com dados de 16/17 e 17/18 merece reflexão.
Num universo de 114 instituições
de ensino superior, 54.5% não possui serviços de apoio vocacionados para estes
alunos sendo que se encontram maioritariamente no subsistema público as que disponibilizam estes serviços
Está também referenciado um
problema que várias vezes tenho abordado em diferentes contextos, o processo de
frequência do ensino superior por alunos com necessidades especiais exige uma
forte articulação com o ensino secundário que não se verifica.
Neste ano lectivo, frequentavam o
ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados
no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade
e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes
apenas 14% foram ocupadas.
Se a estes dados acrescentarmos
que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e
que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que
Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com necessidades especiais a
frequentar as escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória,
temos um cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como já referi, a questão da presença dos
alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário.
Por outro lado é fundamental que
com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade
obrigatória os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação
profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho
(trabalho na comunidade, incluindo a economia social).
A realidade mostra que os jovens
com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e,
voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de
resposta sob a capa da … inclusão. Muitos deles ficam entregados (não integrados)
às famílias, o que alguém já designou como Ministério Casa ou encaminham-se
para instituições onde, apesar de algumas experiências interessantes, se
recicla a exclusão. As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos
devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras
pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições ou voltar para a família
serão sempre um recurso e nunca uma via.
De novo, a inclusão assenta em
cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a
que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar
(envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender
(tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser
reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois
princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com necessidades especiais de diferente
natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos
contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
É também claro que no âmbito do
ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa,
atitudes, representações expectativas, oferta formativa, custos,
acessibilidades, e cursos e apoios ou, como disse, promover melhor articulação
com o ensino secundário
Como se vê no relatório a maioria
das instituições do ensino superior não dispõe de serviços de apoio para alunos com necessidades
especiais.
No entanto, para além de aspectos
mais evidentes como a acessibilidade, creio que o apoio pedagógico e a
utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades
curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às
tecnologias, não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de
docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que sejam
estas as questões centrais.
Também não creio que a questão
central seja a existência obrigatória de “serviços de apoio” a alunos com
necessidades especiais embora tal possa depender da dimensão da instituição. Do meu ponto
de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os
seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de
qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante
decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e
institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade,
incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de
"educação especial" técnicos, os alunos com necessidades especiais e
famílias.
Também é minha convicção de que
as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com
necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as
capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela
existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico”
de problemas de natureza cognitiva como, aliás, foi recomendado em 2017 no Relatório
do Grupo de Trabalho para as Necessidades Especiais constituído pelo Ministério
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
De facto, esta preocupação
deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se quiserem, da
minha utopia.
Porque não podem frequentar
estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde
estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a
experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas
experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais
difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e
entender que é assim que deve ser.
Eu já disse e escrevi isto várias
vezes. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo.
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