Creio que passou relativamente despercebido o alerta lançado
por Cristina Marques e Miguel Xavier, Pedopsiquiatra, assessora do Programa
Nacional para a Saúde Mental e Psiquiatra, director do Programa Nacional para a
Saúde Mental, respectivamente, sobre o universo da saúde mental infantil em Portugal
num texto no Público, “Saúde mental infantil – uma quase indiferença de décadas”.
Não se estranha a preocupação expressa pelos autores. A
saúde mental é habitualmente o parente pobre das políticas de saúde e os mais
novos são ainda mais vulneráveis. Conforme o texto, a “OMS estima que 20% das
crianças e adolescentes apresentam pelo menos uma perturbação mental antes de
atingir os 18 anos e que, mesmo em países desenvolvidos, apenas 1/3 das
crianças com problemas significativos recebem tratamento”.
Algumas notas repescadas relativas á situação de crianças e
adolescentes.
Dados do European School Survey Project on Alcohol and Other
Drugs de 2016 sugerem que 13% os jovens portugueses até aos 16 anos consome
antidepressivos e tranquilizantes. O estudo envolveu 96043 jovens de 35 países,
3456 portugueses alunos de escolas públicas. O valor é impressionante, a média
do estudo é de 8%.
Como escrevia acima a questão grave da saúde mental de crianças
e adolescentes portugueses, do meu ponto de vista, tem sido uma área
desvalorizada, aliás, a saúde mental tem sido um parente pobre das políticas de
saúde pública.
Um estudo divulgado em 2015 realizado pela Faculdade de
Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra em colaboração com entidades
estrangeiras apontava para que 8% por cento dos adolescentes portugueses que
frequentam o 8.º e o 9 º ano apresentam sintomatologia depressiva e 19% estarão
em risco de desenvolver a doença. O estudo contemplava também um programa de
prevenção a promover em meio escolar, com a participação dos pais, que pareceu
indiciar bons resultados.
Em Maio de 2014, o Expresso relatava que em 2013 se tinham
registado cerca de 20 000 novas consultas de pedopsiquiatria, mais 30% que em
2011. Era um indicador preocupante e ainda mais preocupante pela inexistência
de resposta adequada e acessível para muitas crianças e adolescentes.
Recordo também que em 2014 foi noticiada a interrupção dos
apoios a crianças e adolescentes da região do Algarve pois o programa de que
beneficiavam, Grupos de Apoio à Saúde Mental Infantil, que já tinha merecido
prémios de boas práticas, foi suspenso em vez de ser generalizado. Esta
suspensão foi obviamente sentida com grande inquietação por famílias e
profissionais.
Em 2012 esteve em Portugal um especialista nesta área, Peter
Wilson, que, naturalmente, referia a necessidade de que nas escolas e na
comunidade próxima existam apoios aos professores, às famílias e às crianças
com dificuldades emocionais, a única forma, entende, apoiado na sua
experiência, de minimizar e ajudar neste tipo de problemas que, não sendo
acautelados, têm quase sempre efeitos devastadores em termos pessoais e
sociais. Segundo Peter Wilson, os estudos em Inglaterra sugerem a existência de
três crianças com problemas do foro emocional em cada sala de aula pelo que o
apoio é muito mais eficaz e económico prestado na escola ou na comunidade
próxima a alunos, famílias e professores. Este entendimento é partilhado,
creio, pela generalidade dos profissionais e famílias, também em Portugal e os
dados conhecidos apontam nesse sentido.
Sabe-se da insuficiência de camas nos serviços de
pedopsiquiatria que possam acomodar adolescentes em tratamento o que leva a que
em muitas circunstâncias adolescentes sejam internados em serviços de adultos o
que na opinião dos especialistas pode ser uma experiência
"traumatizante" sendo, aliás, contrárias às boas práticas de qualquer
país civilizado em matéria de saúde mental.
Está nos livros e nas experiências que em situação de crise
os mais vulneráveis, crianças e adolescentes, por exemplo, são, justamente, os
mais sofredores com as dificuldades. Acresce que, actualmente, se verifica em
muitos agregados familiares e em contextos escolares a emergência de discursos
que pressionam os mais novos no sentido de atingirem a excelência nos resultados
escolares ou em qualquer actividade “importante” pois será, dizem, a “única”
forma de atingir um patamar de sucesso futuro.
Como se sabe e a experiência mostra, muitas crianças e
adolescentes não suportam com tranquilidade esta pressão o que se repercute no
seu bem-estar e na sua saúde mental. Para complicar um pouco mais, ainda se
verifica que algumas pessoas desvalorizam estes fenómenos, entendendo que é
preciso ser exigente e bem-sucedido e não entendendo o sofrimento de algumas
crianças e jovens.
Por outro lado, é também conhecida a enorme dificuldade que
muitas instituições que acolhem menores estão a passar dificultando a resposta
com a qualidade bem como a possibilidade de responder a novas situações.
Os miúdos, nas famílias preferencialmente, ou nas
instituições, necessitam de um aconchego, um ninho, uma qualidade de vida que
os cuidadores, por diversas razões, não sabem, não querem, não podem ou não são
capazes de providenciar. Tal cenário implica riscos fortíssimos de compromisso
do seu futuro pelo que os apoios e resposta são fundamentais mas não podem
passar apenas por medicar.
Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.
Sem comentários:
Enviar um comentário