segunda-feira, 14 de outubro de 2019

ENSINO SUPERIOR E EDUCAÇÃO INCLUSIVA


No Público encontram-se referências a uma matéria que me parece relevante e sobre a qual muitas vezes aqui tenho escrito e referido na intervenção profissional, o acesso e frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais. É divulgado o trabalho desenvolvimento na Universidade de Aveiro recebendo em cursos na área da educação alunos com necessidades especiais ajustando, naturalmente o currículo e não conferindo grau mas certificando aquisições. Depois do trabalho iniciado neste âmbito pela Escola Superior de Educação de Santarém com um Curso de Formação em Literacia Digital, regista-se e divulga-se o trabalho da Universidade de Aveiro acompanhado pela Professora Paula Santos, companheira de estrada nestas lidas há já muitos anos.
Como há pouco tempo escrevi este ano um aumento significativo de alunos com necessidades especiais matriculados no ensino superior. Após a segunda fase de colocação o número de alunos inscritos é de 310, um aumento de 34% relativamente ao ano passado e superior em 158% ao que se verificava em 2015.
Sendo de registar a subida importa, no entanto, considerar que em 2017/2018 frequentavam o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes registe-se que apenas 14% foram ocupadas.
Estamos, pois, muito longe ainda do que seria desejável.
De acordo com a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no ano lectivo 2016/2017 havia 87.039 alunos com necessidades especiais inscritos nas escolas portuguesas. Muitos destes alunos têm passado passam por experiências de sucesso independentemente do seu perfil de competências, felizmente que assim é.
No entanto, para muitos o período que se segue é um enorme túnel no qual poucas vezes se vislumbra uma luz, sobretudo em situações com problemáticas mais severas designadamente quando existem dificuldades de natureza cognitiva, a situação dos jovens a participar nos trabalhos em curso na Univ. de Aveiro ou na ESE de Santarém e daí, também, a sua relevância.
Desculpem a insistência e a repetição ... mas é necessário.
Como tantas vezes tenho dito, aqui e nos espaços de contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário, e existe muita matéria para reflectir e sobre as mudanças necessárias como milhares de famílias sentem de forma dramática.
Por outro lado, é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade obrigatória os jovens, todos os jovens, têm três vias disponíveis compatamares diferenciados e até com possibilidade de integração entre elas, formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade que pode ter uma dimensão ocupacional).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão. De facto, muitos deles, ficam entregados (não integrados) às famílias ou encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências muito positivas interessantes, se recicla a exclusão. Mas mesmo o acesso a instituições é extraordinariamente difícil dadas as listas de espera que regularmente são referidas.
Esta dificuldade de acesso envolve quer a resposta no âmbito da formação profissional, quer no apoio a situações com problemáticas mais severas.
Desculpem a enésima referência mas um processo de inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer até aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições especializadas ou voltar para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações e expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades e apoios ou, aspecto fundamental, promover melhor articulação com o ensino secundário.
As questões mais complexas decorrem, os estudos e a experiência sugerem-no, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial", técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias.
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva. Estas situações são ainda mais representadas como … difíceis de responder.
No entanto, como tantas vezes digo, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão. Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia como é o caso do que acontece em Santarém com, tanto quanto conheço, resultados positivos e do trabalho da Universidade de Aveiro agora divulgado.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Eu já disse e escrevi isto várias vezes e em múltiplos contextos e ocasiões. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo. Os velhos são teimosos.

PS – Esta teimosia justifica-se por várias razões. Na caixa de comentários do Público a esta notícia lia-se no único comentário existente quando a visitei, “O que não fazem as universidades para ter alunos, qualquer dia em vez de ensinarem limitam-se a atribuir diplomas”. Não é um caminho fácil.

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