No JN de ontem vi uma peça com o título “Valongo quer ter Salas do Futuro em todas as escolas até ao fim do ano lectivo” que me chamou a
atenção. A Câmara de Valongo propõe-se instalar em todas as escolas públicas do
concelho Salas do Futuro, definidas como “laboratórios inovadores de
aprendizagem que terão painéis interativos, impressoras 3D, kits robóticos,
tablets e outras novas tecnologias”.
Mais um capítulo da revolução educativa, agora em modo “high-tech”. Parece claro que a escola deve promover o
acesso a dispositivos que fazem parte do nosso quotidiano e integrá-los no
quotidiano das escolas. Em termos pedagógicos isto não tem nada de inovador, é
defendido há muito tempo que a escola não deve funcionar “fora” do mundo em que
as crianças vivem.
No entanto, antes de criar “salas do futuro” talvez seja
sensato olhar para o presente.
Recordo o relatório "Educação em Números 2019", da
Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no que respeita às novas
tecnologias. Para além das queixas recorrentes sobre as dificuldades no acesso
à net e a idade “sénior” de boa parte dos equipamentos o número tem sido
revisto em baixa.
Quando foi distribuído o famoso (por boas e más razões) Magalhães, ano
2008/2009 conseguiu-se um rácio de um computador por aluno. A partir de 2011
começou a subir e em 17/18 é de 6.6.
Este quadro que é recorrentemente referido por docentes e
direcções não surpreende.
Um trabalho da OCDE, “Measuring Innovation in Education”,
divulgado já em 2019 mostrava que contrariamente ao que se passa com a
generalidade dos países, em Portugal verificou-se um decréscimo do acesso dos
alunos a computadores na escola.
Considerando o intervalo entre 2009 e 2015 o indicador de
acesso dos alunos a portáteis subiu na generalidade dos países. Apenas o Japão
e Portugal baixaram a percentagem, 5% no Japão e de 55% para 43% em Portugal.
No entanto, mais significativo e preocupante pois trata-se
do período inicial da escolaridade, no 4º ano a percentagem de alunos com
acesso a computadores ou portáteis nas aulas de leitura desceu de 47% em 2011
para 14% em 2016. A queda parece associada a ter terminado em 2011 o programa
de distribuição dos “famosos” Magalhães.
O relatório da OCDE também sublinhava a importância deste
recurso por parte das escolas públicas e o risco da falta de acesso poder
associar-se ao agravamento das desigualdades em função da origem socioeconómica
dos alunos que podem não compensar nos contextos familiares o acesso ao mundo
digital. Os programas do ME de distribuição de computadores constituíram para
muitas crianças a única forma de acederem a estes dispositivos, conheço várias
situações.
Parece claro que as novas tecnologias, que já são velhas
apesar da insistência na designação, não são a poção mágica para o ensino e
aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula não promovem sucesso
só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é
que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode
dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de
aprendizagem.
No entanto, não podemos esquecer que múltiplos estudos e
experiências valorizam este recurso nos processos de ensino e aprendizagem pelo
que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos.
Neste contexto e como já tenho afirmado, considerando o que
se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos
processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das
experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente
contraditórios, creio que:
1 – O contacto precoce com as novas tecnologias é, por
princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se
considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para
viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos
miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática.
2 – O computador/tablet, kits robóticos, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta,
não são A ferramenta, não substitui a escrita manual, não substitui a
aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é “apenas” mais um meio,
muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e
aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.
3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e
instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas,
sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos
professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer
todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc.
Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que
potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o
computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso
ao currículo.
5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais
é fundamental disponibilizar a formação e apoio ajustados aos professores sem
os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como,
evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser
rentabilizado.
6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são
essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos e
professores.
7 – Tudo isto considerado a escola pública deve promover até
ao limite a universalidade do acesso a estes dispositivos. Sim tem custos, mas
a exclusão sai mais onerosa.
Como referi acima não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixem que o fascínio deslumbrado pelas "salas do Futuro" faça esquecer os problemas do presente.
Como referi acima não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixem que o fascínio deslumbrado pelas "salas do Futuro" faça esquecer os problemas do presente.
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