Há já uns dias li no Público uma interessante entrevista de Bárbara Wong a Javier Urra. Javier Urra é psicólogo e autor de dois livros
que tiveram alguma divulgação em Portugal, “O Pequeno ditador” e o “O Pequeno
Ditador Cresceu”: Publicou mais recente “Deixe-o Crescer” o que justificou a
entrevista.
Como felizmente é cada vez mais acentuado relativamente à
educação familiar, Javier Urra volta a sublinhar algo de que aqui tantas vezes
também tenho falado, a importância da autonomia na educação de crianças e adolescentes.
Neste livro é dado particular ênfase à designada “superprotecção” que por
diversas razões informa a acção parental em muitas famílias e pode comprometer a promoção da autonomia e auto-regulação centrais no crescimento e
desenvolvimento saudável de todas as crianças.
Num texto que aqui coloquei em 2018 sobre a questão da superprotecção
referi um trabalho divulgado na Developmental Psychology que acompanhou durante
oito anos um grupo de 422 crianças, entre os 2 e os 10 anos, e respectivas
mães. Os dados sugerem que excesso de controlo, superprotecção, parece promover
comportamentos e emoções menos reguladas nas crianças, ter impacto no ajustamento
escolar e nas estratégias de auto-regulação à entrada na pré-adolescência.
O estudo, cuja metodologia sugeria alguma reserva no
estabelecimento de relações de causa-efeito justificava, no entanto, alguma
reflexão.
Os que por aqui vão passando reconhecem a frequência com que
abordo a importância da promoção da autonomia das crianças como um dos
princípios fundadores da educação familiar. O mesmo discurso e a forma de
intervir neste sentido nos contextos familiares preenchem também boa parte do
trabalho que realizo com pais e com futuros profissionais meus colegas a propósito de educação familiar.
De facto, um processo educativo terá com eixo estruturante a
construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à
idade e à função, actividade ou contexto em que se encontra. Este entendimento
traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens
para que "saibam tomar conta de si próprios" necessitando menos que "tomem conta de si". Sabemos que que também nos contextos escolares os professores gastam um tempo muito significativo a "tomar conta dos alunos" subatraído ao tempo para ensinar com implicações óbvias.
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que
favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens que, evidentemente, não se pode confundir com "autogestão", estar entregues a si próprios fazendo o que lhes pode passar pela cabeça. No entanto, é minha convicção
que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais
e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por
exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em
termos genéricos, promotora da sua autonomia e auto-regulação apesar das
inúmeras habilidades e competências que desde muito cedo revelam. Aliás, a
observação dos comportamentos de muitas crianças em sala de aula e em contextos
familiares ou de outra natureza mostra isso mesmo.
A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado
obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas
fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que
devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou
adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados
com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu
desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco
autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo
agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que
fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o
que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta,
companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a
tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um
qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos
desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma
idade. Numa sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um
comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do
que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, autodeterminados, informados e
orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que
se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em
diferentes situações do seu quotidiano. Este entendimento sublinha a
importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e
na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do
que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos.
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