quinta-feira, 1 de março de 2007

A PERCENTAGEM QUE A SONDAGEM NUNCA MOSTRA


De uma forma cada vez mais insistente ao longo dos últimos anos, a comunicação social faz-se eco de inúmeros estudos de opinião acerca dos mais variados temas e questões. Esta presença assume especial nitidez sempre que algum processo de decisão está em causa, eleitorais ou referendários por exemplo, ou, de forma menos explícita, quando parece relevante conhecer a “sensibilidade” do cidadão relativamente a alguma matéria sobre a qual importa tomar decisões políticas de maior ou menor popularidade previsível.

Não está obviamente em causa o rigor científico e a fiabilidade metodológica da generalidade desses estudos, mas sabendo, como também se sabe, o peso que a opinião publicada tem na construção da opinião pública, creio que é de estar atento ao que “não dizem” algumas franjas sociais que habitam a periferia da vivência, a sobrevivência.

A este respeito, cito Sam the Kid que, num processo interessante, integra uma área do hip hop que parece estar a ocupar o espaço da que há 40 anos chamávamos música de intervenção e que sem raízes musicais portuguesas (essa a grande diferença) assume um discurso lúcido, atento, crítico e não integrado.

Eu sou a percentagem que a sondagem nunca mostra
Eu sou a mente exausta da miragem mal composta
Eu sou a indiferença e a insatisfação
Eu sou a anti-comparência, eu sou a abstenção
(Foto de Paulo Cesar)

2 comentários:

Unknown disse...

A propósito do poema e da percentagem outra, aqui fica uma reflexão.

"O poeta, igual entre os demais, deverá, não através de rasgos de inspiração genial (ideia cara ao Romantismo), mas sim pelo trabalho aturado sobre e com a palavra, ousar criar novos mitos, novas orientações para a acção. É-lhe imperioso servir “o que não é”, ou seja, criar fora do que é ordem estabelecida, permitida pelas leis e aceite pelos costumes. Comovendo-se deve mover o outro com ele ao encontro de outras verdades possíveis ainda que, porventura, quiméricas. Reabilitar a palavra utopia, não como finalidade mas como caminho, é-lhe mister. Pois o dizer, é estar já, a criar nova realidade. Assim, o poeta deve oferecer à comunidade outras linguagens que não a dominante, que de tão instrumentalizada e gasta pela repetição esteriliza o pensamento e não concebe a acção diferente.
O inconformismo, a ‘desrealização’ e ‘descompreensão’ devem estar à proa da sua poesia. Evitando a linearidade do pensamento em expressão permanente de causa-efeito, o poeta pode procurar dissonâncias circulares. Nem que para tal “pensem o impensado”.

Como nos diz Bernstein em “A Poetics”: “ Quando recusa a conformidade, a poesia entra no contemporâneo: falando para as tensões e conflitos do momento com os meios que estão ao seu dispor” . Nem que para isso tenha que fazer uma clivagem com o real, dando voz às “imperfeições e bizarrias” estas, ao menos, sinais de vida. Assim, o poeta deve fugir às convenções mas também não se deve sentir confortável nas contra-convenções. Esse conforto representa o perigo de conformismo."

com o meu agradecimento público pelas excelentes aulas onde não tem lugar o discurso politicamente correcto

s.ferreira

RS disse...

"ai de nós"

enxadas em nosso abandono
jornadamos sem ter dono
escavand' os corações
agricultados sem sono
os sonhos como torrões
ai de nós os das paixões
revoltos ao abandono
na terra das emoções

"Na memória moram os muitos mais de mim" - Jerónimo Nogueira

Porque pensar continua a ser o único exercício que nos é livre.

Rui Santos.