Em Julho noticiava-se, se estão recordados, que
existiriam cerca de 147 mil trabalhadores a receber menos de 310 €, relembro
que o salário mínimo é 485 €, e na
altura o Primeiro-ministro considerou "perverso" o recurso a trabalho
temporário, reportando-se ao caso da contratação de diferentes técnicos,
enfermeiros e médicos, para desempenho de funções no SNS. Como é conhecido,
esta é uma situação que não existe apenas o âmbito da Saúde. Existem, por
exemplo, muitos professores a trabalhar nas chamadas Actividades de
Enriquecimento Curricular pagos pelas Câmaras Municipais por valores
semelhantes.
Hoje a imprensa faz eco da existência de docentes
universitários, em estabelecimentos de ensino superior privado e também públicos,
cujo pagamento por hora de aula é de cinco euros ou menos, sendo que alguns
ainda terão que assegurar a preparação das aulas e avaliações sem remuneração
acrescida. Os cincos euros por hora parecem ter-se transformado na unidade
de conta dos salários neste processo de empobrecimento e proletarização da nossa
economia empreendido pelos feitores da troika que nos governa e afunda.
Importa contextualizar as relações laborais num
universo com mais de 16% de desemprego, 36,2% de desemprego jovem e a segunda
mais alta taxa de precariedade da Europa.
A estabilidade no mundo laboral é espelhada num
léxico que só de ouvir embaraça. São frequentes as referências a excedentários,
as pessoas são excedentárias, não fazem falta, há que libertar o mercado desse
peso, o das pessoas excedentárias. Um outro termo é o trabalho precário,
flexível, dizem, que torna precária uma vida sem a confiança no amanhã.
Também me parece curiosa a ideia de rescisão
amigável que, amigavelmente é claro, manda milhares para o desemprego. No
fundo, as pessoas deixam de ser pessoas, são activos que como tal devem ser
geridos em função do mercado, adquirem-se, dispensam-se, descartam-se, gerem-se
e, finalmente, abandonam-se.
Neste cenário, os desequilíbrios fortíssimos
entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral
favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide,
promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas.
Alguns dos vencimentos que se conhecem, atingindo
também camadas altamente qualificadas, não são um vencimento, são é um subsídio
de sobrevivência. É exactamente a luta pela sobrevivência que deixa muita
gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do
trabalho sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis que entre o
nada e a migalha "escolhem amigavelmente" a migalha". Como é
evidente esta dramática situação vai de mansinho alargando e numa espécie de
tsunami vai esmagando novos grupos sociais e famílias que se julgavam
razoavelmente protegidas nos seus empregos e salários.
E um escândalo. Grave e dramático é que as pessoas são
"obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são activos
descartáveis.
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