Dedico sempre alguma atenção aos discursos produzidos por
algumas das figuras mais representativas da Igreja portuguesa entre as quais se
inclui, obviamente, D. José Policarpo, o patriarca de Lisboa. Hoje, em Fátima, entendeu por bem sustentar que os problemas
não se resolvem “contestando, indo para grandes manifestações” pois a “democracia
na rua é a corrupção da harmonia democrática”.
Mais, criticou “a reacção colectiva a este momento nacional”
mas assume algum optimismo afirmando que “há sinais de que os sacrifícios
levarão a resultados positivos.
Aprofunda a sua análise referindo que a situação de crise
que atravessamos foi produzida “ao longo de muito tempo”. “Estes problemas
foram criados por nós e por quem nos governou” acrescentou, mas manifesta-se “incompetente”
para se pronunciar sobre as decisões do actual ou de anteriores governos.
Na conversa com os jornalistas surge uma questão a D. José
Policarpo, registada numa peça televisiva mas omissa na peça do Público sobre o
eventual aumento do IMI nos edifícios património da Igreja. O patriarca acha
que deve ser cumprida a concordata, embora se possa negociar e entende que não
se podem alterar disposições acordadas apenas com uma “decisão administrativa”.
A ver se eu percebo, D. José Policarpo. Muitos de nós tínhamos
fixado nos contratos e vínculos laborais os rendimentos que nos deviam ser
pagos. Uma “decisão administrativa” como lhe chama, baixou esses rendimentos
sem qualquer negociação.
Muitos de nós D. José Policarpo, estávamos sujeitos a uma
carga fiscal fixada que por uma “decisão administrativa”, não negociada, foi
brutalmente agravada.
Sabe D. José Policarpo, os sinais positivos de que os
sacrifícios levarão a resultados positivos como afirma, talvez não sejam muito
visíveis ou percebidos pelos muitos milhares de portugueses que diariamente em luta pela dignidade e sobrevivência e em número crescente batem à porta de instituições de solidariedade social,
muitas delas da Igreja, como o senhor cardeal deverá saber bem melhor do que eu.
D. José Policarpo, talvez não seja estranho que esta gente
toda sinta a necessidade de ir para a rua expressar descontentamento, revolta,
desesperança. Como o Sr. D. José Policarpo afirma, talvez os problemas não se resolvam
contestando, mas o silêncio dos inocentes também não os resolve. Os inocentes
que o senhor acha que não deveriam ir para a rua protestar, não têm voz nem peso para se sentar à
mesa das “negociações” como o Sr. Cardeal, a Igreja, fará para que o IMI não
atinja o património da Igreja.
Hoje, vai desculpar-me, fiquei convencido de que talvez não tenhamos
o mesmo entendimento de solidariedade. No fundo, nada de estranho quando se tem
poder, entendemos que os inocentes devem resignar-se “aceitando as decisões
administrativas”, os sacrifícios, e acreditar num futuro redentor, e nós, nós
entendemos que não aceitamos “decisões administrativas” lesivas dos
nossos interesses e exigimos que sejam negociadas, isto é, alteradas.
Registei e não gostei.
4 comentários:
Eu também não gostei do que D. M. Policarpo disse, mas adorei o que escreveu o professor... Chegou para ele!!!
Concordo com o que escreveu e agradeço a sua lucidez sobre este assunto, não vá qualquer "sombra de pecado" toldar-nos o raciocínio sobre o acto de manifestarmos com dignidade o nosso desejo de melhor humanidade !
Pois é, Zé, também se deve ter esquecido dos acontecimentos populares de 1975,nomeadamente, no norte do país, onde até havia coisas a arder e tudo.Pois, há o argumento que os tempos eram outros, mas os tempos são sempre outros e temos tendência de nos esquecermo-nos de algumas coisas - uma das belas funções da memória.
Antigo companheiro de viagens , numa 4L, para reuniões ao longo do vale do Tejo, lá pelos anos 80.
Anos 80?! Isso foi quando? Há um monte de tempo.
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