quarta-feira, 17 de outubro de 2012

BOLONHICES E PORTUGUESICES

O Ministro Nuno Crato anunciou a intenção de proceder a uma revisão dos conteúdos da Declaração de Bolonha no que respeita à condições de creditação de competências profissionais. É óbvio que tal decisão decorre da meteórica e escandalosa licenciatura atribuída pela Universidade Lusófona a Miguel Relvas. Por me parecer oportuno, retomo umas notas antigas.
Em primeiro lugar, devo dizer que estou ligado profissionalmente a uma instituição de ensino superior privado, creio que a mais antiga do país, com 50 anos, o que de alguma forma me envolve nesta questão, mas, por outro lado, me permite falar com algum conhecimento.
Como já o tenho referido, o aumento exponencial da procura do ensino superior durante os anos 70 e 80 não encontrou resposta na rede existente fundamentalmente pública. Nesse contexto emergiu rapidamente uma enorme quantidade de estabelecimentos de ensino superior privado e, naturalmente, também no ensino público com novas universidades e a explosão do ensino politécnico.
Este aumento foi completamente desregulado, por responsabilidade da tutela com a justificação da autonomia universitária, o que gerou uma rede sobredimensionada, enviesada na oferta, com corpos docentes em muitos casos manifestamente pouco qualificados e, portanto, com compromissos severos de qualidade.
Por outro lado, a decisão política, de base económica, que justificou o processo de Bolonha, introduziu uma outra variável neste universo, as licenciaturas de curta duração, o 1º ciclo, que em algumas áreas passaram a ser a formação de base substituta da anterior formação de 5 anos. O Processo de Bolonha abriu ainda portas ao reconhecimento académico de competências profissionais o expediente de que Relvas e a Universidade Lusófona se serviram e daí a sua reclamação de “legalidade” já reconhecida pela Procuradoria-geral embora, obviamente, essa nunca tenha sido a questão central.
Um cenário desta natureza num contexto praticamente desregulado, apesar de algumas inspecções inconsequentes, como a imprensa referiu, conhecendo-se a falta de arquitectura ética de boa parte das nossas lideranças bem como a importância social atribuída ao "canudo de DR." e menos ao conhecimento, a promiscuidade de interesses e dos lóbis (aliás, uma das 4 cadeiras feitas por Miguel Relvas) motivou muitos casos de trânsito entre universidades privadas, e não só, e a classe política, sendo muito frequente que uma figura qualquer com currículo partidário ou a ocupação de um cargo político passe em seguida a “Professor universitário” sem currículo nem competência que o justifique, mas de cuja ligação se espera que todos ganhem, seja lá o que for.
É neste caldo que se geram as situações como a do Ministro Miguel Relvas e de mais algumas situações menos mediatizadas mas conhecidas.
Lamentei e lamento todo este episódio, que mina a credibilidade do ensino superior privado e faz duvidar de um princípio que por si é importante, o reconhecimento pela academia de que existem saberes e competências que podem ser adquiridas fora da universidade, mas trabalhando mesmo e fazendo prova desses saberes e competências. Fico triste com esta situação mas não surpreendido e por isso entendo a decisão da sua revisão por parte do MEC. Não deveria ser necessário mas é como se passa com os miúdos, quando eles não sabem tomar conta deles, alguém tem que o fazer.
É evidente que a figura menor de Miguel Relvas, se lhe restasse uma ponta, mesmo que residual, de sentido ético e dignidade, já teria pedido há muito a demissão.
Mas esta coisa de sentido ético e dignidade não se aprende na universidade, muito menos em meteóricas licenciaturas de um ano.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Professor, um Ministro da Educação que diz que a escolha do Curso Superior não deve seguir factores emocionais mas sim de racionalidade, para mim está tudo dito.

Quanto à nossa Instituição deixo-lhe um poema:

Indiferença Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

Bertolt Brecht

Abraço
António Caroço

Zé Morgado disse...

Olá António, Curiosamente, há umas semanas atrás, coloquei aqui um texto escrito em cima deste poema do Brecht. Um abraço