A imprensa é hoje notícia. Ao que parece, um
grupo angolano vai comprar, entre outros títulos, os históricos Diário de
Notícias e Jornal de Notícias para além da TSF. Os trabalhadores da Lusa estão
em greve como protesto contra decisões da tutela que, do seu ponto de vista, para
além de implicações profissionais, se reflectirão na qualidade e no direito à
informação. Finalmente, os trabalhadores do Público também cumprem hoje greve
contra o plano de restruturação apresentado pelo acionista que, afirmam,
comprometerá o projecto de qualidade jornalística.
É recorrente, não só em Portugal, a questão da
sobrevivência da imprensa e, naturalmente, da sua independência face aos
poderes, político e económico, designadamente. Sabemos das tentativas de controlo
político da imprensa, há pouco tempo ocorreu o deplorável episódio envolvendo o
Público e o Ministro Miguel Relvas, como também sabemos da eventual agenda
implícita dos investimentos dos grupos e poderes económicos na imprensa,
veja-se os investimentos angolanos na comunicação social em Portugal.
Por outro lado, a evolução do próprio mundo dos
jornais, a evolução exponencial do universo do on-line, a conjuntura económica
inibidora de gastos das famílias em bens “não essenciais” e, caso particular de
Portugal, o baixo nível de hábitos de leitura e consumo da imprensa escrita,
produzem dificuldades de sobrevivência de títulos de qualidade, chamados de
referência, abrindo caminho à chamada imprensa tablóide que, apesar das
oscilações, se mantém relativamente saudável, o que se entende. São também tablóides
os tempos.
Como leitor de jornais desde muito novo, é sempre
com inquietação que leio estas notícias. Numa entrevista ao Público de há algum
tempo, um especialista, Tom Rosenstiel afirmava que se o jornalismo, (os
jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento,
as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". Creio que a
cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da
espuma dos dias e acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das
incidências do mercado a que os jornalistas e os jornais deverão adaptar-se, os
jornais em papel são como os dias, nunca acabam. Se forem jornais, bons
jornais. Quando escrevo sobre estas matérias recordo-me sempre de jornais e
jornalistas que me têm acompanhado ao longo da vida e que me fazem manter
leitor diário de jornais em papel. É que, apesar de também consumir informação
noutros suportes, não é a mesma coisa.
Sem a preocupação de ser exaustivo ou seguir
qualquer ordem que não seja a memória, algumas referências que estão dentro da
minha mochila. Quando era miúdo aguardava com a maior das ansiedades que o meu
pai chegasse do trabalho no Arsenal do Alfeite para trazer a Bola já
lida por muitas mãos e onde se "aprendia" a ler com o Vítor Santos ou
o Aurélio Márcio.
Lembro-me como a adolescência e juventude ficaram
ligadas a títulos como o Comércio do Funchal com Vicente Jorge Silva,
o Jornal do Fundão com o António Paulouro ou o Notícias da Amadora,
janelas, frestas, por onde se espreitava a realidade que um regime espesso e
fechado teimava em esconder e censurar.
Recordo com saudade o Diário de Lisboa
com o suplemento A Mosca com Luís Sttau Monteiro ou as ilustrações do
Abel Manta ou o Diário Popular com o Baptista Bastos que ainda anda
por aí. A circunspecção formal e competente do Diário de Notícias com
Mário Mesquita e o outro Mário, o Bettencourt Resendes ou a inovação e agitação
trazida pelo Independente de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas.
Não esqueço a abertura possível verificada com a "ala liberal" de
Pinto Balsemão ou Sá Carneiro ligada ao Expresso que mexeu seriamente
com o jornalismo em Portugal. Relembro o espaço que o Jornal de Letras
veio ocupar com José Carlos Vasconcelos.
Finalmente, o registo do aparecimento do Público,
um companheiro com quem me zango tantas vezes mas que continua a entrar
diariamente cá em casa na versão papel.
A imprescindível sobrevivência dos jornais, dos bons
jornais, garante-se na escola, nos hábitos de leitura, na educação. Na
cidadania.
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