Com alguma periodicidade reentra na agenda a
questão dos trabalhos de casa, os míticos TPCs. Agora a referência decorre de
uma intenção expressa por François Hollande de abolir os TPCs em França tal
como já acontece noutros países. Aliás, é curioso que desde 1956 foi determinada a sua não utilização no ensino primário francês, embora muitas escolas os
continuem a prescrever.
Alguns mais atentos a estas matérias, sempre em
aberto, lembrar-se-ão de que há alguns meses se noticiou um apelo realizado pela Fédération des
Conseils de Parents d'Élèves (FCPE) e pelos professores representados pela
organização Institut Coopératif de l'Ecole Moderne (ICEM) de França, no sentido
de se boicotar a feitura dos trabalhos de casa, prescritos por muitos
professores apesar de formalmente já eliminados, como referi. Os pais consideram
os TPCs "inúteis" e "cansativos", "empurrando a
responsabilidade de ensinar para cima dos pais". Os professores entendem
que os trabalhos de casa aumentam as desigualdades entre as crianças uma vez
que "Nem todas as famílias têm tempo ou conhecimentos suficientes para
ajudar os seus filhos".
Considerando a realidade portuguesa, pode
acontecer no nosso sistema que crianças, do 1º, 2º e 3º ciclos passem 8 ou 10
horas diárias na escola (no limite algumas crianças poderão estar 55 horas semanais na escola, um assombro).
Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE.
Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para
Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos
escolares, ou seja mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista mas
creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em
Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que
as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar,
pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece
mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa. Os
TPCs clássicos têm ainda o problema acrescido de colocar os pais, muitas vezes,
em situações embaraçosas de quererem ajudar os filhos e não possuírem
habilitações para tal. A propósito, numa reunião de pais em que eu estava e se
discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar
é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro
eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais
nesta posição é absolutamente inaceitável.
Torna-se, pois, necessário que professores e
escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual
ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve,
envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola, como, aliás refere a
organização francesa dos pais e a dos professores que apelaram ao boicote aos
TPCs.
Se mesmo assim houver a tentação do trabalho de
casa, deveria estar assegurado que a criança tem capacidade e competência para
o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na
verdade, porque milagre ou mistério uma criança que tem dificuldade em realizar
os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e
colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Só se estivermos à espera
da ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores".
No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas
idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma
questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os
estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o
tempo global de aprendizagem, que faz a diferença, uma vez que os alunos de
países bem classificados, (no PISA) passam menos tempo a estudar fora da
escola, em explicações, estudo individual ou TPC".
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