Nos meus tempos de miúdo nos filmes de
"cowboys" ou policiais havia sempre uma cena em que se ouvia o
clássico "a bolsa ou a vida". Actualmente, ouvimos constantemente a
expressão "a bolsa e a vida". Sem surpresa, o Ministro Vítor Gaspar
anunciou um novo patamar do assalto colossal a uma devastada classe média e
média alta, em vias de extinção, sacando mais uns euros aos rendimentos que não
são passíveis de fugir ao fisco, os das pensões e os do trabalho sendo que,
para não variar, os cortes na despesa são matéria omissa e "em
estudo".
Este caminho insensato e delinquente do Governo
vai produzindo a emergência de um grupo alargadíssimo de pessoas que vão sendo
inexoravelmente arrastadas para o empobrecimento e zonas de dificuldades nunca
antecipadas. O discurso intimidatório da ausência de alternativas é uma enorme falsidade
e um atentado à dignidade.
Na verdade, verifica-se o aumento exponencial o
que se tem vindo a designar por "novos pobres", milhões de pessoas
que apesar de terem emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos
cortes e aumentos realizados vão resvalando para uma condição de pobreza que
dizem, de uma forma despudorada e arrogante, nos conduzirá à salvação,
horizonte que ninguém consegue vislumbrar mesmo quando o Primeiro-ministro
decreta que 2013 será o ano da reviravolta e o Ministro das Finanças anuncia
para 2013 o aumento do desemprego.
Contamos nesta altura com cerca de 2,7 milhões de
pessoas em risco de pobreza e, a UE reconhece-o, as medidas de austeridade não
têm sido equitativas, penalizando a classe média e as famílias com menores
rendimentos o que o anúncio de ontem confirma e agrava.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para
além das consequências óbvias das dificuldades, ainda se torna necessário, como
várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas.
De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades
económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se
verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora
maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a
sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha,
exactamente por uma questão de dignidade roubada.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma
vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir
efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no
sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição
de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a
situações de exclusão extrema para bastantes outros.
A prática e os discursos do Governo não permitem
acreditar na séria remodelação das políticas e não uma eventual remodelação das
caras.
No meio deste drama ainda ouvimos regularmente
declarações verdadeiramente insultuosas que contribuem para a construção de um caldo
de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos
costumam identificar e nos quais as lideranças políticas querem
desesperadamente acreditar. Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Vamos assistindo de mansinho a episódios que entre nós não são muito
frequentes.
Gostamos de acreditar que somos mesmo um povo
tranquilo e de brandos costumes, a questão é que, como dizia Camões, todo o
mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.
Pessoas no limiar da sobrevivência, revoltadas,
injustiçadas, com a dignidade roubada, sem esperança, vão sentindo que já não
têm nada a perder e um dia ... um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.
4 comentários:
"O mágico fez um gesto e desapareceu a fome, fez outro e desapareceu a injustiça, fez um terceiro e desapareceram as guerras".
"O político fez um gesto e desapareceu o mágico".
saudações
Assalto foi o que os governos de Sócrates fizeram ao país. Gastaram o que tinhamos e o que não tinhamos em obras faraónicas, muitas delas sem utilidade nenhuma.
Quanto às medidas de austeridade há que dizer a verdade: os mais desfavorecidos não vão ser atingidos pela esmagadora maioria dos cortes, a classe média vai ser afectada, mas a mais afectada será a classe alta, indo de encontro à progressividade da austeridade de acordo com os rendimentos de cada um.
Mais vale agora empobrecermos durante dois ou três anos para depois podermos ter a necessária independência financeira (que agora não temos!), um crescimento económico sustentável e as contas equlibradas. Tudo para bem dos nossos filhos.
O seu comentário, caro Pedro, não resiste a uma análise do que tem sido a gestão política nas últimas décadas, quer com o PSD, quer com o PS, trata-se de modelos da mesma natureza, a estrutura mantém-se, varia a conjuntura. Lembra-se certamente da betonização do país com Cavaco Silva. Não, não me rotule já. A partidocracia construída pelo centrão converteu-me de há muio ao abstencionismo de que não me orgulho. Atento, inquieto, preocupado mas sem agenda partidária que inibe a lucidez, não permitindo perceber que, por exemplo, mais de dois milhões de portugueses em risco de pobreza, a caminho de um milhão de dsempregados, metade dos quais sem subsídio não representam a classe "alta mais afectada" como afirma. Também não permitem acreditar, eu gostava, nos amanhãs que cantam daqui a três anos numa importação curiosa de outras paragens. Vá passando.
(apaguei o comentário anterior porque tinha gralhas)
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