quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A BOLSA E A VIDA, ISTO É UM ASSALTO

Nos meus tempos de miúdo nos filmes de "cowboys" ou policiais havia sempre uma cena em que se ouvia o clássico "a bolsa ou a vida". Actualmente, ouvimos constantemente a expressão "a bolsa e a vida". Sem surpresa, o Ministro Vítor Gaspar anunciou um novo patamar do assalto colossal a uma devastada classe média e média alta, em vias de extinção, sacando mais uns euros aos rendimentos que não são passíveis de fugir ao fisco, os das pensões e os do trabalho sendo que, para não variar, os cortes na despesa são matéria omissa e "em estudo".
Este caminho insensato e delinquente do Governo vai produzindo a emergência de um grupo alargadíssimo de pessoas que vão sendo inexoravelmente arrastadas para o empobrecimento e zonas de dificuldades nunca antecipadas. O discurso intimidatório da ausência de alternativas é uma enorme falsidade e um atentado à dignidade.
Na verdade, verifica-se o aumento exponencial o que se tem vindo a designar por "novos pobres", milhões de pessoas que apesar de terem emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos realizados vão resvalando para uma condição de pobreza que dizem, de uma forma despudorada e arrogante, nos conduzirá à salvação, horizonte que ninguém consegue vislumbrar mesmo quando o Primeiro-ministro decreta que 2013 será o ano da reviravolta e o Ministro das Finanças anuncia para 2013 o aumento do desemprego.
Contamos nesta altura com cerca de 2,7 milhões de pessoas em risco de pobreza e, a UE reconhece-o, as medidas de austeridade não têm sido equitativas, penalizando a classe média e as famílias com menores rendimentos o que o anúncio de ontem confirma e agrava.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades, ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de exclusão extrema para bastantes outros.
A prática e os discursos do Governo não permitem acreditar na séria remodelação das políticas e não uma eventual remodelação das caras.
No meio deste drama ainda ouvimos regularmente declarações verdadeiramente insultuosas que contribuem para a construção de um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar. Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades". Vamos assistindo de mansinho a episódios que entre nós não são muito frequentes.
Gostamos de acreditar que somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, a questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.
Pessoas no limiar da sobrevivência, revoltadas, injustiçadas, com a dignidade roubada, sem esperança, vão sentindo que já não têm nada a perder e um dia ... um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

4 comentários:

anónimo paz disse...

"O mágico fez um gesto e desapareceu a fome, fez outro e desapareceu a injustiça, fez um terceiro e desapareceram as guerras".

"O político fez um gesto e desapareceu o mágico".


saudações

Pedro disse...

Assalto foi o que os governos de Sócrates fizeram ao país. Gastaram o que tinhamos e o que não tinhamos em obras faraónicas, muitas delas sem utilidade nenhuma.
Quanto às medidas de austeridade há que dizer a verdade: os mais desfavorecidos não vão ser atingidos pela esmagadora maioria dos cortes, a classe média vai ser afectada, mas a mais afectada será a classe alta, indo de encontro à progressividade da austeridade de acordo com os rendimentos de cada um.
Mais vale agora empobrecermos durante dois ou três anos para depois podermos ter a necessária independência financeira (que agora não temos!), um crescimento económico sustentável e as contas equlibradas. Tudo para bem dos nossos filhos.

Zé Morgado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Zé Morgado disse...

O seu comentário, caro Pedro, não resiste a uma análise do que tem sido a gestão política nas últimas décadas, quer com o PSD, quer com o PS, trata-se de modelos da mesma natureza, a estrutura mantém-se, varia a conjuntura. Lembra-se certamente da betonização do país com Cavaco Silva. Não, não me rotule já. A partidocracia construída pelo centrão converteu-me de há muio ao abstencionismo de que não me orgulho. Atento, inquieto, preocupado mas sem agenda partidária que inibe a lucidez, não permitindo perceber que, por exemplo, mais de dois milhões de portugueses em risco de pobreza, a caminho de um milhão de dsempregados, metade dos quais sem subsídio não representam a classe "alta mais afectada" como afirma. Também não permitem acreditar, eu gostava, nos amanhãs que cantam daqui a três anos numa importação curiosa de outras paragens. Vá passando.
(apaguei o comentário anterior porque tinha gralhas)