A agenda dos últimos dias volta a contar com um dos seus
temas mais recorrentes, as escutas. Na verdade com uma regularidade
impressionante vamos sendo bombardeados com episódios de escutas, envolvendo as
mais diversas pessoas e em diferentes circunstâncias. Agora chegou a vez a essa
personagem chamada Miguel Relvas, mais conhecido pelo “Dr.” e também tocou a Passos
Coelho ser escutado, algo que ele bem quereria, noutras circunstâncias,
evidentemente.
Sempre que estas coisas são faladas, emergem opiniões sobre
as escutas e a excessiva facilidade com que se produzem. Confesso que também
eu, que procuro estar atento e inquieto, me sinto preocupado.
A minha preocupação advém do entendimento de que,
contrariamente ao discurso mais generalizado, me parece que se escuta de menos.
Diria mesmo que enquanto sociedade e considerando sobretudo os tempos actuais,
apresentamos um sério problema de surdez, não escutamos. De forma mais
adequada, poderíamos até dizer que revelamos o que se chama uma surdez
selectiva, só escutamos o que queremos. Vejamos alguns, só alguns, dos nossos problemas de
escuta.
Existem milhares de pessoas cuja voz que ninguém
escuta. Os últimos tempos têm sido bem elucidativos sobre o não escutar da voz
das pessoas. É certo que muitas nem voz têm. No entanto, em alturas como
campanhas eleitorais fica bem escutá-los, de passagem é claro, sempre poderão
render uns votos.
Escuta-se pouco os velhos sós, que vivem isolados
e que sobrevivem com pensões de miséria.
Continuo a achar que existem demasiados putos
que, por mais alto que gritem, ninguém os escuta.
Sabemos dos milhares de crianças maltratadas e de
mulheres vítimas de violência a que damos pouca escuta.
É preciso escutar milhares de desempregados sem
acesso a subsídios de desemprego ou a outras formas de apoio.
E que dizer de milhares de jovens com
dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho e que vêem comprometida
a possibilidade de um projecto de vida.
A insensível e delinquente incapacidade de escuta
de muitos políticos face à realidade difícil em que muitas famílias vivem é assustadora.
É preciso escutar os milhares de pessoas sem
médico de família e em listas de espera intermináveis para a prestação de
cuidados de saúde.
É necessário escutar os injustiçados por um
sistema de justiça caro, ineficaz, moroso e desigual.
Como vêem, contrariamente, às vozes que clamam
contra a existência ou o excesso de escutas, mantenho a convicção de que cada
vez se escuta menos.
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