No nosso mercado de trabalho parece instalada a
circunstância, no mínimo perversa, de jovens que indicam habilitações inferiores
às que possuem para que não sejam excluídos do acesso a empregos menos qualificados
por possuírem "habilitações a mais". A forma como isto é referido e a
análise que por vezes é feita, promovem, ainda que não intencionalmente, alguns equívocos
que me inquietam e que retomo de notas já aqui deixadas.
Em primeiro lugar lembrar que os mais novos ocupam uma
fatia muito significativa do desemprego em Portugal, actualmente está acima dos
36%.
No caso dos jovens, a referência à situação de desemprego
surge regularmente associada à sua qualificação
académica, ensino superior sobretudo, que não "lhes serve para nada"
e aqui reside a minha preocupação.
Primeiro, os jovens licenciados não estão no
desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado
pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra
qualificada e muitos estão no desemprego porque, por desresponsabilização da
tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada
distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais
uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as
que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo
nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e,
estranhamente, esta importante variável raramente é associada a esta questão),
revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve
também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo
algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento
pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e
do INE, um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o
ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos
57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano
recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber
duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm
3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34
anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em
Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na
franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo
com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um
indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os
jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e
inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro,
esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge
toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação
do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e
não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda. Portugal é o
segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a
prazo.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência da
mensagem demasiado frequente de que a formação é irrelevante, o desemprego é o
destino como muitas vezes esta questão é tratada.
A qualificação profissional, de nível superior ou
não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta
do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho
minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo
com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista"
do país de doutores, continuamos com uma enorme probabilidade não cumprir a
meta europeia para 2020 de 40% de licenciados no escalão etário 30-34 anos.
Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que
terá consequências gravíssimas.
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