No mesmo dia em que na capa do JN se lê que
existem 147 mil trabalhadores a receber menos de 310 €, relembro que o salário
mínimo é 485 €, encontra-se também uma referência a uma afirmação do Primeiro-ministro
considerando "perverso" o recurso a trabalho temporário, reportando-se
ao caso da contratação de diferentes técnicos, enfermeiros e médicos, para
desempenho de funções no SNS. Como é conhecido esta é uma situação que não
existe apenas o âmbito da Saúde. Existem, por exemplo, muitos professores a
trabalhar nas chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular pagos pelas
Câmaras Municipais por valores semelhantes.
É curiosa esta afirmação de Passos Coelho,
obviamente não estranha no despudorado cenário político português, pois estamos
a assistir às consequências da sua visão ao serviço da troika, dos mercados,
assente no empobrecimento como via para o desenvolvimento, custe o que custar.
Importa contextualizar as relações laborais num universo
com cerca de 16% de desemprego, 36,2% de desemprego jovem e a segunda mais alta
taxa de precariedade da Europa.
A estabilidade no mundo laboral é espelhada num
léxico que só de ouvir embaraça. São frequentes as referências a excedentários,
as pessoas são excedentárias, não fazem falta, há que libertar o mercado desse
peso, o das pessoas excedentárias.
Um outro termo é o trabalho precário, flexível, dizem,
que torna precária uma vida sem a confiança no amanhã.
Também me parece curiosa a ideia de rescisão
amigável que, amigavelmente é claro, manda milhares para o desemprego. No
fundo, as pessoas deixam de ser pessoas, são activos que como tal devem ser
geridos em função do mercado, adquirem-se, dispensam-se, descartam-se, gerem-se
e, finalmente, abandonam-se.
Neste cenário, os desequilíbrios fortíssimos
entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral
favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide,
promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas.
Alguns dos vencimentos que se conhecem, referidos
no título do JN, ou o de alguns técnicos com formação superior, não é um
vencimento, é um subsídio de sobrevivência. É exactamente a luta pela
sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de
desemprego e à entrada no mundo do trabalho sem margem negocial, altamente
fragilizadas e vulneráveis que entre o nada e a migalha "escolhem
amigavelmente" a migalha".
E um escândalo. Grave e dramático é que as pessoas são
"obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são
descartáveis.
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