sábado, 7 de julho de 2012

RELVAS, PORTUGUESICES E BOLONHICES

Estava indeciso sobre o retornar ao caso da meteórica licenciatura do Ministro Miguel Relvas, mas acho que os desenvolvimentos justificam algumas notas.
Em primeiro lugar, devo dizer que estou ligado profissionalmente a uma instituição de ensino superior privado, creio que a mais antiga do país, com 50 anos, o que de alguma forma me envolve nesta questão, mas, por outro lado, me permite falar com algum conhecimento.
Como já o tenho referido, o aumento exponencial da procura do ensino superior durante os anos 70 e 80 não encontrou resposta na rede existente fundamentalmente pública. Nesse contexto emergiu rapidamente uma enorme quantidade de estabelecimentos de ensino superior privado e, naturalmente, também no ensino público com novas universidades e a explosão do ensino politécnico.
Este aumento foi completamente desregulado, por responsabilidade da tutela com a justificação da autonomia universitária, o que gerou uma rede sobredimensionada, enviesada na oferta, com corpos docentes manifestamente pouco qualificados em muitas circunstâncias e, portanto, com compromissos severos de qualidade.
Por outro lado, a decisão política, de base económica, que justificou o processo de Bolonha, introduziu uma outra variável neste universo, as licenciaturas de curta duração, o 1º ciclo, que em algumas áreas passaram a ser a formação de base substituta da anterior formação de 5 anos. O Processo de Bolonha abriu ainda portas ao reconhecimento académico de competências profissionais o expediente de que Relvas e a Universidade Lusófona se serviram e daí a sua reclamação de “legalidade”, ameaçando com processos qual “virgem ofendida”.
Um cenário desta natureza num contexto praticamente desregulado, apesar de algumas inspecções inconsequentes, como hoje se refere no Público, e conhecendo-se a falta de arquitectura ética de boa parte das nossas lideranças bem como a importância social atribuída ao canudo e menos ao conhecimento, a promiscuidade de interesses e dos lóbis (aliás, uma das 4 cadeiras feitas por Miguel Relvas) motivou muitos casos de trânsito entre universidades privadas, e não só, e a classe política, sendo muito frequente que uma figura qualquer com currículo partidário ou a ocupação de um cargo político passe em seguida a “Professor universitário” sem currículo nem competência que o justifique mas de cuja ligação se espera que todos ganhem, seja lá o que for.
É neste caldo que se geram as situações como a do Ministro Miguel Relvas e a demais algumas situações menos mediatizadas mas conhecidas.
Lamento todo este episódio que mina a credibilidade do ensino superior privado e faz duvidar de um princípio que por si é importante, o reconhecimento pela academia de que existem saberes e competências que podem ser adquiridas fora da universidade, mas trabalhando mesmo e fazendo prova desses saberes e competências. Fico triste com esta situação mas não surpreendido.
Espero que o trabalho em curso pela A3ES de avaliação e acreditação do ensino superior possa ser um contributo para a defesa e promoção da qualidade.
Quanto à figura menor de Miguel Relvas, se lhe restasse uma ponta, mesmo que residual, de sentido ético e dignidade, já teria pedido a demissão.
Mas esta coisa de sentido ético e dignidade não se aprende na universidade, muito menos em meteóricas licenciaturas de um ano.

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