terça-feira, 17 de julho de 2012

A PEGADA ÉTICA

Estou pasmado. D. Januário Torgal, bispo das forças armadas produziu uma das mais violentas intervenções contra o Governo. Afirmou, cito através do Público, "Eu não acredito nestes tipos, em alguns destes tipos, porque são equívocos, porque lutam pelos seus interesses, porque têm o seu gangue, porque têm o seu clube, porque pressionam a comunicação social, o que significa que os anteriores, que foram tão atacados, eram uns anjos ao pé destes diabinhos negros que acabam de aparecer".
Na verdade, a mensagem de D. Januário Torgal surpreende pela linguagem pesadíssima que utiliza e, sobretudo, pelo próprio mensageiro, um alto representante da hierarquia da Igreja. No entanto, deve recordar-se que, apesar de utilizarem uma forma e conteúdos menos incisivos, outros elementos da Igreja, sobretudo ligados a instituições de solidariedade social que estão na primeira linha de percepção dos problemas graves que milhões de portugueses conhecem, têm expressado sérias preocupações com os efeitos que a opção insistente e inflexível pela austeridade têm vindo a provocar. Este quadro é ilustrado com referências à 1ª página da imprensa de hoje, no CM regista-se que as pessoas com rendimentos superiores a 250 000 € estão a pagar menos impostos enquanto no JN lemos que aumentam as famílias com o fornecimento de água cortado por incapacidade de o pagar. No DN titula-se que mais 5 000 pais deixaram de pagar a pensão de alimentos a qe estão obrigados e, por outro lado, menos de um terço das empresas em Portual pagam IRC. Este cenário ajuda a perceber a assimetria crescente que o relatório do INE sobre as condições de vida há dias mostrava. Pode acrescentar-se ainda o que é referido por Paulo Morais, vice-presidente da Transparência e Integridade - Associação Cívica, sobre o nebuloso e promíscuo processo de privatização da EDP e da REN.
Apesar da referência pesada à questão da corrução por parte de D. JanuárioTorgal, parece-me mais relevante a afirmação,  "O problema é civilizacional, porque é ético”.
Com muita frequência abordo no Atenta Inquietude a preocupação com o que tenho referido por pegada ética, isso mesmo, pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar. É com excessiva frequência que tomamos conhecimento de episódios verdadeiramente escandalosos e que decorrem na maior das impunidades, sem um sobressalto. O caso da licenciatura do Ministro Miguel Relvas, ainda na agenda, é apenas mais um destes exemplos. Curiosamente, o Primeiro Ministro considera-o um "não assunto". Notável.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

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