Mais de metade dos estabelecimentos de ensino
superior decidiu não aumentar as propinas para o próximo lectivo, ainda que
cinco universidades e um politécnico cobrem a propina máxima. A decisão de
congelar, por assim dizer, as propinas procura, naturalmente, a minimizar o
risco de abandono por dificuldades económicas que famílias e estudantes
atravessam.
Sobre esta matéria, algumas notas repescadas. Um
estudo há pouco tempo divulgado, realizado pelo Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa contribui para desmontar um equívoco que creio instalado
na sociedade portuguesa. Comparativamente a muitos outros países da Europa
Portugal, tem um dos mais altos custos para as famílias para um filho a estudar
no ensino superior, ou seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem
maior, em termos de orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a
formação superior. Se considerarmos a frequência de ensino superior particular
o esforço é ainda maior.
Tem vindo a ser regularmente noticiada a
desistência da frequência dos cursos por muitos alunos que, por si, ou os
respectivos agregados familiares não suportam os encargos com o estudo. Sabe-se
também dos constrangimentos na atribuição de bolsas de estudo.
As dificuldades pelas quais passam muitos
estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público,
quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, considerados
frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento
parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem
supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Desde o início tenho afirmado que o processo de
reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha"
radicou mais em questões económicas que de natureza científica, curricular ou
de mobilidade, envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado
grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de
mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as
propinas dos alunos a financiar significativamente o 2º ciclo que em muitas
instituições têm custos elevados, entrando num cenário a que alguns chamam o
funcionamento do mercado.
Seria ingenuidade excessiva não perceber que as
leis do mercado, sempre o mercado, teriam de chegar também ao ensino superior
público, aliás o estudo hoje divulgado mostra o abaixamento sucessivo do
investimento do estado em cada aluno. No entanto, também entendo que compete a
estudantes e famílias uma parte importante no investimento na formação e
qualificação profissional.
Acontece que conhecendo o tecido social,
económico e cultural português, longe obviamente dos modelos americanos que
alguns defendem, temo que esta entrega às leis do mercado e às capacidades das
famílias, alimentem algo que é, ainda, uma característica do sistema educativo
português e que os relatórios internacionais reconhecem, o baixo impacto da
educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem
em grupos sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores
níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, a redução
significativa das bolsas e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias
atravessam e o desemprego mais elevado entre os jovens, que poderia constituir
uma pressão para continuar os estudos, a que acrescem as elevadas propinas,
designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a realização de percursos
escolares que promovam mobilidade social e que se traduz, por exemplo, no
aumento das desistências.
Quando se espera e entende que a minimização das
assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço e
as dificuldades actuais, longe de as combater, alimenta-as.
É preocupante.
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