À posição crítica dos autores do Programa de Matemática
para o Básico sobre a definição das metas curriculares, junta-se hoje a
divulgação da posição da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação
Matemática sustentando a desactualização das metas curriculares estabelecidas e
criticando o facto de se substituir as metas de aprendizagem em fase de
experimentação sem o óbvio processo de avaliação. No entanto, a Sociedade Portuguesa de Matemática expressa uma posição de princípio favorável ao estabelecimento das metas embora prepare um parecer.
Não tenho conhecimentos para analisar a bondade
de argumentação sobre os conteúdos das metas além de que suspeito de que algumas posições decorrem de agendas outras que não só as metas curriculares, mas, como já fiz, retomo algumas notas
de natureza mais genérica.
As metas curriculares podem funcionar como uma
ferramenta orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores.
Para que tal aconteça, para além do seu ajustamento aos programas em vigor,
importa que, lembrando João dos Santos, sejam de simples utilização e
operacionalização.
Neste sentido, o documento do MEC, que se
encontra em discussão levanta uma enorme reserva. Vejamos o exemplo do 1º ciclo
e apenas para Português e Matemática.
Em Português, temos três domínios que no 1º ano
se desdobram em 20 objectivos e 81 descritores, no 2º ano em 25 objectivos e 86
descritores, no 3º ano 29 objectivos e 104 descritores e no 4º ano em 31
objectivos e 109 descritores. Em síntese, para os quatro anos do 1º ciclo, em
Português, temos 105 objectivos e 380 descritores.
No que respeita à Matemática são definidos 3
domínios que se desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13
objectivos e 62 descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82
descritores, no 3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no
4º ano em 6 sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese
corresponde a 72 objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Estas duas áreas do currículo, Português e
Matemática, envolvem no total 177 objectivos e 703 descritores. Por anos,
temos: no 1º ano 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168
descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e
190 descritores. É obra, uff.
Por outro lado, como também já escrevi, a lógica
de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de
escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos
são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao
MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. A definição exaustiva de metas
curriculares por ano de escolaridade faz emergir o risco de uma leitura
fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014.
Este entendmento pode levar a que o ensino se
transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas
estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias,
entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se,
com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é preocupante a
afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas estabelecem o que os
alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o
ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Por
curiosidade, dois exemplos de descritores de Português que deverão ser “formalmente
ensinados”, “Apropriar-se de novos
vocábulos: reconhecer o significado de um mínimo de 150 novas palavras,
relativas a temas do quotidiano, áreas de interesse dos alunos e conhecimento
do mundo (exemplos de áreas vocabulares: casa, família, escola, vestuário,
profissões, festas, animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler pelo menos 45 de
60 pseudo-palavras (sequências de letras que não têm significado mas que
poderiam ser palavras em português) monossilábicas, dissilábicas e
trissilábicas (em 4 sessões de 15 pseudo-palavras cada)”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com
26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos
casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e
assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de
dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas, não
esquecendo que ainda faltam as respeitantes às outras áreas do currículo.
Se por acaso algum ou alguns professores do 1ºciclo
lerem estas notas, gostava de saber a sua apreciação ao que agora foi definido
e está em discussão pública.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos
anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo
confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática e
a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática.
Sem comentários:
Enviar um comentário