É um lugar comum afirmar que o
trabalho em educação é um desafio constante dada a diversidade dos alunos, dos
contextos sociais e culturais, dos contextos escolares, dos conteúdos
curriculares, etc, etc. De uma forma mais particular, o trabalho educativo com
crianças ou jovens com necessidades especiais é ainda mais desafiante pois, a
tudo o que o que já referi, acrescem as especificidades decorrentes de cada
situação. Neste universo mais restrito, ainda releva o caso dos alunos com
problemas no âmbito da deficiência
mental, independentemente da terminologia empregue.
Esta situação começa pela
própria representação existente sobre a deficiência mental, muito mais ambígua
e indefinida que a representação sobre outra área de problemas, ou seja, de
forma simplista, num pessoa com uma deficiência motora ou visual os seus
problemas são percebidos de uma forma mais clara do que numa pessoa com
deficiência mental. Este discurso não tem a ver com maior ou menor
"dificuldade" no trabalho a realizar, mas sim com percepção instalada
sobre a natureza dos problemas.
Voltando à situação dos alunos
com deficiência mental, (mantendo a terminologia), logo a questão da avaliação
é particularmente difícil. Do meu ponto de vista, não existe nenhum dispositivo
de avaliação no qual caiba inteira uma criança com deficiência mental, como não
existe para nenhuma pessoa considerada normal. Lembro-me sempre de uma
afirmação velha "se existisse o melhor teste do mundo continuaríamos a ter
apenas uma amostra do que uma criança é, sente, pensa ou sabe".
Em segundo lugar, o espaço é
muito curto, coloca-se a questão dos conteúdos e dos contextos educativos. Hoje
em dia, com maior ou menor convicção, com maior ou menor capacidade de
sustentação, entende-se que os conteúdos do trabalho e os contextos de trabalho
devem, tanto quanto possível, sublinho, tanto quanto possível serem aproximados
dos conteúdos e contextos definidos e pensados para os alunos da mesma faixa
etária, fazendo as necessárias adequações, difíceis frequentemente, em função
de cada situação e assentes num princípio de diferenciação.
No nosso sistema este alunos são
acantonados numa entidade designada por Currículo Específico Individual - CEI,
uma bizarrice conceptualmente redundante, se uma estrutura curricular é
desenhada para um indivíduo será, evidentemente específica, donde fica estranha a
designação. Em muitas circunstâncias, apesar de excelentes práticas
que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao abrigo dos
CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da solução,
situação agora potenciada com a Portaria do MEC relativa ao trabalho nas
escolas secundárias. É um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco
consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento
nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, em algumas
circunstâncias o trabalho desenvolvido com estes alunos é ele próprio um factor
de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade.
Tal facto, não decorre da
incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados
e competentes, mas da sua própria representação sobre este grupo de alunos,
isto é, não acreditam que eles realizem ou aprendam. Desta representação
resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de
aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco
relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o
que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno
de há muito estudado.
O que acontece, sem ser por magia
ou mistério, é que quando nós acreditamos que os miúdos são capazes, eles não
se "normalizam" evidentemente, mas são, na verdade, mais capazes, vão
mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas,
ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que
eles progridem e são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o
progresso possível.
E isto envolve professores do
ensino regular, de educação especial, técnicos e pais.
8 comentários:
Olá Pedro, pelas razões que refere escrevo com frequência que os miúdos estão "entregados" e não "integrados". Por outro lado, escola inclusiva é algo que não existe, a escola foi, é e será selectiva e ordenadora, faz parte da sua função social. No entanto não tem que excluir, esse é o meu ponto, o exemplo que refere da sua aluna mostra isso mesmo, trabalhei com muitas crianças, jovens e adultos com deficiência mental, em muitos casos, profunda. Sempre percebi que eles se sentiam melhor junto a gente como nós, mesmo que não realizem o que nós conseguimos. Inclusão não é "normalizar" os miúdos é acolhê-los junto dos colegas da mesma iddade e tentar, tanto quanto possível, a sua participação, este o verdadeiro critério de inclusão não só a aprendizagem, como sabe, melhor do que eu, existem miúdos "normais" que também não aprendem bem e tudo, força.
Parabéns pelo que tem escrito sobre necessidades educativas. Não posso estar mais de acordo!
Obrigado. Creia, no entanto, que lamento ter que escrever o que escrevo
'Eles' são muito mais capazes do que nós alguma vez imaginámos! Não posso esquecer o ar de felicidade de um jovem que transitou este ano para uma secundária quando lhe perguntei: 'estás a gostar da nova escola?'
Respondeu sem qualquer hesitação: ' Não estou a gostar, estou a adorar!!'
Foram longos anos de trabalho numa básica, um ano de preparação para a transição e este resultado fantástico! E agora?? O que vai acontecer face a uma lei inventada por quem não conhece estes miúdos nem sabe o investimento feito por técnicos e famílias para chegar a estes resultados?? Vamos mandá-lo para uma CERCI??? Tenham dó! Não brinquem com coisas sérias!
No entanto, "eles" os que decidem sobre estas matérias são não são muito capazes e outros interesses se levantam
Infelizmente...
Será que também temos de acampar à porta da Assembleia??
Será que alguém nos ouviria??
Eu acampo se for necessário!!! este diploma vai contra todas as politicas de inclusão que são promovidas por Portugal em todos os tratados e acordos que assinou internacionalmente! Devemos sim melhor a inclusão, para que esta seja verdadeira e eficaz!!!! Este diploma tem de ser anulado!
Serão as CERCIs um terrível instrumento ao serviço "deles"?
Seria uma boa ideia tentar conhecer o que as CERCIs têm feito em relação a muitos jovens que não precisaram da escola "inclusiva" para terem um lugar activo e produtivo na sociedade.
Infelizmente o romantismo e a cegueira ideológica não deixam ver que a pluralidade de vias e de oportunidades é sempre melhor do que a unidimensionalidade, por muito incensada que ela possa parecer.
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