Passos Coelho elogiou hoje a "extrema
paciência" que os portugueses têm demonstrado nestes tempos que
atravessamos. Há algumas semanas, também numa espécie de profissão de fé,
Cavaco Silva afirmou que acredita na manutenção do “clima de paz e coesão
social" e Vítor Gaspar disse na sede do FMI que “as pessoas estão
completamente dispostas a sacrificar-se e a trabalhar … desde que o esforço
seja distribuído de forma justa”.
Mais uma vez parece-me de reflectir sobre esta
convicta confiança na paciência, resistência e capacidade de sacrifício dos
portugueses.
As sucessivas e pesadíssimas medidas, chamadas de
austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação
económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para
além dos limites. O desemprego atingiu um nível recorde, bem acima 15%,
prevendo-se ainda o seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à
dignidade das pessoas e testa fortemente a sua paciência e a contenção da
indignação e revolta.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma
muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido
profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e
inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira
da pobreza e da exclusão. Os exemplos são muitos, o caminho é empobrecer, emigrar
é uma saída, custe o que custar, não se queixem, é preciso abandonar a zona de conforto, o desemprego pode ser uma oportunidade, etc., quando,
simultaneamente, o estado, muitas instituições e figuras continuam a promover
gastos e a usufruir de mordomias e rendimentos que não se compreendem e aceitam.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se
corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e
nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar. Como o
povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Na verdade, dizem que somos reconhecidamente um povo
de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no
recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada
que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa
violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos
costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como
característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo
é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de
ser bons rapazes.
1 comentário:
Há povos de acção e de reacção, outros de reflexão e conjectura.
O povo Português tem na sua génese o sacrifício + ou - silencioso mas... INOFENSIVO.
Expurgamos as nossas dores através da canção Nacional.
Por isso não acredito no cansaço de sermos bons rapazes. Vamos continuar a dar a parte posterior do pescoço à canga.
saudações
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