terça-feira, 19 de junho de 2012

CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO. A protecção a tempo inteiro

O Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social anunciou hoje o aumento das vagas nas instituições destinadas ao acolhimento de crianças e jovens em risco minimizando os riscos da sobrelotação e falta de resposta. Afirmou também que os técnicos que integram as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens a meio tempo, situação insustentável e ineficaz, passarão ao regime de tempo inteiro. Ainda neste campo anunciou também a “mobilização” de 300 técnicos para apoio pedagógico nas instituições.
À partida parece uma boa notícia. Há pouco tempo foi divulgado o Relatório de Actividade, relativo a 2011, das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens de que relevava, sinteticamente, um ligeiro abaixamento do número de casos acompanhados pelas Comissões, o facto de a negligência ser a situação mais frequente, o aumento do número de crianças retiradas às famílias e ainda que as escolas continuam a ser a entidade que mais reporta casos de risco.
No entanto e por outro lado, também em 2011, a Linha Criança, existente na Provedoria de Justiça recebeu um total de 740 chamadas sendo 178 relativas a maus tratos e negligência. Também a linha SOS Criança, a funcionar no âmbito do Instituto de Apoio à Criança, procedeu em 2011 ao encaminhamento de 760 crianças em risco, mais 35% do que no ano anterior, com um registo de 565 casos.
Todos estes indicadores talvez possam sugerir que a comunidade estará menos tolerante a eventuais maus tratos aos miúdos o que leva, naturalmente, ao aumento das queixas e ao seu encaminhamento.
A minha questão neste contexto é o que a acontece a seguir nestes processos depois de detectados e encaminhados, alguns.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança, não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram. Esperemos que a decisão hoje comunicada produza efeitos.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

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