O Secretário de Estado da Solidariedade e
Segurança Social anunciou hoje o aumento das vagas nas instituições destinadas ao
acolhimento de crianças e jovens em risco minimizando os riscos da sobrelotação
e falta de resposta. Afirmou também que os técnicos que integram as Comissões
de Protecção de Crianças e Jovens a meio tempo, situação insustentável e
ineficaz, passarão ao regime de tempo inteiro. Ainda neste campo anunciou também
a “mobilização” de 300 técnicos para apoio pedagógico nas instituições.
À partida parece uma boa notícia. Há pouco tempo
foi divulgado o Relatório de Actividade, relativo a 2011, das Comissões de
Protecção de Crianças e Jovens de que relevava, sinteticamente, um ligeiro
abaixamento do número de casos acompanhados pelas Comissões, o facto de a
negligência ser a situação mais frequente, o aumento do número de crianças
retiradas às famílias e ainda que as escolas continuam a ser a entidade que
mais reporta casos de risco.
No entanto e por outro lado, também em 2011, a
Linha Criança, existente na Provedoria de Justiça recebeu um total de 740
chamadas sendo 178 relativas a maus tratos e negligência. Também a linha SOS
Criança, a funcionar no âmbito do Instituto de Apoio à Criança, procedeu em
2011 ao encaminhamento de 760 crianças em risco, mais 35% do que no ano
anterior, com um registo de 565 casos.
Todos estes indicadores talvez possam sugerir que
a comunidade estará menos tolerante a eventuais maus tratos aos miúdos o que leva,
naturalmente, ao aumento das queixas e ao seu encaminhamento.
A minha questão neste contexto é o que a acontece
a seguir nestes processos depois de detectados e encaminhados, alguns.
De há muito e a propósito de várias questões, que
afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e
protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre
assente no incontornável “supremo interesse da criança, não existe o que me
parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens
de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e
falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família, as
frequentemente incompreensíveis decisões em casos de regulação do poder parental
ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho
eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis.
Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de
situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta.
A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem
muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na
eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e
empenho dos profissionais que as integram. Esperemos que a decisão hoje
comunicada produza efeitos.
Este cenário permite que ocorram situações,
frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que,
sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o
apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me
deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que
foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e
referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou
resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor
tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância
que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
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