quinta-feira, 31 de maio de 2018

O DIA DA CRIANÇA, UM DIA SERÃO TODOS


A agenda das consciências determinou para amanhã o Dia da Criança. A liturgia variada associada à efeméride vai acontecer como de costume. As visitas, os passeios, as festas, etc., as idas a espectáculos de todas as naturezas mostrarão uma comunidade preocupada em fazer as crianças felizes. Muitas estão e parecem divertir-se, felizmente. Algumas outras terão de passar por um dia cansativo.
A imprensa fará eco dos múltiplos eventos dirigidos às crianças, ouvirá por uma vez as crianças e produzir-se-ão, certamente, muitos discursos dirigidos aos miúdos e ao seu mundo.
Claro, neste dia, ouvi-las sobre o que pensam do mundo, do seu mundo e da vida das pessoas, é "giro". É verdade que passa depressa, amanhã já não as ouvimos sobre o que as inquieta e lá voltam os miúdos, muitos, a gritar e a agitar-se para se fazerem ouvir.
Tudo bem, pois que seja. Este tipo de efemérides serve também para isso mesmo, a encenação, sempre bem-intencionada da preocupação que descansa as consciências.
É verdade, felizmente, que muitas crianças vivem felizes, por assim dizer, adoptadas pelos pais, acolhidas pela escola e pela comunidade, são o futuro a crescer.
No entanto e nestas alturas lembro-me com frequência do Mestre Almada que na Cena do Ódio falava sobre, "a Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões". De facto, apesar da vaga de discursos e iniciativas em nome das crianças, muitos passam mal, muito mal, todos sabemos. Não cabem no Dia da Criança.
Não cabem os que diariamente são vítimas de crimes e maus-tratos.
Não cabem muitos dos que vivem numa instituição esperando por uma família que nunca virá.
Não cabem os que, por várias razões, são alvo de discriminação e a quem são negados direitos básicos.
Não cabem os que vivem em famílias que os não desejam e mal os suportam.
Não cabem os que apenas comem o que refeição única na escola lhes possibilita.
Não cabem os que vivem em famílias a quem roubaram a dignidade do trabalho e que, por isso, sobrevivem envergonhadamente na pobreza que nos deveria envergonhar a nós.
Não cabem os que a escola não consegue ajudar a construir um futuro a que valha a pena aceder e sofrem políticas educativas pouco amigáveis para os miúdos.
Não cabem os que sofrem de solidão e isolamento sem que se perceba como não estão bem.
Na verdade, estes miúdos de que acabei e falar por vezes parece que não existem, são transparentes, nem os vemos. Por isso, comemora-se o Dia Mundial da Criança com a convicção ingénua ou voluntarista de que, como dizia Pessoa, "o melhor do mundo são as crianças" e que elas são felizes, todas.
O que, obviamente, não corresponde à realidade mas os poetas ... são uns fingidores.
E sabem o que é mais inquietante?
Para o ano vou voltar com este texto, não prescreve.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

PAIS, FILHOS E ACTIVIDADES DESPORTIVAS


Agora na Visão online, umas notas sobre a forma como alguns pais agem quando assistem a actividades desportivas dos filhos.

(...)

DA EUTANÁSIA. POST SCRIPTUM

Pronto, por agora a questão está aquietada. A morte assistida ou a eutanásia são crime. Como escrevi ontem e continuo a pensar, os ermos da discussão devem ser colocados na posição face à despenalização e não no ser contra ou a favor da eutanásia, são questões diferentes.
Escrevi também “Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.
Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra um crime praticado por alguém.
É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação, autonomia, da cidadania.
Neste sentido e apesar de sempre que temos uma votação no Parlamento se poder com razão recorrer ao chavão “é a democracia a funcionar”, não posso deixar de ficar impressionado com o espectáculo patético dos aplausos da CDS-PP e deputados do PSD que votaram contra e do silêncio da bancada do PCP que votou exactamente da mesma forma.
Um partido que tem na história a luta pela liberdade votou contra liberdade, a começar pela liberdade de consciência dos seus próprios deputados. Lamentável.
Esta narrativa segue na próxima legislatura.

terça-feira, 29 de maio de 2018

CRÓNICA DE UMA GREVE ANUNCIADA


Era uma greve anunciada. As maiores associações sindicais representativas dos professores anunciaram uma greve no período de avaliações que se avizinha mas sem colidir com as avaliações dos anos em que existem exames nacionais.
Como não podia deixar de ser o anúncio da realização da greve desencadeia a habitual onda de “indignação” que incluem os lamentáveis comentários, insultuosos, injustos e ignorantes para a grande maioria dos professores. Uma passagem rápida pelas caixas de comentários da imprensa online relativas à notícia é elucidativa. 
Não está em causa a liberdade de opinião e de expressão mas torna-se difícil acreditar que quem produz certo tipo de comentários alguma vez tenha conhecido professores ou, no mínimo, tenha filhos que frequentem ou tenham frequentado a escola. Sinais dos tempos, mais um.
Algumas notas.
Em primeiro lugar é difícil realizar uma greve que não tenha algum impacto na comunidade, esse é, justamente, uma das componentes do próprio processo da greve, seja em que sector de actividade for.
Parece-me também claro que os professores, na sua esmagadora maioria, prefeririam certamente não sentir motivos para realizar a greve, portanto, criar algumas dificuldades a pais e alunos certamente e ao seu próprio trabalho, as avaliações serão necessariamente realizadas.
É também claro que muitos professores se sentem suficientemente maltratados por alguns aspectos das políticas que os envolvem para que possam enveredar pela greve, dentro do quadro legal existente, com as consequências previsíveis.
Embora tenha opinião, não me pronuncio sobre a bondade ou justificação dos protestos no plano estritamente profissional dos professores, mas também afirmo muitas vezes que alguns dos problemas que sentem são também problemas nossos na medida em algumas das medidas de política que os envolvem também têm consequências na qualidade do seu trabalho, na qualidade da escola pública e, portanto, no bem-estar e futuro dos alunos.
Também não esqueço a sempre presente componente de luta partidária e como o universo da educação é um palco privilegiado desta luta.
O que me parece de facto curioso é a proliferação de discursos sobre os efeitos da greve dos docentes, designadamente no que respeita a perturbações envolvendo a instabilidade para alunos os alunos e que são proferidos pelas mais diversas vozes e em diferentes tons.
Como já escrevi, é óbvio que a maioria dos professores não quereria sentir motivos para realizar a greve com os constrangimentos que dela poderão resultar. O que tenho alguma dificuldade em perceber é como pode uma greve de professores não ter impacto nos alunos. Provavelmente só mesmo realizada nas férias o que parece uma hipótese remota. O recurso à greve assenta, justamente no impacto que ela tem, não há volta a dar.
No que se refere à instabilidade e considerando experiências anteriores, alguns dos discursos e políticas da tutela, por umas razões, por parte dos representantes dos professores e dos próprios professores (nem sempre coincidem), por outras razões, e ainda pelos pais ou seus representantes, ainda por outro conjunto de razões, talvez sejam mais susceptíveis de criar maior instabilidade nos alunos. Eles aguentam, como diria uma das figuras que anda por aí.
Parece-me importante afirmar esta confiança nos alunos e nas suas competências e capacidades.
O que parece menos positivo é o constante discurso de diabolização dos professores que também recebe um fortíssimo contributo por parte de algumas afirmações dos que os representam e que degradam, enfraquecem, a imagem social dos docentes com reflexos sérios e negativos na relação que a comunidade estabelece com eles.
Entregamos todos os dias os nossos filhos nas mãos de uma classe que para cumprir o seu enorme e insubstituível papel na construção do futuro, precisa, para além da competência, de ter a confiança da comunidade, ser valorizada e reconhecida nos múltiplos aspectos do seu desempenho.

DA EUTANÁSIA, UMA IDEIA SIMPLES COMO EXIGEM AS QUESTÕES COMPLEXAS


A discussão sobre a questão da morte assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está contaminada, do meu ponto, de vista por um pecado original.
Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como se discutia se se era contra ou a favor do aborto.
Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor  da descriminalização do processo de morte assistida nas condições reguladas e definidas legalmente.
Considerando valores individuais posso recorrer, ou não, a este processo, Acho que não devo impedir que alguém, insisto, dentro das condições definidas e  com a maior regulação o possa escolher.
Tal como entender que não deveria ser criminalizada a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde.
Também da eventual despenalização da morte assistida creio que não virá o caos e o terror anunciados num argumentário que, em muitos casos, insulta a inteligência e a sensibilidade.
Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.
Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra um crime praticado por alguém.
É uma decisão individual, que se aplica no ãmbito dos direitos individuais, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação, autonomia, da cidadania.
É simples.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

SAÚDE MENTAL, ESCOLA E COMPORTAMENTO


Parece-me de leitura interessante a entrevista de Miguel Mealha Estrada ao Observador. É psicanalista pediátrico e psicoterapeuta e a sua entrevista é centrada na saúde mental de crianças e adolescentes e na sua ligação com o contexto escolar. No entanto a forma como a escola é entendida bem como as sua referências ao uso do metilfenidato (Ritalina) suscitam algumas notas.
Como ainda há poucos dias aqui referi a saúde mental de crianças e adolescentes em Portugal é verdadeiramente preocupante, consumo de antidepressivos e tranquilizantes acima da média europeia, 13% face a 8% de média Europeia até aos 16 anos e com dados de 2016. Um estudo da U. de Coimbra de 2015 8% por cento dos adolescentes portugueses que frequentam o 8.º e o 9 º ano apresentam sintomatologia depressiva e 19% estarão em risco de desenvolver a doença.
Este estudo envolveu um programa de prevenção a promover em meio escolar, com a participação dos pais, que pareceu indiciar bons resultados.
Em 2012 esteve em Portugal um especialista nesta área, Peter Wilson, que, naturalmente, referia a necessidade de que nas escolas e na comunidade próxima existam apoios aos professores, às famílias e às crianças com dificuldades emocionais, a única forma, entende, apoiado na sua experiência, de minimizar e ajudar neste tipo de problemas que, não sendo acautelados, têm quase sempre efeitos devastadores em termos pessoais e sociais. Segundo Peter Wilson, os estudos em Inglaterra sugerem a existência de três crianças com problemas do foro emocional em cada sala de aula pelo que o apoio é muito mais eficaz e económico prestado na escola ou na comunidade próxima a alunos, famílias e professores. Este entendimento é partilhado, creio, pela generalidade dos profissionais e famílias, também em Portugal e os dados conhecidos apontam nesse sentido.
Miguel Mealha Estrada também defende a aproximação da questão da saúde mental à escola. No entanto, julgo que o seu entendimento merece reflexão.
Sobre a escola afirma: “A escola não deve ser só para o ensino.”
É uma frase que está no livro. Então para que deve ser a escola?
A escola deve ser para um verdadeiro ensino”.
E um verdadeiro ensino é…
É a escola ser um centro terapêutico, de apoio e desenvolvimento à criança e à família. Porquê? Porque não existe uma criança isolada, a criança é a família. O primeiro ensino que temos de dar às crianças é elas regularem-se emocionalmente. Esse é o verdadeiro ensino: as crianças terem estabilidade emocional, psicológica e cognitiva para conseguirem aprender. Muitas crianças não têm espaço, emocional e mental, para aprender. As crianças identificadas com problemas de saúde mental necessitam de um apoio estruturado, contínuo, e a escola devia englobar a saúde mental num verdadeiro ensino, de uma maneira realmente eficaz.
É claro que tudo o que é afirmado é pertinente mas … a escola não é uma comunidade terapêutica, a escola é uma comunidade educativa e este entendimento pode alimentar alguns equívocos.
E na verdade, se a escola for uma comunidade educativa, a escola é amigável para a saúde mental das crianças e adolescentes, como também é amigável para a saúde cívica, para a saúde física, para … o bem-estar global e desenvolvimento. A aproximação das questões da saúde mental à educação escolar estabelecida há muito pelo Mestre João dos Santos não é o mesmo que transformar a escola numa comunidade terapêutica. 
Esta visão sobre a escola pode fazer correr o risco de perder de vista a essência da educação escolar criando um padrão de atribuição de “competências” que a educação escolar não vai ter capacidade para responder. Parece-me que temos de insistir na qualidade do trabalho e nos recursos de apoio a alunos e professores para uma escola pública de qualidade e na existência suficiente e competente de apoios na comunidade, para crianças, adolescentes e família.
A entrevista tocou ainda uma matéria de particular relevância em que o discurso de Miguel Mealha Estrada me suscitou alguma reserva pela abordagem que me pareceu ligeira, as crianças consideradas com hiperactividade e com défice de atenção.
Diz o entrevistado. "Existem médicos que não receitam ritalina por causa do narcisismo, porque têm uma ideologia que não é científica. Então, arranjam pseudorazões para medicar mais tarde a criança quando não há motivos, a não ser os ideológicos, não os científicos, para atrasar a toma do medicamento." E ainda entre outras afirmações “O uso da ritalina não se generalizou. Isso pode acontecer — crianças que não precisam dela — mas é raro, por isso vamos esquecer isso.
Não, lamento mas não podemos esquecer, precisamos de reflectir. De novo algumas notas.
Como se sabe o metilfenidato, (com nome comercial de Ritalina, Concerta ou Rubifen)
Esta medicação é usada na terapêutica das situações de alegados problemas de comportamento, hiperactividade, défice de atenção ou instabilidade. No entanto, é também usada como “auxílio” aos resultados escolares sendo também conhecida pelo “comprimido da inteligência”.
Esta preocupação tem sido objecto de intervenções recorrentes. Recordo que no Relatório anual do Conselho Nacional de Educação “Estado da Educação 2015” chamava-se a atenção para a questão do consumo de medicação por parte de crianças e adolescentes para alegados problemas de comportamento, hiperactividade, défice de atenção ou instabilidade.
Em 2010 prescreveram-se no SNS 133 562 e em 2016 o número foi 270 492. É ainda de considerar que em 2015 63% do volume do fármaco foi usado entre os 10 e os 19 anos e 26% até aos 9 anos. Os adultos consumiram “apenas” 7% do volume total de prescrições. Em 2016 baixou ligeiramente o consumo.
São valores impressionantes e altamente preocupantes e que estão em linha com os dados do Infarmed que tem alertado para o disparar do consumo do metilfenidato com os nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen.
Face a este cenário e em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou Ana Vasconcelos têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas práticas que, aliás, não se verificam em todos os países. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco opinando numa reportagem televisiva que ainda se prescreve de menos.
Como tantas vezes aqui já escrevi sabemos todos que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos. Aliás, é curioso perceber o que se passa noutros países e verificar as acuais orientações.
Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. A sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos tem riscos, uns já conhecidos, outros em investigação. Conheço vários casos, alguns com contornos inquietantes.
Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Neste sentido parece-me pouco prudente o discurso de Miguel Mealha Estrada sobre esta questão.

domingo, 27 de maio de 2018

PAI, ESTOU DOENTE, MUITO DOENTE, NÃO POSSO IR À ESCOLA


Apesar da minha proximidade ao mundo da educação e ao mundo da escola e sendo também por várias razões utilizador diário da “net”, confesso que foi com alguma estranheza que soube pela imprensa de hoje da existência de milhares de páginas, incluindo vídeos no Youtube, com conselhos sobre formas de conseguir encontrar “desculpas” para faltar às aulas.
Encontram-se materiais como "5 desculpas para faltar a aula" ou "10 Desculpas para não ir à Escola" que em conjunto somam 13 milhões de visitas. 
É possível aprender “simular febre, enxaqueca, dores de estômago, náuseas e cólicas, mas também diarreia, vómitos ou uma erupção cutânea.” Notável.
Sem dramatizar creio que é um sinal que nos merece reflexão.
Leva-me a recordar umas notas de há algum tempo quando me convidaram para participar num evento com o tema “Fugir para a escola”
Seria muito interessante, mas não passa, provavelmente, de um romantismo não compatível com a dureza crispada, agressiva e feia, dos tempos e da vida actual, imaginar que os miúdos quisessem fugir para a escola, não porque fugissem de algo mau, o contexto familiar, por exemplo, e que em bom rigor e lamentavelmente é por vezes tão mau que obriga a fugir, mas porque os miúdos quisessem correr para a escola por nela se sentirem bem.
É verdade que para a maioria dos miúdos a estadia na escola é positiva, no aprender, no ser e no gostar. No entanto, para alguns outros a escola é um lugar de onde apetece fugir e muitos destes acabam por fugir da escola ou sentirem-se empurrados para fora.
Serão estes os que recorrem aos conselhos sobre a for de encontrar uma desculpa para não ir à escola?
As escolas vão construindo muros cada vez mais altos e mais fortes. Nunca sei muito bem qual a verdadeira função dos muros da escola, impedir que os miúdos saiam ou impedir que os miúdos entrem. Acho que os muros da escola conseguem ambas, o que parece estranho.
Por outro lado, nos tempos que correm também muitos professores, bons professores, mostram por cansaço ou desesperança que já não fogem para a escola, um lugar de realização, de trabalho duro mas com uma das maiores compensações  que se pode ter, ajudar gente pequena a ser gente grande.
O clima institucional, a burocracia, a deriva política vão levando a que a escola não apeteça, foge-se ou é-se empurrado para fora, apesar dos muros altos. Felizmente, muitos outros professores ainda conseguem fugir para escola, os alunos desses professores são miúdos com sorte.
No entanto, também sabemos que muitos professores, um número demasiado elevado, se encontram mal, em situação de exaustão e cansaço, à procura de algo que lhes permita, tal como aos miúdos, não ir à escola.
Que andamos a fazer com a educação, com a escola, connosco?
Será que ficou mesmo impossível acreditar que os miúdos e os professores, de uma forma geral, queiram fugir para escola?

sábado, 26 de maio de 2018

DA CONFLITUALIDADE EM EDUCAÇÃO


O presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima critica o parecer desfavorável do Conselho das Escolas sobre os novos currículos do ensino básico e secundário afirmando que foi um parecer politizado. Filinto Lima questiona também a representatividade dos 27 Directores que constituem o Conselho.
Não há mesmo volta a dar. O sistema educativo português parece condenado a uma dimensão de conflitualidade e instabilidade que lhe retiram serenidade e eficácia. São múltiplos e diários os exemplos de conflitualidade e raros os entendimentos significativos.
Não sou defensor de falsos consensos, a chamada paz podre, conseguida a todo o preço. A conflitualidade em educação, como noutras áreas, pode e deve ser um factor de desenvolvimento e crescimento.
Sucessivas equipas do ME também se têm esforçado pela alimentação desta permanente conflitualidade com medidas que, apesar de se assumirem, algumas com objectivos importantes e de necessária mudança, são muitas vezes incompetentes e obedecem a critérios dificilmente sustentáveis do ponto de vista da qualidade e equidade do sistema público de educação.
Por outro lado, numa atitude reactiva, mas também inscrita na profunda luta política em que a educação se transformou em Portugal, todos os parceiros envolvidos se acotovelam na defesa dos interesses que representam e que, frequentemente, são de natureza corporativa, profissional e, lamentavelmente, acabam por ser parte do problema e não parte da solução. Toda a gente tem os seus interesses federados num qualquer sindicato. Isto envolve professores, técnicos e funcionários, políticos, pais, estruturas de formação de professores, autarquias, produtores de material e manuais escolares, comunicação social, etc. Este quadro leva a que, em Portugal, a qualidade na Educação pareça ter de se desenvolver contra estes grupos e não com estes grupos, com o resultado que se conhece.
Vai sendo de tempo de entendermos que a educação é um problema nosso e que, com papéis e modelos diferenciados, temos de encontrar em conjunto os caminhos para uma formação de qualidade e exigente dos que menos vêem os seus interesses representados, os alunos.
Para isso, é preciso que se tornem claros os interesses em conflito e que, sobretudo, se perceba que os miúdos estão nas escolas e exigem que lhes proporcionem contextos educativos serenos e de qualidade.
É forçoso admitir e entender como factor de desenvolvimento a existência de diferentes posicionamentos sobre educação e escolas designadamente no entendimento do que deve ser um sistema público de educação e ensino. É legítimo que assim seja em sociedades abertas e democráticas independentemente das nossas posições. Recordo como tantas vezes aqui discordei de dimensões da política educativa de Nuno Crato ou Maria de Lurdes Rodrigues só para citar dois exemplos fortes entre antigos ocupantes da 5 de Outubro.
A questão não é a existência destas diferentes visões sobre os caminhos da educação. Os problemas, a instabilidade, emergem quando essas diferentes visões e posicionamento perdem de vista os interesses e o bem-estar educativo de todos os alunos e passam a acomodar, sobretudo, outros interesses sejam partidários, corporativos, profissionais ou económicos.
É neste quadro que a conflitualidade corre o risco de ser parte do problema e não uma busca por soluções. Não está também em causa a legitimidade de alguns destes interesses mas o enorme risco da sua gestão ameaçar a serenidade e qualidade do trabalho de alunos e escolas.
Será assim tão difícil algum entendimento em questões essenciais na educação?.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

DA REFORMA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Como tantas vezes escrevi e afirmei aqui e em contextos de intervenção profissional considero que a lei mais estruturante da resposta educativa a alunos com necessidades especiais, o DL 3/2008, carecia de alterações … desde que saiu. Já não vale a pena reafirmar a argumentação.
Assim sendo, registei com agrado a decisão do ME de proceder à alteração deste quadro promovendo um novo enquadramento jurídico, o Regime Jurídico da Educação Inclusiva agora aprovado em Conselho de Ministros e de que ainda desconheço a redacçao final.
Do que se vai sabendo, algumas notas e inquietações.
O conhecimento de décadas do que vai acontecendo neste âmbito nas nossas comunidades educativas leva-me a dizer que quer com o “velho” “319”, quer com o a caducar “3/2008”, encontrei práticas e atitudes verdadeiramente promotoras de integração ou inclusão, consoante os tempos, como também encontrei e encontro práticas que constituíam e constituem verdadeiros atropelos aos direitos das crianças e das famílias bem como mais do que não promoverem integração ou inclusão, promovem exclusão e insucesso e não só de alunos com necessidades especiais. Além disso provocam frustração e desânimo em muitos professores e famílias. De qualquer forma importa sublinhar que um quadro legislativo adequadoe e actual é uma importante base para o desenvimneto de melhores práticas.
Aliás, a coexistência sem um sobressalto de uma gama de práticas e visões no que respeita à resposta educativa à diversidade dos alunos que vão da mediocridade à excelência é mesmo a única dimensão em que o sistema é verdadeiramente inclusivo.
No entanto, no caso particular das alterações em educação, mesmo quando são justificadas e sugerem alguma urgência exigem que se considere de forma prudente e competente o seu processo e calendário de operacionalização.
Confesso alguma estranheza, no mínimo, com várias iniciativas no âmbito da formação e divulgação do novo regime quando ainda se encontrava em processo de legislação e, portanto, sem se conhecer o texto final.
Estamos todos cansados de inúmeras “reformas”, “orientações”, “alterações”, “inovações”, “projectos”, etc. que são postos em prática sem acautelar tanto quanto possível as condições de sucesso. Isto pode acontecer por excesso de voluntarismo, por incompetência, por imperativos de agenda ou por qualquer outra razão, como a falta de meios e recursos para operacionalizar de forma eficaz o que está disposto.
Os resultados podem ser seriamente comprometedores do sucesso das mudanças e, assim, o que deveria ser um contributo para a solução gera mais problemas e ruído.
Neste contexto, seria desejável que o processo de operacionalização do novo quadro legislativo para a educação inclusiva fosse pensado com o rigor possível, que seja feita a sua divulgação de forma adequada, que se criem os dispositivos previstos e sem sobressaltos, que se actue no plano da formação se assim se justificar, que se criem dispositivos de regulação e apoio à mudança, etc.
Como também já referi e do que conheço, julgo que a proposta contém aspectos positivos dos quais destaco o fim do “pecado original” do DL 3/2008, a existência de critérios de “elegibilidade” algo que em educação, do meu ponto de vista é inaceitável, a criação dos Centros de apoio à aprendizagem e das equipas multidisciplinares embora com um papel e recursos que suscitam dúvidas.
No entanto, outras matérias deixam-me alguma inquietação, alguns aspectos do “inovador” modelo teórico e do “novo paradigma” com um eliminar da “categorização” substituído por patamares de “acomodação” que me parecem susceptíveis de … novas formas e categorização. Ainda algumas dúvidas sérias relativas ao papel dos Centros de Recurso para a Inclusão ou a forma de participação e envolvimento das famílias, matéria sempre complexa mas crítica nos processos educativos.
Quero muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas, professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
A ver vamos, o próximo ano lectivo está aí à porta e as mudanças não se realizam apenas por decreto e com um manual para além das boas intenções, é claro.
Em Portugal e em particular na educação funcionamos muito em modo "cada cabeça, sua sentença", veja-se a as reacções e discursos que têm surgido na imprensa e nas redes sociais bem como nos comentários que se ouvem por parte de pais, técnico e professores do regular e do "especial" que por vezes parecem "tribalizados". Neste contexto ... esta é a minha sentença.

DA LEGALIZAÇÃO DA EUTANÁSIA

O PCP divulgou a sua posição face às propostas de legalização da eutanásia, é contra todas as propostas e contra a realização de um referendo. 
Comprendo que em matéria de valores são legítimas e desejáveis entendimentos diferentes, é próprio da democracia, da liberdade de opinião, da diversidade nas comunidades.
Tenho já mais dificuldade e até acho curioso, por assim dizer, que do argumentário da posição colectiva do PCP, os deputados não têm consciência individual, conste ser contra "o direito a matar ou a matar-se" , o "retrocesso civilizacional" que representa uma eventual legalização da eutanásia mesmo sem que se saiba os termos e a regulação que, se for aprovada, venha, a estar contemplados.
Não me surpreende, o conservadorismo tem muitas caras.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

MEU FILHO, TENS QUE SER O MELHOR, VÊ O CR7


No DN encontra-se um trabalho interessante sobre a forma negativa como alguns pais se relacionam com o desporto no contexto da educação familiar ou quando assistem ao desempenho dos seus filhos, seja em competição, seja em treino. Aliás, a mesma questão é abordada também no DN numa entrevista interessante com o treinador de futebol Luís Castro que tem larga experiência de trabalho no período de formação.
A propósito uma pequena história que já aqui contei e que nos ajuda a perceber como se cria este clima.
Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos
Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos
Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta parte.
O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão por comportamento incorrecto.


O MINISTRO DA CIÊNCIA CONTESTA A POLÍTICA DE CIÊNCIA


A imprensa divulga uma situação que e parece uma verdadeira pedrada no charco na nossa vida política.
O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, bem como o presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, a entidade pública de apoio ao sistema de investigação científica nacional, subscreveram um manifesto que critica a actual política científica. O manifesto já conta com um número significativo de assinaturas, mais de 3500, mas estas duas, do Ministro e do presidente da FCT ... são de peso.
As justificações do Ministro ao Expresso são curiosas, sobretudo, se pensarmos que se trata de quem tem a tutela política do sector. É verdade que a situação actual também é um reflexo da dos últimos anos, em particular da negrura crática que se abateu sobre a investigação e ensino superior com particular relevo sobre as ciências sociais. No entanto, existem, evidentemente, responsabilidades actuais.
É uma posição corajosa que registo aguardando eventuais seguidores entre os seus colegas do conselho de Ministros, desde logo do seu “vizinho” de competências, o Ministro da Educação.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO


Como resposta a um artigo que David Justino assinando como Vice-presidente do PSD colocou no Público,Domingos Fernandes tem hoje também no Público um texto que justifica leitura “As políticas educativas não são neutras: a propósito de um texto de David Justino”.
Na verdade, acho sempre tremendamente interessante a discussão em torno das questões ideológicas designadamente no universo da educação. Como questiona Domingos Fernandes “há políticas públicas de educação neutras, asséticas, sem quaisquer visões acerca da vida social, da educação e das escolas?”. Não, é evidente que não existem. Aliás, é minha convicção que o académico David Justino talvez não escrevesse o que o vice-presidente do PSD, David Justino escreveu.
Já me aconteceu ao defender, por exemplo, os princípios de educação inclusiva ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente os meus interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto a minha resposta foi qualquer coisa como “ainda bem que perceberam, o meu discurso foi claro, corresponde a uma visão de sociedade e, de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta". Creio que ficámos na mesma, cada qual com a sua visão ideológica.
Acontece ainda que, com frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma visão ideológica o mundo que me rodeia mas não consigo encaixar-me numa visão partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.
A verdade é que já cansa a forma habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.
Boa parte das pessoas que contestam uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.
Por vezes gostam de afirmar que são pragmáticos e apenas consideram a realidade, o que defendem não tem nada a ver com ideologia, mesmo quando, por exemplo, empunham um bandeira cheia de equívocos a que chamam “liberdade de educação”.
Consideremos de forma breve alguns aspectos.
Quem desmantela o Estado Social é pragmático quem o defende com equilíbrio e sem desperdício é por ideologia.
Quem desinveste na educação e na escola públicas, investe no ensino privado é por pragmatismo. Quem defende a educação e escola pública e a necessária existência de ensino privado regulado mas não financiado indevidamente pelo Estado é por ideologia.
Quem defende uma escola selectiva, competitiva e não inclusiva é por pragmatismo. Quem defende equidade e inclusão como objectivos civilizacionais é por ideologia.
Quem defende o empobrecimento “custe o que custar” é por pragmatismo. Quem entende que pobreza e exclusão não fomentam desenvolvimento é por ideologia.
Quem defende os apoios sem fim dos contribuintes ao sistema bancário fragilizado por administrações incompetentes ou delinquentes é por pragmatismo. Quem entende que não pode ser sempre o cidadão a pagar uma factura de que não é responsável é por ideologia.
Quem alimenta e se alimenta de um sistema de justiça fraco com os fortes e forte com os fracos é por pragmatismo. Quem entende que assim não deve ser é por ideologia.
Quem entende que tudo ou quase deve ser privatizado é por pragmatismo. Quem defende a presença do Estado em sectores essenciais para o bem-estar das populações é por ideologia.
Quem …
Na área que melhor conheço, a educação, tantas vezes me confronto com este modelo. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.
Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.
Há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. Mas tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente. Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.

O CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO E SECUNDÁRIO, O PARECER DO CONSELHO DAS ESCOLAS


A imprensa de hoje divulga o parecer do Conselho das Escolas sobre os novos currículos do ensino básico e secundário. Apesar do reconhecimento de algumas virtualidades o parecer é negativo ainda que com uma votação equilibrada. É um sinal a ter em conta neste processo.
De facto, importaria que as mudanças ou experimentação em educação entendidas por pertinentes não se realizassem de forma apressada, sem um consenso tão sólido quanto possível sobre objectivos, conteúdos e calendário e a consideração prévia das condições e requisitos que sustentem as mudanças em execução que, reafirmo, me parecem necessárias e num sentido positivo.
Como muitas vezes refiro, é tão importante "fazer as coisas certas como fazer certas as coisas". Se bem repararmos nem sempre isto se verifica, mesmo na nossa acção individual. Em políticas públicas é ainda mais necessário.
Algumas das questões levantadas pelo Conselho de Escolas também foram consideradas no parecer do CNE. Mantém-se uma visão de disciplinarização de competências e saberes, logo no 1º ciclo e com mais disciplinas no 2º e 3º ciclo o que parece contrariar um modelo mais integrado que consta dos princípios orientadores do próprio texto em apreciação e do Perfil do Aluno, a base da mudança.
De salientar também a referência ao risco de que a autonomia das escolas em matéria de currículo seja pouco mais do que uma intenção pois, como também já escrevi e a necessidade de considerar que se a autonomia das escolas for real e que tal se traduza em autonomia curricular então também dever ser considerada alguma autonomia em matéria de afectação de recursos humanos.
Recorde-se que o ME entende que dos projectos de flexibilização curricular das escolas não pode decorrer aumento no corpo docente.
Esta questão, a contratação de docentes/técnicos por parte das escolas, é complexa e geradora de conflitualidades mas, de facto, não pode estar separada de qualquer discussão em torno da autonomia das escolas.
Não simpatizo com unanimidades e a educação é também uma matéria sensível a valores, posições ideológicas e divergências científicas para além de demasiadas vezes ser contaminada pela conflitualidade partidária. No entanto, julgo importante a existência de algum consenso construído de forma participada sob pena de comprometer os resultados e a qualidade de qualquer processo de mudança que por natureza já é difícil.

PARTIU PHILIP ROTH

Os tempos vão de perda. Partiu Philip Roth. Como diria João Bénard da Costa, outro Sábio, Roth era muito aqui de casa.
E continuará a ser.



terça-feira, 22 de maio de 2018

PARTIU JÚLIO POMAR

Partiu Júlio Pomar, um dos Mestres da nossa cultura e cidadania e um construtor de liberdades. 
Recorrendo a Camões, Júlio Pomar será mais um Homem que por obras valorosas se libertará da lei da morte.

OS TEMPOS DA ESCOLA. DE NOVO


A imprensa divulgou a proposta de Organização do Calendário Escolar para o próximo ano lectivo.
Mais uma vez teremos um ano lectivo com enorme desequilíbrio na duração dos períodos escolares, os dois primeiros períodos muito extensos e um terceiro mais uma vez curtíssimo até à entrada no período de avaliações. A dependência do período de interrupção lectiva de uma festa religiosa móvel, a Páscoa, condiciona fortemente o calendário criando regularmente esta situação que é obviamente pouco amigável para o trabalho de professores e alunos.
Também por esta razão a Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas sustenta a ideia que já havia divulgado em Junho de 2016 no sentido de que a organização do ano lectivo deveria ser em dois semestres e não em três períodos como actualmente. A proposta, afirmam, minimizaria os efeitos das assimetrias de duração entre os períodos, seria positiva para a organização das escolas e a existência de dois intervalos de avaliação dos alunos é mais positiva em termos escolares que o modelo actual.
Julgo e também já o tenho afirmado que esta questão deveria ser repensada. Aliás, os tempos da escola justificariam ser globalmente repensados.
Se bem se recordam o blogue ComRegras promoveu em 2016 um inquérito dirigido a directores de escolas e agrupamentos no qual 54.1% dos 181 directores que responderam concorda que o ano escolar seja organizado em dois semestres e não nos habituais três períodos de aulas.
Como já tenho referido, não tenho uma posição fechada e fundamentada sobre as eventuais vantagens sendo certo que existem outros sistemas em que se verifica o modelo semestral.
No entanto, creio que mesmo numa organização em três períodos a situação que suscita mais dúvidas é o desequilíbrio que frequentemente se verifica na duração dos períodos e que se repete de forma muito evidente no próximo ano lectivo.
Parece claro que esta situação não é a mais adequada e julgo ser de considerar um modelo semestral embora mesmo no modelo actual e sabendo que não é fácil mudar a tradição, mudar nunca é fácil, talvez fosse de tentar que o calendário escolar não esteja colado a festividades móveis.
No entanto, creio que vale a pena reflectir nestas matérias, ouvindo a participação dos vários actores, estudando experiências de outros sistemas e, eventualmente, de uma forma tranquila, oportuna no tempo, repensar o calendário escolar.
Nesta reflexão deveria estar incluída a discussão dos benefícios e eventuais efeitos negativos da criação de uma “pausa” a meio do primeiro período (ou de cada semestre) modelo existente em vários países.
Creio mesmo que seria desejável que pudéssemos reflectir de forma global para os tempos da escola considerando outros aspectos.
Num país com as nossas condições climáticas, tal como genericamente no sul da Europa, e considerando boa parte do nosso parque escolar, aulas prolongadas até ao Verão seriam algo de, literalmente, sufocante.
A Confap tem defendido onze meses de actividade na escola. Sendo a guarda das crianças um problema sério e que reconheço, também entendo que não pode ser resolvido prolongando até ao “infinito”, a infeliz ideia de “Escola a Tempo Inteiro”, a estadia dos alunos na escola. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável.
No que respeita aos tempos escolares, os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade tem umas das mais elevadas cargas horárias. Como bem se sabe, mais horas de trabalho não significam melhor trabalho e os alunos portugueses já passam um tempo enorme na escola. Talvez seja de introduzir nesta equação a variável “áreas disciplinares e currículos”, considerando o número de áreas ou disciplinas, conteúdos, organização de anos e de ciclos, etc.
Neste contexto, insisto, seria desejável reflectir sobre os tempos da escola.

ANTÓNIO ARNAUT


Partiu António Arnaut, um homem a quem a democracia e os direitos, em particular o direito à saúde, muito ficaram a dever  
É interessante observar como muitos dos que têm contribuído para degradar a sua obra maior, o Serviço Nacional de Saúde, correm a prestar-lhe a sua sentida homenagem e afirmar isso mesmo.
Como dizia Pedro Abrunhosa a propósito da morte de Manoel de Oliveira e da unanimidade que de repente se instalou sobre a figura, só na morte ou na mediocridade é que se gera unanimidade.
António Arnaut não era um medíocre. Ao contrário de muitos dos que correm a homenageá-lo.

O ESTATUTO DO ADEPTO


Uma rápida vista de olhos pela imprensa online fez-me tropeçar com uma notícia que me deixou perplexo.
Um dos clubes chamados “grandes”, o Sporting, fez distribuir às crianças participantes num evento das escolas da sua Academia um “estatuto do sportinguista”, um guia de 10 pontos sobre a forma de ser apoiante do clube.
Dois dos pontos determinavam que “"O sportinguista é fanático – só vê o seu leão e nada mais" e num outro ponto "ser do Sporting é saber dizer sempre o pior do adversário".
A notícia acrescenta que uma fonte oficial do clube lamentou a distribuição deste material que terá sido distribuído sem “ser devidamente analisado”. É importane a posição mas chega tarde.
Também sou adepto de um clube e sei que a, para muita gente inexplicável, paixão por um clube existe.
No entanto, iniciativas desta natureza não têm a ver com paixão, tem a ver com uma lamentável falta de formação cívica e ajudam a alimentar o clima deplorável e perigoso que se tem vindo a instalar em torno desta nossa paixão, o futebol. Sublinho que na actual situação não existem santos e pecadores.
Como dizia Paulo Freire, a educação não muda o mundo, transforma as pessoas. As pessoas é que transformam o mundo.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

DA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES


A propósito do seu trabalho “A saúde mental dos portugueses” divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o Professor Caldas de Almeida produz em entrevista ao Observador um retrato real e preocupante da saúde mental em Portugal.
Os indicadores disponíveis mostram que as perturbações no âmbito da saúde mental são uma matéria grave em Portugal com impactos fortíssimos no bem-estar pessoal e familiar e também económicos através da perda de funcionalidade e de gastos brutais em medicação. Algumas notas relativas á situação de crianças e adolescentes.
Dados do European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs de 2016 sugerem que 13% os jovens portugueses até aos 16 anos consome antidepressivos e tranquilizantes. O estudo envolveu 96043 jovens de 35 países, 3456 portugueses alunos de escolas públicas. O valor é impressionante, a média é de 8%.
Muitas vezes aqui tenho escrito sobre a questão grave da saúde mental de crianças e adolescentes portugueses que, do meu ponto de vista, tem sido uma área desvalorizada, aliás, a saúde mental tem sido um parente pobre das políticas de saúde pública.
Um estudo divulgado em 2015 realizado pela Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra em colaboração com entidades estrangeiras apontava para que 8% por cento dos adolescentes portugueses que frequentam o 8.º e o 9 º ano apresentam sintomatologia depressiva e 19% estarão em risco de desenvolver a doença. O estudo contemplava também um programa de prevenção a promover em meio escolar, com a participação dos pais, que pareceu indiciar bons resultados.
Em Maio de 2014, o Expresso relatava que em 2013 se tinham registado cerca de 20 000 novas consultas de pedopsiquiatria, mais 30% que em 2011. Era um indicador preocupante e ainda mais preocupante pela inexistência de resposta adequada e acessível para muitas crianças e adolescentes.
Recordo também que em 2014 foi noticiada a interrupção dos apoios a crianças e adolescentes da região do Algarve pois o programa de que beneficiavam, Grupos de Apoio à Saúde Mental Infantil, que já tinha merecido prémios de boas práticas, foi suspenso em vez de ser generalizado. Esta suspensão foi obviamente sentida com grande inquietação por famílias e profissionais.
Em 2012 esteve em Portugal um especialista nesta área, Peter Wilson, que, naturalmente, referia a necessidade de que nas escolas e na comunidade próxima existam apoios aos professores, às famílias e às crianças com dificuldades emocionais, a única forma, entende, apoiado na sua experiência, de minimizar e ajudar neste tipo de problemas que, não sendo acautelados, têm quase sempre efeitos devastadores em termos pessoais e sociais. Segundo Peter Wilson, os estudos em Inglaterra sugerem a existência de três crianças com problemas do foro emocional em cada sala de aula pelo que o apoio é muito mais eficaz e económico prestado na escola ou na comunidade próxima a alunos, famílias e professores. Este entendimento é partilhado, creio, pela generalidade dos profissionais e famílias, também em Portugal e os dados conhecidos apontam nesse sentido.
Há algum tempo a imprensa referia a inexistência de camas nos serviços de pedopsiquiatria que possam acomodar adolescentes em tratamento o que leva a que em muitas circunstâncias adolescentes sejam internados em serviços de adultos o que na opinião dos especialistas pode ser uma experiência "traumatizante" sendo, aliás, contrárias às boas práticas de qualquer país civilizado em matéria de saúde mental.
Está nos livros e nas experiências que em situação de crise os mais vulneráveis, crianças e adolescentes, por exemplo, são, justamente, os mais sofredores com as dificuldades. Acresce que, actualmente, se verifica em muitos agregados familiares e em contextos escolares a emergência de discursos que pressionam os mais novos no sentido de atingirem a excelência nos resultados escolares ou em qualquer actividade “importante” pois será, dizem, a “única” forma de atingir um patamar de sucesso futuro.
Como se sabe e a experiência mostra, muitas crianças e adolescentes não suportam com tranquilidade esta pressão o que se repercute no seu bem-estar e na sua saúde mental. Para complicar um pouco mais, ainda se verifica que algumas pessoas desvalorizam estes fenómenos, entendendo que é preciso ser exigente e bem-sucedido e não entendendo o sofrimento de algumas crianças e jovens.
Por outro lado é também conhecida a enorme dificuldade que muitas instituições que acolhem menores estão a passar dificultando a resposta com a qualidade bem como a possibilidade de responder a novas situações.
Os miúdos, nas famílias preferencialmente, ou nas instituições, necessitam de um aconchego, um ninho, uma qualidade de vida que os cuidadores, por diversas razões, não sabem, não querem, não podem ou não são capazes de providenciar. Tal cenário implica riscos fortíssimos de compromisso do seu futuro pelo que os apoios e resposta são fundamentais mas não podem passar apenas pela medicação.
Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

domingo, 20 de maio de 2018

É SOBREDOTADO, NÃO PRECISA DE APOIO


No âmbito da realização do seu 13.º Congresso Internacional a Associação Nacional para o Estudo e a Intervenção na Sobredotação defende que a proposta legal relativa à designada “educação especial” que aguarda aprovação no Conselho de Ministros contemple explicitamente a questão dos alunos sobredotados.
Independentemente da forma como possa ser tratada do ponto de vista do enquadramento legislativo, esta problemática tem habitualmente menos atenção específica do que seria desejável.
Este grupo, que de acordo com os especialistas se estima até cerca de 80000 crianças e jovens em Portugal, enquanto grupo minoritário sofre com essa natureza. Parece consensual que os apoios aos alunos, professores e pais são manifestamente insuficientes. Aliás e como muitas vezes aqui tenho referido, esta questão envolve crianças e adolescentes com necessidades especiais de diferentes naturezas. Nada de novo, portanto, lamentavelmente.
No caso mais particular das crianças sobredotadas acrescem algumas outras questões. Em primeiro lugar a dificuldade em avaliar este tipo de situações e o desconhecimento genérico sobre esta matéria que parte significativa dos agentes educativos evidencia. Em muitas situações, conheci algumas, os comportamentos e o funcionamento das crianças e até mesmo as dificuldades escolares experimentadas por algumas eram considerados consequência das mais variadas razões nunca relacionadas com um quadro de sobredotação.
Acontece ainda que com alguma frequência se estabelece o enorme equívoco de que "se a criança é sobredotada não precisa de ajuda", sendo que o próprio Ministério da Educação assim considerou durante muito tempo.
Na verdade, as crianças e adolescentes com sobredotação podem experimentar enormes dificuldades no seu percurso educativo a que as escolas dificilmente dão respostas, tal como têm dificuldade em assegurar respostas eficazes e com os recursos necessários a outros grupos de alunos.
Sem ser um especialista nesta área, a sobredotação, entendo que a única forma de responder à diferença entre os alunos é diferenciando o trabalho educativo, diferenciando as respostas educativas, construir modelos curriculares de natureza mais aberta e flexível tal como definir dispositivos de avaliação também com algum nível de diferenciação e, finalmente ter modelos de autonomia e organização escolar reais bem como dispositivos de apoio competentes e suficientes.
Este cenário, enunciado a propósito dos alunos sobredotados, é a melhor forma de acomodar as diferenças entre os alunos, qualquer que seja a sua expressão, e promover, de facto, uma educação inclusiva que idealmente não deixe ninguém para trás.

CRIANÇAS, ADOLESCENTES E O MUNDO DIGITAL


A entrevista do Professor Paulo Oom no DN sobre a relação das crianças e adolescentes com o mundo digital é de leitura aconselhada.
(…)
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sábado, 19 de maio de 2018

DA MANIFESTAÇÃO DOS PROFESSORES. ALGUMAS COISAS QUE SEI

Como é conhecido está marcada para hoje à tarde em Lisboa uma manifestação dos professores por razões de carreira e estatuto salarial.
Como é óbvio não sei que consequências terá e também a sua expressão embora antecipe alguma divergência quanto ao número de participantes, faz parte deste tipo de eventos.
No entanto existem algumas coisas que eu sei, alguns exemplos.
Sei que alguns dos problemas dos professores são também problemas nossos. Sempre assim acontece quando está em causa a qualidade da educação e da escola, pública ou privada, e o trabalho de alunos, professores e pais.
Sei que os sistemas educativos com melhor qualidade, independentemente dos critérios de qualidade são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.
Sei também que muitos discursos produzidos pela tutela nos últimos anos, muitos discursos de representantes dos professores e de alguns professores, muitos discursos de opinadores ignorantes e/ou com agenda são fortes contributos para o clima que se vive nas escolas.
Sei também que o futuro passa pela educação e pela escola donde …
Sei que a defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passam incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o trabalho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.
Mas não sei o que vai acontecer.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE. MAIS UMA TRAGÉDIA


Desta vez o choque e o horror aconteceram em Santa Fé, Texas. Pelo menos oito pessoas morreram em mais um tiroteio numa escola secundária sendo que o número de vítimas pode subir. Ao que parece, os responsáveis, já detidos, são alunos da escola.
Acrescenta-se assim mais um marco trágico num a um caminho que já vai longo, demasiado e brutalmente longo. Recorde-se alguns dos mais brutais, Parkland, em Fevereiro deste ano, Columbine (1999), Virgina Tech (2007), ou Sandy Hook (2012) .
Em cada momento desta trágica natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?
Acontecem com regularidade episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade. Para além dos episódios que referi nos Estados Unidos também a Noruega, França ou Finlândia assistiram a grandes tragédias.
Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.
Também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. O jovem envolvido neste episódio era reconhecidamente um jovem que “incubava o mal” pelos testemunhos conhecidos e, aparentemente, foi deixado entregue a si e ao seu mal-estar.
É evidente que a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
Assim, sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da insegurança.
Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar a guetização e "quase total" desocupação de, em Portugal, centenas de milhares de elementos da geração "nem, nem" nem estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?
Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Nos Estados Unidos, na Noruega, na França, na Alemanha, ... ou em Portugal.

DO MELHOR PROFESSOR DO MUNDO E DO MELHOR PROFESSOR DE PORTUGAL


Na véspera de realização de uma manifestação dos docentes em protesto por razões profissionais, umas notas a propósito da iniciativa de eleger o melhor professor do mundo e o melhor professor de Portugal. Os eleitos dos Teacher Prize foram Andria Zafirakou, professora em Londres e José Jorge Teixeira, professor de Física e Química na Escola Secundária Júlio Martins, em Chaves. Uma saudação aos dois pelo seu desempenho e a sugestão de que se leiam as entrevistas de ambos.
Acho que este tipo de iniciativas pode ter algum significado sobretudo como valor simbólico de valorização e reconhecimento do trabalho dos professores num tempo em que tal reconhecimento e valorização nem sempre são sólidos e expressos. No entanto, não acredito muito na ideia do melhor professor de …   
A esmagadora maioria dos professores é competente e empenhada nesse trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante. Todos os dias, em todas as escolas muitos professores fazem trabalhos de notável qualidade que mais frequentemente apenas são valorizados e conhecidos … pelos seus alunos.
Quando qualquer de nós faz um esforço para recuperar lembranças positivas sobre os professores, poucos ou muitos, com que nos cruzámos durante o nosso trajecto escolar, creio que quase todos nos lembramos de professores que continuam na nossa lembrança não só pelos saberes escolares que nos ajudaram a adquirir mas, sobretudo, por aquilo que representaram e foram para nós, ou seja, pela forma como nos marcaram. Cada um desses professores é, certamente, o melhor professor que conhecemos.
Por isso, cada vez mais estou convicto de que os professores, tanto quanto ensinar o que sabem, ensinam o que são, ou seja, existem muitos que nos ensinam saberes, o que é bom e indispensável, mas nem todos permanecem com a gente.
Parece-me sempre oportuno mas nestes tempos mais que nunca acentuar a importância desta dimensão mais ética e afectiva do ensino. Deve ser valorizada e promovida para que os miúdos possam, posteriormente, falar dos professores que os marcaram e que, por essa razão, continuaram com eles.
Para complementar permitam-me recuperar uma história que já aqui coloquei, o Mestre Teixeira, o mestre de Fusíveis.
O Mestre Teixeira foi há muitos anos professor de uma escola que havia naquele tempo que se destinava mais a ensinar o saber-fazer do que o saber-saber. Chamavam-lhes escolas técnicas, umas mais dirigidas para a indústria, as industriais, outras mais dirigidas para os serviços, as comerciais.
O Mestre Teixeira era professor numa escola industrial e era especialista nas coisas da electricidade, sabia tudo sobre esse mundo e tinha, isso é que o fazia ser como era, uma paixão enorme por aquelas coisas. Algumas pessoas, o Mestre Teixeira era uma delas, gostam que toda a gente goste das coisas que os apaixonam e era a partir dessa paixão que ele se relacionava com os alunos.
Mas a grande virtude do Mestre Teixeira era a sua capacidade para entender os alunos, ler os alunos, como eu costumo dizer. Tinha uma capacidade notável de perceber o que se passavam com os adolescentes, o que os levava aos comportamentos ou às dificuldades que evidenciavam. Era quando ele falava qualquer coisa como "tens algum fusível a precisar de ser visto ou a queimar". Tinha então a sabedoria para perceber o que se passava e "arranjar" os fusíveis que não estavam em boas condições. Tal sabedoria e faziam dele um daqueles professores que nos marcam, ensinam o que são, mais do que o que sabem, mesmo quando sabem muito, como era o caso do Mestre Teixeira.
Por isso toda a gente lhe chamava O Mestre de Fusíveis. Hoje, mais do que nunca, fazem falta os Mestres de Fusíveis.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

DESCALÇA NA RELVA? NÃO PODE SER, TEM BICHOS, FICAS DOENTE


É verdade, também existe uma iniciativa mundial designada por “Dia de Aulas ao Ar Livre” que pelo terceiro ano também em Portugal é assinalado. Segundo o Observador, de pois de no ano passado se terem envolvido cerca de 40 000 alunos em actividades ao ar livre como ia de aulas, estima-se que hoje perto de 60 000 possam experiências dessa natureza.
É um caminho que me parece de registar e que vai sendo percorrido.
Recordo de aqui ter referido em Fevereiro de 2017 um projecto que envolvia vários Jardins de Infância de Coimbra e estruturas de ensino superior com o objectivo de levar as crianças a brincar no exterior, na mata do Choupal, qualquer que seja o tempo. As poças, as árvores ou os trilhos com lama, são equipamentos educativos. Não conheço o desenvolvimento do projecto mas espero que tenha tido continuidade.
De facto, muitas vezes aqui tenho referido a importância das actividades ao ar livre que deveriam ser uma rotina e não uma excepção na educação formal e não formal dos mais novos.
Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. O Estudo do Meio poderia também por regra ser … no meio.
Estão de há muito identificadas as vantagens de diferentes naturezas que estas actividades trazem às crianças e também aos adultos, não vale a pena repetir.
Recordo umas notas a partir de uma cena a que assisti e que já aqui contei.
Num fim de tarde em que fazia uma caminhada num espaço verde muito grande e bonito que existe perto de casa e passei por um grupo familiar. Deu para perceber que uma gaiata pequenina vinha descalça ao colo do pai e pedia para que ele a pusesse no chão relvado. Ouvi o pai dizer que não se pode andar descalço, para ela não ser teimosa porque se quis descalçar e agora tinha que ir ao colo. Para convencer a criança, falava-lhe, cito dos "bichos que estão no chão”, da “quantidade de doenças que apanharia de andar na relva descalça" e mais que entretanto já não ouvi. Reparei ainda que a criança vinha a comer qualquer coisa que ia retirando de um pacote.
É notável, aquele pai revelava uma enorme preocupação com os riscos gravíssimos de andar descalço num relvado bem tratado e, habitualmente, sem a visita dos cães e achava aparentemente, natural a criança comer qualquer coisa hipercalórica certamente muito perto da hora de jantar.
Esta atitude ilustra algo que entre nós está muito presente, um aparente discurso de preocupação que, embora se perceba, eu diria excessiva, com muitas das actividades que as crianças podem, eu diria devem, fazer e, ao mesmo tempo, somos frequentemente negligentes com aspectos verdadeiramente graves de que cito como exemplos o enorme número de acidentes domésticos com crianças ou a obesidade infantil que já é um problema sério de saúde pública.
Muitas vezes, estes pais que protegem tanto as crianças dos riscos de andar descalço, por exemplo, estão também entre os que descansam, no seu entendimento, quando as crianças estão "livres de riscos" no quarto, sós, trancadas num ecrã.
Deixem lá os putos andar descalços e rebolar na relva. E já agora juntem-se a eles. Faz bem a todos.
Finalmente, ainda uma chamada de atenção para duas peças muito interessantes sobre estas questões expressas por dois especialistas.
A primeira, uma entrevista ao pediatra Pedro Oom a propósito do seu livro, “Infectário”. A segunda, também uma entrevista ao investigador Brett Finlay, co-autor do livro “Deixe-os Comer Terra”. Em ambas as entrevistas se sublinha a importância de repensar a nossa acção educativa muito marcada pela inibição de experiências e actividades importantes a vários níveis para o desenvolvimento e bem-estar das crianças.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

EM CASA DOS PAIS ATÉ ... VAMOS VER QUANDO


No Público de ontem referiam-se dados do Eurostat relativos a 2017 segundo os quais os jovens portugueses abandonam a casa dos pais cerca dos 29.2 anos em média.
A este propósito recordo que em Janeiro a Caritas  divulgou um Relatório sobre Portugal “Os jovens na Europa precisam de um futuro!” no qual caracteriza a dificuldade dos jovens portugueses em construir projectos de vida autónomos e positivos.
Nesse trabalho são identificados como dimensões críticas a dificuldade em aceder a trabalho digno, a precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação.
Este cenário ajuda a perceber algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a casa dos pais em média aos 29,2 anos e a tendência é de que tal aconteça cada vez mais tarde. Como é habitual nos países nórdicos verifica-se a saída mais precoce, cerca dos 21anos e no sul da Europa estão os países com a saída mais tardia e nos quais se inclui Portugal. Como já referi, para além das questões de natureza cultural e de valores que importa considerar bem como as políticas de família nos países do norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser revertido.
Segundo o INE e considerando o primeiro trimestre de 2017, existiriam em Portugal cerca de 175 mil jovens entre os 15 e os 29 anos que não estudam, nem trabalham, a geração “nem, nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education, Employment or Training).
Destes, estima-se que perto de 67 mil não estão inscritos nos centros de emprego. São números impressionantes.
Parece importante assinalar que esta situação afecta sobretudo jovens com menos qualificações e mulheres, o que também não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social.
Por outro lado, bem mais de 100 000 jovens, sobretudo qualificados, têm vindo a sair do país, emigrando para outras paragens em busca de uma futuro que por cá não vislumbram.
A estes indicadores já profundamente inquietantes deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo para jovens altamente qualificados.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os dados hoje conhecidos mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída mobilizadora e que recompense.
O aconchego da casa dos pais pode ser a escapatória para a sobrevivência.