sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A HISTÓRIA DO ATRASADO

Era uma vez um homem chamado Atrasado. A sua vida decorreu como seria de esperar da vida de um Atrasado. Começou por nascer uns dias depois da data prevista. Andou e falou um bocadinho mais tarde que a generalidade dos miúdos. Durante a escola era sempre o último a chegar mas, para compensar, era também o último a acabar os trabalhos.
O Atrasado chegava tarde aos encontros com os amigos e à generalidade das actividades em que se envolvia. Toda a gente conhecia a música e as novidades antes dele, do Atrasado.
Do seu grupo de amigos foi o último a casar. A mulher do Atrasado até dizia que tinha casado com ele porque assim esperava em casa e não num local qualquer onde ele, invariavelmente, chegava atrasado. Quando começou a trabalhar o Atrasado teve sorte, arranjou um emprego com horário flexível.
Enfim, quem conhecia o Atrasado habituava-se a esta maneira de funcionar.
Um dia, já velho, andava o Atrasado a deambular pelos seus pensamentos, quando deparou com um grupo de pessoas que olhavam, com alguma ansiedade, para um buraco aberto no chão, no meio de uma zona verde. Aproximou-se e alguém que o reconheceu exclamou, “Finalmente, podemos então fazer o funeral”.

ALIMENTAR A FOME. E a esperança?

Está a decorrer este fim-de-semana mais uma recolha de alimentos no âmbito das actividades dos Bancos Alimentares. Tenho a convicção de que iremos saber que o volume de alimentos recebidos será superior a campanhas anteriores o que, aliás, tem vindo a acontecer com regularidade.
Como também tem acontecido sublinhar-se-á tal comportamento dos portugueses acentuando que tal é mais significativo em tempos de grande aperto que atinge, naturalmente, os cidadãos com menores rendimentos.
Na verdade, creio que deve registar-se positivamente esta habitual atitude de partilha revelando uma sensibilidade face aos problemas que afligem os vizinhos, bem mais significativa que muitas das atitudes e decisões das lideranças políticas e governamentais e de alguns discursos absolutamente inaceitáveis e insultuosos.  
No entanto e por outro lado, convém não esquecer que tudo isto decorre dos modelos de desenvolvimento e sistemas de valores que promovem exclusão e pobreza e a simples necessidade de recorrer a Bancos Alimentares para colmatar situações extremas de carência alimentar é, só por si uma acusação tão forte que nenhum de nós pode aceitar sem um sobressalto.
É também verdade que, muitas vezes, a propósito deste tipo de campanhas se argumenta no sentido de que encerram uma dimensão caritativa, assistencialista, que não contraria e, até alimenta, o cenário e as circunstâncias que promovem as dificuldades das pessoas. Ao mesmo tempo, também se argumenta, que a solidariedade das pessoas, acaba por "aliviar" a pressão para que as estruturas responsáveis e as lideranças políticas cumpram com eficácia o seu papel e responsabilidades na área dos apoios sociais.
Sou sensível e concordo de forma genérica com esta argumentação. Sei, no entanto, sabemos todos, que a acção de estruturas como os Bancos Alimentares ou, de um modo geral, as instituições de solidariedade social, têm dado um contributo importante para minorar as dificuldades que muitíssimos agregados familiares atravessam.
Prefiro pensar que o comportamento solidário de muitas pessoas, elas próprias com dificuldades, é um excelente exemplo, este sim, de equidade, a repartição de dificuldades. Estou cansado da retórica sobre a equidade na repartição de sacrifícios e assistir a decisões políticas e a comportamentos de gente muito responsável que contrariam as suas afirmações sobre equidade.
Finalmente, para além dos Bancos Alimentares talvez fosse interessante criar bancos de esperança.

OS TEMPOS NÃO ESTÃO A FAVOR DO TEMPO PARA SER PAI E DO TEMPO PARA SER MÃE

O Público aborda a situação pouco frequente de serem os pais a usar um tempo mais significativo da licença parental por nascimento de uma criança e o número ainda muito baixo de casais recorrerem à extensão dessa licença.
Na verdade, são raros e por vezes percebidos de forma estranha os pais que ficam em casa alguns meses a cuidar dos filhos e ronda os 2,5 % o número de casais com filhos que estão a recorrer à possibilidade que existe desde 2009 de aceder ao prolongamento por seis meses, três por progenitor, da licença parental, sendo que nos casais que a usam é a mãe que fica mais tempo. Importa dizer que este prolongamento da licença parental coloca o salário em 25% do vencimento bruto. Considerando os tempos que atravessamos, o abaixamento dos rendimentos familiares, a insegurança e a precariedade no emprego, não é estranho o facto de apenas um número muito reduzido de famílias recorrer a este "incentivo" ao aumento da natalidade.
Estes dados e esta situação fizeram-me recordar que em Julho, a imprensa referiu-o, o DN colocou em 1ª página, que o FMI propunha apoiar as mães que voltem mais cedo ao trabalho.
O FMI pretendia que mais mulheres estivessem a trabalhar mais tempo, não perdendo horas de trabalho com essa coisa estúpida e desnecessária de cuidar dos filhos uns meses depois do nascimento. Nesse sentido, defendia que em vez de apoio às famílias se atribuam apoios às mães trabalhadoras.
Como escrevi na altura, os dados de hoje comprovam-no, não acreditava que os burocratas do FMI não soubessem, que Portugal já é o país onde as mulheres com filhos mais trabalham, a tempo inteiro, além de que é também o país em que existem mais casais empregados e com filhos.
Os burocratas do FMI insistem no mais trabalho quando, certamente, também sabiam, que os países mais ricos, com menos desemprego são justamente os que têm menor rácio de horas de trabalho, é caso de Alemanha e Holanda. Paralelamente, nos países mais desenvolvidos e com menos desemprego também se assiste ao aumento do trabalho parcial.
Por outro lado, como se sabe, em toda a Europa mas em particular entre nós, os nascimentos estão em níveis perigosamente baixos sendo que o índice de fertilidade nas mulheres portuguesas nos últimos anos não é suficiente para assegurar a renovação das gerações.
É fundamental para o nosso desenvolvimento e futuro a definição de políticas de família que incentivem a natalidade e não o caminho inverso agora proposto por burocratas ignorantes que propõem medidas que os seus países não subscrevem, mas que para os pobres devem ser boas, trabalhar, trabalhar, como se trabalhar mais fosse igual a trabalhar melhor. A questão é que, tal como os dados do Instituto de Segurança Social mostram, os incentivos definidos num país pobre e a empobrecer são ineficazes.
Numa nota final, espero o dia em que os burocratas iluminados do FMI sugiram o retorno legal do trabalho infantil. O problema é que nessa altura teremos ainda menos miúdos para trabalhar.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O FURA-VIDAS

Sempre achei muito estimulante esta designação, o fura-vidas, utilizada para designar alguém com uma enorme capacidade iniciativa e dinâmica, agora chama-se empreendedorismo, quase sempre aplicada a gente que vinda do “nada” e porque é um “fura-vidas”, vai à procura do tudo, agora chama-se ambição. Não desiste facilmente, agora chama-se resiliência, e qualquer coisa pode ser um esquema, agora chama-se uma “janela de oportunidade” que permita dar mais um salto social ou aceder a mais uns rendimentos.
O “fura-vidas” tem uma cabeça que não pára, está sempre atento ao que possa representar outra forma um lucrozinho, maior ou menor, o “fura-vidas” sabe que tudo o que vier à rede é peixe.
O “fura-vidas” é de uma agitação compulsiva, agora chama-se persistência e sabe qualquer que seja o caminho ou atalho o objectivo é sempre o mesmo, ganhar mais qualquer coisa, agora chama-se, ter visão, uma missão e um projecto.
O “fura-vidas” não tem tempo nem entende que se deva preocupar muito com os outros, cada um trata de si, pensa o “fura-vidas”, agora chama-se autonomia e racionalidade.
No desenvolvimento das suas actividades, o “fura-vidas” pede um “jeitinho” aqui e faz um “favorzinho” acolá sempre na mesma linha, ganhar qualquer coisa, agora chama-se flexibilidade e capacidade de adaptação.
O “fura-vidas” também não é homem para estar muito preso a pormenores de legalidade que do seu ponto de vista só lhe atrapalham os esquemas, agora chama-se “rigidez normativa” que é inimiga do desenvolvimento económico.
As outras pessoas só interessam ao “fura-vidas” na exacta medida em que sirvam os seus interesses, de resto são-lhe indiferentes, agora chamam-se activos, mas também são descartáveis.
O “fura-vidas” vê-se como um exemplo, façam como eu, trabalhem, diz a quem o quiser ouvir distribuindo os seus conselhos, agora chamam-se coaching.
 O “fura-vidas” … desculpem lá, estou farto dos “fura-vidas”.

ESTADO SOCIAL E ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA

A cruzada determinada do Primeiro-ministro contra o Estado Social vai fazendo o seu caminho. Ontem, em entrevista televisiva deixou entender que o seu desmantelamento poderia prosseguir no âmbito dos apoios sociais e da educação pois tem um quadro mais favorável, portanto mais simples de desmantelar, do que a saúde, embora, se vá tratando também da saúde, por assim dizer.
Em termos mais práticos, o Primeiro-ministro parece admitir o recurso ao co-pagamento (famílias e estado), por exemplo no secundário, medida sustentada pelo que passa no ensino superior em que existem propinas e financiamento público das universidades  e politécnicos.
Antes de umas breve notas, recordo o quadro constitucional vigente. No Artº 9 (Tarefas fundamentais do Estado) estabelece-se na alínea d) “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”.No Artº 13º (Princípio da igualdade), o ponto 2 estabelece que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Finalmente no Artº 74º (Ensino) Lê-se “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;”
Desta leitura resulta de forma que creio clara a veiculação do Estado ao providenciar a escolaridade obrigatória de forma gratuita.
Não sendo eu mal-intencionado, não acredito que o Primeiro-ministro recorra ao argumento de que, o facto da alínea a) do Artº 74ª referir “ensino básico” não implicará o financiamento público do ensino pós-basico, o secundário tal como não financia em exclusivo ensino superior. A referência constitucional ao ensino básico decorre obviamente de, até há pouco tempo, o ensino básico corresponder à escolaridade obrigatória. Se for este o argumento é demasiado pobre e pouco sério.
Por outro lado, o ensino obrigatório nunca foi gratuito nem universal, vejam as taxas de abandono e os custos incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num quadro em que a acção social escolar é insuficiente, sendo que, Passos Coelho dixit, sofrerá mais cortes pois também os apoios sociais vão sendo desmantelados.
Por coincidência, a imprensa de hoje refere que algumas empresas estão a suportar os pequenos almoços de miúdos que chegam com fome às escolas.
Uma pequena nota para recordar a experiência do ensino superior em que, é conhecido e reconhecido, muitos estudantes estão a abandonar os estudos, por dificuldades suas ou familiares em assegurar o pagamento das propinas e as bolsas manifestamente insuficientes para o volume de necessidades, cenário que facilmente se estenderia ao secundário se avançar o co-pagamento.
Como é também muito claro, somos um dos países europeus com maior assimetria na distribuição da riqueza, o que significa que a possibilidade do co-pagamento da educação dos filhos, é inacessível a muitos milhares de famílias portuguesas.
Este caminho, a acontecer, será responsável, não só pela gasta expressão de “ameaçar a escola pública”, mas, sobretudo, pelo enorme risco de potenciar a instalação de condições de insucesso escolar, abandono, à qualificação que alimenta a mobilidade social, discriminação nas oportunidades e, finalmente, do comprometimento do direito à educação.
Sabemos todos que, tal como o Ministro Vítor Gaspar vem afirmando, o Estado Social, tem custos. Relembro que muitos estudos e a experiência de vários países mostram que é possível mantê-lo. A questão é que isso obriga a outras prioridades e a outras políticas.
E existem outras políticas e é possivel a definição de outras prioridades.
Post-scriptum - Passos Coelho anunciou hoje (2/12) que não pretende proceder à introdução de co-pagamento na escolaridade obrigatória e que tal ideia, para não variar digo eu, foi um erro de interpretação do que anteriormente tinha afirmado. Cambada de mal interpretantes.

A CORRUPÇÃO. Os problemas e as soluções

Hoje realiza-se a Conferência “Dinheiro, Influência e Poder: Proteger a Democracia dos riscos da Corrupção” organizada pela Transparência e Integridade, Associação Cívica e centrada nos resultados do projecto Sistema Nacional de Integridade que envolveu 26 países em que se levantam algumas questões objectivas neste universo em Portugal como a funcionamento do sistema de justiça e policial.
Relembro ainda um Relatório recente produzido no âmbito da organização Transparency International, em Portugal também sob a responsabilidade da TIAC, Centro Inteli-Inteligência e Inovação e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, evidenciando que o combate à corrupção em Portugal apresenta “resultados mais baixos do que seria de esperar num país desenvolvido”, concluindo, entre muitos outros aspectos, que a “troca de favores” e a “cunha estão institucionalizadas “entre colegas do mesmo governo”.
Dados anteriores também da Transparency International, dizem que Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. Considerando ainda indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
No entanto, como é constatado, está sempre presente nos discursos partidários, sobretudo à entra de cada novo governo, a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao próximo fingimento. Pode acontecer que com o deslizar da nossa soberania para outras paragens, alguma entidade ou grupo lá de longe venha cá impor mudanças.
Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder”, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas, por todos, quando foram ocupando o poder. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que NÃO QUERER mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, NÃO PODEM e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada o que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido está evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
Parece, assim, um problema complicado. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

PARA DAR BOAS RESPOSTAS É PRECISO FAZER BOAS PERGUNTAS

No mundo da educação, mas não só, sempre me causa alguma perplexidade a forma como alguns especialistas conseguem com a maior das facilidades produzir "diagnósticos" ou um conjunto de orientações sobre a forma de actuar, a partir de uma referência por vezes telegráfica e pouco objectivada a uma dificuldade de uma criança ou adolescente em qualquer área do seu funcionamento. É certo que são muito frequentes "queixas" de professores, educadores ou pais expressas em enunciados como, "tem dificuldades na leitura", "está sempre distraído", "é muito irrequieto", "responde de forma agressiva", etc. mas parece-me imprescindível resistir à tentação, demasiado frequente, de logo providenciar um "diagnóstico" e, ou uma "receita", "experimente fazer ...".
Qualquer dificuldade percebida, real ou representada, está "embrulhada" num conjunto de vasto de variáveis de natureza individual, história de vida, capacidades, competências, estilo de funcionamento, motivações, por exemplo ou de natureza contextual, as circunstâncias, as tarefas, os métodos e comportamentos de professores ou pais, entre outras.
Assim sendo, para compreender eventuais dificuldades, percebidas ou reais, de um qualquer aluno, mais pequeno ou mais crescido, importa fazer alguns perguntas, boas perguntas, às variáveis de que falei para, só então, poder compreender com alguma segurança a existência, ou não, de reais dificuldades, a sua natureza e eventuais causas ou justificações.
Creio que só realização de boas perguntas nos ajudarão a pensar em boas respostas. Às vezes nem se torna necessário elaborar perguntas muito sofisticadas, quando? o quê? porquê? como? sempre? ... podem ser uma maneira de começar.
Como a experiência nos vai mostrando, querer dar respostas sem fazer perguntas ... só por acaso é que se acerta, sendo que este universo das dificuldades colocadas pelos miúdos, sejam elas reais ou percebidas como tal, é demasiado importante para ser deixado ao acaso.

NOTÍCIAS DOS CASAIS DE PORTUGAL

Uma apressada viagem pela imprensa on-line reconciliou-me com o mundo, por agora. Num extraordinário exemplo do que é o verdadeiro serviço público em comunicação social, vários títulos informam que o casal Yannick Djaló e Luciana Abreu se reconciliou e desistiram do processo de divórcio que decorria.
Devo confessar que me comovi e fiquei mesmo como o menino do quadro das feiras, com uma lágrima no olho. É bonito ver um casal feliz.
A propósito de casais, algum imprensa refere que o número de casais com ambos desempregados duplicou em Outubro.
Desapareceu-me a lágrima do olho e nasceu uma raiva nos dentes.

POLÍTICA EDUCATIVA É MAIS DO QUE UM EXERCÍCIO DE CONTABILIDADE

Começa a ser extremamente difícil encontrar alguma racionalidade em muitas decisões, discursos ou propostas por parte do Governo. Em muitas circunstâncias da nossa vida, pessoal ou colectiva, confrontamo-nos com decisões com as quais não concordamos, mas que entendemos a base ou critérios que as sustentam. No entanto, com excessiva frequência vão surgindo decisões absolutamente incompreensíveis.
Como é sabido o MEC definiu um conjunto de propostas para o OGE de 2013 relativas ao ensino superior que motivaram uma inédita e enérgica reacção negativa por parte de reitores e presidentes dos institutos politécnicos que ameaçaram com o risco de suspensão de funcionamento dos estabelecimentos e com a realização de greves o que seria notável, uma greve no ensino superior desencadeada pelos reitores e presidentes.
Como vai sendo hábito, o MEC assusta-se, digo eu, e recua. Não é grave, poderia ser uma prova de bom senso. O que é extraordinário é que atribui ao ensino superior um acréscimo de verba que é retirado do montante alocado ao orçamento para o ensino básico e secundário, cerca de 20 milhões de euros conforme proposta de deputados da maioria que há semanas aqui tinha comentado.
Acontece que na proposta inicial do OGE para 2013 o ensino básico e secundário já contava com cerca de 418 milhões de euros a menos, um abaixamento de 6,5% por comparação à estimativa da despesa real efectuada este ano. Para a educação estava alocado 4% do PIB, o mesmo valor de 2012 e abaixo de 2010, 5%. Não se percebe a opção política do governo, embora se perceba a aritmética, tira-se ali e põe-se aqui, aliás, o Ministro Nuno Crato fará bem estas contas mesmo sem máquina de calcular.
Nada de estranho face ao que tem sido a PEC -Política Educativa em Curso e as respectivas linhas de orientação, menos escolas, menos professores, menos apoios escolares e sociais aos miúdos e famílias, menos pessoal técnico e auxiliar, menos direcções, menos qualquer coisa que dê para poupar dinheiro, menos qualidade na escola pública. Portanto, retirar mais qualquer coisinha para acalmar o ensino superior não é grave e os miúdos e os professores do básico e secundário não têm a mesma voz que os reitores e presidentes de politécnicos que até colocam a hipótese da greve. Esta decisão tem ainda o ónus político de abrir uma frente de crispação entre o universo do básico e secundário e o ensino superior na "disputa" por fatias do orçamento com custos que deveriam ser ponderados.
Sim, eu sei que existe muito desperdício. Sim, também sei que se verificaram derrapagens inaceitáveis e a instalação de equipamentos e recursos desnecessários no programa de requalificação das escolas a cargo da Parque Escolar. Sim, também sei das oscilações demográficas que baralharam os discursos de Nuno Crato. Sim, sei também que os recursos docentes podem ser melhor geridos. Sim, eu sei que temos de controlar tanto quanto possível as despesas.
Finalmente, sei também que o investimento em educação é reconhecidamente o que mais retorno traz a um país, é o caminho mais sólido para construir o futuro.
Este orçamento é uma escolha, é uma política, uma má escolha, para uma má política. Podia ser outra. E devia.

ATÉ QUANDO?

Tal como aconteceu no ano passado, o Dr. Alberto João Jardim vai gastar uma verba elevadíssima, cerca de 1,2 milhões de euros em iluminações no Natal e festas de fim de ano e cerca de 750 000 em fogo de artifício. Como indicador comparativo, as cidades de Lisboa e Porto gastarão no seu conjunto cerca de 370 000 euros neste tipo de iniciativas.
Também como no ano passado, o Governo Regional socorre-se de habilidades e manhas orçamentais distribuindo parte dos encargos para o orçamento de 2013.
Ainda e tal como no ano passado, o processo de adjudicação destes negócios parece tudo menos transparente. A montagem das iluminações decorativas de Natal e fim do ano, é desde 1996 sempre adjudicada à empresa SIRAM, do antigo deputado do PSD, Sílvio Santos, procedimento já condenado pelo Tribunal de Contas.
Nada de novo, portanto.
O que continua a surpreender-me é a complacência cobarde, interesseira e indesculpável com que estas manobras e manhas é tolerada pelos responsáveis nacionais, designadamente, o Governo, todos os Governos de há décadas.
É usado o argumento de que as festas e o fogo-de-artifício são "o maior cartaz" da Região Autónoma" entendimento estranhamente tolerado. No entanto, devo afirmar que neste aspecto estou de acordo, o o fogo-de-artifício, as festas das inaugurações de equipamentos que, por vezes, são mero desperdício e forma de uns quantos ganharem muitos milhões, são um dos grandes cartazes da Madeira.
Por cima deste quadro reina a figura tutelar de Alberto João que entre impropérios, boçalidade e ameaças veladas de independência se ri de uma classe dirigente que se ri dele, o bobo tonto e inimputável que vai jogando um jogo conhecido, uns fingem que governam o território nacional "esquecendo" o que se passa na Madeira, outros, poucos, ganham muito com tudo isso e a grande maioria de nós, madeirenses incluídos obviamente, vai pagando.
Até quando?

UMA BOA NOTÍCIA. Mais um diálogo improvável

Olá Sr. Manuel, bom dia, como está?
Estou bem Sr. Dr. Para dizer a verdade estou com bocadinho de medo do que o Sr. Dr. me vai dizer.
Não tenha medo Sr. Manuel o que tenho para lhe dizer são boas notícias.
Ainda bem Sr. Dr., estava com medo.
Estou a ver aqui que tem filhos pequenos, dois, não é verdade?
É, tenho o Mauro e a Liliana, estão os dois na escola.
Muito bem, imagino que goste deles e que brinque bastante com os seus filhos.
Lá gostar gosto, brincar é que não brinco muito. Levanto-me cedo para o trabalho e chego tarde, não tenho assim muito tempo.
O Sr. Manuel gosta de praticar algum desporto?
Olhe Sr. Dr., quando era mais novo ainda joguei à bola lá numa equipa da minha terra. Depois comecei a fazer só umas brincadeiras, já não sou muito novo e também a verdade é que não tenho muito tempo para essas coisas.
Desculpe perguntar Sr. Manuel mas lá em casa e com a sua mulher, passeia e conversa.
O Sr. Dr. sabe como é, com a idade a gente vai-se habituando, já nos conhecemos bem e como ela também trabalha, à noite já estamos cansados e às vezes é jantar, deitar os miúdos e descansar também, não há tempo para mais.
Pois é Sr. Manuel, estou mesmo convencido que a notícia que tenho para lhe dar é uma excelente notícia, vai gostar.
Então Sr. Dr.?
A sua empresa vai ter que prescindir dos seus serviços, claro que nos termos legais.
Quer dizer que vou ser despedido?
Digamos que se pode afirmar isso. Veja Sr. Manuel como vai ser bom para si. Vai ter tempo para brincar com os seus filhos, para voltar a fazer alguma actividade desportiva que é muito boa para a saúde, vai ter tempo para conversar com a sua mulher sem estar cansado. Pode fazer coisas que há muito tempo não podia fazer. Vai sentir-se um homem novo.
O Sr. Dr. acha mesmo que eu devo ficar contente?
...

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES, novo episódio

A avaliação dos professores, para além de ser imprescindível como defesa da qualidade da educação e dos próprios professores, é, reconhecidamente, uma matéria complexa mas não impossível de ser definida e operada de forma clara, adequada e tão justa quanto qualquer dispositivo ou modelo de avaliação de desempenho em qualquer função o possa ser.
Serve esta introdução para mais uma referência ao processo interminável e, em muitas circunstâncias, desastroso, que tem sido a definição e colocação em prática de um modelo de avaliação de professores em Portugal.
Recordo o inenarrável desastre do modelo chileno dos tempos de Maria de Lourdes Rodrigues e os sucessivos ajustamentos que um pouco à deriva têm vindo a ser introduzidos.
Hoje a imprensa refere uma tomada de posição do Conselho de Escolas no sentido de suspender o modelo de avaliação por este ano e adoptar de novo e para este ano o regime simplificado.
A posição do CE radica, sobretudo, no atraso, ainda não se iniciou, da formação dos avaliadores externos, na falta de clarificação dos critérios de integração nesta bolsa de avaliadores e nos ajustamentos que várias escolas vão sofrer na sua direcção devido ao programa de fusão de escolas que alterará responsáveis e procedimentos.
Não me vou pronunciar sobre o modelo ou a justeza do regime simplificado e da pretensão do CE. O que me parece de sublinhar é que, também neste processo, o MEC revela uma atitude de definição de metodologias e procedimentos sem acautelar e garantir as condições de exequibilidade operacional e de temporal daquilo que determina. Esta deriva voluntarista e, em várias decisões, incompetente, do meu ponto de vista, são um péssimo serviço prestado à qualidade, ao clima de trabalho e à mudança necessária em muitos processos educativos.
Inquieta que se não note no MEC um esforço de aprendizagem decorrente do que tem sido a sua prática e forma de decidir e funcionar.

AS MANIFS, um negócio em alta

No dia em que se vota o Orçamento do nosso descontentamento decidi fazer um esforço no sentido de encontrar algo de positivo neste inferno em que transformámos e transformaram a nossa vida.
Nesta tentativa que se me não afigurava fácil dou de caras com a primeira página do Jornal de Notícias, "Manifs salvam empresas de aluguer de autocarros". Notável, deve ser isto que os teóricos do empreendedorismo chamam uma janela de oportunidade.
Ao que parece, as empresas que operam neste nicho de mercado têm sido e certamente continuarão a sê-lo muito solicitadas para o transporte de pessoas para as manifestações. Na verdade, com o negócio dos comícios partidários em perda, já nem o passeio e os bifinhos com cogumelos ou o bacalhau com natas à borla parecem atractivos, com o custo dos bilhetes do futebol e a excursãozinha de fim de semana a pesar nos orçamentos familiares revistos em baixa brutal só resta mesmo protestar, fazer manifs.
Com o Orçamento que hoje será aprovado, os motivos de protesto não faltarão no futuro próximo pelo que o negócio das manifs tem, para já, excelentes perspectivas. À atenção dos nossos grandes empresários.
Um dia destes ainda vamos ver aparecer os passes sociais para o transporte para as várias manifs  ou Alexandre Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo oferecerem nas suas cadeias de distribuição, Pingo Doce e Continente,  grandes promoções incluindo vouchers de viagem transporte para manifs.
O mercado parece funcionar como o postulado de Lavoisier, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A HISTÓRIA DA AVE RARA

Um dia destes a Professora Maria entrou na sala de professores e sentou-se uns minutos, que nunca abundam, para um chá ao lado do Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros.
Olá Maria, tudo bem? Está aqui, está o primeiro período acabado. O tempo voa, para mim que sou velho ainda anda mais depressa.
Ora Velho, o tempo não voa sempre da mesma maneira, umas vezes é um relâmpago, outra vezes é uma eternidade. Na verdade, apesar das coisas não estarem a correr muto mal depois da confusão do início do ano, sabes como é, há sempre algum miúdo que nos surpreende e nos deixa mais preocupadas. Nesta turma em que sou DT é o Diogo, o miúdo é uma autêntica ave rara, não o consigo compreender.
Como assim?
Nunca reage como os outros ou como estou à espera que faça. Não é que seja mal comportado mas não o compreendo. Umas vezes parece na lua, completamente alheio, mas se lhe pergunto qualquer coisa, responde como se estivesse atento. Fala de assuntos que não são muito habituais na idade dele, os outros estranham e não posso deixá-lo continuar. Outra vezes, fica calado e não responde mesmo que seja uma questão de que sabe certamente a resposta. Nunca sei o que esperar do comportamento dele mas não o posso deixar à vontade, receio que os outros depois reajam mal. É mesmo estranho o Diogo, ando assim sem saber muito bem o que fazer.
Eu, se estivesse no teu lugar experimentava deixá-lo voar e cantar.
Estás a brincar Velho. Voar e cantar?!
Quando começaste a falar do Diogo disseste que ele te parecia uma ave rara. Se é uma ave rara a gente não sabe muito bem como ela voa e canta e por isso não a percebe bem. Não é estranho, compreendemos melhor as aves que já conhecemos, as raras é mais difícil. Experimenta um dia, se conseguires e puderes, juntar-te a ele no intervalo e deixa-o voar e cantar à vontade, talvez seja possível entender como ele voa e canta. Se entendermos fica mais fácil.
...

QUANTOS SERÃO OS SEM ABRIGO?

No Público surge um trabalho referenciando o facto de que o Censos 2011, devido à metodologia e conceitos utilizados, não terá sido eficaz no sentido de recensear o número de pessoas sem abrigo em Portugal.
Do meu ponto de vista e apesar de entender que por princípio todos os trabalhos devem ser realizados com as metodologias adequadas e informados por conceitos rigorosos, claros, consensuais e actuais, não me parece possível contabilizar o universo dos sem abrigo, por várias razões.
É muito grande o mundo dos sem abrigo, aliás, está a ficar maior o mundo dos sem abrigo. São muitos, os sem abrigo do mundo.
São muitos, os sem abrigo num porto que os acolha, uma casa, um espaço a que dêem vida e que lhes apoie a vida, uma família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo em famílias e em instituições.
São muitos, os sem abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem.
São muitos, os sem abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em valores que predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

FUGIR PARA A FRENTE

Passos Coelho numa viagem à Madeira para participar no Congresso do PSD - Madeira, organizado democraticamente em modo Alberto João, afirmou que lida bem com a impopularidade, criticou toda a gente que entende que o caminho da austeridade excessiva, cega e insensível está a provocar níveis insustentáveis de recessão e pobreza e afirma acreditar na inteligência dos portugueses, o melhor povo do mundo, na generosa apreciação do Ministro das Finanças Vítor Gaspar.
A persistência e definição de um rumo são ingredientes fundamentais em todas as áreas da nossa vida. Mas a lucidez, a flexibilidade e a capacidade de ajustar decisões em cada momento de acordo com circunstâncias ou variáveis que influenciam os contextos de aplicação dessas decisões, são também componentes essenciais nos processos de liderança e de tomada de decisão, imprescindíveis ao ajustamento e eficácia dessas decisões.
Quando boa parte da sociedade portuguesa, mesmo fora dos discursos partidários oficiais que  são naturalmente contaminados pelas respectivas agendas (aliás, mesmo dentro do PSD são muitas as figuras que discordam das opções), lembremo-nos por exemplo das posições e discursos de muitíssimos representantes da igreja, as intervenções frequentes e altamente preocupadas por múltiplos responsáveis por instituições de solidariedade social, as manifestações de muitos milhares de pessoas desenquadradas da mobilização partidária, etc., expressa a maior das preocupações com os efeitos devastadores que este caminho de austeridade insensível e insensata estão a provocar, o Primeiro-ministro veio a público fazer mais uma profissão de fé, fundamentalista, na bondade dos seus pontos de vista e na inamovível decisão de os manter.
Parece também de recordar que em termos internacionais muitos analistas e instituições alertam para os efeitos negativos da políticas de austeridade sobretudo nos países mais pobres.
Esta atitude de fuga para frente, assente num quase infantil "não tenho medo de nada nem de ninguém", não é sinónimo de persistência e visão, representa mais simplesmente falta de capacidade política, a gestão do bem comum adequada às circunstâncias.

domingo, 25 de novembro de 2012

O TEMPO DA AZEITONA

O lagar abriu e começou a lida da azeitona no Meu Alentejo. Este ano a produção é mais baixa, durante o Inverno passado a água foi pouca e as oliveiras não beberam. Dois fins de semana devem ser suficientes pelos cálculos do Mestre Zé Marrafa.
A apanha da azeitona pelo método tradicional é coisa brava, vá que não estava muito frio e estávamos apressados pela ameaça da chuva que este ano vai sendo farta e bem chovida. Os braços estão moídos de varejar e carregar mas impressionante mesmo, é ver a resistência do Velho Marrafa, homem de mais de setenta anos e que ainda tem a gentileza e generosidade de me deixar trabalhar com a vara mais leve, ameaçando seriamente a minha auto-estima mas protegendo os braços e costas.
O velho Marrafa tem um entendimento que eu não me atrevo a discutir sobre a apanha da azeitona aqui no monte, isto é, ao mesmo tempo que se apanha a azeitona procede-se à limpeza das oliveiras. O resultado é que me transformo num agricultor em apuros, estendem-se os panos, colhe-se a azeitona numa catártica actividade de varejamento, corta-se o que há a cortar nas árvores com a motosserra, ensaca-se e carrega-se no tractor. Depois lá vamos a caminho do lagar para a pesagem e entrega. Para depois ficará tratar da lenha sobrante.
O tempo de espera no lagar passa-se nas lérias e os temas de conversa vão surgindo mas quase sempre, não podia deixar de ser, andam à volta dos enleios e das molengas em que a vida da gente se transformou e da pouca rentabilidade que tanto trabalho dá.
Acho que só lá para o fim de Janeiro, quando voltar ao lagar para buscar o azeite, com o ambiente quentinho das enormes salamandras que impede o azeite de coalhar e o cheirinho inconfundível do azeite novo é que me vou esquecer das agruras da apanha da azeitona que, aliás, ainda não terminou.
Prometo não me queixar mais.

A PERCEPÇÃO SOCIAL DA AUTORIDADE

Na imprensa de hoje divulga-se a preocupação expressa por representantes de profissionais da saúde, médicos e enfermeiros, sobre o aumento dos episódios de agressão a estes profissionais. São referidos como eventual explicação para estes fenómenos, os potenciais efeitos que a situação de grande dificuldade e económica que atravessamos que tornarão as pessoas mais stressadas, mais instáveis e agressivas.
Sem minimizar estes efeitos de natureza mais psicológica que alguns especialistas também sustentam, creio que importa reflectir numa outra perspectiva.
Em primeiro lugar sublinhar que os profissionais da saúde não são os únicos destinatários  de emergentes e regulares comportamentos de agressividade. Há poucas semanas elementos representantes de forças policiais vieram a público apresentar o mesmo problema e são demasiado frequentes e graves os episódios de agressão a professores.
Por outro lado, é minha convicção que, para além dos efeitos da crise vale a pena considerar dois aspectos que me parecem essenciais, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os médicos e enfermeiros, entre outras profissões, professores ou polícias, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".
O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, parece importante um trabalho no âmbito da formação cívica sobretudo no sistema educativo e na formação profissional dos grupos profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.
Por outro lado e finalmente é ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

OS "CORAJOSOS, IRRESPONSÁVEIS OU OPTIMISTAS" QUE DECIDEM SER PAIS

Como tem sido divulgado, o ano de 2012 será o ano em que nascerão menos crianças em Portugal desde que existem registos. Já por diversas vezes me referi neste espaço a esta matéria e a ela hoje retorno. O Público procurou saber junto dos seus leitores que foram pais em 2012 o que representa a experiência da parentalidade, coragem, irresponsabilidade ou optimismo.
Na verdade, se atentarmos nos tempos que correm e sobretudo nos níveis de esperança em tempos melhores, pode parecer algo de pouco prudente trazer gente nova para o nosso mundo.
Coloco a questão noutros termos. Trazer gente nova, fenómeno inscrito na própria essência de ser gente, pode ser justamente a melhor forma de nos envolvermos na construção de um futuro em que eles caibam, e caibam de forma protegida e bem sucedida, podendo assim constituir-se como uma espécie de "regulador" ético das decisões e comportamentos.
A questão é que em Portugal não temos sido suficientemente competentes na construção de contextos "amigáveis" da paternidade e, portanto, facilitadores das decisões das famílias nesse sentido.
É bom recordar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, sendo também vários os estudos que sugerem que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, uma primeira questão a ponderar.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família, veja-se o que se passa noutros países neste universo. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que é particularmente relevante em tempos de cortes fortíssimos nos rendimentos familiares.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Como dizia acima, temos de ser mais competentes na construção de dispositivos legais, institucionais (quantidade, qualidade e acessibilidade das respostas) e económicos mais amigáveis e facilitadores da paternidade.
Voltando à questão colocada pelo Público, se a paternidade representa coragem, irresponsabilidade ou optimimo, acho que tem sobretudo a ver com o entendimento de felicidade de quem assume tal dimensão no seu projecto de vida. Há vida para além da crise.

sábado, 24 de novembro de 2012

FALTA DE PRUDÊNCIA E A REDE ESCOLAR

Segundo a imprensa de hoje, o MEC confirmou a intenção de prosseguir durante este ano lectivo o reordenamento da rede escolar, o que no léxico ministerial quer dizer fusão de escolas.
Nos últimos dias foi divulgado um parecer do Conselho Nacional de Educação sobre as disfuncionalidades que o gigantismo de alguns agrupamentos e escolas provoca no âmbito da autonomia da escola, centralizando decisões e diminuindo a eficácia pela dispersão de procedimentos e distância face aos problemas.
Os directores de escola e agrupamentos têm também alertado sucessivamente para o impacto negativo que este modelo tem no funcionamento das escolas, na gestão eficaz dos problemas diários, no clima da escola, na definição de culturas de cooperação e proximidade com os problemas dos alunos, dos professores e das famílias,
É também reconhecido que alguns sistemas educativos, Inglaterra e Estados Unidos por exemplo, que optaram por uma excessiva concentração de alunos e professores, fazem agora um recuo no número de alunos por escola e nos modelos de gestão porque se verificou, justamente, a menor qualidade dos processos e dos resultados com a opção por escolas e agrupamentos muito grandes.
Era importante promover a avaliação do que tem sido feito e dos seus resultados, já temos tempo de experiência suficiente e o documento do CNE é prova disso mesmo, para, antes de continuar e aprofundar este caminho, decidir sobre o seu ajustamento.
A questão é que o objectivo central das políticas educativas em curso nem sempre parece ter como eixo fundamental a qualidade, embora seja essa retórica sempre presente nos discursos.
Talvez fosse de recordar ao Ministro Nuno Crato, ao Governo e mesmo aos burocratas que na verdade nos governam, a velha afirmação de que um euro investido em educação é um euro investido em desenvolvimento. O que me parece curioso é que nos países de onde emerge a maioria destes brurocratas eles sabem isso e evitam os erros, mas para nós cortar, cortar e empobrecer é uma boa receita.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

UM DIA FELIZ

De manhã, quando saiu de casa sentia-se a pessoa mais bem disposta e feliz do mundo, ia ao banco tratar de liquidar o crédito contratado para adquirir o andar. Era um alívio com a crise que por aí anda.
Já no banco, ao proceder ao acerto de contas percebeu que ainda podia pagar o que faltava do empréstimo para a compra do carro. Ainda mais feliz ficou. Sem estar a pagar a casa e o carro, o orçamento que andava no limite ficava um pouco mais folgado.
À saída já imaginava que, finalmente, poderia ir com a mulher e o filho fazer aquelas férias no Brasil com que sempre sonhou. Pensou também que quando chegasse a casa ainda veria com a mulher se não era possível comprar uma televisão grande, um plasma, igual ao do cunhado, que é muito bom para ver os filmes e os jogos de futebol.
Tudo nesse dia estava a correr bem como há muito não acontecia.
Vinha a entrar em casa e já imaginava os olhos contentes do gaiato, quando lhe dissesse que agora pelo Natal talvez pudessem comprar um computador novo, porque o outro parece que está muito lento. Vinha no elevador e assobiava de contente.
Era o dia mais perfeito dos últimos anos, quase tão perfeito como o do seu casamento. Enquanto abria a porta a felicidade deu-lhe para dançar, até parecia que ouvia música. No meio do balanço do corpo começou a sentir algo de estranho.
A sua mulher, deitada ao lado na cama, olhava-o com ar esquisito enquanto o abanava, “Acorda, pára de te mexeres, o despertador já tocou, olha que te atrasas para a fila do Centro de Emprego”.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NÃO É UMA FATALIDADE

Aproxima-se o Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra as Mulheres, dia em que a agenda das consciências determina uma atenção especial a este universo e nesse sentido é hoje lançada uma campanha.
Para além da referência ao volume de ocorrências, a iniciativa pretende enfatizar os efeitos que os episódios de violência doméstica podem ter nos filhos, pois cerca de 41.5% das situações reportadas ocorrem na presença dos miúdos, com consequências negativas óbvias e que apenas acentuam a necessidade de se minimizar ou eliminar este tipo de ocorrências.
Segundo o Relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas relativo a 2011 registaram-se 27 mortes em contextos de violência doméstica, um número menor que o de 2010, 43 casos, e contabilizam-se 4 queixas de violência doméstica por hora apresentadas às autoridades.
Também o Relatório da Direcção-Geral da Administração Interna refere em 2011 um decréscimo de participações de casos de violência doméstica embora na UMAR, União das Mulheres Alternativa e Resposta, os pedidos de apoio tenham subido 20%. Parece acentuar-se a desconfiança face ao sistema de justiça, apenas 10 a 15 % recorrem ao apoio e muitas pessoas afirmam que queixas anteriores foram inconsequentes. Do total de inquéritos instaurados, 83 % acabam arquivados, apenas 15 % chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando se verificam condenações a maioria, 82 %, é com pena suspensa, veja-se que de 58 sentenças em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no primeiro trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento condenações. Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
No entanto, de acordo ainda com o Relatório da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima sobre 2011, o número de casos reportados de violência doméstica continua aumentar sendo ainda de registar um aumento muito significativo mais de 50% de denúncias realizadas por homens.
Por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só, provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro lado, apresente iniciativa pretende esse efeito importa atentar nos efeitoque estes episódios têm nas crianças que muita frequência a eles assistem.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor. Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de apoio como instituições de acolhimento e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

O COLAPSO DA FOME

Contrariamente às afirmações pouco felizes da Dra. Isabel Jonet sobre os estilos de vida, os consumos de bife e a pobreza a que nos devemos habituar, que suscitaram um enorme alarido, passou relativamente despercebida e sem sobressalto a inimaginável situação, nem sequer inédita, de um aluno que desmaiou de fome numa aula na Escola Fonseca Benevides em Lisboa durante esta semana.
Esta situação inaceitável que, ao que parece, já desencadeou uma “onda de solidariedade” nas redes sociais, nós somos assim, é apenas mais um sinal violentíssimo de como a pobreza não pode ser o caminho e é delinquente afirmar a necessidade empobrecer quando já temos, o próprio MEC reconhece, mais de 10 000 crianças referenciadas como passando por graves carências alimentares.
Sabemos todos, muitos professores e pais têm vindo a alertar desde o início do ano, do enorme e dramático aumento das dificuldades das famílias e do aumento do número de famílias que não conseguem assegurar condições mínimas de qualidade de vida aos seus miúdos. Professores e directores escolares registam a subida de pedidos de ajuda e da apresentação de situações de carência, sendo particularmente preocupante a situação de carência alimentar.
Tem sido recorrentemente noticiada a impotência e dificuldade de muitas instituições de solidariedade social em responder ao aumento brutal de pedidos de ajuda das famílias.
Face a este cenário o que temos tido pela frente é a insistência insensível num caminho de cortes nas áreas sociais e da educação, no corte insensato e insustentável no rendimento das famílias produzindo diariamente novos pobres que já nem envergonhados se conseguem sentir, tamanha é a desesperança que faz aparecer na escola ou nas instituições de mão estendida.
Face a este drama que se acentua diariamente dizem-nos não haver alternativa. É mentira, existem alternativas e é um crime porque se condenam miúdos e muitos graúdos, sobretudo velhos, a passar a carências graves. A disponibilização do pequeno almoço nas escolas, já decidida, pecou por tardia, muitas crianças têm como alimentação não muito mais do que aquilo que as escolas lhes providenciam, como bem sabem as pessoas que se movem no universo da educação.
As dificuldades das famílias e o que dessas dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para que não insistamos nestas questões. Todos os estudos e indicadores identificam os mais novos como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza que, aliás, tem vindo a aumentar. Existem concelhos em que a percentagem de crianças carenciadas ultrapassam os 50% e sabe-se do impacto negativo dos cortes dos cortes na Acção Social Escolar e no orçamento das autarquias.
As dificuldades que afectam directamente a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
Miúdos com fome não aprendem e vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias, insucesso e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.

OS MANUAIS DE INSTRUÇÕES PARA LIDAR COM OS MIÚDOS

Um dia destes, um bom amigo cá de casa, entusiasmado com a ideia de em breve integrar a comunidade dos avós, sabendo da minha ligação ao universo dos miúdos, pedia, meio a brincar meio a sério que lhe sugerisse alguma leitura. Meio a brincar, meio a sério achei que uma boa e primeira opção é estar disponível para ler atentamente, para compreender, os gaiatos. Na maioria das situações chega, compreendemo-los, eles compreendem-nos e a estrada faz-se com não mais do que os sobressaltos que todas estradas apresentam.
Fiquei no entanto a pensar na solicitação do meu amigo e na frequência crescente com que estes pedidos surgem.
É verdade que contrariamente ao que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças continuam a ser fornecidas aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Algum excesso nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam, levam a que alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos entendam providenciar um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita. Ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais". Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, uns acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe da circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que de ajuda.
Parece-me importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são A solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

IMAGENS CEDIDAS, IMAGENS CONFISCADAS, IMAGENS DESTRUÍDAS?

Creio que ninguém de nós estranha a regularidade com que no Portugal dos Pequeninos emergem umas trapalhadas assentes em histórias muito mal contadas de que nunca se chegam a perceber os verdadeiros contornos ou, tão grave quanto, contemplam situações que, do ponto de vista ético ou mesmo legal. são no mínimo duvidosas, mas das quais nunca ninguém é responsabilizado.
Vem esta introdução a propósito do episódio relativo à eventual cedência por parte da RTP de imagens não publicadas da manifestação que terminou com a carga policial em S. Bento e arredores.
A matéria de facto parece, até ver, circunscrever-se à demissão do director de e do sub-director de informação da RTP que negam a cedência de imagens à PSP ou a serviços do MAI. Por outro lado, um comunicado do Conselho de Administração da RTP parece admitir que tal se tenha verificado, os trabalhadores entendem que pode ter acontecido, a PSP nega, tal como Miguel Macedo e o incontornável Ministro Relvas diz que não tem nada ver com o assunto.
Este enunciado e eventuais desenvolvimentos dificilmente, pode ser que me engane, esclarecerão se de facto se passou algo de muito grave em termos de direitos individuais e cidadania, a utilização deste tipo de informação por parte das autoridades policiais.
Creio que de uma forma geral, o cidadão tenderá a não defender a violência e o excesso, seja por parte de um grupo de manifestantes seja, e mais grave, por parte das autoridades, pelo que a investigação dos acontecimentos é legítima. No entanto, a vida em democracia impõe, deveria impor, o respeito pelos quadros éticos e legais desde logo na protecção dos direitos individuais básicos.
Aguardam-se novos desenvolvimentos.

BRINCAR E ANDAR NA RUA

A propósito da realização em Leiria de um Seminário sobre o Brincar, actividade que costumo considerar como a coisa mais séria que os miúdos fazem, um professor do Instituto Politécnico de Leiria refere no DN a importância do brincar e andar na rua, situação que tem vindo a desaparecer da vida de muitos miúdos.
É certo que as questões da segurança e, sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos a circular e brincar na rua, como ontem dizia, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
No imperdível “O MUNDO, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.
Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias. Eles iriam gostar e far-lhes-ia bem.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

MEGA-AGRUPAMENTOS, POTENCIAIS MEGA-PROBLEMAS

Num documento do Conselho Nacional de Educação sobre a autonomia das escolas citado no Público, é apresentado o efeito negativo que, do ponto de vista da autonomia das escolas, advém da política de criação de mega-agrupamentos. É referido, por exemplo, o “reforço da centralização burocrática dentro dos agrupamentos, o aumento do fosso entre quem decide e os problemas concretos a reclamar decisão”  e a “sobrevalorização da gestão administrativa face à gestão autónoma das vertentes pedagógicas”.
Tal constatação não é estranha e vem ao encontro das muitas reservas que este caminho tem vindo a merecer. Enquanto estiver na agenda e porque, mais do que euros, está em jogo a qualidade da educação, retomo notas velhas para um problema presente.
Desde sempre tenho defendido que apesar de ser necessária uma reorganização da rede escolar, porque escolas de reduzidíssima dimensão, para além dos custos, não cumprem a sua função social com qualidade, seria absolutamente desejável que se não enveredasse pela criação de mega-escolas ou mega-agrupamentos.
De há muito que se sabe que entre os factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina se podem identificar o efectivo de escola e a qualidade e consistência da sua liderança. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e, por exemplo, mais recentemente o Reino Unido e os Estados Unidos na luta pela requalificação da sua educação, optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes.
Por outro lado, considerando a desejável e progressiva autonomia das escolas, a qualidade das lideranças emerge cada vez mais como uma variável com peso muito significativo. Estruturar mega-agrupamentos com lideranças diluídas e dispersas não será, certamente, uma boa forma de promover essa qualidade e, por exemplo, a consistência e coesão de práticas e equipas de docentes, técnicos e funcionários. Como o CNE refere este cenário acaba por promover o reforço da centralização burocrática e contraria a progressão da autonomia, sempre presente na retórica mas de difícil promoção.
É fundamental que a comunidade tenha consciência deste universo de modo a tentar travar o movimento de construção de autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores, alunos, pais e funcionários.
Não conheço nenhuma justificação de natureza educativa que sustente a existência vantajosa de escolas para crianças e adolescentes com 1500 lugares ou mais. A razão para a sua criação só pode, pois, advir da vontade de controlo político do sistema, a grande tentação de qualquer governo, menos escolas envolvem menos directores ou de questões economicistas que a prazo se revelarão com custos altíssimos pela ineficácia e problemas que se levantarão.
O insucesso sai sempre mais caro que o investimento no sucesso.

O DESPUDOR DOS ABUTRES

O chefe da missão do FMI em Portugal, Abebe Selassie em extensa entrevista hoje divulgada produz um conjunto de afirmações de que recolho duas notas.
A primeira refere que "O dinheiro emprestado pela Troika é muito barato". Talvez fosse de recordar a este abutre que as taxas de juro exigidas aos pequenos empresários em Portugal são o dobro das exigidas aos empresários alemães. Da mesma forma, a Alemanha tem em taxas de juro negativas e Portugal, de acordo com o negócio que a troika impôs, paga juros altíssimos que nos condenam à pobreza e ao provável incumprimento susceptível de nos afundar ainda mais. Os juros cobrados pela generosidade destes abutres representam, só pelo seu valor, exemplos de agiotagem e terrorismo económico que produzem pobreza e exclusão.
A segunda nota remete para o entendimento do abutre Selassie  de que o sistema português de pensões é "generoso". Talvez o seu colega Vítor Gaspar lhe tenha mostrado a pensão de Jardim Gonçalves e de uma minoria que, na verdade, aufere pensões escandalosas e, por vezes, em regime de acumulação. Apenas por curiosidade  e como dado lateral, certamente por lapso a Segurança Social suspendeu o abono de família de perto de 100 000 crianças cujos pais devem ter enriquecido de forma ilícita e rápida.
No entanto, eu gostava de recordar e vou usar dados de 2009, antes, portando da degradação verificada, que nesse ano existiriam em Portugal cerca de 1,8 milhões de pobres, hoje estão perto dos três milhões, ou seja, com rendimento inferior a 360 €, o limiar de pobreza considerado, e, curiosamente, o mesmo número de pensionistas.
Vejamos então alguns dos dados. O valor médio das pensões era de 385 € e só Lisboa e Setúbal apresentavam valores médios acima do salário mínimo nacional, 450 €, em 2009. A assimetria era fortemente evidenciada pelo facto de a pensão média mais baixa, a de Bragança, ser de 272 € e a mais alta, a de Lisboa, ser de 504 €. Só quatro concelhos, Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro apresentam valores médios das pensões acima do limiar de pobreza.
Creio que esta situação se deve ter agravado pelo que afirmar que o nosso sistema de pensões é "generoso" é apenas mais uma das insultuosas afirmações desta gente que de há muito deve ter perdido o respeito por si próprios, pelos outros, provavelmente, nunca o tiveram.

O MAR, A AGRICULTURA E A INDÚSTRIA. Não foi esquecimento foi destruição

É certo que já não me devia acontecer, mas ainda consigo sentir alguma perplexidade com algumas intervenções de figuras públicas.
O Presidente da República afirmou hoje, ao que parece sem se rir, é um homem que talvez não saiba rir, que o país tem que "ultrapassar estigmas" e voltar a olhar para sectores que esqueceu nas últimas décadas, o mar, a agricultura e a indústria. É espantoso.
Não, nós não "esquecemos" o mar, a agricultura e a indústria. A nossa relação com estes sectores não foi de esquecimento foi de destruição. E foram destruídos, ou quase, sob a responsabilidade das políticas e modelos de desenvolvimento, de que Cavaco Silva foi um longo actor principal, entre outros, naturalmente. Estes sectores de actividade foram quase destruídos em nome de políticas que criteriosamente algumas décadas de centrão foram executando.
À boleia da destruição da agricultura, pesca e indústria, da betonização do país, de modelos de construção selvagem que destruíram cidades e litoral, de uma oferta turística massificada e frequentemente sem qualidade, hipotecámos o futuro.
É patético este exercício que muita gente que ocupou responsabilidades políticas relevantes e durante períodos de tempo significativos, procura fazer, colocando-se como espectadores distantes e críticos do que foram as decisões políticas de que foram altos responsáveis e, sobretudo, dos seus efeitos, por vezes devastadores.
O que é grave é que esta cegueira intelectual e a atitude infantil e ingénua traduzida "eu não estava lá", é frequente, não temos uma cultura de responsabilização das lideranças, quer nas atitudes e discursos individuais em que podemos assumir com humildade e seriedade o erro, a má decisão ou opção, quer em termos colectivos, em que a memória parece curta insistindo em modelos, ideias e pessoas que sendo parte do problema dificilmente podem ser parte da solução.

AS CÓPIAS E OS DITADOS

Na escola do meu tempo, e não só, existiam duas tarefas que constituíam boa parte do nosso trabalho, as cópias e os ditados, os diversos ditados, não só os das letras. Como é evidente, na acção educativa é necessário recorrer, sem reservas infundadas, às cópias, aos modelos, como forma de ajudar a perceber o como fazer e também aos ditados, dizendo sem problemas, ditando, o que deve ser escrito ou realizado. Já não me parece muito razoável que a educação ou, de forma mais alargada, a relação entre as pessoas, assente quase que exclusivamente nas cópias ou ditados.
É verdade que em algumas circunstâncias de vida, a alguns miúdos nem lhes são solicitadas cópias de bons modelos, nem os ditados, as regras e os limites, são eficazes, deixando-os entregues a si próprios e sem dispositivos de regulação.
Talvez sejam sinais dos tempos. Por um lado a visibilidade mediática e um sistema de valores enviesado cria modelos cuja cópia é assustadora e com resultados preocupantes. Se bem atentarmos nos discursos e comportamentos de muitas lideranças e figuras públicas e também o que fazemos e afirmamos no dia-a-dia muitas vezes produzimos modelos que não deveriam ser copiados, mas são.
Por outro lado, toda a gente, em diversas escalas vai entendendo que a sua verdade é a verdade, pelo que dita o que os outros devem assumir como a verdade do pensar, do fazer, do sentir,  do etc.
Reparem como tantas vezes em supostas trocas de opiniões ou ideias, as frases começam por “é assim”, ou seja, dita-se o que se tem a dizer não para trocar mas para informar o outro.
Reparem como as lideranças políticas, económicas, sociais, culturais, etc., em diferentes níveis, do local ao mundial, impõem um ditado sobre o que devemos fazer, como devemos pensar, como devemos viver, reagindo mal a outros entendimentos. Entende-se a perspectiva, os ditados não são para discutir, são para realizar.
De tudo isto vai resultando um caldo em que é esperado e desejado que a gente copie o que aparece para copiar e vá fazendo o que lhe ditam para fazer. A questão é que muita gente, cada vez mais gente, vai achando que as cópias do que nos dizem para copiar e os ditados que nos ditam, minam a nossa vida, ferem a nossa dignidade e que é preciso recusar os ditados.
Que se cuidem os modelos, os maus modelos, e os ditadores, os que fazem ditados, é claro.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

AS CONTAS QUE NUNCA DÃO CERTAS (Take 2)

Uma das questões que no universo da educação está permanentemente em discussão é o custo por aluno no sistema público e no sistema privado.
É evidente que conhecer com algum rigor e actualidade estes custos é importante, mas na verdade a questão é que o valor que se pretende encontrar tem de ser "trabalhado" até servir para sustentar a argumentação de diferentes pontos de vista sobre o ensino público e privado, a liberdade de escolha e, finalmente, o próprio questionar do sistema público de educação tal como o conhecemos.
Nesta "guerra" de números e, como disse, dependendo dos pontos de vista, temos tido valores para todos, o custo por aluno no sistema público é mais caro logo seria desejável abrir a possibilidade de escolha, o estado só poupava. No entanto, também se argumenta que se forem utilizados exactamente os mesmos critérios de cálculo, o ensino privado fica mais caro.
O Tribunal de Contas há algumas semanas fez contas, com dados absolutamente desatualizados e conclui que o ensino público fica mais caro, mas que com dados actualizados a realidade pode não ser essa e ainda aconselha a que se reavalie o modelo dos contratos de associação que, conhecem-se situações, vigoram quando os pressupostos da sua definição, não se verificam, pois existe resposta em estabelecimentos públicos.
Hoje foi conhecido o Relatório do Grupo de Trabalho nomeado pelo MEC que chega à conclusão de que o custo médio por aluno, no 2º e 3º ciclos do básico, do ensino público, ciclos nos quais se verificam os apoios do estado aos estabelecimentos privados com contratos de associação, é mais baixo que no ensino privado. É claro que os representantes do ensino privado já vieram a público sustentar fragilidades no estudo do MEC que considera “muito afastado da realidade” por per eliminado algumas parcelas de despesa. O MEC informa, entretanto, que vai alterar o financiamento.
E voltamos ao início. Qual é a realidade? Nos tempos que correm, com os modelos de funcionamento e financiamento das escolas em vigor, quanto custa na verdade ao estado cada aluno nos diferentes sistemas?
Creio que na verdade dificilmente se conseguirá uma resposta rigorosa e clara. Porquê? Porque é difícil fazer as contas? Claro que não.
Porque não se conhecem os dados? Claro que não.
Por que falta metodologia e conhecimento para o fazer? Obviamente que não?
É a política estúpido, é porque, como quase sempre no universo da educação, a discussão é contaminada por interesses outros.
Confesso que já me cansa esta discussão a que darei mais atenção quando ouvir afirmar com toda a clareza aos defensores da liberdade de escolha que o sistema privado assume ser obrigado a aceitar TODAS as crianças que lhe batam à porta com um financiamento debaixo do braço, por exemplo, crianças com necessidades especiais, crianças com trajectórias de insucesso ou problemas no comportamento, etc, etc.
Nessa altura poderemos voltar a esta discussão, aos custos e ao que melhor possa defender os interesses dos miúdos e das famílias.

VELHOS E SÓS, PODIAM TORNAR-SE AVÓS

Dados finais dos Censos 2011 confirmam as expectativas e dados já conhecidos. Considerando os indicadores de 2001, a população portuguesa aumentou 2 % sobretudo devido aos imigrantes e não à recuperação da natalidade, a população jovem baixou de 16 para 15 % e a população sénior aumentou de 16 para 19 %, diminuindo, naturalmente, a relação entre o número de indivíduos em idade activa e os velhos, algo de inquietante em várias dimensões. Vejamos uma delas.
Acresce que também segundo dados dos Censos 2011, cerca de 400 000 velhos vivem sós, mais 29% que há dez anos. Em termos mais globais, 1,2 milhões de idosos vivem sós ou com outros velhos.
Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades e estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução produzindo cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solidão. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
É certo que existe, felizmente, um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.
Uma hipótese de lidar com esta questão cada vez mais presente na medida em que assistimos ao envelhecimento e ao prolongamento da esperança de vida poderia ser, defendo-o frequentemente, a institucionalização do Direito aos Avós. Isto quer simplesmente dizer que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos estão sós e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria uma espécie de dois em um. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários e alguns bons exemplos mostram isso mesmo.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.

BOA NOTA NA DISCIPLINA DE CONTABILIDADE


Na conferência de imprensa de ontem, o Ministro Vítor Gaspar veio dar conta ao país da boa nota conseguida na disciplina de Contabilidade. Ao que parece os Senhores Professores da Troika valorizaram positivamente os exercícios que Vítor Gaspar lhes mostrou no suporte habitual, em Excel, e realizadas com os modelos econométricos que lhe têm sido ensinados. Como prémio pela boa nota, terão libertado um nova tranche do Programa de Ajustamento ou de Ajuda(?) e pessoas como o Dr. Miguel Relvas acorreram a dizer que estamos no bom caminho, acrescentando certamente mais uma equivalência curricular ao seu vasto currículo.
Nem sei bem se me sinto perplexo ou indignado.
Num breve olhar pela realidade temos três milhões de pessoas pobres ou em risco de pobreza e exclusão, 16 % de desempregados sendo que a taxa real se estime ser perto dos 20 % e na população jovem a taxa de desemprego é de 36 %. Temos mais de metade dos desempregados sem subsídio de desemprego e segundo dados de hoje da Autoridade para as Condições do Trabalho, nos primeiros nove meses deste ano, duplicou o número de pessoas com salários em atraso relativamente a 2011. Assistimos a milhares de falências de pequenas e médias empresas e à devastação de sectores da nossa economia que continua e continuará em recessão. Temos as instituições de solidariedade social sem capacidade de resposta para o aumento exponencial de pedidos de ajuda e milhares de miúdos que chegam com fome à escola. E chega.
Eu percebo que num exercício de contabilidade, trabalhando com os números de acordo com a teoria ensinada, o resultado possa ser positivo e merecer boa nota. No entanto quando penso que esse exercício sustenta o cenário que descrevi, a vida das pessoas, e se diz que estamos no bom caminho, as coisas estão a correr bem, o exercício deixa de ser de contabilidade e passa a ser ou um processo psicologicamente explicado de negação da realidade ou a demonstração de uma completa ausência de sensibilidade e solidariedade.
Que se passa?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

OS DIAS DA RÁDIO

Durante a tarde escrevi umas notas apressadas sobre a velha luta entre os criadores e artistas portugueses e os homens das rádios sobre o tempo destinado por estas à música portuguesa.
Depois do escrever fiquei a pensar como, quando era miúdo, a rádio era o tudo na nossa vida, a de alguns de nós evidentemente, pois não tínhamos mais do que um aparelho de rádio lá em casa, muito bonito aliás, panorama que mudou quando, pelos meus doze anos, entrou uma novidade extraordinária, um gravador de cassetes, uns antes de acedermos a um luxo chamado televisão.
A rádio era assim a nossa janela para o mundo para além de uma imprensa em papel que, salvo honrosas e combatidas excepções, era muito cinzenta, como os tempos da época.
Conhecia a música e a informação que a rádio estava autorizada a dar-nos a conhecer.
Felizmente que havia muita gente que tentava contrariar o ditado musical e informativo da época, de diferentes maneiras, abrindo assim umas janelinhas para outros mundos. Ainda me lembro de algumas incursões de alguns programas em autores "proibidos" e da audição às escondidas da BBC em onda curta para saber do outro lado do país.
Recordo como os relatos desportivos feitos pelas estrelas do tempo de forma que quase nos levavam para dentro dos estádios, eram seguidos lá em casa.
No que diz respeito à música e numa pirataria ingénua, passei muitas horas de dificuldade  com o gravador preparado para carregar no "Rec" e ir gravando as músicas que me permitiam a constituição de "playlists" com as preferências e como odiava os homens da rádio quando resolviam falar em cima das músicas inutilizando a sua gravação e o crescimento do meu acervo musical.
Já houve um tempo assim em Portugal, lembram-se? Dos dias da rádio.

AUTARQUIAS E EMPREGO SOCIAL (E POLÍTICO)

O Tribunal de Contas considerou ilegal a situação criada por algumas autarquias de providenciarem transporte a alguns dos seus trabalhadores. Os autarcas envolvidos, provavelmente na sua maioria pertencentes a autarquias de zonas periféricas ou com problemas de acessibilidade, sustentam que muitos dos trabalhadores beneficiados têm rendimentos baixos e que o transporte da Câmara é a única possibilidade devido à ausência de transportes públicos.
Como é evidente, a existência deste tipo de "benefícios" constitui, por princípio, uma violação dos princípios de justiça e equidade no tratamento do cidadãos, designadamente dos funcionários da administração, embora se conheçam vários grupos profissionais em situação de discriminação positiva nesta e noutras matérias.
Por outro lado, dada a desertificação e o subdesenvolvimento que afecta sobretudo os concelhos mas pequenos do interior provocando a desertificação,  as autarquias são em muitos concelhos os principais empregadores situação que devido cortes no pessoal e nos meios e nos orçamentos está a criar sérias dificuldades sociais em muitos locais.
Modelos de desenvolvimento que levaram ao abandono da agricultura e das pequenas unidades industriais, promoveram a desertificação e um movimento fortíssimo de litoralização levaram a que em muitas zonas rurais as oportunidades de emprego escasseassem. Nessas circunstâncias, as autarquias assumiram uma espécie de programa social assegurando empregos que, naturalmente, não eram justificados pelas necessidades das câmaras e que dadas as condições de vida e acessibilidade destes concelhos eram acompanhados de benesses ao nível de transportes, por exemplo, agora questionados pelo Tribunal de Contas. Numa escala maior a existência de insustentáveis e ineficazes empresas municipais e uma outra face deste universo mas bem mais difícil de desmontar.
 Estas práticas, tinham ainda e por assim dizer, um resultado colateral, positivo, constituíam um bom contributo para a contabilidade eleitoral pois, quer as admissões, quer a manutenção do emprego não estão, obviamente, fora da gestão dos interesses partidários presentes, muito presentes, na vida autárquica.
Lembro-me com frequência de ter assistido há uns anos, poucos, numa praça de uma vila do interior a um espectáculo muito curioso e elucidativo da gestão da coisa pública. Um funcionário recolhia diligentemente as ervas que cresciam entre as pedras da calçada. Colocava as ervas colhidas num balde junto do qual aguardava um outro funcionário que, quando finalmente (era demorado) o balde estava cheio, o despejava para um veículo de transporte que perto e a trabalhar permanentemente, tinha o condutor sentado ao volante. Sintetizando, três funcionários, em simultâneo, desenvolviam uma actividade que seria um exemplo notável do que não deve acontecer em matéria de gestão e eficácia.
No entanto, a situação que foi criada pelos modelos de desenvolvimento e pelas práticas políticas, que agora parece exigir o despedimento de gente e o corte de rendimentos em zonas de baixa capacidade de absorção ao nível do emprego, vai implicar o aumento substantivo das dificuldades que muita gente já atravessa.
Não vão fáceis os tempos.