sexta-feira, 26 de julho de 2024

DOS AVÓS

 Quase sempre passa discretamente, mas de acordo com o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial dos Avós. Uma lembrança à minha Avó Leonor, uma Mulher notável com uns olhos claros e uma fala que eram um ninho de aconchego.

A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há onze anos e do Tomás há oito. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.

Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.

Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.

Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.

Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar. 

Já agora recupero uma história com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui a contei.

De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.

A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.

Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.

Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha mandado vir estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu dispositivo com as músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.

O último a chegar foi o Manel.

Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

DO PLANEAMENTO

Foram publicados os calendários escolares para os anos lectivos de 2024-2025 a 2027-2028 ainda que sem o conhecimento dos calendários das provas de avaliação externa.  

Em políticas públicas, o planeamento e a previsibilidade são, obviamente, dimensões importantes.

No entanto, não deixa de ser curioso e estranho, para além da óbvia preocupação, que muitos alunos não sabem se vão ter aulas, mas ficam desde já a saber quando as deveriam ter.

Vão esquisitos os tempos. 

OS PUTOS SÁBIOS

 Estamos num tempo de férias e tropecei com esta memória no blogue que me pareceu de recuperar.

Era uma vez, estavam dois miúdos num parque, um desses sítios que algumas terras ainda têm para os mais pequenos brincarem, quando podem e os deixam, é claro.

Não havia muita gente. Os miúdos, às tantas, rebolavam no chão um bocado engalfinhados.

Passou um médico e pensou que eles talvez se magoassem porque aquelas brincadeiras podem ser perigosas.

Passou um antropólogo e pensou como ainda provavelmente se realizam lutas simbólicas por territórios, apesar das mudanças culturais.

Passou um pai e pensou como era possível que as crianças estivessem ali sozinhas nos dias que correm.

Passou um professor e pensou como seria mais útil que estivessem a ler algo de interessante em vez de se comportarem assim.

Passou um sociólogo e pensou como desde cedo se procura hierarquizar as relações sociais.

Passou um psicólogo e pensou como começa a ser tão frequente o bullying.

Passou um padre e pensou como os padrões morais que regem os comportamentos se alteram e a violência se instala.

Passou outro miúdo e perguntou “Estão a brincar a quê?”. Responderam os outros, “Às lutas, também queres brincar?”, “Quero” disse o que chegou.

E ficaram três miúdos a rebolar-se no chão um bocado engalfinhados. E felizes.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

DEIXEM LÁ VER

 O Público tem uma extensa entrevista com o Ministro da Educação, Ciência e Inovação abordando diferentes questões da sua tutela, do ensino superior e investigação ao ensino básico esecundário.

Na entrevista e no que respeita ao ensino não superior as questões colocadas foram centradas na crítica problemática relativa aos professores. Entre outras, foram tratadas matérias como formação, modelo de carreira, colocação e mobilidade, estatuto salarial e valorização, autonomia das escolas e agrupamentos, desburocratização ou municipalização.

Foi referida a apresentação já em Agosto do anunciado Plano de Recuperação das Aprendizagens e uma preocupação particular com a situação dos alunos, em número crescente, que não têm o português como primeira língua.

Todas as questões abordadas são pertinentes e a carecer de ajustamentos, as políticas públicas têm essa incontornável responsabilidade.

Como tive oportunidade de referir quando foram anunciadas as alterações na avaliação externa importa intervir nas “coisas certas”, mas também realizar “certas as coisas”.

É o que ainda falta conhecer de forma mais aprofundada.

Como dizemos aqui no Alentejo, “deixem lá ver”.

terça-feira, 23 de julho de 2024

AGORA O SUPERIOR. EM QUE CURSO?

 Está a decorrer desde ontem e até 5 de Agosto, a 1ª fase do processo de candidatura ao ensino superior. Como sempre tenho feito nesta altura deixo umas notas sobre esta questão.

O processo que agora se inicia envolve uma primeira decisão que estará tomada e me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior. É uma decisão importante e positiva. Contrariamente ao que tantas vezes se ouve, não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, no contexto europeu ainda é necessário elevar a média de cidadãos com formação superior.

Coloca-se então a escolha do curso e as dúvidas que podem envolver essa decisão embora muitos dos que se vão candidatar já tenham definido a sua opção.

Para esta escolha a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade, estatuto salarial e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?

Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".

Na verdade, não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".

Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje a vida acontece e a rápida variabilidade dos mercados de trabalho.

Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, a faça assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar. A plataforma Infocursos, entre várias outras fontes, pode ser uma ajuda.

Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.

Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.

Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.

Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

O MUNDO ESTÁ NO ECRÃ

 Peço desculpa pela repetição, mas a pertinência da entrevista de Jonathan Haidt ao Público sobre o impacto significativo que pode assumir a enorme exposição a ecrãs a que os mais novos estão sujeitos, leva-me a retomar o que escrevi há pouco tempo ao referenciar um trabalho da Ordem dos Psicólogos Portugueses sobre a mesma preocupante questão.

Apesar de algum cepticismo relativamente ao efeito num futuro próximo, parece estar a assistir-se a um movimento que evidencia uma preocupação crescente com a digitalização que tem tido especial ênfase nos contextos escolares.

Já este ano foi divulgado um trabalho realizado por investigadores da Universidade de Aveiro mostra que o tempo excessivo que crianças de 4 e 5 anos podem passar em frente a um ecrã tem um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem. Ainda assim, importa sublinhar que não devemos diabolizar os recursos digitais, mas sim, promover uma utilização adequada.

Em Agosto de 2023 foi publicado pela revista JAMA Pediatrics um trabalho, “Screen Time at Age 1 Year and Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos seguintes.

A investigação envolveu 7097 crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente com maior exposição.

O trabalho parece ser suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na agenda. Aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.

Recordo ainda um trabalho divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que devem ser levados em conta.

O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.

Recordo que em 2023 a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.

Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria, indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.

Uma pequena nota para referir que estando numa conversa com pais a propósito destas questões, referi estas orientações da OMS. Um pai pede a palavra para me dizer, “isso são opiniões”. Felizmente, para comentar tive a ajuda de alguns pais. É que já não tenho muita paciência.

Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem como mostra o estudo que justificou estas notas. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.

Como tantas vezes já tenho referido, o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens, "acompanhados" de outros tão sós quanto eles.

Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Comer é necessário e faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provocam sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática, sobretudo no que respeita aos riscos, como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.

Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

domingo, 21 de julho de 2024

DEFICIÊNCIA E EMPREGO

 Li no JN que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) irá desenvolver a partir de Setembro uma iniciativa de fiscalização e controlo envolvendo mais de  5000 empresas das empresas para verificar o cumprimento das quotas de emprego para pessoas com deficiência,

Em Fevereiro de 2023 entrou em funcionamento o sistema de quotas existente para a função pública desde 2001, alargada ao universo privado em 2019 com um período de transição até 2023 para empresas com até 100 trabalhadores e até 2024 para empresas com entre 75 e 100 trabalhadores.

De acordo com a lei, as médias empresas, com 75 a 249 trabalhadores, “devem admitir trabalhadores com deficiência em número não inferior a 1 % do pessoal ao seu serviço”. Para as maiores empresas, com 250 ou mais trabalhadores, a quota definida é de, pelo menos, 2%.

Considerando os dados do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, em 2019, altura da alteração legal, a percentagem de pessoas com deficiência no total de recursos das empresas privadas com mais de 10 trabalhadores era de 0,58%, (13 702 pessoas), um número altamente significativo.

Na administração pública as quotas estabelecidas não estão a ser cumpridas e são conhecidos casos de fraccionamento de concursos como método para o seu não cumprimento.

De acordo com os dados de 2021 do relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2021”, ainda do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, entre 2011 e 2021 o desemprego registado aumentou 63,1% nas mulheres com deficiência e 9,8% nos homens com deficiência.

O mesmo estudo refere que em 2020 a taxa de risco de pobreza ou exclusão social em agregados de pessoas com deficiência (16-64 anos) era 11,7% superior ao dos agregados da população em geral na mesma faixa etária (28,5% vs. 16,8%)”. Um outro indicador revela que os agregados de mulheres com deficiência, 26,5%, e os agregados de pessoas com deficiência grave, 31,5%, eram os grupos que enfrentavam o maior risco de pobreza ou exclusão social.

Como frequentemente aqui refiro e volto a insistir, a questão do emprego é crítica para muitos milhares de pessoas e suas famílias e com pouco eco no espaço mediático, como sempre as vozes das minorias soam baixo.

Por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.

No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas possa ser um passo e um contributo para minimizar a discriminação neste caso por deficiência. Por outro lado, viver há muitos anos por cá permite também perceber que a legislação tende a ser vista como indicativa e não como imperativa.

E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão de enorme relevância. Apesar de evidente recuperação nos níveis de desemprego as pessoas com deficiência continuam altamente vulneráveis a este problema.

Neste universo o caderno de encargos ainda é extenso e exigente.

sábado, 20 de julho de 2024

A ESCOLHA ACERTADA

 João Costa, ex-ministro da Educação, foi escolhido para a liderança da European Agency for Special Needs and Inclusive Education, criada em 1996 e que até 2014 tinha a designação European Agency for Development in Special Needs Education.

Depois de António Costa e enquanto se aguarda a ida de Diogo Costa, o homem dos penáltis do nosso contentamento, para um grande clube europeu, é João Costa a assumir uma função de relevo no contexto europeu.

Parece-me a escolha acertada e leva-me a umas notas que radicam numa ligação a este universo que começou em 1977, há quase 50 anos.

Em Abril de 2022 foi divulgado pela OCDE o trabalho, “Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base numa análise a seis agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou “um ambiente genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a legislação portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais abrangentes dos países da OCDE. É verdade que pensei naqueles agrupamentos e escolas onde tudo vai bem, muito bem. Só lamento pelos outros.

Recupero ainda que no 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular realizado em Abril de 2022, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação". É bonito e gosto da imagem.

Também é verdade que se, felizmente, muitos alunos andarão no “Rolls Royce”, muitos outros andam de bicicleta ou a pé, mas será, provavelmente, por razões ambientais.

É também verdade que, apesar das mudanças e como sabem muitos professores, direcções escolares, técnicos, pais e alunos, existe um lado B da chamada educação inclusiva como diferentes estudos e relatórios evidenciam, por exemplo por parte da IGEC, que transforma com demasiada frequência inclusão e integração em “entregação”. Mas como se sabe, os problemas concretos, são sempre menos considerados, não cabem na retórica.

Por outro lado, a Agência Europeia, não define directivas, define princípios e recomendações que poderão informar as políticas nacionais e com este quadro de atribuições João Costa cumprirá certamente e com brilho a função.

Talvez até venha a acontecer que, mais uma vez, a Agência ajuste o nome, abandonando a obsoleta designação de “necessidades especiais” e introduza a referência mais inclusiva a alunos "universais", "selectivos" e "adicionais".

Bom trabalho, Professor João Costa.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

AS PROVAS DE ModA (Monitorização da Aprendizagem) - Fazer as coisas certas, (não) fazer certas as coisas

 De acordo com o que já tinha sido anunciado, o MECI alterou o dispositivo de avaliação externa, sobretudo no ensino básico. Como aqui frequentemente tenho escrito eram necessárias alterações.

A avaliação externa é uma ferramenta crítica na regulação de qualidade dos sistemas educativos e o modelo actual não cumpre esse objectivo.

De uma forma geral, podemos sempre olhar para alterações recorrendo ao conhecido “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas” que também se pode aplicar na reflexão sobre as alterações conhecidas.

A Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa com funções de regulação deve ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo. A argumentação de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Assim sendo e neste caso, a avaliação não seria de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Está, pois, certa, a realização de provas nos anos finais de cada ciclo. A designação é irrelevante, mas como é preciso alterar, pode ser a prova ModA (monitorização da aprendizagem) no 1.º e 2.º ciclo e o exame final no 9.º ano. Tendo que ter nome, pode ser este.

Para que os dispositivos de avaliação externa cumpram a sua função têm de ser comparáveis o que não se verifica no modelo actual contaminado palas variações de dificuldades colocadas nas provas e no tipo de enunciados. No modelo agora anunciado, os conteúdos das provas serão estabelecidos de forma a permitir comparações nos trajectos escolares. Também me parece uma coisa certa.

Consideremos agora o “fazer as coisas certas” em que me parece questionável o que agora foi apresentado.

Os resultados das agora provas de ModA continuam a não ter qualquer impacto na avaliação dos alunos, mantém-se o “não servem para nada”. Como está estudado de há muito, as representações e expectativas sobre uma determinada tarefa contaminam de forma significativa o desempenho nessa tarefa. Para pais e alunos, mas também para professores e escolas, é relevante o facto de as provas não “contarem para nada”, não é fazer "certa a coisa". Não passam de mais uma ModA.

Finalmente, também não parece que a manutenção do formato digital no 1.º e 2.º ciclo e um exame misto a Matemática no 9.º ano seja “fazer certa a coisa”.

Na verdade, tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais, pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade.

Por outro lado, são conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste cenário, apesar do esforço que vai ser realizado recorrendo ao apoio dos docentes de informática, podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.

Acresce que, para além da disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 2º ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada, e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados.

O MECI já anunciou algumas medidas que procuram contrariar este cenário. Já não consigo ser muito optimista, para além de me parecer que a digitalização, nomeadamente no 1º ciclo, é uma má opção como já disse acima.

Voltando ao início, sei que nem sempre é fácil “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas”, mas neste caso não me parece muito difícil. É mesmo uma opção.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

DOS SEM-ABRIGO

 Está em revisão a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030 aprovada em Março, revelou o seu gestor executivo, Henrique Joaquim, na Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão.

Apesar de ter aumentado o número de pessoas retiradas dessa condição, parece também ter aumentado o número global de pessoas sem-abrigo.

Ainda de acordo com Henrique Pessoa, os dados mais recentes, de 2022, confirmam esse aumento e registam a existência de 10.700 pessoas na condição de sem-abrigo. O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve são as regiões em que se verificam proporções mais elevadas de pessoas nessa situação.

Considerando a experiência de Henrique Joaquim e a sua própria avaliação dos recursos e vontades disponíveis quero acreditar num processo com alguns resultados. A ver vamos.

No entanto, parece-me que não devemos esquecer que é muito grande o mundo dos sem-abrigo. São muitos, demasiados, os sem-abrigo do mundo.

São muitos, os sem-abrigo num porto que os acolha, uma casa, uma família, um espaço a que dêem vida e que lhes apoie a vida.

São muitos, os sem-abrigo, mesmo em famílias e em instituições.

São muitos, os sem-abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.

São muitos os sem-abrigo em escolas onde não cabem.

São muitos, os sem-abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem-abrigo em culturas que não entendem e que não querem entendê-los.

São muitos, os sem-abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.

São muitos, os sem-abrigo em valores que predominam, mas não os reconhecem.

São muitos, os sem-abrigo em vidas que lhes não pertencem, mas carregam. São muitos, os sem-abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.

Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem-abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

quarta-feira, 17 de julho de 2024

ENVIESAMENTOS

 Considerando os resultados na 1ª fase dos exames do secundário e relativamente a 2023, as médias subiram em Matemática A e B e História A e desceram a Português e Biologia e Geologia sendo que esta ficou com 9,9 valores.

Que leitura podemos fazer dos resultados?

Como indicador fundamental de avaliação externa a análise está comprometida à partida porque pela natureza das provas, com variação do seu grau de dificuldade, torna-se difícil a comparação com anos anteriores. As opiniões de professores e alunos sobre o grau de dificuldade mostra isso mesmo.

Sendo a avaliação externa uma ferramenta crítica na regulação de qualidade dos sistemas educativos, importa que os dispositivos utilizados possibilitem a construção de “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares. Considerando este objectivo, importaria que a construção dos exames contribuísse para que fosse possível prevenir potenciais enviesamentos.

Por outro lado, também podemos considerar a existência de uma “gestão política” dos resultados. Recordo uma afirmação de 2015 do então presidente do Conselho Científico do IAVE em Coimbra, referindo a possibilidade de alterar médias com pequenas mudanças em pouquíssimas questões.

Assim, os exames cumprem a função de certificação de conclusão do secundário e, sobretudo, sustentar o acesso ao superior. Neste cenário, parece-me de repensar o modelo de acesso ao superior.

Desde logo creio que o modelo actual promove uma desvalorização do próprio ensino secundário que deveria ser considerado e percebido como a finalização de um ciclo de estudos e não como a antecâmara do superior e a sala de explicações para preparação para os exames, aliás ouve-se com frequência o desconforto de docentes de ensino secundário como este quadro. Na verdade, sentem o seu trabalho com os alunos hipotecado ao peso dos exames e não à formação a adquirir no ensino secundário nas diferentes disciplinas.

Por outro lado, a situação actual favorece, como é sabido e reconhecido, a iniquidade assente na "simpatia generosa" de algumas escolas, maioritariamente privadas, que inflacionam a avaliação interna dos alunos ou o florescimento de um nicho de mercado, as explicações ou centros de estudo, dirigido à preparação para os exames com custos não acessíveis a boa parte das famílias.

Assim, parece-me ser adequado entender que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.

Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.

O acesso ao ensino superior será um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela com também sugere a recomendação do CNE divulgada em 2020. Seriam exigidos, naturalmente, dispositivos de regulação deste processo.

Parecer-me-ia mais ajustado que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países. É óbvio que este processo exigiria regulação eficiente e o envolvimento do ensino superior público e privado.

Para minimizar equívocos reafirmo que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas.

Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior não valorizamos o ensino secundário no que lhe é próprio e ainda corremos o risco de lidar com situações de “enviesamento” decorrentes da estrutura de exame ou do grau de dificuldade escolhido, bem como de negócios que sendo úteis a alguém, não o serão, obviamente, para a maioria das famílias.

terça-feira, 16 de julho de 2024

OS "FORNINHOS" OU OS EQUÍVOCOS DA COMUNICAÇÃO

 Estando mesmo à beirinha dos setenta e já com a lida profissional terminada, é mais frequente que olhe para trás e recupere memórias. Hoje tropecei com esta passada há já muito tempo, andava eu a começar a ser gente em termos profissionais e estava de conversa com a mãe do Luís, um dos alunos da instituição de educação especial, ainda não tinha sido inventada a escola inclusiva.

O Luís tinha na altura creio que uns cinco anos e era uma criança com Síndrome de Down e sempre disponível para a brincadeira.

No meio da conversa, a mãe do Luís refere que nos últimos dias, ele só queria brincar aos forninhos, não deixava ninguém sossegado, sempre de volta das pessoas da casa que eram muitas, mais do que seria confortável para a dimensão da casa.

Sempre achei e acho que brincar é uma actividade extremamente séria, importante para toda a gente e imprescindível aos miúdos. Assim, achei por bem tecer algumas considerações sobre a importância de brincar e a colaboração das pessoas da casa nas brincadeiras com o Luís.

Aí a mãe põe um ar mais sério e algo embaraçada diz-me que é um bocado aborrecido esta ideia do Luís de brincar aos forninhos, que as pessoas ficam muito chateadas com ele e ela até fica um bocadinho envergonhada. Explicou-me a seguir que como a casa é muito pequena e existem alguns casais lá a viver, o Luís acaba por ver umas cenas, “assim mais … compreende?” entre esses casais e depois quer imitá-los, ou seja, brincar aos forninhos.

Devo confessar que foi a minha vez de ficar embaraçado. Acabei por me rir para dentro a imaginar o Luís do alto dos seus cinco anos a assediar irmãs e cunhadas.

Este foi só um dos primeiros dos muitos equívocos que vim a descobrir, e descubro, na comunicação entre os pais e as instituições educativas.

Não foi dos mais graves.

domingo, 14 de julho de 2024

TEMPO DE FÉRIAS

 Estamos a entrar em pleno no tempo de férias escolares. Como costumo dizer, na minha idade este tempo não é de férias, é de repouso activo, mas estou a pensar nas férias dos miúdos.

Com as férias vem o habitual problema das famílias, onde deixá-los.

Esta questão é relativamente recente e apesar da tendência de generalização ainda afecta sobretudo as famílias de áreas mais urbanas com estilos e condições de vida que minimizam a disponibilidade de tempo ou de motivação para ocupar os mais novos.

Assim, é também nestas zonas que privilegiadamente tem vindo a emergir uma oferta de actividades diversificada e para diferentes bolsas envolvendo equipamentos e espaços sofisticadíssimos, com designações curiosas que, para além de ocupar as crianças, ainda se propõem contribuir para que os miúdos acedam a níveis extraordinários de desenvolvimento e competência nas mais variadas áreas, pois os miúdos de hoje têm de ser fantásticos e excelentes em tudo. Também autarquias e instituições sociais desenvolvem uma oferta que minimize assimetrias sociais.

Importa não esquecer que apesar de alguma evolução a menor oferta disponível para acolher crianças ou adolescentes com necessidades especiais é mais uma preocupação para as famílias envolvidas

Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua.

As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite, nas férias. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.

Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.

Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não excelentes e fantásticos.

Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas delas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje, mas eram o máximo, a sério.

Andar horas de bicicleta ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, são alguns exemplos.

Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.

Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.

Às vezes não.

sábado, 13 de julho de 2024

O "SOZINHISMO"

 Segundo dados divulgados pela Pordata, Portugal e a Itália, no âmbito da UE, têm a maior percentagem de população idosa, por cada jovem temos quase dois idosos. Acresce que cerca de um milhão de pessoas vivem sozinhas sendo que mais de 500 000 são idosos.

Num tempo em que toda a gente parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à solidão que, como sabemos, se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física, quer na saúde mental.

De facto, a solidão, o sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que tecem a vida das comunidades que vão perdendo as relações de vizinhança.

No entanto a questão agrava-se com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo estes que o sozinhismo ataca.

De facto, algumas pessoas, por condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de recursos ou de família.

Apesar do que consta nas certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos, mas não só os velhos.

Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está a chegar aumenta a necessidade desse calor.

Reafirmo que, embora tenha referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.

Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.

No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.

É sempre questão de redes sociais, mas não das virtuais.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Este país não estando a ser para jovens vai ter de ser para velhos.

sexta-feira, 12 de julho de 2024

RANKINGS ESCOLARES, UM PRODUTO SAZONAL

 Bom, aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “ranking das escolas” nas suas diferentes declinações e leituras dos dados disponibilizados e bem pelo ME. Agora, relativos a 2023. Em linha com a sazonalidade, umas notas repescadas.

Apesar de continuar com dificuldade em defender a sua bondade, não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção. Sublinho, sobretudo, a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades e imprensa. Se me parece muito importante a análise dos dados providenciados pelo ME, já me parece bem menos relevante a construção de listas classificativas de escola.

Continuo também a sentir-me incomodado com as estratégias de marketing dos negócios da educação a propósito da divulgação dos rankings, basta olhar para as páginas da imprensa que divulga rankings.

A mais frequente defesa da sua construção assenta na importância da avaliação externa. No entanto, é evidente que a imprescindível avaliação externa não tem que, necessariamente, obrigar à construção dos rankings que, aliás, alguns países não realizam. 

Mas existindo e apesar das mudanças que se têm verificado que mostram, ou não, os rankings?

Dificilmente mostrarão algo de substantivamente diferente como parece claro.

Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos. Mostram algumas notas simpaticamente altas.

Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.

Mostram uma descida dos resultados médios apesar de mais resultados positivos. Outros dados de avaliação externa têm apontado nesse sentido.

Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos.

Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.

Mostram que as escolas públicas são as que mais progressos promovem nos alunos embora não cheguem de forma significativa aos lugares superiores dos rankings da superação. E tal situação é tanto mais de registar quanto sabemos das dificuldades muito significativas e da falta de recursos que se verificam

Mostram que nas escolas com melhores resultados, em regra, são as que têm menos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.

Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença.

Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas”.

Mostram que …

Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará considerando a informação que os rankings mostram, com que meios, com que recursos humanos, com que políticas públicas. Na verdade, também não mostram o tanto que não se consegue medir, mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.

Quatro notas finais.

1 - A propósito de rankings - Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"

2 - Por onde andam nos rankings os alunos com necessidades educativas especiais?  (desculpem o termo não inovador dentro do novo paradigma, mas ainda não me habituei às novas "não categorias" como "adicionais", "selectivas" ou "adicionais").  Provavelmente à espera da operacionalização de um novo indicador-chave da avaliação das escolas, a inclusão de cuja consideração na construção dos rankings não me dei conta.

3 – Continuo com a dúvida expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto que num texto no Público a propósito dos rankings de há dois anos escreviam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se onde estão as evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria do sistema educativo?”

4 – Há já algum tempo a directora de um agrupamento de escolas que ocupa posições bem abaixo nos rankings e à qual de me desloco alguma regularidade para colaborar em algumas iniciativas, dizia-me, “Como conhece algumas pessoas da imprensa diga-lhes para nos visitarem durante o ano a ver o que fazemos. É que quando aqui vêm é por causa do ranking, e nós fazemos tantas coisas com os alunos e com os pais”. E eu sei que sim.

Para o ano cá estaremos e atentos ao que resulta deste ano duríssimo para a escola pública.

E voltarei a estas notas. São assim os produtos sazonais.

PS - Já depois de publicar este texto encontrei no Público uma reflexão de Gil Nata e Tiago Neve, citados acima, que merece leitura.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

DE PROJECTO EM PROJECTO

 No Público encontra-se um trabalho a propósito do lançamento do livro “Modo de Produção da Exclusão Social – Olhar a Escola a partir dos Excluídos” de Joaquim de Azevedo, coordenador desde 2013 do Projecto Arco Maior dirigido a jovens que abandonaram o ensino regular sem conseguirem concluir o 6.º, 9.º ou o 12.º ano. Foram apoiados cerca de 600 jovens durante estes anos. 

De acordo com Joaquim de Azevedo, o projecto recebe os jovens “completamente destruídos” pela escola que teve um papel preponderante no “deslassamento daqueles alunos”, foi para eles um espaço de “humilhação e marginalização”, levando-os a abandoná-la.

Para além de algumas especificidades, o grupo de jovens envolvidos apresentam alguns traços em comum, famílias com baixo rendimento e desestruturadas, frequentemente envolvidas em questões de consumos e tráfico, violência doméstica, com baixa escolaridade parental. Passaram pela identificação precoce de problemas de adaptação ou mesmo cognitivos e percursos de acompanhamento pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.

A “ineficiência” da escola obriga, mais uma vez, a que um Projecto, uma Iniciativa, um Plano, um … “Qualquer Coisa”, venha do exterior de uma escola “obesa”, onde tudo deve caber, é "inclusiva" e a quem tudo se pede e se exige “fazer o que ainda não foi feito” (espero que o Pedro Abrunhosa não se incomode com o “plágio”).

Num exercício de crença e boa vontade afirmo, como o José Afonso, “seja bem-vindo quem vier por bem” e registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas como será o caso do Arco Maior, mas já me falta convicção no impacto do procedimento habitual, para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas escolas, pelas escolas ou de fora das escolas, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a minimizar  eliminar as dificuldades identificadas.

Com demasiada frequência muitos destes projectos ou iniciativas vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também sei que existe em cada comunidade escolar uma multiplicidade de práticas de qualidade variada, mas tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais e melhor se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vêm bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas e geridos pelas escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam certamente fazer mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

Professores valorizados e qualificados social e profissionalmente o adequar de dimensões como o recrutamento, o ajustamento na formação, o modelo de carreira, o modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, ou a desburocratização do trabalho dos professores, entre outros aspectos.

Modelos de governança mais adequados, competentes e participados.

Repetindo e sintetizando, os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos. Por outro lado, também acontece que todo este movimento acaba por mascarar a inadequação ou ausência em matéria de políticas públicas.

Daí este meu cansaço.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

OS TEMPOS DA ESCOLA

 No Expresso encontra-se uma peça sobre a duração do ano lectivo. Os alunos portugueses entre o 1.º e o 6.º ano têm um número médio de horas lectivas mais alto que a média da UE, 874 horas obrigatórias face a 738 na média da EU, conforme o Relatório Education at a Glance, 2023, da OCDE.

Na peça encontram-se algumas opiniões favoráveis a mudanças nos tempos da escola que julgo de considerar com a prudência e consenso que são imprescindíveis.

Neste contexto, umas notas sobre os tempos da escola em linha com o que já tenho escrito. Em primeiro lugar uma referência à semestralização. Na verdade, não tenho uma posição fechada sobre a organização do ano escolar em semestres ou em trimestres. Tenho acompanhado as experiências já desenvolvidas organização em dois semestres e as avaliações que são conhecidas são genericamente positivas, o que não me surpreende pois, se assim não fosse, teríamos um sério problema com esta inovação.

No entanto e certamente por défice de informação, não conheço e gostava de conhecer, estudos com alguma robustez metodológica que identifiquem com clareza uma relação entre o funcionamento em semestres e a mudança em dimensões identificadas do processo de ensino e aprendizagem.

Por outro lado, as questões que muitas vezes se colocam relativamente à organização por trimestres decorrem do calendário ser “indexado” ao calendário de festas o que cria desajustados desequilíbrios na duração dos três períodos com o potencial impacto nos processos educativos.

Assim sendo, é uma questão que merece reflexão alargada a diferentes actores, estudando experiências de outros sistemas e com o recurso à avaliação do que já foi realizado.

Nesta reflexão deveria estar incluída a discussão dos benefícios (ou de eventuais efeitos negativos) da criação de “pausas” durante os períodos, modelo existente em vários sistemas educativos.

Creio que seria desejável que pudéssemos reflectir de forma global para os tempos da escola considerando outros aspectos. Nesta reflexão poderia estar incluída a discussão dos benefícios e eventuais efeitos negativos da criação de uma “pausa” a meio do primeiro período modelo existente em vários países.

Para esta reflexão pode ser útil recordar um estudo da rede “EurydiceTime in Europe - Primary and General Secondary Education 2019/20”.

Tal como tem sido mostrado em estudos anteriores os alunos portugueses têm menos dias de aula no contexto europeu, mas, curiosamente, as horas de aula são mais elevadas que a média, considerando horário curricular e AEC.

Não será fácil o estabelecimento de um consenso sobre a “melhor” organização dos tempos da escola, as comparações internacionais devem ser cautelosas pois as variáveis a considerar são múltiplas, a organização curricular, a realização dos exames, clima ou o parque escolar são algumas das que importa não esquecer e analisar.

No entanto, para além da questão de semestres ou trimestres, do meu ponto de vista, seria interessante reflectir de forma mais global sobre os tempos da escola considerando outros aspectos.

Num país com as nossas condições climáticas, tal como genericamente no sul da Europa, e considerando boa parte do nosso parque escolar, aulas prolongadas até ao Verão seriam algo de, literalmente, sufocante.

Reconhecendo que a guarda das crianças nos horários laborais das famílias é um problema sério e que entendo, também creio que não pode ser resolvido prolongando até ao “infinito”, a infeliz ideia de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”, a estadia dos alunos na escola. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável.

No que respeita aos tempos escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias. Como bem se sabe, mais horas de trabalho não significam melhor trabalho e os alunos portugueses já passam um tempo enorme na escola. Talvez seja de introduzir nesta equação a variável “áreas disciplinares e currículos”, considerando o número de áreas ou disciplinas, duração das aulas, organização de anos e de ciclos, etc.

Neste contexto, insisto, seria desejável reflectir sobre os tempos da escola com tempo, prudência e participação dos diferentes envolvidos e com base em evidência recolhida em diferentes cenários.

terça-feira, 9 de julho de 2024

DA AVALIAÇÃO EXTERNA

 O Júri Nacional de Exames divulgou os resultados dos exames finais do 9º ano de Matemática e Português. Relativamente a 2023 e considerando a escala de 100 pontos, em Matemática a média subiu de 43 para 51 pontos e em Português temos uma ligeira descida, de 61 para 59 pontos.

A análise destes resultados está comprometida à partida porque pela natureza das provas com variação do seu grau de dificuldade dificulta comparações com anos anteriores. Aliás, professores e alunos consideraram o exame de Matemática fácil e o exame de Português também levantou alguma polémica pelas opções reveladas nos conteúdos.

Neste contexto, umas notas em linha com o que frequentemente aqui tenho escrito.

A avaliação externa é uma ferramenta crítica na regulação de qualidade dos sistemas educativos. Para que assim seja, importa que os dispositivos utilizados possibilitem a construção de “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares. Considerando este objectivo, importaria que a construção dos exames levasse este objectivo em consideração.  

No entanto, a propósito desta comparação, sempre recordo uma afirmação de 2015 do então presidente do Conselho Científico do IAVE em Coimbra, referindo a possibilidade de uma gestão “política” dos resultados, bastando uma pequena mudança em muito poucas questões para que as médias se alterassem.

Também me parece que a não realização de exames nacionais no 4º e 6º ano ainda mais necessária torna a existência de dispositivos externos de regulação que fossem fiáveis em termos de comparações. Seria esta, aliás, a função da reintrodução das provas de aferição.

No entanto, do meu ponto de vista, (também tenho um) o modelo decidido não cumpre esta função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

Acresce que a representação instalada em alunos e pais de que as provas de aferição “servem para nada” ainda mais contamina a leitura dos seus resultados.

A argumentação de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Para além do tempo que os resultados demoram a chegar às escolas, acresce que tem sido habitual a rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas o que não permite estabelecer de forma sólida dados comparativos que possibilitem eventuais ajustamentos na trajectória dos alunos.

Na verdade, o actual modelo de avaliação externa, não cumpre com eficiência os objectivos da sua imprescindível existência.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

MAIS UM PLANO DE RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 Li no Público que o Ministro da Educação, Ciência e Inovação anunciou a apresentação nos próximos 15 dias de mais um plano de recuperação das aprendizagens. Não há nada melhor que mais um plano de recuperação. Nada de novo, sempre mais um plano, mais um projecto, mais uma iniciativa, mais um …

Mais a sério, o problema da recuperação das aprendizagens não é um problema de conjuntura, é um problema de estrutura.

Parece ser consensual que a maior ou menor dificuldades nos processos de aprendizagem que possam estar a acontecer, é extremamente diversificada em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação, interna e externa, que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados. O modelo actual, com provas de aferição a meio dos ciclos e ausência de provas finais é inadequado.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação externa ou de estudos, deixam imensas dúvidas e o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se trata de uma questão compatível com mais um Plano de curto prazo.

Não simpatizo com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza que se ouviram no pós-pandemia. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no seu percurso escolar.

Neste contexto, a questão central não deve ser definida em torno de uma perspectiva de recuperação das aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Mais uma vez insisto na necessidade de que o ME estabeleça a simplificação (desburocratização), não o chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

Este anúncio de mais um plano de recuperação, fez-me recordar de novo de Almada Negreiros na “Invenção do Dia Claro” “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade”. Considerando uma visão mais alentejana, lembro-me da famosa “reclamação”, “Construam-me porra!” escrita no pontão de apoio às obras protestando com o tempo de espera pela Barragem do Alqueva.

Estão à espera de quê?

domingo, 7 de julho de 2024

PROFESSOR, UMA PROFISSÃO DE RISCO

 Os Srs. Algoritmos que gerem a funcionalidade “Memórias” do FB, recordaram-me hoje que há seis anos, 7/7/2018, escrevi um texto “Professor, uma profissão de risco”.

Por curiosidade fui ler e fiquei preocupado. O retrato da situação profissional e de bem-estar dos docentes e do seu impacto em si e no seu trabalho já era sério e creio que a situação daí para cá tem continuado a agravar-se o que torna o cenário bem mais inquietante. Aqui fica

"Começam a ser conhecidos os resultados do estudo realizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova em parceria com a Fenprof sobre as condições pessoais dos professores considerando dimensões relativas ao “desgaste emocional, “burnout” incluído”, e sobre as condições em que estes trabalham - se há cansaço, desânimo, desmotivação ou, pelo contrário, alegria.”

Responderam perto de 16000 docentes e os resultados são inquietantes. Quase metade dos docentes que responderam revela sinais preocupantes de “exaustão emocional”, (20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% apresentam “sinais críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento) e mais de 40% não se sentem profissionalmente realizados

Foram identificados alguns factores explicativos dos resultados, a idade dos docentes, as questões relativas à carreira, organização (burocracia na escola e gestão hierarquizada das escolas) e o comportamento indisciplinado dos alunos.

Algumas notas.

De acordo com a Fenprof existirão perto 12000 docentes em situação de baixa médica sendo que em Março, de acordo com a ADSE estavam mais de seis mil professores com baixa médica há mais de sessenta dias a aguardar pela realização de junta médica. O ME não divulga o total de docentes em situação de baixa, mas os directores escolares e a as estruturas sindicais afirmam que tem aumentado.

Estarão recordados que também em Março se realizou em Lisboa um encontro internacional organizado pelo ME, OCDE e pela organização Internacional da Educação. O tema central da cimeira foi o bem-estar dos professores pois “Não se deve perder a oportunidade de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de todos os países que participam nesta cimeira”, afirmou a propósito o secretário-geral da IE, David Edwards e o bem-estar dos professores terá de ser percebido pelos Governos como “um tema político de primordial importância”. Sabe-se que se os docentes “se sentem bem com eles próprios podem fazer uma diferença positiva no ensino dos seus alunos” lê-se na nota de imprensa.

Escrevi na altura que a cimeira acontecia em Portugal num tempo em que certamente a boa parte dos docentes não se sentirá globalmente valorizada embora, os estudos o confirmam, globalmente gostem da profissão, tal como os alunos apreciam positivamente o seu trabalho.

O estudo agora conhecido vem apenas confirmar e actualizar o que já outros indiciavam.

Como causas mais contributivas para este cenário de elevado stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições profissionais e de carreira, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.

Também deve ser objecto de reflexão o peso da variável idade.

Conforme o Relatório “Perfil do Docente”, divulgado em Julho de 2016 e considerando dados de 14/15 apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.

Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos.

Se juntarmos o baixo número de saídas para aposentação e como escrevia há algum tempo num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade. Acresce ainda os efeitos de grave situação relativa à carreira, à progressão e ao estatuto salarial.

Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.

Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada que se sente desvalorizada, pouco apoiada, e que muitas vezes, demasiadas vezes, pergunta "Quanto tempo é que te falta?"

Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.

E a verdade é que conforme os estudos internacionais de natureza comparativa mostram o trabalho de professores e alunos, tem revelado progressos importantes nos últimos anos desencadeando, aliás, uma curiosa luta pela paternidade desse sucesso que, obviamente, pertence a professores e alunos.

Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos."

sábado, 6 de julho de 2024

A PROPÓSITO DE "VAMOS FALAR SOBRE ECRÃS E TECNOLOGIAS DIGITAIS"

 A Ordem dos Psicólogos Portugueses divulgou um trabalho que tempo por objectivo ajudar a regular a exposição a ecrãs, nos diversos dispositivos, de crianças, adultos e idosos. Tem como título, “Vamos falar sobre ecrãs e tecnologias digitais” e pode ser consultado no site da OPP, através de um ecrã, é claro.

A este propósito retomo umas notas destinadas fundamentalmente aos “utilizadores” mais novos embora o alargamento da população destinatária seja de salientar. Desculpem a insistência e repetição, mas a questão é demasiado importante e com riscos que as justificam. 

Felizmente, parece estar a assistir-se a um movimento que evidencia uma preocupação crescente com a digitalização que tem tido especial ênfase nos contextos escolares.

Já este ano foi divulgado um trabalho realizado por investigadores da Universidade de Aveiro mostra que o tempo excessivo que crianças de 4 e 5 anos podem passar em frente a um ecrã tem um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem. Ainda assim, importa sublinhar que não devemos diabolizar os recursos digitais, mas sim, promover uma utilização adequada.

Em Agosto de 2023 foi publicado pela revista JAMA Pediatrics um trabalho, “Screen Time at Age 1 Year and Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos seguintes.

A investigação envolveu 7097 crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente com maior exposição.

O trabalho parece ser suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na agenda. Aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.

Recordo ainda um trabalho divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que devem ser levados em conta.

O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.

Recordo que em 2023 a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.

Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria, indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.

Uma pequena nota para referir que estando numa conversa com pais a propósito destas questões, referi estas orientações da OMS. Um pai pede a palavra para me dizer, “isso são opiniões”. Felizmente, para comentar tive a ajuda de alguns pais. É que já não tenho muita paciência.

Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem como mostra o estudo que justificou estas notas. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.

Como tantas vezes já tenho referido, o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens, "acompanhados" de outros tão sós quanto eles.

Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Comer é necessário e faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provocam sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática, sobretudo no que respeita aos riscos, como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.

Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

A LER, "CONFISSÕES DE UM PSICÓLOGO PERANTE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL"

 Vale pena ler e, sobretudo, pensar no texto de Luís Fernandes no Público, “Confissões de um psicólogo perante a Inteligência Artificial”.

(…)

Poderemos construir toda a sofisticação da Inteligência Artificial, mas isso não resolve nenhuma das angústias que continuam a alimentar o rio desta nossa incompreensão pelo mais profundo do que somos.

(…)

quinta-feira, 4 de julho de 2024

OS DIAS MÁGICOS DA AVOZICE

 Desculpar-me-ão, mas cá estou de novo a recordar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa. É sempre assim a cada 4 de Julho ou 5 de Abril.

Cumprem-se hoje onze desde que, com o Simão, entrei pela primeira vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice que se alargou com achegado do Tomás. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Às vezes, quando brincam ou quando dormem, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, e o grande neto Pequeno, o Tomás, fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

TRANSITA, MAS NÃO PROGRIDE

 Está a terminar o ano escolar, estamos em época de exames, e começa o tempo de olhar para resultados.

Muito provavelmente vamos ter acesso ao indicador “percurso de sucesso”, completar o ciclo no número de anos previsto, que, em linha com o que tem acontecido nos últimos anos, mostrará taxas de sucesso muito positivas e em subida assim como também repercutirá sem surpresa variáveis como o contexto familiar dos alunos.

A questão é que, também muito provavelmente, quando se cruzarem com dados das avaliações externas, exames e provas de aferição surgirão algumas incongruências.

Como já tenho escrito a propósito de resultados de anos anteriores, este cenário mina a confiança no sistema educativo que tem, justamente, como instrumentos de regulação os dispositivos de avaliação externa.

Considerando como indicador de sucesso concluir o ciclo no tempo esperado, poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos? Ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão” para a “transição”.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades, ondas de capacitação, que, demasiadas vezes, chegam do exterior às escolas. Podem ser interessantes, mas … não são mágicas, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não será este o caminho.