sábado, 22 de março de 2025

O FASCÍNIO DO COMBOIO

 Li no Público um extenso trabalho sobre os planos da CP para criar novas rotas e redesenhar uma rede que representará ”uma verdadeira revolução ferroviária no país”.

Gostava mesmo de acreditar que algo de substantivo possa acontecer, mas vivendo por cá 70 anos o optimismo tem sido progressivamente revisto em baixa.

No entanto e se alguma de significativo acontecer sei que os meus netos irão apreciar, adoram ir para o Alentejo de comboio ainda que, lá está, os horários não sejam muito amigáveis

Durante muitos anos, sempre que podia as minhas idas a Aveiro, Coimbra, Porto ou Braga no âmbito da actividade universitária realizavam-se de comboio.

As viagens de comboio sempre foram para mim um fascínio desde miúdo, ainda gosto do embalo da viagem De vez em quando ainda recorremos ao comboio e à serenidade e tranquilidade que, quase sempre, as viagens de comboio permitem. Registo, no entanto, que não é possível uma viagem directa de Lisboa para Beja, importa trocar de comboio em Casa Branca. Mas Beja també só uma capital de distrito.

É também verdade que, não raramente, os atrasos pregam partidas, mas ainda assim gosto do comboio.

Aliás, creio que boa parte das pessoas terá ainda algum encantamento pelos comboios e as viagens. Acho mesmo que este encantamento é uma das tarefas da infância e perdura pela vida, provocando sempre alguma nostalgia, independentemente da maior ou menor utilização.

A verdade é que, irresponsavelmente, em muitas regiões do nosso país, sobretudo no interior, temos vindo assistir a um continuado fechamento de linhas.

A ferrovia foi sendo substituída pelo asfalto da auto-estrada numa opção política que deixou populações com problemas de acessibilidade e custos, encerrou linhas em troca de auto-estradas desertas que foram um bom serviço prestado aos parceiros privados das respectivas PPP e um mau serviço às comunidades e ao erário público.

Eu gostava, insisto, de acreditar na notícia de hoje relativa aos planos da CP. Mas, provavelmente, não se conseguirá contrariar o progresso, a modernização e, sobretudo, o mercado.

Deixem lá ver, como se fala aqui no meu Alentejo. 

sexta-feira, 21 de março de 2025

PAIS, FILHOS E PRÁTICA DESPORTIVA

 A propósito de uma peça interessante, “Os pais, os filhos e o desporto” de José Manuel Meirim no Público uma notas que não se circunscrevem apenas ao conteúdo da peça.

É com demasiada frequência que se conhecem episódios de violência no âmbito da prática desportiva envolvendo os escalões mais novos, designadamente no futebol, uma paixão que me acompanha desde miúdo e que me incomoda ver assim maltratado.

Parece claro que os sucessivos incidentes não serão alheios ao clima explosivo que se tem vindo a instalar, aliás, com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores”, promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil sustentar que assim é, embora continue, obviamente, a acreditar que assim pode ser.

Por outro lado, é apenas uma questão de escala, trata-se de mais um retrato de como feias estão as relações entre as pessoas, comunidades ou países.

Na verdade, a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição. Assisti a episódios deploráveis. Estamos a falar de desporto e praticado por crianças ou jovens. Lamentavelmente, será o espelho de um quadro de valores instalado.

No entanto e sendo isto verdade, é importante também dizer que ainda hoje é o empenho e o voluntarismo de muitos pais que permitem que muitas crianças pratiquem algum desporto em clubes e estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.

Ainda sobre a forma como alguns pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma cena a que também assisti e que também aqui divulguei que parece elucidativa de uma atitude muito generalizada, infelizmente.

 Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos

Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho

Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.

Assistentes discretos - o escriba

Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos

Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)

O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.

O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.

O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).

O filho - Mas eu dei com esta parte.

O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.

O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.

O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).

O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.

O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.

O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão vermelho por comportamento incorrecto.

É isto.

quinta-feira, 20 de março de 2025

FAZER PERGUNTAS À CONTA, A HISTÓRIA DO ALGORITMO

 Com alguma regularidade acompanho os meus netos na realização dos TPC. Felizmente, não me parecem excessivos, mas não é o que agora está em causa.

Num dos últimos dias, perguntei ao Tomás, 3º ano, se tinha TPC e queria que os realizássemos juntos.

Concordou e disse que havia TPC de Matemática. Pega na mochila e no caderno e diz-me que tinha contas para fazer com o algoritmo. Fiquei curioso e ainda mais atento.

O trabalho era resolver quatro operações, soma, subtracção, multiplicação e divisão. Uns dias antes tinha-me dito que já tinha aprendido a divisão, a que faltava no arsenal do conhecimento matemático.

Fui acompanhando o trabalho atento ao algoritmo.

Com rapidez e sucesso, atestado pela calculadora do meu telemóvel, as três primeiras operações rapidamente estavam feitas.

Então começou a magia da divisão feita com o algoritmo que espero conseguir explicar.

“Montou” a conta da forma clássica, quatro ou cinco algarismos no dividendo e um no divisor, creio que o primeiro algarismo era 6, depois um 5 e o divisor era 4.

Então começa realização da conta. Com ar sério pergunta à conta, “Qual é o número que na tua tábua (a do 4), que dá 6 ou próximo?”. E, é notável, inclina a cabeça e “ouve“ a resposta da conta. Escreveu o 1 no quociente que multiplicou pelo divisor e subtraiu ao 6, deu 2. Em seguida, diz, agora o 5 (o número no dividendo a seguir ao 6) vai entrar na conta, e “baixou” o 5 para o lado do 2 e voltou a perguntar, inclinando a cabeça para a conta “qual é o número na tua tábua que dá 25 ou próximo?”, o 24: Escreveu 6 no quociente, multiplicou pelo divisor e subtraiu ao 25. E convidou o número seguinte no dividendo a entrar na conta. E assim continuou até a completar de forma acertada.

Face à minha estranheza relativa ao método, o diálogo com a conta e com os algarismos, quis fazer mais algumas e, naturalmente, as últimas já as realizava sem inclinar a cabeça para “perguntar à conta”, perguntava a si próprio.

Tantos anos no mundo mágico da educação ainda me consigo surpreender com a magia de professores e alunos, ou seja, a magia do ensinar e do aprender.  

Protejam e valorizem este mundo mágico com políticas públicas adequadas, com valorização dos profissionais e numa perspectiva de equidade e oportunidade para o sucesso educativo de todos os alunos.

É, “só” o futuro que está em jogo, com algoritmo ou sem algoritmo.

O Tomás e todos os outros, estão a caminho.

quarta-feira, 19 de março de 2025

A CARTA

 Pai,

 Trouxe esta prenda para ti lá da escola. É para o Dia do Pai. Demorou três dias a fazer.

Desculpa lá, mas é outra vez a mesma coisa do outro ano. Desta vez eu acho que está mais bem feita. A professora diz que nós somos descuidados, pediu à D. Maria, a empregada, para ir com a gente para o recreio e acabou ela as nossas prendas para o Dia do Pai.

Não sei porquê, mas temos sempre que fazer assim, eu acho que os pais gostavam à mesma se fossem feitas só por nós.

Sabes uma coisa? Um dia a professora perguntou se os nossos pais brincavam com a gente. Eu disse que nós os dois não brincamos muito, mas estamos sempre a falar. Ela riu-se e disse que isso também é brincar. Eu já sabia.

O que ela não sabe é que a gente fala muito, mesmo que tu estejas nesse lugar muito alto, para onde a mãe diz que foste quando morreste. Mas isso é um segredo.

Agora vou brincar e tu ficas a ver. Olha Pai, depois conto-te uma história muito engraçada que aconteceu à minha amiga Joana.

 José

 Hoje e sempre. Ao Meu Pai que partiu demasiado cedo, mas não sem antes me ter mostrado o que nunca viu e caminhos para onde nunca esteve.

terça-feira, 18 de março de 2025

UMA BOA SEPARAÇÃO, UMA MÁ FAMÍLIA

 No JN encontra-se uma peça sobre um problema que afecta o bem-estar de muitas crianças, a separação conflituosa dos pais. Em 2021, não conheço dados mais recentes, chegaram aos tribunais de família e menores 31 181 processos cíveis relativos a responsabilidades parentais, sendo que 11 356 (36,4%) foram por incumprimento. Foram registados 12 790 (41%) pedidos de regulação.

Trata-se de uma situação potencialmente causadora de enorme sofrimento em todos os envolvidos independentemente das responsabilidades que cada um dos elementos possa ter em todo o processo.

É uma situação também muito complexa no que respeita à intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o Instituto de Segurança Social lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.

É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de reconstrução bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos e crianças encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de quebrar relações anteriores. Seria esta a situação desejável em caso de separação.

No entanto, existem muitas circunstâncias em que os processos de separação são de grande tensão e conflito nos quais crianças e adultos entram em processos de sofrimento muito elevados como a peça ilustra de forma inquietante.

Os riscos que a separação dos pais pode implicar para os filhos são alvo de recorrentes abordagens na imprensa, como agora no JN, e no âmbito da minha experiência são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou apenas inquietação.

Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre preferível uma boa separação a uma má família, mas existem separações familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis elevados de sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com custos emocionais muito elevados, designadamente para as crianças, mas também para os adultos.

Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.

Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do designado Síndrome de Alienação Parental que, apesar de alguma prudência requerida na sua análise, nem a utilização como conceito parece consensual em termos clínicos e jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí, naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.

É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças em situações de separação, mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.

Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões relativas à família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.

O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento mais científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos e crescidos.

No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.

segunda-feira, 17 de março de 2025

DE PEQUENINO É QUE SE TORCE O ... DESTINO

 No Conselho de Ministros realizado a semana passada, já em época de despedida, foi aprovada a celebração de contratos de associação com os sectores privado e associativo visando a abertura de 200 salas de educação pré-escolar em zonas carenciadas.

de Ministro já em época de despedida. O Ministro Leitão Amaro referiu a existência de um universo de 10000 crianças sem acesso à educação pré-escolar.

Em Novembro de 2024, na audição parlamentar sobre o OE para 2025 o MECI referia a falta de 800 salas para responder a 12000 crianças incluindo crianças abrangidas pelo programa Creche Feliz.

De acordo com dados da DGEEC relativos a 22/23, 99,8% das crianças com cinco anos frequentavam o pré-escolar, 96,8% das que tinham quatro anos também, mas apenas 82,8% das crianças com três anos estavam na mesma situação. O MECI, ainda na apresentação do OE, estabeleceu o objectivo de 90% de cobertura para os 5 anos.

De acordo com o relatório Education at a Glance 2024 da OCDE, dada a resposta muito significativa de natureza privada, o Estado suporta 67% da despesa, menos 19 pontos que a média da OCDE em que o Estado suporta 86 e as famílias 33% o valor mais alto OCDE.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, as famílias com menor rendimento experimentam maior dificuldade no acesso a educação de infância no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e agora reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos e a evidência sustenta que o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos, bem como o seu trajecto educativo e escolar são fortemente influenciados pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

domingo, 16 de março de 2025

CHEGARAM AS FLORES DAS ESTEVAS

 Quase sempre assinalo aqui o surgimento das primeiras flores nas estevas do monte. Este ano chegaram num período em que, felizmente, a água tem sido farta e parece continuar nos próximos dias. A terra está prenhe de água não dá para fabricar. Ontem foi difícil criar mais um canteiro de coentros de tão encharcada que está, mas os coentros novos fazem falta, são imprescindíveis na nossa mesa. Ainda há pouco almoçámos uma açordinha de coentros. É interessante como algo tão simples pode ser tão saboroso. Merece, pelo menos, uma estrela Alentejo, aquilo do Michelin não parece comida de gente.

Voltando ao que hoje aqui me trouxe, as estevas, a filigrana da forma, as cores e a delicadeza ao mesmo tempo forte das suas flores tornam o monte mais bonito, ainda mais bonito. E alimentam as abelhas que também estão na foto.

Acresce que as estevas também espalham um cheiro inconfundível, a campo. Hoje menos evidente, não há sol, o tempo está muito húmido, a chuva voltará no fim da tarde

E são assim, também cabaneiros, os dias do Alentejo.



sábado, 15 de março de 2025

OS TEMPOS DA ABSURDIDADE

 Os tempos vão estranhos e inquietantes. Os discursos que circulam nos inúmeros suportes são excessivamente contaminados por agendas, muitas vezes ocultas. A produção e circulação de informação e conhecimento são excessivamente determinadas pela “pós-verdade”, pelos “factos alternativos” ou, em inglês é mais sofisticado, em “fake news”.

Os padrões éticos da nossa vida política, económica e social estão abaixo da linha de água e a mentira, as mentiras, são regra, deixaram de ser excepção seja qual for a designação. Os últimos tempos em múltiplas geografias têm sido particularmente elucidativos e preocupantes.

Lembrei-me, nesta inquietação, de uma obra lamentavelmente pouco divulgada, do Professor António Bracinha Vieira, um homem enorme, um Mestre que me marcou e recordo de vez em quando pela sua lucidez e densidade cultural e científica. 

O livro, "Ensaio sobre o termo da história - trezentos e sessenta e cinco aforismos contra o Incaracterístico" é um notável ensaio de Bracinha Vieira sobre o que designa como tempo da Absurdidade em que predomina o Incaracterístico e organiza-se em 365 parágrafos antológicos, os "aforismos", que combatem esse personagem dominante, o Incaracterístico. A primeira edição do livro é de 1994, foi objecto de alguma discussão num círculo diminuto e é evidente em muitos dos aforismos uma espécie de premonição do que agora vivemos

Partilho convosco os aforismos 15 e 18.

"Instalou-se no jargon cripto-anglófono do Incaracterístico uma inversão radical do sentido das palavras liberal, liberalismo (ainda presas a um étimo comum com liberdade) insinuando sob o totalitarismo da Absurdidade uma negaça de democracia. Decidido a desnaturar conceitos prestigiosos dos quais nem sequer consegue discernir o alcance, o Incaracterístico investe esses termos de um significado oposto ao que lhes cabia."

"A democracia da Absurdidade exerce-se num cenário oposto ao da cidade-estado: o Incaracterístico elege o Incaracterístico, e todas as alternativas em jogo a ele conduzem. Os sujeitos cujos nomes são designados logo surgem nos ecrãs-circo da Grande Absurdidade, preenchendo hiatos entre a publicidade mercantil, sem se aperceberem que são mercadoria de outras espécies. Dali debitam os seus sirénicos e sorumbáticos cantos e a escolha entre eles é o fiel da liberdade do Incaracterístico".

A pensar.

A pensar.

A pensar.

sexta-feira, 14 de março de 2025

AGRESSÃO A UMA DOCENTE. MAIS UMA VEZ

 Mais um episódio. Desta vez numa escola da Moita. Um aluno com 10 anos terá agredido uma professora com uma cadeira. De registar a idade do protagonista que torna a situação ainda mais inquietante. 

Andam negros os tempos para os professores. Repetindo-me, sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas. Não parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores ou funcionários, cometidas por alunos ou encarregados de educação (?!), continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação e ouvem-se discurso de relativização.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios poderá ser um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, para além de ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Também com demasiada frequência os discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento de impunidade instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. Acresce a mansa construção de um clima social em que a violência verbal ou física parecem normalizados.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente e de todos os que estão nas escolas, tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

quinta-feira, 13 de março de 2025

FAMÍLIA, PRECISA-SE. É URGENTE

 Em peça do Público lê-se que, de acordo com dados do relatório anual do Conselho Nacional para a Adopção e informação constante do Retrato da Adopção 2023, em 2023 subiu o número de crianças adoptadas, 203, ainda assim abaixo de 2017.

Apesar da alteração em 2023 de 15 para 18 anos o limite de idade no processo de adopção, mantém-se um crítico enviesamento.

Cerca de dois terços (64%) das crianças que aguardam uma família têm mais de sete anos, sendo que apenas 21% têm até três anos. Acontece que é justamente neste grupo que 64% das famílias se candidatam a processo de adopção.

É também relevante que, cito. “relativamente à situação de saúde, 57% dos candidatos aceitam crianças com problemas ligeiros, mas 42% apenas estão receptivos a crianças saudáveis”. E isto quando 16% das crianças que aguardam família apresentavam problemas de saúde ligeiros, 34% problemas graves e 50% eram clinicamente saudáveis, em 2023.”

Importa ainda considerar o universo das crianças e jovens em acolhimento. Segundo o Relatório CASA 2023 (Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens) pelo Instituto da Segurança Social, aumentou o número de crianças e jovens em situação de acolhimento

Em 2023 registaram-se 2415 casos de novo acolhimento o que significa mais 8% que em 2022. Destes novos casos, 80% já estavam em acompanhamento, mas a identificação de situações de perigo sustentou processos de retirada urgente, situação que está a aumentar.

É um quadro preocupante e alimenta o que o relatório "Caminhos para uma melhor protecção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e na Ásia Central" realizado pela Unicef divulgado em Janeiro mostrava, segundo qual, entre 42 países da Europa e da Ásia Central, Portugal o país com mais crianças a viverem em instituições. Do universo de crianças acolhidas pelo sistema de protecção, 95% estão em instituições.

Acresce que, como se refere acima, mantém-se a acrescida dificuldade de processos de adopção de crianças mais velhas, mais vulneráveis por alguma condição de saúde, crianças com necessidades especiais ou adolescentes e jovens.

É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

Recordo um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Também há algum tempo um trabalho da Universidade do Minho evidenciou que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

quarta-feira, 12 de março de 2025

DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA, GRATUITA E UNIVERSAL

 Li no CM que o Governo decidiu não obrigar à devolução no final do ano lectivo dos manuais escolares que no início do ano foram entregues a todos os alunos do 1.º ciclo.

No próximo ano serão entregues novos manuais a todos os alunos

Como já tenho escrito, seria desejável que sempre assim tivesse sido, mas ainda é uma decisão acertada no final da vigência do MECI.

De qualquer forma e a propósito de manuais e materiais escolares é importante recordar que no quadro constitucional vigente estabelece-se no Artº 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;"

Desta leitura resulta de forma clara a vinculação do Estado ao providenciar a escolaridade obrigatória de forma gratuita, não “tendencialmente gratuita” como na área da saúde.

Acontece que, como já temos referido, a escolaridade obrigatória nunca foi gratuita nem universal pois, apesar da evolução registada, temos ainda situações de abandono, de dificuldades em muitas famílias acentuando-se nos contextos familiares de crianças ou jovens com necessidades especiais. Apesar dos apoios da Acção Social Escolar o acesso aos materiais escolares e a resposta às diferentes necessidades que a frequência da escola implica, muitas famílias sentem grandes constrangimentos.

Em tempos tão difíceis como os que atravessamos sendo um dos países europeus com assimetria significativa na distribuição da riqueza e quando, mais do que nunca, importa defender a educação e escola pública, é fundamental prevenir o risco acrescido de potenciar a instalação de condições de insucesso escolar, abandono e, finalmente, da dificuldade de acesso à qualificação, um fortíssimo contributo para a mobilidade social.

Não podemos falhar.

terça-feira, 11 de março de 2025

A PANTANOSA PÁTRIA NOSSA AMADA

 O habitat pantanoso continua a incubar e fazer eclodir episódios de corrupção, desculpem, alegada corrupção, delinquência económica ou outras manhosices  e compadrios em que, quase sempre a lei e sempre a ética, estão revistas em baixa.

Na verdade, a roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma família alargada que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimenta num tráfego intenso entre cargos, entidades e empresas públicas e entidades privadas, promovendo frequentemente negócios que nos insultam e, muitas vezes, empobrecem.

Esta família alargada envolve gente de vários quadrantes sociais e políticos com uma característica comum, os negócios, alguns obscuros, de natureza multifacetada e de escala variável, desde o jeitinho do emprego para o amigo até aos negócios de muitos milhões.

Acontece ainda e isto tem tido efeitos devastadores, que muitos dos negócios que esta família vai realizando envolve com frequência dinheiros públicos e com pesados encargos para os contribuintes.

Esta família conta ainda com a cooperação de um sistema de justiça excessivamente talhado à sua medida pelo que, raramente, se assiste a alguma consequência significativa decorrente dos negócios da família. Curiosamente, mas sem surpresa, todos os membros desta família, destes grupos, quando questionados sobre os seus negócios ou envolvimento em algo, afirmam, invariavelmente que tudo é feito tudo dentro da lei, nada de incorrecto e, portanto, estão sempre de consciência tranquila.

Alguém poderia explicar a esta gente que, primeiro, não somos parvos e, segundo, o que quer dizer consciência.

É verdade que está sempre presente nos discursos partidários, sobretudo à entrada de cada novo governo, a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao próximo fingimento.

Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder”, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.

Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas ou mesmo o futebol são apenas exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria.

A manutenção deste quadro, que nenhum partido está evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.

O combate à corrupção, parece, assim, um problema complicado. De quem faz parte do problema, é difícil esperar a solução. Acresce que este ambiente pantanoso favorece a eclosão dos ovos da serpente, uma direita extremista, xenófoba, não democrática que medra no descontentamento.

Assim vão os dias desta pantanosa pátria nossa amada.

segunda-feira, 10 de março de 2025

HISTÓRIA COM TEMPO

 O Sr. Algoritmo do FB recordou-me hoje uma memória de 10 de Março de 2014. Achei por bem trazê-la de novo aqui. É uma “História com Tempo”.

Era uma vez uma Professora. Era ainda nova e uma daquelas professoras que acreditava ter nascido para a profissão. Achava-a a mais bonita de todas. É certo que não gostava de muitas coisas que se passavam na escola e à sua volta, mas, ainda assim, seria a sua vida.

Naquele ano as coisas não estavam a correr muito bem. Pela primeira vez, tinha um grupo de meninos que estavam na escola pelo primeiro ano. De início ficou muito contente. Ia começar a ajudar os miúdos a ser gente logo desde o princípio de tudo. Preparou-se o melhor possível, com materiais e ideias, mas as dificuldades apareceram.

Os miúdos falavam o tempo todo, não se aquietavam para trabalhar e a sala, invariavelmente, ficava bastante agitada. Sem se dar conta, percebeu depois, começou a gritar com os alunos como nunca tinha feito e, até, a ameaçá-los com castigos, procurando que se envolvessem nas tarefas que tão empenhadamente tinha preparado. Nada parecia mudar e o desconforto aumentava.

Um dia, quando buscava ajuda ou inspiração na biblioteca, encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, que a inquiriu sobre o ar desalentado de quem tanto gostava de ser professora. Depois de ouvir a sua história, contada com a cabeça, o coração e os olhos, o Professor Velho falou baixinho.

Sabes Professora, há um tempo para tudo. Antes do tempo de aprender as coisas da escola, há o tempo de aprender a escola. Os miúdos precisam de um tempo para aprender quem são eles na escola, como é estar na escola. Precisam de te aprender, quem és tu, quem és tu com eles. Precisam de aprender o que é isso da escola, para que serve, como serve, etc. Só depois é que vem o tempo de aprender as coisas da escola, as que tens para lhes mostrar. Nessa altura, já sabem como gostas deles, de os ensinar, mesmo quando gritas e te zangas, e vão devolver-te, mais à frente, o tempo que lhes emprestaste de início. Hoje, queremos que os miúdos andem demasiado depressa, como nós.

No dia a seguir, a Professora pediu a cada aluno que contasse aos outros a coisa mais engraçada que já lhe tinha acontecido. Nunca os tinha visto tão tranquilos.

A ouvir-se.

domingo, 9 de março de 2025

NOTÍCIAS DO LADO B DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 Nos últimos dias surgiu uma notícia que merece reflexão. Um grupo de professores do departamento de educação especial de um agrupamento do concelho de Almada solicitou, ao abrigo do quadro legal, escusa de responsabilidade pois entende que as condições em que desenvolve o seu trabalho não permitem o apoio necessário aos alunos que acompanham. São insuficientes os recursos humanos, docentes, técnicos e auxiliares bem como a formação para assegurar a resposta necessária.

A posição foi assumida por doze dos catorze docentes (os dois restantes estão ausentes por doença) que acompanham crianças com diagnóstico da perturbação do Espectro do Autismo em unidades de ensino estruturado.

Nada de novo, a não ser a apresentação do pedido de escusa que não é muito habitual e tem um significado acrescido. No fundo, mais uma situação de muitas que mostram o que costumo referir como lado B da chamada educação inclusiva.

Na notícia do Público são referidos dados de um inquérito realizado pela Fenprof e divulgado em Janeiro que também aqui comentei.

O trabalho envolveu 132 agrupamentos e centrou-se na operacionalização da legislação sobre educação inclusiva.

Sem surpresa, os dados revelam falta de docentes de educação especial, técnicos especializados, assistentes operacionais, tarefeiros, espaços físicos “dignos” ou materiais. Nas escolas abrangidas seriam necessários mais 171 docentes da área da educação inclusiva e mais 458 assistentes operacionais.  Acresce que entre os mais de 156 mil alunos desses agrupamentos, 8,2% beneficiam de medidas de suporte à aprendizagem e inclusão. Existem ainda mais 6888 que apenas têm “apoio indirecto do docente de educação especial”, dito de outra forma, necessitariam de um professor para um melhor acompanhamento.

Em termos globais, 80% dos agrupamentos inquiridos consideram que não têm os recursos que seriam necessários e ainda se verifica que em 23% das turmas não se cumpre a legislação no que respeita ao número de alunos com necessidades especiais,

Nada de novo, mas umas notas que espero breves.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, é a minha paixão e tem sido a minha vida. Comecei a trabalhar no universo da educação, em particular da educação para alunos com necessidades especiais, (à época os alunos com deficiência) em 1976 e aposentei-me definitivamente em 2024, sempre nesta área, a educação. Como as pessoas ligadas à educação sabem ou irão saber, de professor e de pai nunca nos reformaremos por mais longa que seja a nossa vida. Também é curioso que a minha companheira de estrada tenha sido professora de educação especial no 1.º ciclo durante a quase totalidade da carreira, achando eu que tive alguma responsabilidade nessa opção.

Dito isto, comecei no tempo das escolas especiais organizadas por deficiência (eu ligado à primeira CERCI que se constituiu), trabalhei no tempo da educação especial, no tempo da integração e das equipas de professores de ensino especial e, finalmente, no tempo da inclusão.

Sempre com esperança, acompanhei a mudança de quadro conceptual e legal que enquadrava este trabalho, ah, já me esquecia, também acompanhei as mudanças de paradigma, como sabem as coisas só mudam quando muda o paradigma, passei do paradigma da escola especial, para um paradigma combinado já com salas de ensino especial (salas de apoio) na escola regular, passei depois para o paradigma da integração, os alunos passaram a estar fundamentalmente integrados em turmas de ensino regular com acompanhamento dos professores de educação especial e, finalmente, o paradigma da inclusão, os alunos, todos os alunos, estão incluídos, já não são estigmatizados como alunos com necessidades educativas especiais. Assim, os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade passaram a ser objecto de medidas educativas arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. No paradigma da educação inclusiva é assim que se faz.

E pronto, chegámos à educação inclusiva, somos um exemplo para muitos países que se organizam nos velhos paradigmas, ainda não chegaram à educação inclusiva. Esperemos que lá cheguem, mas os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.

No entanto, a maldita realidade nem sempre colabora. Eu reconheço e conheço, aliás, como sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os dados acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem. E importa considerar que não estou apenas a referir-me aos alunos “categorizados”, os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais”.

Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm não são compatíveis com “uma escola inclusiva”, de todo, são brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.

Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.

No entanto, em nome dos meus netos que serão o futuro e das minhas convicções, e como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, tentar promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.

A designação está tão desgastada que já nem sabemos bem o que significa. No entanto e de uma forma simples, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem os princípios inalienáveis da autodeterminação, autonomia e independência.

Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas. E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.

Reafirmo que não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão, mas que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Sempre recordo o Mestre Almada Negreiros na "Cena do Ódio" quando falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

Desculpem a extensão do texto.

sábado, 8 de março de 2025

MULHERES

 Não há volta a dar, estamos a 8 de Março, o calendário das consciências manda reparar nas mulheres, no seu universo, nos seus problemas.

Assim sendo, para além das iniciativas, discursos e referências na imprensa que fazem parte da liturgia comemorativa e da retórica da campanha eleitoral, reparemos então.

Reparemos como se mantêm em níveis dramáticos e inaceitáveis os episódios de violência doméstica incluindo homicídios. Acresce que ainda existem muitíssimas situações que não são do conhecimento público e, portanto, boa parte dos episódios não são sequer objecto de procedimento.

Reparemos como se mantém a diferença de oportunidades e a desigualdade salarial apesar das mudanças legislativas. Segundo alguns dados serão precisas décadas para atingir equidade no estatuto salarial.

Reparemos na dificuldade que muitas mulheres em Portugal têm em conciliar maternidade com carreira, adiando ou inibindo uma ou outra, sendo cada mais preterida a maternidade. A intenção expressa de ter filhos é um obstáculo no acesso ao emprego.

Reparemos em como as mulheres portuguesas são das que na Europa mais horas trabalham fora de casa e a tempo inteiro e também das que mais trabalham em casa.

Reparemos na necessidade de imposição legal de quotas para garantia de equidade que mesmo assim não se verifica.

Reparemos na desigualdade no que respeita à ocupação de postos de chefia.

Reparemos nos números do tráfico e abuso de mulheres que também passa por Portugal.

Reparemos na criminosa mutilação genital feminina, também realizada em Portugal.

Reparemos como a igreja continua a discriminar as mulheres.

Reparemos na quantidade de mulheres idosas que vivem sós, sobrevivem isoladas e acabam por morrer de sozinhismo sem que ninguém, quase, se dê conta.

Reparemos, finalmente, no tanto que ainda está por fazer.

Na verdade, a metade do céu que as mulheres representam carrega um fardo pesado.

Provavelmente, ainda assim será no próximo ano como tem sido nos anos anteriores.

Provavelmente, voltarei com este texto no próximo ano.

sexta-feira, 7 de março de 2025

PRIVAÇÃO E EDUCAÇÃO

 O Instituto Nacional de Estatística divulgou dados relativos ao Inquérito às Condições de Vida e Rendimento.

Entre 2021 e 2024 as condições de vida da população em geral melhoraram, a taxa de privação material e social, a taxa de privação material e social melhorou, baixou de 13,5% para 11%.

No entanto, é preocupante que na população infantil sobe, sendo mesmo superior ao da população geral, passou de 10,7% para 11.3%. Nos casos de privação severa a taxa desceu ainda que de forma residual nas crianças.

Existem dois factores que contribuem de forma significativa para a situação verificada com as crianças, famílias monoparentais e nível de escolaridade dos pais.

Considerando esta variável, 55,55 das crianças que integram em famílias em que ambos os progenitores só têm o ensino básico, vivem em privação. No entanto, apenas 20,1% das crianças integram famílias com este nível de escolarização.

Repetindo-me sobre estas questões, os dados são inquietantes, está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal sendo que, sem surpresa, são estes alunos que, globalmente, mais dificuldades sentem no desempenho escolar bem-sucedido.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

É este o desafio que enfrentam as políticas públicas de diferentes sectores.

Em nome do futuro, não podemos falhar, repito, não podemos falhar.

quinta-feira, 6 de março de 2025

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 7 - OS NOSSOS GATOS

 Agora, lá no Monte no Alentejo temos duas gatas que estão grávidas e estamos à espera que cada uma vá ter três ou quatro gatinhos pois têm barrigas muito grandes.

Mas temos um problema, existe lá um saca-rabos e temos medo que possa comer os gatos bebés. Também há raposas, mas esperemos que não aconteça nada. Também acho que não vão conseguir comer todos e acredito que as gatas vão ter os gatinhos num lugar seguro onde nenhum animal chegue. Muitas vezes escolhem buracos nos troncos das oliveiras.

Também temos um gato cinzento e branco que eu acho que não engravidou nenhuma delas.

Uma gata é preta e branca, chamada Fofura e a outra é branca e beje com as patas brancas e ´deixa fazer festas.

Quando não está ninguém no Monte temos no telheiro uma máquina que deita ração duas vezes por dia. É muito engraçado porque tem a voz do meu Avô gravada a chamar as gatas. Elas ouvem e vêm logo.

DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO E ÉTICA

 Os tempos vão negros, tudo e todos se constituem como alvo de discursos e práticas ofensivas e atentatórias de direitos e dignidade assumidas por uma direita ultra-conservadora, radical, xenófoba, violenta e racista. No mundo são múltiplos os exemplos, Trump à cabeça, mas entre nós o caminho parece o mesmo. O recente episódio, não o primeiro, nem o último, mas particularmente grave verificou-se com as intervenções inclassificáveis de deputados da bancada do Chega dirigida a pessoas com deficiência e aos seus problemas no contexto de uma discussão sobre educação inclusiva.

Não adianta dizer que não vale tudo, gente sem valor não tem valores.

Neste cenário inquietante, a reflexão em torno das questões éticas é crítica e urgente.

Várias vezes aqui tenho referido a imprescindível necessidade de olharmos para a nossa pegada ética também altamente comprometedora da nossa qualidade de vida e desenvolvimentos.

Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.

As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.

No contexto da educação também a dimensão ética é crucial.

A dimensão ética das políticas públicas, a dimensão ética da acção educativa seja no ensinar e formar, seja no aprender são pilares estruturantes da qualidade dessa acção.

Neste contexto, uma área que me tem sido próxima dentro da educação, a chamada educação inclusiva, é um dos melhores exemplos da importância de se considerar o seu enquadramento e robustez ética.

Recorrendo a um autor que me é caro, Biesta, podemos afirmar que a história da inclusão, do combate à exclusão com diferentes formas e critérios, é história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.

Na verdade, a educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos pelo que devem ser assumidas através das políticas e discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar.

O que se entende por educação inclusiva também não pode ser entendido e operado ou legislado em modo “cada cabeça, sua sentença” de forma avulsa pouco robusta conceptualmente numa espécie de vale tudo em nome da inclusão que acaba por promover … exclusão. Este cenário é eticamente inaceitável.

Importa que os contextos e comunidades educativas nos quais as crianças e jovens em idade escolar devem estar sejam capazes e tenham os apoios necessários e competentes para em cada momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma delas. A promoção da educação inclusiva passa por sermos todos reconhecidos como sujeitos de direitos, por estar nos espaços comuns das comunidades, por aprender, por participar nos processos educativos comuns e pertencer à comunidade educativa e escolar.

No entanto, a realidade está para além dos nossos desejos, os tempos que vivemos, apesar de alguns avanços e muita retórica, ainda são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, como é o caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.

A esmagadora maioria dos professores e técnicos é eticamente responsável, competente e empenhada nesse trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante mesmo por parte de quem deveria ter alguma solidez ética.

Julgo que estamos mesmo num tempo exigente em matéria de educação considerando também a sua dimensão ética.

quarta-feira, 5 de março de 2025

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 6 - GOSTO DE JOGAR PADEL

 Contei no outro dia que tinha saído do judo. Como gosto de fazer desporto, fui experimentar o padel porque o meu pai pratica e gostei.

Gostei no princípio, mas depois comecei a não gostar tanto, mas como o meu pai vai a torneios esteve num nesse clube há uma óptima professora. Então, fui experimentar e gostei muito mais do que no outro clube. Agora treino num sítio que é muito melhor.

No dia a seguir à primeira aula fui convidado pela professora para um torneio que me correu muito bem e fiquei ainda mais contente.

Nesse torneio fiz dois amigos, o Miguel e o Dilan, são os dois espectaculares e óptimos amigos.

Agora tenho treinos à segunda-feira com o Miguel e estou a adorar, pois a professora é excelente e simpática. O meu irmão, como é mais novo, treina a seguir.

Foi bom mudar de clube e fazer novos amigos.

No meu clube antigo nunca fazíamos jogo e também não tinha aprendido várias coisas que agora já sei.

É bom.

EDUCAÇÃO E EMOÇÃO

 Já aqui tenho abordado esta questão. Continuo a encontrar com razoável frequência a referência a iniciativas dirigidas à formação de professores e de outros profissionais do universo da educação na área da relação, da emoção ou algo próximo.

Estas iniciativas apresentam-se com diferentes formatos e ainda maior diversidade nas designações.

Como sabe quem anda por estas lidas, para além dos rigores do Inverno, as escolas são também geladas emocionalmente, a generalidade dos professores não sabe lidar com emoções, tal como alunos, os psicólogos e técnicos que estão nas escolas incluindo os funcionários. Dito da maneira actual, não estão capacitados.

Percebe-se, assim, que nos últimos tempos se tenha desencadeado uma onda de promoção, perdão, capacitação, nas escolas através de imensos projectos e iniciativas de escala variável visando o desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia, da educação relacional ou outras designações.

É sempre importante registar o esforço no âmbito da formação, aliás, capacitação, dos profissionais da educação, mas, certamente por incompetência ou desconhecimento, vou sentindo algumas reservas face a esta onda, quer pela visão mágica com que parece ser informada, quer pela regular apresentação de um receituário ou programa que garante que se vai aprender a fazer o que nunca foi feito nas escolas “lidar com as emoções” independentemente da formulação. Dito isto, sublinho e não tenho dúvidas que em muitas circunstâncias nos confrontamos com dificuldades neste domínio que solicitam apoio e ajuda.

As alterações nos estilos de vida, nos valores sociais, culturais, económicos, etc., nos modelos de desenvolvimento económico e consequente visão política, o risco associado às consequências de algumas políticas educativas parecem ter criado um tempo em que emerge a necessidade ou obrigatoriedade de “trabalhar” as emoções nos contextos educativos.

Os climas sociais e de aprendizagem em diferentes escolas e salas de aula nem sempre são particularmente amigáveis para todos os alunos, como também não são para professores como múltiplos estudos evidenciam.

Talvez tenhamos de reflectir sobre isto e retomar coisas velhas, nada “inovadoras”, nada "revolucionárias", nenhum “novo paradigma”. A educação escolar é estruturada e alimentada pela relação e comunicação que, para que existam e sejam positivas, têm como ingrediente … a emoção.

Nas minhas conversas por aí sobre estas coisas da educação desafio muitas vezes pais ou professores a recordarem muito brevemente professores de quem guardam boas memórias. Quando lhes pergunto porquê, as justificações remetem muito significativamente para a relação que com eles tiveram, para além do que com eles aprenderam das “coisas da escola”.

É verdade, por estranho que possa parecer há professores, muitos professores, que sabem lidar com as emoções, mas … aprender sempre.

Como dizia em cima, a educação escolar, a acção do professor, tem esse princípio fundador, assenta na relação que se operacionaliza na comunicação e se tempera com a emoção. Também por isso são também preocupantes os tempos que vivemos em que os professores têm pouco tempo para comunicar, para conversar com os alunos e as emoções, por vezes, entram em turbulência e descontrolo.

Também a pressão para os resultados, a natureza dos conteúdos e gestão curriculares ou o número de alunos por turma por exemplo, dificultam essa relação. O professor “fala com o programa”, a maioria dos alunos entende, outros não e com esses é preciso falar, mas … para os mandar calar ou até sair. Há pouco tempo para conversar.

 Por isso, tantas vezes afirmo que os professores, tanto ou mais do que ensinar o que sabem, ensinam o que são. Como disse acima, quando nos lembramos com ternura e admiração de alguns professores é pelo que eles eram e nem sempre pelo que nos ensinaram apesar da importância que tenha tido.

O Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor justificava, "porque foi meu amigo", traduzindo para uma linguagem mais actual, "estava capacitado para gerir as minhas emoções, tinha empatia". São assim os professores que nos marcaram de forma positiva.

Sendo certo que precisamos de ajustamentos regulares no que fazemos, no como fazemos e para que fazemos, não “inovemos” tanto, não queiramos tantos “novos paradigmas”, não "mudemos" tudo pela ilusão mágica da mudança.

Criemos, apenas, o tempo e o modo para que nas salas de aula os professores e os alunos, todos os professores e todos os alunos, tenham o tempo e a circunstância que lhes permita comunicar, entre si, com a razão e com a emoção.

Irão aprender e ser.

terça-feira, 4 de março de 2025

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 5 - NÃO GOSTO MUITO DO CARNAVAL

 O Carnaval nunca me atraiu porque eu acho que é infantil, desnecessário e desagradável, mas respeito quem gosta. Por exemplo, no Carnaval da minha escola não participei no desfile, mas assisti ao desfile a ajudei os meus colegas com as máscaras e compreendo quem goste de se mascarar e percebo que pode ser interessante para alguns, mas não para mim.

Eu gosto de ser eu mesmo, mas não de mascarar do que não sou. Até gosto de dançar e cantar com música no Carnaval, mas sem ser mascarado.

Para os meus colegas é uma grande festa, mas eu acho que é só mais um dia como todos os outros. Também não gosto do Carnaval porque estamos a copiar muitas coisas que não são da nossa tradição.

Na minha opinião, Portugal copia várias tradições de outros países como o Halloween e, às vezes, esquecemos o que é a nossa tradição.

Por isso, eu vou continuar a pensar assim, não vou mudar, mas também acho que quem gosta pode divertir-se.

O CORSO

 Parece que a meteorologia não parece disposta a colaborar, mas o Corso vai realizar-se. Não pode haver Carnaval sem o Corso e acontece com chuva ou com frio que por cá o Carnaval não é tempo de calor embora muitos dos e das figurantes do Corso se apresentem corajosamente com "equipamento" de Verão.

O Corso tem andado em preparação de há muito e nos últimos dias parece ter atingido o auge da capacidade de animação das gentes que, com ou sem tolerância, não toleram não ver o Corso.

Os personagens e intervenientes no Corso são de uma variedade e riqueza que deixarão a concorrência internacional roída de inveja apesar de Trump poder constituir uma mais-valia.

Podem encontrar-se malabaristas com números que fazem com que estes digam tudo o querem ouvir. Temos ilusionistas que mostram realidade e truques que nos fazem duvidar dos nossos olhos. Temos pantomineiros que contam histórias e lengalengas que nos fazem rir ou chorar conforme a natureza. Temos vendedores de banha da cobra que todos os problemas prometem resolver.

Temos gigantes que se acham omnipotentes e têm pés de barro e figuras pequeninas que usam andas para se tornar visíveis. Temos inquisidores justiceiros e virgens ofendidas na sua falsa virtude.

Também entram os mascarados com a autoridade que não têm e os fingidores de um saber que não possuem. Não faltam oráculos, adivinhadores do futuro e profetas da desgraça.

No meio do Corso não faltam bobos que ainda mais animação procuram promover. Enfim, vamos ver se o Sol ainda aparece para que o Corso prossiga com mais luminosidade.

Entretanto e com frequência o povo que assiste sente as mãos a doer.

Nem sempre é de aplaudir, às vezes é de inquietação.

 Nota - Registo de interesses, não gosto muito do Carnaval. Acho que resulta do trauma de em pequeno me obrigarem a mascar-me.

segunda-feira, 3 de março de 2025

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 4 - MEMÓRIAS DO ALENTEJO

 Ontem, eu a minha avó e o meu irmão fomos dar uma volta ao Monte e estávamos a pensar quantas espécies teríamos na nossa horta. Tentámos contar, mas era impossível pois, a fauna e a flora alentejanas são muito variadas.

O pior para as plantas alentejanas são as espécies invasoras pela ameaça que são. Para além disso, existem plantações intensivas de oliveiras e amendoeiras o que causa falta de água e de recursos da terra como os nutrientes.

Eu gosto muito das oliveiras porque são muito bonitas e não há nenhuma é igual a outra. Têm uma madeira muito bonita de que gosto para fazer projetos na oficina.

Também gosto dos sobreiros que são o meu tipo de árvore favorito porque têm bolotas que gosto de atirar com a fisga e a cortiça para fazer objectos. O ano passado plantámos mais oito sobreiros, mas estes vão demorar muito a crescer.

Cá no Monte existem quatro nascentes de água. É muito boa, mas há um problema, tem muito calcário e evitamos bebê-la. Uma das nascentes alimenta o tanque grande de rega e a água que transborda corre por uma vala pequena e sai para a herdade do lado.

Este Monte é um lugar fantástico para nos divertirmos e trabalhar.

Só tenho boas memórias do Alentejo, com poucas exceções como quando fui atacado por lagartas do pinheiro, mas já passou e agora pomos armadilhas.

No verão, eu e o meu irmão entramos no tanque com a água muito fria, mas sabe bem com o calor. Uma vez estavam 47 graus.

Esta é uma das minhas melhores memórias do Alentejo.

MORRA O ACORDÊS, MORRA, PIM!

 Nuno Pacheco tem mais uma peça no Público, “Nós ainda estamos aqui, ele é que já não devia estar” a recordar os 35 anos do ataque à Língua Portuguesa que representa o Acordo Ortográfico. Registo e agradeço a persistência de Nuno Pacheco.

Será porventura uma tarefa sem sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou, pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa. Aliás, os que por aqui passam notarão a manutenção do Português e a recusa do “acordês”.

É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação.

Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.

Não sou, evidentemente, um especialista, mas parece-me que o cerne da questão reside, de facto, no entendimento, cito o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, de que “Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a língua portuguesa como oficial é utópica” e que “o normal é o respeito pelas ortografias nacionais".

É esta perspectiva que informa o que se passa, por exemplo, com o inglês ou o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas ou na linguagem oral nos diferentes países em que são língua oficial, sem que daí advenha qualquer perturbação ou drama, mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas ou com língua oficial castelhano/espanhol.

Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.

Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence. Voltando ao exemplo do inglês e do castelhano/espanhol que têm diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, não parece sejam conhecidas particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.

O que na verdade conhecemos com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada, numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Era importante que fossem revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.

Estarei sempre em (DES)Acordo com o Acordo. Enquanto o corrector me permitir e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.

domingo, 2 de março de 2025

UMA VIAGEM NO TEMPO, OS MATRAQUILHOS

 Uma peça do Público de hoje deixou-me surpreendido e, simultaneamente, levou-me numa viagem no tempo que, como sabem, é uma tentação frequente dos mais velhos.

Li que a campeã mundial de matraquilhos é portuguesa, Ângela Silva, da Covilhã, sendo que existem outros praticantes de alto nível.

Na verdade, desconhecia a existência desta modalidade enquanto tal e o desempenho notável alguns praticantes. Aqui fica a felicitação.

Por outro lado, andei muito para trás no tempo, a entrada na adolescência quando os matraquilhos era uma actividade muito comum para muitos de nós.

Não tínhamos telemóveis, computadores e mesmo os brinquedos mais sofisticados estavam longe das bolsas de muitos pais, incluindo os meus.

Os matraquilhos eram uma tentação, mas também era preciso ter a moedinha. Muitas vezes fazíamos viagens a pé de casa para Almada ou volta para poder jogar aos “matrecos”.

Lembro-me de em Almada jogar no café Ver Cruz e ter a sorte de ter um parceiro, o Zé Miguel, cigano, que era uma máquina a jogar à frente e eu desenrascava-me na defesa. Muitos lanches tivemos à conta da habilidade ofensiva do Zé Miguel e, claro, da minha solidez defensiva.

Também na minha terra, Feijó, nome muito referido diariamente nas rádios de devido às filas de trânsito para a ponte 25 de Abril que estão muitas vezes perto das pontes do Feijó, jogávamos matraquilhos na Tasca do Manel.

Recordo ainda os matraquilhos porque, ainda miúdo, conseguíamos tirar, por assim dizer, uma bola para, imaginem, jogar hóquei em patins, modalidade em alta naquele tempo.

Claro que ninguém de nós tinha patins nem sticks. Recorríamos a uns talos de couve com uma curva que pudesse fazer de stick ou construíamos em madeira, solução mais frágil.

Eram tempos outros. Quando conto estas histórias aos meus netos fico com a sensação de que estão a ouvir (imaginar) ficção científica ao contrário.

Que a Ângela Silva e todos os praticantes sejam bem-sucedidos.

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 3 - A VOLTA DOS ESPARGOS

Aproveitando as férias de Carnaval eu e o meu irmão viemos estar estes dias no monte dos meus avós no Alentejo.

Na sexta-feira a minha avó foi de comboio de Vila Nova da Baronia a Almada e voltou com a gente. Gostamos muito de fazer esta viagem de comboio.

Hoje, como não estava a chover de manhã, eu, o meu avô e o um irmão fizemos a voltinha dos espargos que é dar uma volta ao monte a apanhar os espargos.

Agora há muitos e são muito bons mexidos com ovos e em cima de uma fatia de pão torrado com azeite.

Às vezes é difícil apanhar porque os espargueiros têm muitos picos. Levamos luvas de cabedal, um sacho e um saco para trazer.

Às vezes alguns espargos dão trabalho a apanhar porque estão no meio de espargueiros grandes.

Agora que está a chover vamos ficar em casa e ler o livro que vou apresentar num trabalho da escola. 



sábado, 1 de março de 2025

AS CONTAS QUE NUNCA DÃO CERTO

 Afinal, as contas não estavam certas.  No recentemente divulgado o estudo do Edulog, “Necessidade de Professores: Deficit ou ineficiência na gestão da oferta de ensino?”, era referida a existência de 40% de escolas do 1.º ciclo com menos de 15 alunos, número que parecia não corresponder à realidade, como diferentes directores escolares referiram.

Ao que agora é afirmado pelo Prof. David Justino, coordenador do estudo, terá havido “um problema na extracção dos dados” que motivou sobreposições na contagem das escolas.

De acordo com a leitura do Movimento Escola Pública, também os dados relativos ao ensino profissional não corresponderão ao cenário real.

É notável que numa área como a educação e seja qual for a matéria em análise, as contas quase nunca batam certo, tal como as realidades descritas nem sempre coincidem com as realidades observadas. Embora o erro possa acontecer, a justificação que me ocorre para tantos episódios é …, não pode ser, seria mau demais.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

A QUE VELOCIDADE LÊS?

 Zé, a que velocidade é que lês?

Não sei, pai.

Vamos ficar a saber.

O IAVE vai promover uma prova a realizar pelos alunos do 2.º ano designada por Diagnóstico da Fluência Leitora. Decorrerá de 9 a 20 de Junho em todas as escolas do 1.º ciclo, públicas e privadas, em colaboração com a Rede de Bibliotecas Escolares.

Pretende-se avaliar a fluência da leitura dos alunos do 2.º ano O objectivo é avaliar a fluência da leitura dos alunos do 2.º ano.

Ao que se lê na imprensa os alunos disporão de um minuto para ler um número mínimo de palavras e a avaliação estará focada na velocidade e precisão.

Dada a importância da leitura na globalidade das aprendizagens, os resultados permitirão, afirma-se, ajustar estratégias para o 3.º ano.

Costumo dizer que no fim de quase cinco décadas a trabalhar no mundo da educação, mais os anos de estudante, poucas coisas me surpreendem, mas senhores, uma prova de velocidade da leitura?!!!

É óbvia a importância e o impacto da leitura no conjunto das aprendizagens, mas avaliar a competência de leitura apenas com uma prova de rapidez de leitura de palavras é pouco e esquece dimensões essenciais como compreensão e prosódia.

Quantas vezes, apesar de sermos leitores competentes e experientes precisamos de diminuir o ritmo de leitura para tornar mais sólida a compreensão do que estamos a ler. Por outro lado, a experiência diz-nos que ler mais devagar pode prejudicar num teste de velocidade e não significar menor competência de leitura.

Quem acompanha o escrevo e afirmo, sabe que os dispositivos de avaliação na sua diferente tipologia, formativa, sumativa, diagnóstica, interna ou externa, são ferramentas imprescindíveis a processos educativos de qualidade.

Dito isto, também entendo que medir muitas vezes a febre não faz com que ela baixe ainda que necessitemos de saber se existe febre e tratá-la, esta sim a grande questão, como melhorar os resultados e com que recursos.

Insisto, a qualidade promove-se, é certo, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos e metodologias adequadas, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.,

Gostava que não lessem este texto de forma demasiado rápida para que possa ficar mais claro o que pretendi reflectir.