sexta-feira, 31 de outubro de 2008

POUPANÇAS

O calendário determina para hoje o Dia Mundial da Poupança. As várias referências que sobre este tema li e ouvi, até agora, deixaram-me preocupado. Em todas, o conteúdo centrava-se sobre a necessidade de se aumentar a poupança. Mais? Como? Porquê? Vejam só.
Poupamos nos meios humanos e recursos disponíveis para apoio a miúdos em dificuldades nas escolas.
Poupamos no número de técnicos e funcionários necessário ao funcionamento organizado e eficaz das escolas.
Poupamos nos recursos humanos e meios ao serviço das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Poupamos na qualidade da maior parte da classe política.
Poupamos na preservação do património artístico, arquitectónico e cultural.
Poupamos no consumo dos bens de cultura.
Poupamos no recurso a consultas e cirurgias porque a demora nos faz desistir.
Poupamos nos recursos e meios disponibilizados às forças de segurança.
Poupamos nas miseráveis pensões atribuídas a velhos que, depois de uma vida de trabalho, têm um enorme trabalho para continuarem vivos.
Poupamos nos resultados escolares dos nossos alunos.
Poupamos no comer para gastar no carrinho.
Poupamos nas rendas de casa que se cobram aos amigos de sucessivos dirigentes da Câmara de Lisboa.
Poupamos na rapidez e eficácia com que a justiça funciona.
Finalmente, poupamos na indignação e impaciência que estas poupanças deveriam causar.
Mais poupados?

PROMESSAS

Era uma vez um Homem que vivia numa terra onde qualquer pessoa que quisesse ou gostasse de ser político tinha que começar por fazer promessas. As promessas eram feitas sobre tudo e mais alguma coisa, desde as que envolviam os mais pequenos pormenores da vida da comunidade, até às promessas viradas para questões e obras de grande impacto e significado. Invariavelmente, verificava-se que, uma vez eleitos, qualquer das pessoas, esquecia rapidamente as promessas apresentadas e fazia apenas o que podia, queria ou conseguia.
O Homem odiava este tipo de procedimento e começou a pensar em entrar na vida política, candidatando-se a algum lugar para poder provar a si mesmo e aos outros que era possível ser eleito sem elaborar promessas.
Assim fez, nas primeiras eleições para funções na comunidade, apareceu e começou a falar com as pessoas, apresentando as suas ideias, sempre com o cuidado extremo de não fazer promessas. O Homem estava optimista com o andamento do processo, as pessoas pareciam reagir bem ao que dizia.
No final do dia das eleições, esperou ansiosamente pelo resultado. Com enorme perplexidade constatou que não tinha recebido qualquer voto.
Até ele, sem dar por isso, se recusou a votar em quem não tinha elaborado uma só promessa, por mais pequenina que fosse.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A MINHA ESCOLA É A MELHOR

Como já é habitual nesta altura do ano, temos a animação provocada pela publicação dos rankings dos resultados escolares. Sou dos cépticos que entendem que esta divulgação, nos termos em que geralmente é feita, pouco impacto tem na qualidade do sistema e gera enormes equívocos. Tinha decidido que desta vez não me referiria aos rankings, mas não resisto. Em bom rigor, não me vou referir eu à questão, vou só citar o Padre Amadeu Pinto, director do Colégio S. João de Brito, escola instalada nos primeiros lugares do ranking, em entrevista ao JN.
“As escolas privadas têm dono que sabem cuidar muito bem da sua casa”.
“Só frequenta a instituição quem tem 460 euros para pagar a mensalidade do secundário”.
“Dos nossos 120 professores apenas mudaram dois”.
Não é preciso ouvir especialistas, opinion makers, tudólogos, demagogos ignorantes e outros musicólogos. O Senhor Padre Amadeu Pinto explicou (quase) tudo o que é preciso saber sobre os rankings das escolas. Não volto a isto. Espero.

O MUNDO DOS SEM ABRIGO

É grande o mundo dos sem abrigo. São muitos, os sem abrigo do mundo. São muitos, os sem abrigo, em famílias e em instituições. São muitos, os sem abrigo no afecto, sem um coração que os abrigue. São muitos, os sem abrigo num porto que os acolha, uma casa, uma família. São muitos, os sem abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem. São muitos, os sem abrigo num aconchego para o corpo. São muitos, os sem abrigo em valores que predominam mas não reconhecem. São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no prazer e no gostar.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem abrigo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

CORRECTO E CORAJOSO

Finalmente. Em primeiro lugar quero saudar o Parecer agora divulgado pelo Conselho Nacional de Educação em que recomenda a não reprovação dos alunos até aos doze anos. Em minha opinião é um parecer correcto, porque fundamentado na experiência e na ciência, e corajoso porque aparece contra a corrente dominante na opinião publicada de que mais exames e, sobretudo mais chumbos, produzem mais sucesso.
Deve referir-se que estudos internacionais mostram que Portugal tem ao mesmo tempo, surpreendentemente para alguns, níveis altíssimos de insucesso e níveis altíssimos de “chumbos”. No mesmo sentido, parece importante sublinhar que os países com mais altas taxas de sucesso escolar, nórdicos por exemplo, mas não só, não prevêem na organização dos seus sistemas a figura chumbo, sobretudo para alunos mais novos. Não se prova, portanto, a ideia de que reprovar mais produz mais sucesso.
Os estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
O grande problema é que fazer então quando os alunos não atingem os saberes exigidos? SÓ CHUMBÁ-LOS NÃO FUNCIONA. Trata-se de perceber as eventuais razões do insucesso, EM CADA ALUNO, e desencadear as práticas e apoios adequados, porque mantê-lo, SEM MAIS NADA no mesmo ano, muito provavelmente, conduzirá a um novo chumbo.
É “só” isto que está em causa. O resto é demagogia e ignorância.

A IRRESPONSABILIDADE DOS 24 EUROS

O governo anunciou, a propósito da discussão do Orçamento Geral do Estado, a intenção de subir 5,6% o salário mínimo nacional em 2009. Em euros, isto quer dizer subir 24 € passando o salário para 450 €. A algazarra que por aí vai com o anúncio. A Dra. Ferreira Leite acha que tal aumento “roça a irresponsabilidade”. As vozes do lado dos empregadores barafustam. De facto, é absolutamente escandaloso que se proponham ordenados tão vergonhosamente altos às pessoas. Vivemos em tempos de crise e, como é sabido, as dificuldades económicas atingem de forma mais significativa os grupos mais bem remunerados. Não é assim possível imaginar que alguém se lembre de proporcionar mais 24 € por mês a milhares de cidadãos que o mais que têm a fazer é pagar os seus impostos e ver o dinheiro desaparecer, por exemplo, em generosas pensões acumuladas por alguma rapaziada ou em almoços da administração da Gebalis.
O pormenor de, segundo os critérios internacionais, estar definido que o limiar de pobreza em Portugal é de 400 € para este ano e de 412 para 2009 é irrelevante. Onde é que já se viu em tempos tão difíceis promover o criminoso, injusto e despropositado aumento de 24 euros, levando a que muita gente passe a ter como ordenado 450 €? Provavelmente os que protestam receiam que esta gente, que assim vai enriquecer, lance alguma OPA hostil sobre os seus lugarzinhos que, lamentavelmente, terão aumentos mais baixinhos.
Já não espero que se preocupem com quem está mal, muito mal, mas, pelo menos, tenham a decência de parecer. Olhem que eles também votam.

UM HOMEM CHAMADO FRACASSADO

Era uma vez um homem chamado Fracassado. Desde que veio ao mundo nada lhe correu bem. Tudo o que se propunha realizar lhe saía mal. A escola foi uma etapa mal sucedida na vida do Fracassado, não a terminou. Todas as relações pessoais que foi construindo ao longo da vida não acabaram bem. As sucessivas experiências profissionais pelas quais passou foram, naturalmente, insucessos. Finalmente e para que coerentemente vivesse, até na última viagem, a morte, falhou.
Conta hoje a bonita idade de duzentos e trinta e cinco anos e todos os dias nos cruzamos com o Fracassado numa qualquer esquina da nossa vida. Normalmente nem damos por isso, já não estamos habituados a reparar em Fracassados

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A HISTÓRIA DO PROTEGIDO

Nunca alguma criança tinha sido tão desejada como aquela. Quando ele nasceu, o Protegido, os pais acharam que era sua obrigação fazer com que nada do que se passava no estranho e difícil mundo actual o perturbasse. O Protegido foi crescendo quase sem sair de casa. Tudo o que achavam que ele queria ou precisava lhe era oferecido. Foi para uma escola muito bem escolhida, onde só andavam outros Protegidos. O seu mundo variava entre a casa, o carro, a escola e, de vez em quando, a casa de outro Protegido. Assim foi vivendo sem outros horizontes que não os definidos pelos seus atentos pais.
Um dia, tinha o Protegido aí uns treze ou catorze anos, o Avô de longe veio visitá-lo. Só o tinha visto uma vez, era ainda pequeno. Sem dizer nada aos pais, o Avô foi com o Protegido passear pela rua. O Protegido estava espantado, nunca tivera oportunidade de ver assim a rua. Viu rapazes da sua idade no parque a brincar e jogar à bola, ele que só jogava futebol no seu quarto com a playstation. Viu rapazes e raparigas a entrar no cinema para ver o filme que ele via no DVD em casa. Viu muitas coisas que não sabia fazerem parte da vida de gente da sua idade. Cansados, sentaram-se num banco do jardim. O Protegido mantinha-se perplexo e calado. Num banco mais à frente, um Rapaz e uma Rapariga namoravam indiscretamente. O Protegido não tirava os olhos deles. Quando se levantaram, passaram ao pé do Protegido e do Avô. O Rapaz, olhou para o Protegido e disse-lhe “Acho que te conheço da minha escola, como é que te chamas?”
Infeliz, disse o Protegido.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O CAJÓ ENCONTROU A CRISE

Um dia destes encontrei o meu amigo Cajó. Vocês conhecem-no, é aquele tipo que é mecânico, faz biscates e tem um Fiat Uno todo kitado que é a menina dos seus olhos. Pois o Cajó anda atrapalhado com a crise. Isto significa, ao que dizem, que a crise já não é só financeira, é também económica e já esta a mexer com a vida das pessoas. Oiçam o Cajó.
Pois é amigo Zé, isto anda mau, é a crise. Aqui na oficina a gente nota bem. O pessoal começa a cortar-se no trabalho a fazer. Inda ontem teve cá o Necas e eu disse-lhe que o Corsa tava a precisar de pastilhas e o gajo disse-me que, se ainda não tavam no ferro, tinham de andar mais uns tempos. Depois quando a gente faz o trabalho, alguns, aqueles mais conhecidos, ainda pedem ao patrão para facilitar o pagamento em três ou quatro vezes. O patrão lá vai fazendo o que pode, mas também fica à rasca porque os gajos das peças querem a massa batida, não querem tar à espera. Mas a culpa desta cena, ouvi na televisão, é por causa dos bancos americanos. Não percebo o que é que os bancos americanos têm a ver com a nossa vida. Também oiço os bancos portugueses queixar-se, mas esses gajos tão sempre bem, o Manel até tava há bocado a dizer no café que os gajos do governo iam dar uma mão cheia de massa aos bancos. A mim ninguém me dá nada, farto-me de bulir mais a Odete por causa dos putos e de pagar a casa que tá sempre a subir. Você já viu isto? Onde é que vai parar? Depois é só notícias de gajos que se andam a encher à nossa conta. Para esses gajos não há crise, eu é que me lixo. Viu um dia destes aqueles gajos da Câmara de Lisboa que, só em almoços, foi um monte de massa? Mas a mim levam-me o todo. Tá bem que o patrão paga umas horas por fora e nos biscates não há papéis, mas farto-me de entrar com ele. E depois não tenho nada. Tou há espera de uma consulta dos olhos há uma data de tempo. Então o dinheiro vai prá onde?
Nesta altura, enquanto o Cajó tomava balanço para continuar, aproveitei para me despedir.

AS UTOPIAS

(Foto de Mico)


Felizmente, existem ainda muitos miúdos que conseguem passar pelo lodo e sem sujar os pés. A alguns outros, ninguém lhes ensina o caminho das pedras ou, pelo menos, lhes dá a mão. O mundo não está para essas fraquezas, mascaradas de utopias.

domingo, 26 de outubro de 2008

CRISE NO PÃO, POIS QUE VENHA O CIRCO

Uma caminhada de 20 km na Serra de Grândola, que, estranhamente, só parece ter subidas e está linda, ocupou-me o Domingo e deixou-me derreado. Muito deve ter acontecido, desde logo a entrevista do Primeiro-ministro que ainda não tive oportunidade de ler, mas fiquei pendurado em algo que me deixou (mais) em baixo. Durante este fim-de-semana, a principal avenida de Lisboa, a da Liberdade, esteve encerrada porque uma marca de automóveis, a Renault, quis apresentar o seu Road Show. A Câmara Municipal permitiu, claro, ainda que com o desconforto de alguns vereadores, Sá Fernandes e Helena Roseta ao que li. Devo estar a ficar velho e impaciente, mas será normal que a principal avenida de uma capital europeia seja fechada um fim-de-semana para que, por razões comerciais, uma rapaziada acelere, faça piões, ande a muitos à hora, queime borracha e combustível, polua e inspire os street racers?
Obviamente que será normal pois largos milhares de pessoas deslocaram-se para assistir ao circo, perdão, ao espectáculo. Que o pão esteja em crise, é pá a culpa é dos americanos e dos bancos, mas que não nos falte o circo, isso não. Bem-haja António Costa.

sábado, 25 de outubro de 2008

CLANDESTINOS

Estou aqui no meu Alentejo, com um fresquinho que, não tarda nada, começa a pedir lareira, quando o alinhamento aleatório faz ouvir Clandestino de Manu Chao. Esta ideia de clandestino ficou-me na cabeça e na inquietude. Na sociedade portuguesa a condição de clandestinidade foi, há muitos anos, o refúgio de muita gente por razões conhecidas. A democracia viria, esperávamos, a acabar com esta condição. Passados muitos anos, creio que nunca como agora a clandestinidade acolheu tanta gente.
Estou a lembrar-me de putos em dificuldades que vivem clandestinamente nas escolas, sem ajudas e com os seus direitos atropelados por políticas incompetentes e delinquentes.
Estou a lembrar-me de putos que vivem em famílias de que não sentem fazer parte.
Estou a lembrar-me de putos, demasiados putos, que vivem clandestinamente em instituições que, mantendo-os assim, se justificam e eternizam.
Estou a lembrar-me de putos que, clandestinamente, são vítimas de abusos e maus tratos, muitos deles, por parte de gente de quem só sabiam esperar apoio e afecto.
Estou a lembrar-me da imensa minoria de jovens que vivem clandestinos num mercado de trabalho que lhes adia ou rouba o projecto de vida.
Estou a lembrar-me de gente, muita gente, que vive clandestinamente do lado de fora da vida.
Estou a lembrar-me dos milhares de portugueses que vivem clandestinamente numa pobreza que conhecem mas que não querem que se conheça.
Estou a lembrar-me de velhos que vivem clandestinamente sós numa vida que não querem largar mas que já os largou.
O Manu Chao só falou dos outros.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

COMPUTADORES PARA OS SENHORES DEPUTADOS

No meritório combate que se trava pela alfabetização informática da nossa sociedade, o chamado Choque Tecnológico, vi hoje uma referência que me deixou a pensar. Entre outras benfeitorias, as obras em curso na Assembleia da República vão possibilitar que os senhores deputados tenham acesso, no seu lugar, a computadores individuais. Excelente. Vamos então ver como os nossos representantes utilizarão as novas tecnologias. No sentido de contribuir para potenciar o seu uso, aqui ficam algumas ideias ou sugestões.
Os computadores devem ser fornecidos com dispositivos de barramento do acesso a sítios inapropriados da net. Estes dispositivos serão accionados pelos líderes parlamentares dos diferentes partidos.
Devem ser estabelecidos limites na capacidade de “download” dos equipamentos para prevenir riscos de pirataria de conteúdos do tipo filmes ou música.
Os computadores não devem conter software com jogos. Espera-se que sejam uma ferramenta ao serviço da produtividade e não de entretenimento.
Finalmente, no sentido de garantir a exploração eficaz de todas as potencialidades do equipamento, os senhores deputados devem frequentar acções de formação dadas pela brilhante equipa que formou os professores na utilização do Magalhães. Sugiro que os senhores deputados componham trabalhos de natureza lúdica ao som de, por exemplo, “e quem não salta, e quem não salta com vigor, não brinca no computador”.

OS ERROS DO MANEL

Um dia, o Manel entrou na biblioteca da escola e sentou-se a ler. O Manel tem oito anos e anda no terceiro ano. Passado algum tempo, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, reparou que o Manel, embora continuasse a olhar para o livro, não parecia estar a ler as letras do livro, tinha um ar concentrado e pensativo de quem estava a ler letras dentro de si. O Velho dirigiu-se ao Manel e naquele jeito baixinho perguntou se estava tudo bem.
Olá Velho, estava a pensar que não sou muito bom a Português e tenho medo de não conseguir aprender, dou erros nos textos que a professora dita para a gente escrever.
Tens aí os textos?

O Manel puxou do caderno diário e mostrou ao Professor Velho três ditados que tinha feito nos últimos dias. Tinha dado 4 erros num, 5 noutro e 4 no mais recente. O Velho ficou um bocadinho a olhar para os textos sentou-se ao pé dele e escreveu qualquer coisa num papel, parecia números. Depois disse ao Manel.
Conta as palavras todas que estão em cada texto.
Velho o primeiro tem 114, o segundo tem 93 e o terceiro 106.
Está certo, repara, em 114 palavras não escreveste bem apenas 4, acertaste 110. É bom. No segundo, em 93 acertaste 89, muito bom, no terceiro escreveste bem 102 palavras. É excelente. Como é que alguém que escreve tantas palavras bem, pode pensar que não vai ser capaz de aprender a escrever. Já escreves muito bem Manel, agora olha para as palavras que não estão bem escritas, lê baixinho para ti e pensa como na próxima já as vais escrever correctamente. Depois acaba de ler o livro e vai brincar com os teus amigos.
Vou é já, Velho. Disseram os olhos sorridentes do Manel.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

UM MUNDO ÀS AVESSAS

Por mais que nos esforcemos por imaginar o mundo de forma estruturada e organizada, a realidade tem, sempre, o enorme condão de desafiar essa visão que pretendemos organizada e que é bem importante no sentido de sentirmos segurança na nossa relação com vida. Há alturas em que, passando os olhos pela realidade, nos é devolvida uma imagem às avessas do que seria de esperar. Vejam alguns exemplos retirados da imprensa de hoje.
Gestores da Gebalis, empresa responsável pela gestão dos bairros sociais de Lisboa, são acusados de gastar dezenas de milhares de euros em almoços. Será que pessoas que gerem quadros de dificuldade, têm a insensibilidade de assim procederem por terem desenvolvido um quadro ético às avessas?
Numa operação policial em Abrantes um elemento das forças de segurança envolvidas foi atingido a tiro. As investigações dizem que o disparo foi de uma arma de um colega. O fogo amigo do mundo às avessas.
Dois elementos da chefia de um posto da PSP, em S. João da Madeira, envolveram-se à estalada nas instalações policiais por causa de um problema de estacionamento entre ambos. A cena de dois polícias à estalada por questões de trânsito, mostra um mundo às avessas.
Um ginecologista condenado por abuso sexual de paciente continua a exercer no hospital de Faro. Um médico ginecologista abusa sexualmente da paciente. Como diz Miguel Torga a carne é fraca, mas o mundo está mesmo às avessas.

UM HOMEM CHAMADO ATRASADO

Era uma vez um homem chamado Atrasado. Toda a sua vida foi a de um Atrasado. Começou por nascer uns dias depois da data prevista. Andou e falou um bocadinho mais tarde que a generalidade dos miúdos. Durante a escola era sempre o último a chegar mas, para compensar, era também o último a acabar os trabalhos.
O Atrasado chegava tarde aos encontros com os amigos e à generalidade das actividades em que se envolvia. Toda a gente conhecia a música e as novidades antes dele, do Atrasado.
Do seu grupo de amigos foi o último a casar. A mulher do Atrasado até dizia que tinha casado com ele porque assim esperava em casa e não num local qualquer onde ele, invariavelmente, chegava atrasado. Quando começou a trabalhar o Atrasado teve sorte, arranjou um emprego com horário flexível.
Enfim, quem conhecia o Atrasado habituava-se a esta maneira de funcionar.
Um dia, já velho, andava o Atrasado a deambular pelos seus pensamentos, quando deparou com um grupo de pessoas que olhavam, com alguma ansiedade, para um buraco aberto no chão, no meio de uma zona verde. Aproximou-se e alguém que o reconheceu exclamou, “Finalmente, podemos então fazer o funeral”.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

VIRGENS OFENDIDAS

Ao que consta e se verifica pelas reacções, discretas, que se conhecem, a rapaziada que o PS tem como deputados não gostou do discurso que o Presidente da Assembleia, o também PS Jaime Gama, fez sobre o exercício da profissão de deputado. Ao que parece chamou a atenção para a necessidade do trabalho e do trabalho de casa com o partido e com os eleitores lembrando que se aproximam eleições legislativas, ou seja, elaboração de listas com os lugarzinhos da rapaziada. O discurso do Dr. Gama foi ainda produzido num registo de humor que alguns terão classificado de “desprestigiante” e “paternalista”. Até o Dr. Canas, his master’s voice, perdão, o porta-voz do PS não quis comentar, recusando de forma ríspida.
Não compreendo esta reacção de virgens ofendidas. Esta rapaziada ainda há bem pouco tempo aceitou, num verdadeiro atropelo à essência da democracia representativa, que a direcção do grupo parlamentar lhes impusesse disciplina de voto a propósito do casamento entre pessoas do mesmo género. Vários deles já tinham expressado publicamente a sua posição, entretanto, o partido manda votar num sentido e esses ofendidos com o discurso de Jaime Gama, vão de forma canina carregar no botão que lhes mandam, independentemente do seu sistema de valores e convicções. Ofendem-se com um tom paternalista e desprestigiante porquê?
Ofendido fico eu, com os comportamentos que muitos daqueles rapazes têm e que minam a relação dos cidadãos com as instituições da democracia e com os políticos.

UM DIA FELIZ

De manhã, quando saiu de casa sentia-se a pessoa mais realizada do mundo, ia ao banco tratar de liquidar o crédito contratado para adquirir o andar. Era um alívio com a crise que por aí anda. Já no banco, ao proceder ao acerto de contas percebeu que ainda podia pagar o que faltava do empréstimo para a compra do carro. Ainda mais feliz ficou. Sem estar a pagar a casa e o carro, o orçamento ficava mais folgado. À saída já imaginava que, finalmente, poderia ir com a mulher e o filho fazer aquelas férias no Brasil com que sempre sonhou. Pensou também que quando chegasse a casa ainda veria com a mulher se não era possível comprar uma televisão grande, um plasma, igual ao do cunhado, que é muito bom para ver os filmes e os jogos de futebol. Vinha a entrar em casa e já imaginava os olhos contentes do gaiato, quando lhe dissesse que agora pelo Natal talvez pudessem comprar um computador novo, porque o outro parece que está muito lento. Vinha no elevador e assobiava de contente. Era o dia mais perfeito dos últimos anos, quase tão perfeito como o do seu casamento. Enquanto abria a porta a felicidade deu-lhe para dançar. No meio do balanço do corpo começou a sentir algo de estranho.
A sua mulher, deitada ao lado na cama, olhava-o com ar esquisito enquanto o abanava, “Acorda, pára de te mexeres, o despertador já tocou, olha que te atrasas para o autocarro”.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

UM RAPAZ CHAMADO ESPECIAL

Era uma vez um rapaz chamado Especial. Andava na escola e a vida do Especial não era muito fácil. Não se mexia tão bem como os outros miúdos e nem sempre tinha quem o ajudasse a subir as escadas, que era o mais difícil. Tinha alguns amigos que, às vezes, o ajudavam mas nem sempre estavam por perto e tinha de chamar a D. Maria, uma auxiliar que gostava muito dele, que também gostava dela. É assim, a gente gosta de quem gosta da gente. Em algumas coisas da escola também tinha dificuldade mas aí tinha a ajuda do João e da Maria que acabavam depressa as tarefas deles e vinham trabalhar com ele. O Especial gostava deles.
Uma vez estava o Especial na biblioteca, ele não sabia ler muito bem mas gostava de ver livros com animais, e apareceu o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, a saber se estava tudo bem.
Velho, ser assim como eu, um Especial, é mau não é?
Porque perguntas?
Acho que muitas pessoas olham para mim, ficam com pena e não me ligam.
Especial, tu achas que ser como eu, um Velho, é mau não é?
Não Velho, eu acho piada aos velhos como tu e o meu avô, sabem muitas histórias.
Mas há pessoas que olham para mim e pensam, coitado, já tão velho.
E então?
As pessoas, muitas vezes, assustam-se com aquilo que é diferente delas. Para disfarçar o medo, ou não ligam às pessoas para não verem a diferença, ou têm pena delas e ficam a pensar que são boas pessoas. No fundo, estão convencidas que são iguais.
Ó Velho, então se calhar eu ando devagar mas também lá chego, e tu és Velho porque já lá chegaste.
É, ninguém tem um caminho igual.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

CIDADE BRANCA, CEDE-SE EXPLORAÇÃO

Quando vejo o que a cidade vai sofrendo e oiço estas delirantes propostas lembro-me de um pequeno texto que em tempos aqui coloquei e que agora recupero, já que Lisboa não parece recuperável.
Pelos motivos do costume, retirada (de confiança em quem a tem governado), cede-se exploração de cidade.
Urbe muito bem situada, apenas a 200 km da Europa, com “espectaculares vistas” de rio, mar e serra e com excelente clima. É, aliás hábito ouvir-se: “o que existe é Lisboa, o resto é paisagem”.
Com história e muitas histórias.
Bem equipada mas a precisar de restauro.
Com sete colinas, zonas verdes, muitas cinzentas e algumas bem negras, embora seja conhecida pela cidade branca.
Possui um casino rentável, um castelo, um oceanário, um túnel do Marquês, três grandes estádios de futebol e o Eusébio.
Bem servida de museus que, por vezes, encerram por falta de pessoal.
Sólida experiência como capital.
Possibilidade de especulação imobiliária.
Com música própria, o fado e com uma festa popular muito bonita onde nas ruas se come peixe cru com cheiro a carvão e um grupo de casais se casa ao mesmo tempo com um ar de “tu e eu, felizes para sempre”.
Muito visitada por estrangeiros que parecem apreciá-la mais do que muitos dos seus habitantes.
É possível chegar de automóvel praticamente a todos os cantos, incluindo passeios.
Estacionamento facilitado e alargado, desde que caiba.
Servida em breve por um novo Aeroporto Internacional apenas a 55 km e por linha de TGV.
Cede-se com os seus habitantes, os carros dos seus habitantes e os cães que os seus habitantes passeiam para adubar os espaços urbanos.
Propostas de exploração a enviar, em envelope fechado, para Alguns Cidadãos que Gostam de Lisboa, algures em Lisboa.

LUCROS PRIVADOS, PROBLEMAS PÚBLICOS

É conhecido que fundamentalmente devido aos constrangimentos de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, sobretudo no que respeita às infindáveis listas de espera, se tem assistido a um aumento significativo do recurso aos seguros de saúde. No entanto, também nesta área temos que estar permanentemente atentos para evitar situações de algum risco. O JN refere hoje a frequência com que estabelecimentos privados de saúde remetem para os serviços públicos os pacientes que esgotam os limites previstos nos respectivos seguros. Esta situação é relatada na área da obstetrícia e ginecologia e começa com uma situação de publicidade enganosa pois as pessoas não são avisadas da inexistência de capacidade de resposta para situações mais complicadas, presumindo que encontrarão a resposta adequada e coberta pelo seu seguro de saúde. Pois nem uma coisa nem outra, não encontram resposta adequada nem vêem cobertos todos os gastos. O presidente do Colégio da Especialidade Ginecologia/obstetrícia da Ordem dos Médicos refere a propósito, que nenhuma maternidade privada está equipada com unidade de cuidados intensivos neonatais o que obriga a transferências para estabelecimentos do SNS, embora as pessoas, por falta deliberada de informação, esperem encontrar a resposta necessária no estabelecimento a que recorrem. Estas transferências também ocorrem quando são ultrapassados os limites de cobertura dos seguros.
Acabamos sempre por, naturalmente, concluir pela imprescindibilidade de um Serviço Nacional de Saúde eficaz e da necessidade de regulação das práticas e da qualidade dos serviços de saúde privados.

NÃO PERTURBEM, ELES ESTÃO A APRENDER

(Foto de Alfredo Almeida Coelho da Cunha)

domingo, 19 de outubro de 2008

E NÃO SE PODE EXTERMINÁ-LOS?

Ontem lembrei-me do título da peça de Karl Valentin. Como algumas vezes aqui tenho referido, alguns aspectos da PEC – Política Educativa em Curso, merecem, do meu ponto de vista, profunda contestação. Um desses aspectos prende-se com as alterações ao novo enquadramento legal e à organização dos dispositivos de apoio a crianças e jovens que experimentam dificuldades educativas. Sempre tenho defendido que as alterações introduzidas produzem o dramático efeito de deixar imensas situações sem apoio adequado e mesmo sem apoio, situação que o ME sempre nega num exercício de delinquência ética. Ontem, algumas centenas de pessoas presentes, tal como eu, num evento em Coimbra, ouviram a voz angustiada de uma professora, presumo que da região, referir que, no agrupamento de escolas em que trabalha, quando os elementos do Conselho Executivo mostraram a serviços de inspecção do ME o número de alunos a necessitar de apoio, foi-lhes perguntado se não era possível proceder “a uma limpeza” naquela lista. Num país a sério, esta situação não poderia acontecer sem qualquer consequência. Pobres putos que estão à mercê deste comportamento criminoso e, devemos assumi-lo, da estranha incapacidade de irmos mais longe do que a indignação.

OS BAIXOS LUCROS DA BANCA E AS HORAS QUE TRABALHAMOS

Vejam lá como são as coisas e os riscos que corremos quando não estamos devidamente informados.
De há uns anos até ao início da recente crise financeira, os relatórios periódicos dos maiores bancos portugueses divulgados pela imprensa, evidenciavam os lucros muito significativos da sua actividade. Estávamos enganados. O presidente da Associação Portuguesa de Bancos diz hoje em entrevista ao CM e Rádio Clube que não senhor, os bancos nunca tiveram lucros fabulosos, ou seja, os bancos publicam relatórios onde mostram a excelência da sua gestão, evidenciando crescimento de lucros na ordem das dezenas de pontos prcentuais, mas afinal não têm assim tanto lucro. Pois não, o Dr. Salgueiro tem razão. Basta fazer umas contas simples, percebendo quanto dinheiro o banco me empresta e quanto dinheiro lhe pago no fim do empréstimo, descontando os custos previsíveis da inflação e do serviço prestado. É melhor nem fazer as contas, deprimimo-nos no minuto seguinte. Por isso, é tão importante o apoio à banca para nos apoiar a nós e às empresas através da sua generosa e pouco lucrativa actividade.
Outro equívoco. Andamos sempre a queixar-nos da trabalheira que é a nossa vida, sem tempo para nada, só trabalho e na volta, só três países na Europa trabalham menos que nós, Dinamarca, Itália e França. Segundo um estudo do Eurofound, trabalhamos menos 1,2 h que a média e menos 2,9 h que os países mais trabalhadores. Este estudo considerou apenas alguns sectores de actividade e os resultados são um pouco enviesados pelo horário da função pública que é o segundo mais baixo da Europa. De qualquer forma, afinal não nos podemos queixar, é certo que os outros ganham um bocadinho mais, mas a gente trabalha um bocadinho menos. Deve ser isto a que se chama convergência.

TRABALHO DE CASA, APANHAR FOLHAS NO PARQUE

Resolvi, para já, não utilizar as notícias como pretexto da nossa conversa. Corria o sério risco de, como é hábito, não termos assuntos muito agradáveis. Achei por bem falar-vos de uma cena que me deixou bem-disposto. Geralmente, o meu Domingo de manhã inclui uma corrida. Os locais variam, mas utilizo com frequência uma área, o Parque da Paz, com cerca de 60 hectares e um espaço notável de verde e de descanso, um dos bons equipamentos que existem nesta zona do deserto, Almada. A minha velocidade a correr é tão “grande” que me permite ir observando. Hoje comecei a notar um número pouco habitual, lamentavelmente, de pais com gente pequena, quatro ou cinco anos, pela mão. Em seguida, reparei que, mais estranho, todos andavam com caixas de cartão. Um mais cuidado olhar deu para perceber que os pais andavam com os putos a apanhar folhas pelo parque. Fiquei contente.
Primeiro, porque eram menos umas dezenas de pais e filhos que estariam no Centro Comercial, que, sendo útil, não é o melhor dos equipamentos de tempos livres para gente pequena. Segundo, presumo que não foi coincidência, um grupo de pessoas ter resolvido vir para o parque apanhar folhas, ou seja, provavelmente, aqueles miúdos deveriam ter como tarefa levar as folhas para a escola e estavam a contar com a empenhada colaboração dos mais velhos. Na minha opinião trata-se de um excelente exemplo de trabalho de casa. Bem mais interessante e positivo do que, como mais frequentemente acontece, esperar que os pais sejam professores e ensinem aos filhos, em casa, aquilo que eles na escola andam, também, a aprender.
Finalmente, fiquei bem-disposto, também, porque nesta altura do ano as folhas das árvores estão com uma cor tão bonita que aquela gente também ficou mais bonita a apanhar folhas. E o Parque lá continuou, da Paz.

sábado, 18 de outubro de 2008

UM HOMEM CHAMADO ELES É QUE SABEM

Era uma vez um homem chamado Eles É que Sabem. Desde muito pequeno habituou-se a que alguém decidisse tudo o que dizia respeito à sua vida, mesmo em aspectos em que, pela idade, já poderia ter alguma ideia sobre a decisão. Não se sabe se funcionava assim por incapacidade, medo e insegurança, excesso de autoridade dos adultos, ou outra qualquer razão ou razões. A verdade é que o Eles É que Sabem assim funcionava. Quando cresceu um pouco, a atitude e o entendimento eram os mesmos, agora já não tão dependente dos adultos, mas dos colegas, que ditavam o seu comportamento.
Quando chegou a adulto o Eles É que Sabem olhava aflito para o lado e, felizmente para ele, sempre estava alguém, amigo ou chefe, que dizia o que fazer. O Eles É que Sabem apreciava a tranquilidade desta vida, sem pensar ou decidir.
Um dia teve um pesadelo. Viu-se no meio de uma multidão absolutamente desconhecida, numa terra estranhíssima. Sentindo-se perdido, assustou-se e dirigia-se a à gente pedindo ajuda. Todas as pessoas, uma a uma, lhe falavam numa língua que não entendia e acabavam por voltar as costas frustradas.
O pânico que o Eles É que Sabem sentiu, foi tão grande que, ao que consta, não voltou a acordar por não saber se o devia fazer.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

CONTRASTES

Exigências da vida profissional, tiraram-me do meu aconchego, o deserto, na mítica designação do Eng. Mário Lino sobre a área onde “jamais” seria construído o novo aeroporto.
A serenidade dos muitos anos retirou-me a pressa, o que permite apreciar, com calma, uma das maiores riquezas do nosso país, o contraste. Como exemplos imaginem o que os meus olhos deleitadamente observaram.
Um bosque de castanheiros em cor de Outono e um bem composto e disposto monte de entulho mesmo à beirinha.
Uma lindíssima casa em xisto com uns notáveis alumínios nas janelas e ainda enfeitada com toda a tralha publicitária própria do café Ká Te Espero.
Uns choupos imponentes que tomam tranquilamente conta de uma velha carcaça de frigorífico, ou seria de máquina de lavar?
Uma casa de pedra em ruínas já com poucas paredes em pé, vizinha de uma vivenda forrada a azulejos castanho claro com flores em grená.
Uma estrada estreitinha ladeada de acácias novas decoradas com garrafas e sacos de plásticos de cores variadas e intensas.
Uma gente que, quando estamos perdidos e pedimos informação, quase nos quer levar ao destino, cruza-se com outra gente que, como dizia a minha avó, nem a salvação retribui.
Chega de contraste. Como vêem, é impossível não gostar desta terra onde o passado não interessa, porque já foi, e o futuro não preocupa, porque é só amanhã.

A FELICIDADE PEGA-SE, A INFELICIDADE TAMBÉM

Uma das características que sempre admirei no meu pai era a capacidade de, durante a maior parte do tempo, aparentar uma notável boa disposição e empatia. Este assim estar, tornava-o numa pessoa muito apreciada e aceite pela generalidade das pessoas. Lamentavelmente, só meu irmão herdou esta dádiva.
Há medida que cresci, comecei a aperceber-me de que, como não podia deixar de ser, o meu pai nem sempre estava tão bem quanto parecia, sendo que, na fase final da sua vida estaria mesmo mal, embora mantivesse, quase sempre, a habitual boa disposição.
Sempre me pareceu, como para a maioria das pessoas, creio, por lado, estranho e, por outro lado, difícil mostrar um estado diferente da alma. Por isso, perguntei uma vez ao meu pai por que razão fazia aquele difícil “teatro” de fingidor.
Com o ar de sempre, disse-me que, na verdade, a vida de fingidor não era fácil, mas que a vida lhe tinha ensinado que “a felicidade pega-se e a infelicidade também”. Ainda hoje e, provavelmente, sempre, me sinto incapaz de tamanha generosidade.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

LÁ VAMOS, CANTANDO E RINDO

Em tempos de depressão, só faltava mesmo que até o futebol se mostrasse incapaz de “dar uma alegria” a todos os portugueses. Isto só prova como somos um país coerente. Se as coisas, de uma forma geral, não estão e, ou, não correm bem, porque milagre ou mistério, o futebol haveria de correr bem, Tudo parece estar à medida do nosso descontentamento.
Na mesma linha, não percebo o alarido que por aí vai só porque umas mocinhas estrangeiras vieram dar formação aos nossos professores sobre a utilização das novas tecnologias em contextos educativos, dito de outra maneira, explicar para que é que serve e o que se faz com o Magalhães.
Ao que parece, basta consultar a net em http://paulocarvalhotecnologias.wordpress.com/, as mocinhas colocaram os professores de uma forma infantil e ridícula, isto é, lúdica, criativa e próximo da fantasia e imaginário da criança (tá boa esta), a construir cantigas, isto é, actividades expressivas, em torno do Magalhães, isto é, explorando criativamente o lado funcional e pedagógico dos recursos e equipamentos. É a reforma meus caros, é a reforma, se não existe formação, queixam-se, se existe formação (dada por especialistas estrangeiros, notem) queixam-se também. O facto de os professores se sentirem tratados como putos e não gostarem, pelo ridículo, talvez nos possa levar a pensar que até os putos talvez gostem de ser tratados como gente, o que às vezes, não é exactamente o que acontece, porque muita coisa que se lhes pede, até para putos é ridículo. Mas não desesperem. Um dia destes, de mansinho, e com o argumento de que se esbatem desigualdades sociais, veremos o pessoal de farda, com um cinto onde está um S de Sócrates, transportando um Magalhães debaixo do braço e a cantar “lá vamos, cantando e rindo”.

APESAR DE TUDO, BOM PROVEITO

Hoje, durante a tarde, precisei de aguardar por alguém. A opção foi fazê-lo num café pequeno e simpático, onde a espera aconteceu na companhia do chá, torrada, jornal, livro e caderno de notas. Às tantas, entram duas miudinhas que não teriam mais de seis, sete anos. Entraram com a indiscrição e agitação que caracterizam os miúdos. Estranhei o estarem sós, mas, pela reacção da senhora do café, percebi que eram “clientes habituais”. Dirigiram-se-lhe e disseram que a mãe tinha dito que lhes podia dar o lanche. Perguntadas sobre o que desejavam, decidiram-se por uns sumos com nomes da moda e uns bolos com tanto creme que dificultava a sua manipulação. Interrogar-se-ão, caros amigos, sobre a justificação para uma referência a tamanha banalidade.
É por isso mesmo, a banalidade. A banalidade com que os miúdos constroem tais hábitos alimentares. Não tenho nenhuma queda para fundamentalismos dietéticos, devo até dizer, que adoro um belo petisco, mas penso que somos negligentes quando gente desta idade recorre diariamente, como me pareceu ser o caso, a este tipo de alimentos.
Eu percebo as miúdas. Provavelmente, aquela “coisas” que comeram, souberam-lhes tão bem como umas iscas com elas, fritas na banha, me saberiam a mim. Por isso, e apesar de tudo, bom proveito.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A NOTÍCIA BOA, A NOTÍCIA MÁ E A NOTÍCIA ESQUISITA

Comecemos pela notícia boa como forma de ganhar alento para enfrentar a notícia má. Segundo o Relatório da Organização Mundial de Saúde, ontem divulgado, Portugal é um dos cinco países do mundo que mais baixou a taxa de mortalidade. O Relatório refere ainda que a esperança de vida subiu 9,2 anos em trinta anos. Excelente.
A notícia má. Contra tudo o que seria previsível, a Dra. Ferreira Leite parece aceitar e promover a candidatura do Menino Guerreiro, Santana Lopes, à Câmara de Lisboa. Tal decisão pode ainda vir a ser travada pela disponibilidade de Paula Teixeira da Cruz para se candidatar e pelas reacções de alguns elementos importantes do PSD, como o entertainer Marcelo Rebelo de Sousa, mais conhecido por Professor, e de Pacheco Pereira mais conhecido por Génio Ao Serviço De Ferreira Leite. Se este movimento não resultar, estou apreensivo. Não chegava a Crise, levamos outra vez com o Pedro.
A notícia esquisita. Portugal tem mais nove oficiais generais. Não tenho os números, mas creio que, proporcionalmente, deveremos ter uma das forças armadas com maior número de oficiais generais. Ao que parece, um oficial general é um rapaz que não funciona sozinho, precisa de carro, motorista, oficiais para mandar, serviços para comandar, praças, oficiais de baixa patente e soldados para fazerem alguma coisa, ou, pelo menos, parecer que fazem. Sabe-se que faltam milhões no Orçamento das Forças Armadas para assegurar salários e aumenta-se o número de oficiais-generais com o respectivo efeito. As necessidades da nossa política de defesa justificam esta opção, ou, pelo contrário, o investimento disponível deveria ser canalizado, preferencialmente, para a modernização do equipamento?

UM HOMEM CHAMADO DEPRESSA

Era uma vez um homem chamado Depressa. Toda a sua vida foi a pessoa mais agitada e rápida a realizar tudo que tinha de fazer. O Depressa frequentou a escola e rapidamente a terminou. O Depressa lançou-se ao trabalho e com maior rapidez construiu uma fortuna enorme. O Depressa rapidamente criou uma família que vivia numa enorme casa que o Depressa, rapidamente tratou de arranjar. O Depressa chegou de forma rápida ao poder na terra onde vivia. Todas as pessoas invejavam o Depressa pela posição atingida, pela fortuna que detinha, enfim porque tudo o que tinha conseguido e, sobretudo, pela rapidez assombrosa com que tudo aparecia. Uma vez, como frequentemente se verificava, numa roda de pessoas lá da terra, discutia-se o percurso do Depressa e de como era invejável a felicidade atingida. Um velho que fazia parte do grupo depois de ouvir aquelas opiniões, falou e disse que tinha pena do Depressa pela infelicidade que deveria sentir. As pessoas estranharam esta opinião e o velho explicou.
Não se esqueçam que de há muito sabemos, e de há muito esquecemos, que Depressa e bem, não há quem.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

GENIAL

Muitas vezes penso para com os meus botões como a genialidade política deste Governo é genericamente incompreendida. Hoje, temos mais um excelente exemplo dessa genialidade que, como de costume, irá ser depreciativamente entendida. O Público refere que a Administração Fiscal tem a intenção de proceder à apreensão dos automóveis a contribuintes em situação de incumprimento fiscal, isto é, à malta que se balda aos impostos.
É de facto de uma simplicidade genial. Primeiro, ataca o carrinho. Como é sabido, para muitos de nós, o carrinho e o telemóvel fazem parte do corpo. Portanto, é o que se pode chamar um tiro no porta-aviões, “não pagas impostos, vais ao Centro Comercial a pé, vais para o emprego a pé, vais tomar a bica a pé e não podes mostrar aquele ganda rádio que arranjaste na candonga e que tem um ganda som”. Segundo, reflecte-se significativamente no nível de vida familiar. Já repararam no que a família vai economizar sem os brutais custos dos combustíveis. Ainda alguns maldizentes afirmam que o governo não se preocupa com as famílias. Finalmente, a apreensão dos carrinhos é uma medida de forte impacto ambiental pela consequente redução das emissões de gases poluentes, facto do qual toda a comunidade beneficia.
Por vezes, penso que não merecemos tanta genialidade, somos pobres e mal agradecidos.

UM HOMEM CHAMADO QUALQUER COISA DE DIFERENTE

Era uma vez um homem chamado Qualquer Coisa de Diferente. Sempre assim foi tratado. Desde pequeno, ainda na escola, sentia que as pessoas olhavam e pensavam, lá está o Qualquer Coisa de Diferente. Foi-se habituando a este comportamento e as pessoas também se acostumaram ao Qualquer Coisa de Diferente. Sempre que ele entrava em algum lado, havia alguém que olhava discretamente e notava o Qualquer Coisa de Diferente. O mais curioso disto tudo é que ninguém, alguma vez, tinha percebido com clareza a justificação do nome. Era apenas o Qualquer Coisa de Diferente.
Um dia, havia uma festa no parque que envolvia velhos, menos velhos e novos e que estava muito animada. Chegou o Qualquer Coisa de Diferente e, como de costume, recebeu aqueles olhares que nos habituamos a deitar a Qualquer Coisa de Diferente. Alguém no grupo comentou, mais uma vez, não perceber o que tornava aquele homem, um Qualquer Coisa de Diferente. Um miúdo que estava por ali a brincar achou por bem dar uma explicação.
Aquele homem chama-se assim porque não há mais ninguém igual a ele. Vocês pensam que são iguais mas também têm qualquer coisa de diferente, não é só ele. Por isso, o meu nome é João, mas, na verdade, também me chamo Qualquer Coisa de Diferente Qualquer, como toda a gente.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

MILAGRE, PRECISA-SE

Eu devo caber seguramente na categoria imensa dos que, de vez em quando, têm que ouvir a mítica “é a economia, estúpido”, pois tenho alguma dificuldade em entender certos fenómenos. Não devo ter percebido, mas a coisa parece-me mais ou menos assim, quando tudo corre bem, os negócios e as especulações, a banca lucra, muito, paga alguns impostos, pouco, e está tudo certo. Quando a coisa começa a complicar-se, os bancos ficam aflitos e o estado ajuda, com os meus impostos, a tapar os buracos que maus negócios e especulação alucinada produzem. Tudo isto para me proteger a mim. É, não devo mesmo ter entendido esta cristã atitude de ajudar os mais necessitados, os bancos.
Ainda a propósito da crise e de Igreja, esta, pela voz do Bispo de Leiria e Fátima, vem agora insurgir-se com os “escandalosos” “sistemas de remuneração e gratificação dos dirigentes de instituições financeiras”, que “contribuíram para a actual crise”. Registo a preocupação, mas preferia tê-la ouvido há mais tempo e envolvendo alguma opulência e ostentação que atinge a própria igreja que também começa a sentir os efeitos da crise, vendo diminuir significativamente as “esmolas” deixadas pelos fiéis nas missas dominicais. Ainda na mesma linha de preocupações, os comerciantes de Fátima queixam-se de como o “merchandising” dos Pastorinhos já não rende. Que tal esperarmos por um milagre?

A CULPA

(Foto de Alfredo Almeida Coelho da Cunha)

Ele está a olhar para nós, achas que descobriu o que fizemos? A gente teve cuidado, ninguém estava a ver e fugimos logo. E se Ele fica zangado? Achas que nos castiga? A minha avó está sempre a dizer que sim. Se calhar, antes que Ele se zangue era melhor a gente pedir desculpa. Está bem, falo eu.
Homem, fomos nós que atirámos o tomate para dentro da padaria. A gente pede desculpa.

domingo, 12 de outubro de 2008

O REGRESSO DA PADEIRA

O Presidente da República tem vindo a aproveitar as aparições públicas para tecer algumas considerações sobre o país. Está certo, é o presidente, é importante que o cidadão saiba que está atento e qual a sua visão sobre o quotidiano. As suas intervenções acabam também por contribuir, certamente de forma involuntária, para acentuar a dinâmica de silêncio, extraordinária opção estratégica da comadre Ferreira Leite. As intervenções do Professor Cavaco Silva são, como é de esperar, razoavelmente inócuas para que, quer as oposições, quer o governo, concordem com o tom geral das diferentes intervenções. Entendo que, apesar das limitações decorrentes do nosso modelo de organização política, e sobretudo em momentos de maior dificuldade para a generalidade dos cidadãos, é importante que o Presidente da República intervenha de forma clara. É por isso que fiquei satisfeito quando, ao inaugurar o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, Cavaco Silva apelou ao espírito de Aljubarrota para combater as adversidades actuais.
Absolutamente de acordo, com a ajuda preciosa da Padeira, poder-se-ia proceder a uma limpeza que nos ajudasse a livrar de uma rapaziada sem princípios e sem escrúpulos, que por obras e comportamentos “desvalorosos”, anda por aí empenhada em contribuir fortemente para minar aquilo que neste momento é imprescindível, confiança.

sábado, 11 de outubro de 2008

PRAGAS

Praga 1 – Um estudo realizado por Luís de Sousa e João Triães, hoje divulgado no JN, mostra, sem surpresa, que os portugueses têm uma atitude tolerante face ao tráfico de influências, a nossa querida “cunha”, e à pequena corrupção. Essa atitude tolerante assenta na ideia de que aqueles procedimentos se adoptam por “uma causa justa” e por “benefícios para a população”. A justificação para esta atitude tolerante, decorre do entendimento de que os serviços são ineficazes e lentos pelo que se aceita a instalação do “um gajo tem que se safar”, do “pode dar-se um jeitinho”, do “pá, se não for assim, não dá”, etc. Este trabalho, sublinha uma convicção generalizada de que a corrupção mais do que um problema de polícia, é um problema de cultura cívica e de valores. É isso que torna difícil combatê-la.
Praga 2 – Na Região Autónoma da Madeira, em todos os concelhos, vai desencadear-se uma operação de desratização mobilizando a utilização de toneladas de raticida e de milhares de armadilhas. É um começo, combater a praga de ratos. Depois pode ser que venha o combate à praga da gestão ruinosa, à praga do discurso insultuoso, à praga da arrogância, à praga do tráfico de influências, etc.

O ARRANJA MOINHOS

Estava aqui no meu Alentejo a ouvir aquele vento que, como se costuma dizer, “está a puxar por ela”, a chuva e, às tantas, pensei na complicada situação que vivemos. De repente, lembrei-me do meu pai, homem que partiu há mais de trinta anos.
Uma das muitas razões pelas quais o meu pai foi meu pai, foi pelo facto de contar imensas histórias, quase sempre criadas no momento. Não tínhamos televisão, líamos algumas obras que ele trazia do Arsenal do Alfeite onde era serralheiro, ouvíamos alguma rádio, mas lembro-me sobretudo das histórias, todos os dias inventadas. A memória destas histórias acendeu-se porque, em quase todas, entrava um personagem que dava pelo nome de Arranja Moinhos, não me perguntem porquê. Era fantástico o “Arranja Moinhos”, sempre que a história entrava numa fase mais complicada, fosse qual fosse a situação ou as dificuldades que os personagens enfrentassem, lá aparecia o Arranja Moinhos que tudo resolvia, tudo tratava e a história, claro, acabava bem, para descanso dos fascinados ouvidores eu, o meu primo e, às vezes, mais um ou outro miúdo da vizinhança.
Pensei como agora, nesta história tão complicada que estamos a viver, dava jeito o Arranja Moinhos. Tenho a certeza que ele havia de encontrar uma maneira de nos safar. O meu pai dizia que ele era capaz de resolver tudo. E eu, eu continuo a acreditar no meu pai.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

CONSCIÊNCIA TRANQUILA

Nos últimos tempos sempre que me sento a olhar para a realidade e tento trazer para aqui um pedaço dessa realidade para servir de pretexto para a conversa, parece inevitável fugir às implicações da crise e do genérico e preocupante mal-estar económico que se instalou. No entanto, para além desta grave situação e porque penso que tudo está fortemente ligado, sou sempre hipersensível ao mal-estar ético. Depois de há alguns dias a vereadora Sara Brito afirmar “que os seus valores nunca foram postos em causa” por ocupar durante vinte anos uma casa providenciada pela Câmara de Lisboa por uma renda baixíssima, leio hoje que a Presidente da Câmara de Felgueiras, Fátima Felgueiras, não se considera perfeita, e está de consciência tranquila, Fiquei também a saber que Isaltino de Morais anunciou já a sua recandidatura a mais um mandato na Câmara de Oeiras enquanto continua a decorrer o processo por corrupção e enriquecimento ilícito.
Valores, consciência tranquila, ética etc. significarão o quê para esta gente? É certamente por responsabilidade nossa que estes exemplos de cidadania ocupam as funções que ocupam. Fomos nós que os elegemos. Por isso é que eu não tenho a consciência tranquila.

UM HOMEM CHAMADO QUEM ME DERA

Era uma vez um homem chamado Quem Me Dera. Vivia infeliz. Quando lhe pediam que fizesse alguma coisa, a primeira reacção era não acreditar que fosse capaz. Não se sentia preparado para realizar tarefas ou ter comportamentos que via nas outras pessoas. Quando ouvia alguém descrever viagens, realizações, actividades, etc. o Quem Me Dera sentia-se triste, muito triste. As pessoas foram-se habituando ao Quem Me Dera sem confiança.
Um dia, encontrou alguém de quem, de mansinho, começou a gostar, a gostar cada vez mais cada dia que passava, primeiro com muito medo e, depois, com muita força. Contrariamente ao que ele, como sempre, esperava, o seu afecto tornou-se correspondido. De repente, o Quem Me Dera sentiu-se o homem mais feliz do mundo, capaz de enfrentar o que lhe aparecesse pela frente com a maior confiança. Tinha a força do seu bem-querer.
Quando lhe perguntavam o nome, levantava a cabeça e dizia convicto, chamo-me Se Eu Quiser.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

INCONSEQUÊNCIA, HIPOCRISIA E DESPUDOR POLÍTICO

Pela última vez, a posição do PS sobre a proposta de legislação sobre o casamento de pessoas do mesmo género. A ver se eu entendo.
1 - Estão em causa direitos individuais que devem ser defendidos. Entendo.
2 – Nós, PS, somos favoráveis a que a defesa desses direitos tenha forma jurídica. Entendo.
3 – Vamos votar contra, porque achamos que proteger e defender direitos individuais tem que ser em tempo oportuno, em data a combinar. A sério? Não entendo.
Esta gente continua a insultar-me ou trata-se de uma rábula tardia de homenagem ao famoso sketch do Gato Fedorento, com a personagem do professor Marcelo sobre a questão do aborto?
Será que não se entende que a inconsequência, a hipocrisia e o despudor político têm efeitos devastadores?

PARA SER GRANDE, SÊ INTEIRO

Não posso deixar de voltar a um tema que já aqui referi e que continua a incomodar-me pelo enorme efeito, negativo, que entendo ter na saúde da democracia e na relação dos cidadãos com a actividade política. Refiro-me à insultuosa decisão da disciplina de voto imposta pelo PS aos seus deputados, relativamente à legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo género. Como é sabido, apenas o Sr. Deputado Presidente da JS está autorizado a usar a sua cabeça e consciência, todos os outros devem carregar no botão que o partido mandar independentemente do seu entendimento sobre a matéria. Mas muitos outros deputados serão acometidos do que eu costumo chamar a síndrome Martim Moniz, isto é, vão sentir-se profundamente entalados. E estarão entalados entre a ordem do dono e a sua própria consciência e sistema de valores. A título de exemplo, atentemos na situação da Sra. Deputada Ana Catarina Mendes que há anos e por diferentes formas, incluindo relatórios no âmbito da actividade parlamentar, tem manifestado uma posição favorável e que irá votar contra, o Partido obriga. A deputada afirma “não tenho margem de manobra”. Tem Sra. Deputada, dê uma lição de integridade e vote o que a sua consciência e sistema de valores lhe ditam. A democracia agradecerá o bom serviço embora talvez possa perder o seu lugarzinho na próxima lista para as legislativas. A escolha é sua, Pessoa dizia, “Para ser grande, sê inteiro”.

UM HOMEM CHAMADO SEM QUERER

Era uma vez um homem chamado Sem Querer. Todas as pessoas que o conheciam achavam estranho o seu nome. Era o tipo mais simpático que vivia naquele bairro, sempre com um ar bem-disposto e um cumprimento para toda a gente. Sempre disponível para o que fosse preciso, a quem fosse preciso. Ninguém alguma vez viu o Sem Querer numa discussão ou zanga, aceitava tudo o que lhe dissessem sem ponta de contrariedade. Dava até a impressão de que no seu vocabulário não existia a palavra não.
Um dia, estava o Sem Querer no parque a ler o jornal, quando se sentou ao pé de si um daqueles velhos que anda no inverno atrás do sol e no verão atrás da sombra mas que, na verdade, vivem ensombrados pela (des)esperança no nada. Com a afabilidade que caracteriza o Sem Querer, a conversa surgiu fácil. O velho estranhou o nome e o Sem Querer explicou.
Quando era pequeno, o meu nome era Querer. À medida que cresci e sem perceber muito bem porquê e como, foram-me roubando o querer, até que acabei por ficar Sem Querer. Ao seu dispor.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A REFORMA DA EDUCAÇÃO

Merece o destacadíssimo lugar de 1ª página no JN. Aí está a prova para os mais cépticos, para os velhos do Restelo, que duvidavam do ímpeto reformista da PEC, Política Educativa em Curso. Os descrentes afirmavam que não era possível tanta reforma em Portugal. Ponham os olhos nestes números e a viola no saco. Durante o ano de 2008, 400 professores reformados por mês é pouco? Ainda querem mais reformas? Quero ver agora o que irão dizer esses habituais arautos da desconfiança crónica. Como vêem, o Governo não promete apenas, cumpre efectivamente. Este número representa “apenas” o dobro do ano anterior. Que se calem os imobilistas que acham que nada muda. Conseguir que se reformem 400 professores por mês, muitos com penalizações por antecipação, é obra, e obra a sério. Mais uma vez, um grande bem-haja.

UM DIA

(Foto de Filipe Arruda)

Um dia, quando crescer, não vão ser capazes de me prender dentro da vida que me dizem estar à espera.
Um dia, quando crescer, não vão ser capazes de me prender dentro das ideias que acham que devo ter.
Um dia, quando crescer, não vão ser capazes de me prender dentro de um mundo pequenino.
Um dia, quando crescer, não vão ser capazes de me prender dentro dos limites que não entendo.
Um dia, quando crescer, não vão ser capazes de me prender dentro de uma família que não reconheço.
Um dia, quando crescer, não vão ser capazes de me prender dentro de mim.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O IRRESPONSÁVEL QUE ABANA POSTES

Procurando fugir ao mega problema da crise, atento nas pequenas notícias. O DN relata a situação de um menino de sete anos, em Viana do Castelo, que ao tocar num poste de iluminação pública foi electrocutado, ao que parece e até ver, felizmente sem consequências de maior, para além de um breve internamento e acompanhamento hospitalar. O mais curioso da notícia é que o Ministério Público decidiu arquivar a queixa dos pais, atribuindo a culpa ao menor pois “abanava o poste”. Extraordinário, um puto de sete anos abana (!!!) um poste, apanha um choque eléctrico que poderá dever-se, diz o relatório dos peritos da EDP, constante do processo, a um cabo interior mal isolado e o Ministério Público diz que a culpa é do puto que abana postes.
É por decisões deste tipo que, por mais Comissões que se criem e discursos que se façam sobre a protecção dos miúdos, a questão central é a ausência de uma verdadeira CULTURA de protecção, a começar por quem deve zelar pelos direitos individuais do cidadão, o Ministério Público. Sem essa mudança de cultura, pobres putos nas mãos de tais “protectores”.

UM RAPAZ CHAMADO TEMAMANIAQUÉESPERTO

Era uma vez um rapaz chamado Temamaniaquéesperto. Tinha treze anos e as pessoas não simpatizavam muito com ele. O Temamaniaquéesperto fazia questão de ter opiniões e ideias sobre qualquer assunto que estivesse em discussão. Além de ter e expressar as suas opiniões, estas, frequentemente, não eram coincidentes com as da maioria. Nessa altura, o que muitas vezes acontecia, o Temamaniaquéesperto conseguia utilizar mil e um argumentos para, persistentemente, defender os seus pontos de vista, sem desistência. Como é de prever, este comportamento exasperava as pessoas que pouco a pouco se foram afastando do Temamaniaquéesperto. Todas as conversas que estivessem a acontecer diluíam-se imediatamente sempre que ele se aproximava e, com ele presente, o silêncio passou a ser regra. O rapaz começou sentir-se distante e, finalmente, só. Esta situação foi-se tornando insustentável para alguém que precisava desesperadamente da relação com os outros para se sentir bem. Uma noite, mais uma sem dormir, pensou descobrir a solução, o que aliás era de esperar em alguém que sempre tinha ideias. A partir da manhã seguinte, devagarinho, começou a concordar com tudo o que ouvia. Opiniões ou ideias, todas repetia e todas apreciava.
Como ele previra tudo mudou. As pessoas que antes o rejeitavam, passaram a mostrar o maior dos apreços pela sua presença e, algumas, até achavam que ele em vez de se chamar Temamaniaquéesperto deveria chamar-se Inteligente. E, assim, viveu infeliz para sempre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

MUSEUS E ROTUNDAS

No meio da turbulência da crise e dos efeitos pesadíssimos que se antecipam, pode parecer supérfluo ou deslocado a referência ao estado calamitoso em que se encontra a gestão dos espaços museológicos portugueses, e que afecta manutenção, recursos humanos que assegurem a simples abertura, aumento de espólio, montagem de exposições e outros eventos, etc. Tudo isto aparece bem evidente num exaustivo trabalho do Público sobre esta matéria. Entendo, como certamente muitas outras pessoas, que dificuldades económicas obrigam a contenção mas com a mesma convicção, considero os bens de cultura como uma primeira necessidade. Para além disso, os problemas não são de agora e, em parte, resultam de modelos de gestão seguidos pela tutela, pelo que não adianta escudar-nos com a crise. Sem beliscar o que noutras áreas tem sido feito, parece importante sublinhar que, sendo finitos os recursos económicos, mais cuidadosa e pertinente tem de ser a sua aplicação. Assim, pensando no sub-investimento constatado nos espaços museológicos, acho que poderia ter sido atenuado se, por exemplo, se poupasse na construção de rotundas que, na sua maioria, não têm justificação técnica, antes parecendo resultado de uma rotundite que inflamou a gestão autárquica. Poderia poupar-se nos enormes custos de água, manutenção e sistemas de rega de espaços como o interior das próprias rotundas, se em espaços que não são de utilização pública mas apenas decorativos, se usassem espécies resistentes da flora portuguesa que são bem bonitas em vez da disparatada relva que poderia reservar-se para espaços de lazer. Poderia optar-se pela melhoria técnica, de piso e de segurança dos IPs em vez da multiplicação caríssima de auto-estradas, independentemente do modelo de gestão escolhido, porque não existem obras grátis. Nestas duas áreas, a título de exemplo, e sem envolver outras que podem ser consideradas de imprescindível realização, talvez se conseguisse o suficiente para evitar a triste e vergonhosa situação nos espaços museológicos portugueses.

O CASAMENTO E O PLASMA ROUBADO

Talvez vos pareça um pouco bizarro a nota que agora aqui me traz. É certo que muitas vezes aquilo a que chamamos pormenores acaba por se revelar mais importante do que à partida entendemos, mas, de facto, o olhar sobre a imprensa parou num pormenor. Diz o DN que em Venda Nova, Montalegre, enquanto decorria um casamento uma rapaziada assaltou a casa dos noivos limpando os presentes que tinham recebido, de que se destacava o inevitável plasma.
Já nem se respeita a sagrada instituição do matrimónio. Como é possível que alguém aproveite a hora em que duas almas estão a oficiar o juntar dos trapinhos, para lhes roubar aquilo que os convidados tinham ofertado para um início de vida em comum, sempre parco em disponibilidades. No meio deste desastre ético, e não só, para piorar a situação até o plasma senhores, até o plasma, foi roubado. Como se pode pensar em tanta maldade? Roubar o plasma a alguém é roubar o mundo a esse alguém. Que maneira terrível de celebrar um casamento aconteceu na pacata Montalegre.
No entanto, para ficarmos todos mais descansados, a GNR, após algumas diligências, conseguiu recuperar parte das prendas roubadas, entre as quais o plasma. Que sejam então muito felizes os noivos.

A MENINA CHAMADA SÓ

Era uma vez uma menina chamada Só, tinha sete anos e andava numa escola. A Só quase nunca brincava com ninguém e ninguém quase nunca brincava com a Só. Na sala tinha uma mesa onde não estava nenhum colega e de onde a Só, à espera de vontade de fazer os trabalhos, via a janela, a única coisa que parecia chamar a sua atenção. No recreio a Só procurava sempre um cantinho, uma espécie de cantinho encantado e por ali ficava a brincar com as suas ideias. Num destes dias, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, ao passar no recreio viu a Só lá no seu cantinho encantado e sentou-se ao pé dela.
- Em que pensas Só?
- Em histórias.
- Também penso muito em histórias e já tenho um monte delas guardadas lá na biblioteca.
- Velho, tu sabes inventá-las e contá-las?
- Claro, queres ouvir alguma?
- Velho, como sou Só nunca tenho uma história em que eu entre. Inventas uma onde possa entrar uma pessoa Só.

domingo, 5 de outubro de 2008

PROFESSOR

Um Domingo muito comprido apenas me permitiu chegar agora a este canto. Da agenda, duas referências, a implantação da Republica e o dia Mundial do Professor. Algumas notas sobre o Professor.
Sem novidade, tenho para mim que putos e professores são os dois grupos em que assenta qualquer comunidade. Os putos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam. Hoje em dia e em Portugal, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas educativas inadequadas, os putos passam tempo excessivo na escola, diminuindo a influência real das famílias no quotidiano dos miúdos o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.
Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos. Opções políticas assumidas e em curso têm contribuído para esta atenção, pelas boas e pelas más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os putos, os professores não têm sempre razão. No entanto, gostava de deixar algumas notas. Em primeiro lugar, parece-me de sublinhar que nos estudos de confiança profissional, os cidadãos continuam a evidenciar elevados níveis de confiança nos professores, contrariamente ao verificado em profissões como político. Parece-me ainda de referir que ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica o maior reconhecimento. Quero ainda acentuar que a responsabilidade ética de um professor o deveria impedir de posições comportamentos e discursos que, por vezes, emergem e que sempre me embaraçam.
Para finalizar gostava de deixar uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é. A prova é que dos professores todos que connosco se cruzaram, os que mais nos marcaram positivamente foi pelo que foram e não pelo que nos ensinaram.

ONDE É QUE ELA SE METEU

(Foto de Mico)

É sempre a mesma coisa. Digo à minha mãe para não sair do carro sem ser ao pé de mim e ela não me liga. Nunca faz o que lhe digo. Estou farta de dizer às minhas amigas. Hoje em dia, é tão difícil tomar conta das mães, só fazem o que querem. Depois, se alguma coisa corre mal, vêm ter connosco a choramingar para pedir ajuda.

sábado, 4 de outubro de 2008

A HISTÓRIA NÃO SE APAGA

Sei que não deveria, mas continuo a surpreender-me com o despudor e falta de memória da política em Portugal. Não, não estou a referir-me às inaceitáveis trapalhadas da distribuição de casas em Lisboa de que, até o cavaleiro andante da verticalidade, integridade e estatura ética, o zurzidor mor do reino, o impoluto e enorme Baptista Bastos beneficiou. Estou a referir-me ao discurso do Presidente Cavaco Silva. O senhor, a meu ver bem, referiu que “a falta de autonomia revelada por alguns dos nossos empresários e a sua tendência para o encosto ao Estado têm sido muito nocivas para a economia”, sublinhando ainda a forte dependência dos subsídios da mesma classe. Deixa-me perplexo. O Professor Cavaco Silva foi Chefe de Governo de Novembro de 85 a Outubro de 95 e Presidente da República desde Março de 2006. A entrada do país na então CEE, em Janeiro de 1986, levou à entrada de um enorme fluxo de verbas de apoio ao desenvolvimento, exactamente na altura em que o Professor Cavaco liderava o país. A criação de uma sociedade subsídio-dependente, que, obviamente não envolve só os empresários, foi fruto das políticas seguidas e dos modelos de desenvolvimento escolhidos o que, naturalmente, responsabiliza a classe política que tem dirigido os destinos do nosso jardim. Como é possível que alguém que liderou a história, para o melhor e para o pior, queira transformar-se num mero espectador e ainda opinar como se não tivesse nada a ver com o assunto. O meu pai sempre me disse, “se fizeres assume, a história de um homem não se apaga”.

TRANSPARÊNCIA NO DIZER

Muitas vezes nos referimos à riqueza e criatividade da língua portuguesa. Uma das particularidades que mais me fascina, é a forma como mascaramos ideias ou sentimentos através das expressões utilizadas. Alguns exemplos para ilustrar este comportamento.
Quando a alguém, sisudo e triste, perguntamos, “o que é que tens?”, deveríamos utilizar um mais difícil “o que é que te falta?”. Quando a uma pergunta sobre o seu bem-estar, nos respondem “assim, assim” ou “vamos andando”, deveremos entender “não estou bem”. Quando a resposta a um retórico “tudo bem?” é um apagado “cá estamos”, deveremos acrescentar “mal, cansado e sem ânimo”. Quando a uma solicitação de ajuda ou conselho, ouvimos “nem sei o que te diga”, deveremos entender, “sei o que te diga, mas não sei se devo ou posso”. Quando uma apreciação a algo é “nada por aí além”, deveremos considerar que é algo “muito aquém”. Quando alguém “não é particularmente interessante”, quer dizer que é um chato que não se aguenta. Noutra formulação, quando alguém “até nem é mau tipo”, deve entender-se que é um fulano intragável. A incerteza sobre “como é que te hei-de explicar” significa, na verdade, “duvido que sejas capaz de entender”.
Já imaginaram o custo pessoal e social que teria a transparência no dizer?

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

TAMBÉM HÁ COISAS POSITIVAS, A SÉRIO

Hoje, certamente inspirado pela prestação do meu glorioso, pensei em olhar para o mundo à procura do que houver de positivo para ser visto. Assim, deixo de lado os efeitos da crise. Não ligo às notícias recorrentes sobre violência e criminalidade que potenciam o abaixamento dos indicadores de confiança na segurança. Não ligo às múltiplas decisões da Justiça que baralham o cidadão e parecem constituir-se sinais de fragilidade e impunidade. Finjo nem ver a referência à negociata realizada com o prédio dos CTT em Coimbra, que terá rendido 1,6 milhões de euros a políticos, de diferentes partidos, e gestores públicos. Nem reparo numa estranha e trágica referência à morte dos pinheiros-bravos na região Centro vitimados pelo nemátodo. Faço de conta que nem percebi que o PS decidiu impor disciplina de voto aos deputados no caso dos casamentos entre pessoas do mesmo género, à excepção do rapaz que está à frente da JS e, numa análise de génio, o Dr Alberto Martins, o dono das consciências dos deputados, afirma que isto é uma afirmação de pluralismo. Não, não me interessam estas questões.
Bem mais positivo é ter ficado a saber que ontem, dia 2 de Outubro, em Portugal, NINGUÉM morreu vítima de acidente rodoviário. Fixe.

VENDEDOR DE SONHOS

Era uma vez uma terra, chamada Terra, onde as pessoas, melhor, a maioria das pessoas não tinha uma vida fácil, antes pelo contrário, sentiam muitas dificuldades. Era muito frequente que, entre aquelas pessoas, as conversas andassem invariavelmente à volta dos desejos de melhoria das suas condições de vida. Uns diziam, quem me dera ganhar mais, ao que outros acrescentavam, quero é saúde. Uns diziam que gostavam de ter trabalhos diferentes, ao que outros respondiam desejar melhor tratamento. Uns suspiravam por prémios na lotaria, outros por melhores casas. Uns desejavam férias em sítios diferentes, alguns contentavam-se apenas com ter férias. E este rol de desejos não tinha fim.
Lá na Terra havia um jovem, muito esperto e empreendedor que, percebendo como as pessoas se sentiam, inventou uma maneira de lidar com essa sensação. Começou a inventar sonhos e a vendê-los às pessoas, conforme o que cada uma desejava. Construiu um catálogo e apregoava-os. As pessoas aceitaram bem os seus sonhos. Eram muito bonitos e correspondiam tanto ao que as pessoas queriam que, quando os usavam, ficavam espantadas, nem pareciam sonhos. Com esta arte de construir sonhos, o jovem prosperou e ainda mais sonhos e mais convincentes aprendeu a fazer e a vender.
É já o presidente da juventude do partido maior lá da Terra que espera vê-lo chegar, dentro de pouco tempo, à chefia do partido e, naturalmente, do governo da Terra.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

CHOQUE TECNOLÓGICO

Cenário – café num bairro popular em Lisboa
Actor – Indivíduo, cerca de 30 anos, sotaque típico de Lisboa, pólo, jeans e havaianas
Cena – ao balcão para uma bica
Figurante 1, o empregado, figurante 2, este vosso companheiro
O actor saca do telemóvel e começa uma chamada a qual, pela proximidade, é acompanhada pelo figurante dois que a reconstituiu com a fidelidade possível, as deixas do actor, claro.
- Sim, sou eu, olha lá, sabes se a miúda carregou alguma coisa na TMN?

- Um gajo disse-me que posso ver o Benfica na internet.

- Achas que ela carregou. Parece que no Sapo dá para ver na internet o Benfica.

- Não sei é se tenho de ver lá em cima ou dá para ver na merda do portátil.

- O problema é se o portátil se põe a digitalizar e depois fico tramado.

- Então vê lá se ela carregou a TMN. Depois ligo.
E o escriba pensou, viva o Magalhães.

O INCOMPREENDIDO

Era uma vez um homem, chama-se Incompreendido. Tratava-se de um indivíduo que se achava mais conhecedor sobre qualquer matéria que a generalidade das pessoas, mas muitas não compreendiam a imensidade do seu saber. As suas decisões sobre o que quer que fosse, eram, obviamente, as mais acertadas. Estranhamente, havia pessoas que não compreendiam a excelência do seu julgamento. As suas opiniões eram, naturalmente, as opiniões que se deveriam ter em conta. No entanto, algumas pessoas não compreendiam tamanha competência. Estas circunstâncias levavam a que o Incompreendido, ao verificar a inexplicável falta de compreensão revelada por muita gente, se sentisse, claro, mais Incompreendido.
A partir de certa altura, devagarinho, as vozes dos que não compreendiam foram-se calando, por cansaço, habituação ou desistência. Finalmente, chegou o dia em que o Incompreendido não teve quem não o compreendesse na sua inatingível condição. Quando olhou à sua volta, percebeu e descansou. As pessoas estavam exactamente iguais a si, pareciam fotocópias perfeitas.
Nessa noite, pela primeira vez desde há muito, adormeceu com um pensamento tranquilo e num mundo perfeito, “agora compreendem-me”.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

VELHOS

(Foto de José Ferreira)

Na agenda das consciências está hoje assinalado o Dia do Idoso. Significa isto que as referências às circunstâncias de vida deste grupo, cada vez mais numeroso, se multiplicarão na comunicação social. Se bem atentarmos, predominarão as de carácter negativo, à doença, ao abandono e solidão, às dificuldades económicas, à tristeza, etc. Será que a condição de velho tem de, por fatalidade e condição, ser igual à condição de infeliz?

CÁ SE FAZEM, LÁ SE PAGAM

Claro que todos vão dizer que nada de ilegal se verifica, alguns até dirão, como a Vereadora Sara Brito, da Câmara de Lisboa, que os seus valores éticos não estão em causa, que apenas se trata da sua carreira profissional, etc. Mas não é fácil entender que no processo de renegociação da concessão à Lusoponte da gestão e exploração das travessias rodoviárias do Tejo, os interesses da empresa vão ser defendidos por Jorge Coelho e Ferreira do Amaral, dois ex-ministros das obras públicas que, aquando do exercício dessas funções, negociaram, representando o estado, os contratos em vigor. É óbvio que este processo tem a maior das transparências, um ministro negoceia um contrato com uma empresa na qual, tempos depois, vai ocupar um lugar de topo. Também certamente por coincidência e sempre dentro da máxima legalidade, o Tribunal de Contas, através de auditoria realizada, arrasa as decisões do Estado e o Acordo Global com a Lusoponto, sublinhando que a empresa tem ficado sempre em posição altamente favorável. É pois natural e justo que um bom trabalho mereça retribuição à altura. Veremos então qual vai ser o resultado da próxima renegociação.
No meio de isto tudo, só me escapa a estranheza que a muitos políticos causa os resultados de estudos que evidenciam a baixa representação e confiança que o cidadão deposita na generalidade da classe política. Estão à espera de quê?

SE EU FOSSE MUITOS

(Foto de Jorge Alfar)

Se eu fosse muitos, nunca brincava sozinho.
Se eu fosse muitos, nunca tinha medo sozinho.
Se eu fosse muitos, nunca me perdia.
Se eu fosse muitos, tinha sempre com quem falar.
Se eu fosse muitos, o meu mundo era maior.