sábado, 31 de maio de 2014

MIÚDOS À ESPERA

Um dia destes, a meio da manhã, entrei na papelaria do costume para comprar o jornal, hábito de sempre.
Enquanto aguardava, entrou um miúdo, uns doze anos de gente, saído da escola ali pertinho, que se dirige ao funcionário e lhe diz, “Posso telefonar à minha mãe, ela não me veio buscar, esqueceu-se outra vez”.
Percebi que era um esquema habitual, o funcionário emprestou o telemóvel ao gaiato para ele telefonar. Um tempinho depois, oiço “Diz que está desligado, posso telefonar para a minha prima?”
Ao que disse em seguida, a prima viria buscá-lo e a mãe acertaria a conta do telemóvel com o senhor da papelaria.
Não quero, evidentemente, produzir juízos apressados e, eventualmente, injustos mas creio que poderá ser apenas mais um pequenino exemplo dos “esquecimentos” a que alguns miúdos estão sujeitos.
Ainda há pouco tempo, numa roda de conversa com gente do Pré-escolar e1º ciclo, se falava da frequência com que algumas crianças ficam até quase ao fecho das instituições porque “alguém” se esqueceu das ir buscar ou porque esse “alguém” pensava que seria outro “alguém” a fazê-lo.
Na verdade, existem muitos miúdos que passam muito tempo na sala de espera aguardando por alguém, às vezes a vida inteira.

MAS AS CRIANÇAS SENHORES, PORQUE LHES DAIS TANTAS DORES

"Mais de 38 mil crianças perderam abono de família num ano"

Entre Março de 2013 e Março de 2014 mais de 38 000 crianças perderam o abono de família. Desde 2009 serão mais de 500 000 os casos de perda do abono de família.
Conhecendo-se as dificuldades genéricas das famílias massacradas por situações de desemprego e abaixamento dos rendimentos, por desemprego, aumento brutal de impostos ou ausência de apoios sociais não é difícil imaginar o enorme risco que envolve as crianças e jovens.
Apesar deste cenário, continuamos com a insistência insensível e insensata num caminho de cortes nas áreas sociais e da educação, no corte insustentável no rendimento das famílias produzindo diariamente novos pobres que já nem envergonhados se conseguem sentir, tamanha é a desesperança que faz aparecer de mão estendida na escola, nas instituições ou nas ruas. 
Face a este drama dizem-nos não haver alternativa. É mentira porque existem alternativas e é crime porque se condenam milhares de miúdos a passar a carências graves.
As dificuldades das famílias e o que dessas dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para que não insistamos nestas questões. Todos os estudos e indicadores identificam os mais novos como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza que, aliás, tem vindo a aumentar.
As dificuldades que afectam directamente a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e ao sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, exploração sexual, mendicidade, insucesso educativo e abandono escolar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.

É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, custe o que custar, naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

A CONSTITUIÇÃO SÓ ATRAPALHA

"TC chumba cortes salariais na função pública"

Depois de mais um chumbo previsível do Tribunal Constitucional, creio que o Governo poderá tentar colocar a Constituição no regime de mobilidade especial, perdão, de requalificação, para que o texto constitucional fique conforme os seus desejos e interesses,  deixando de funcionar  como uma força de bloqueio através das interpretações dos juízes do Tribunal Constitucional.
Mais uma vez o Tribunal Constitucional entende que instrumentos legislativos propostos pelo Governo ferem o texto constitucional.
Em termos muito breves, a Constituição estabelece um quadro normativo e orientador que não é perfeito, longe disso, é datado e, também por isso, carece, evidentemente, de alterações e actualização.
Os actores políticos conhecem muito bem os termos em que a Constituição pode ser revista, sendo que até os próprios termos da revisão podem ser alterados. Parece claro.
No entanto, enquanto não for alterado o texto constitucional, os governos estão obrigados ao seu cumprimento, parece evidente e desejável num estado que respeite as suas próprias leis.
A excessiva frequência com que surgem iniciativas legislativas que são consideradas anticonstitucionais, mais do que "simples" inabilidade e incompetência que não é, evidentemente, cria focos de instabilidade, desconfiança e ineficácia que têm custos elevados.
Acresce que o discurso recorrente de pressão sobre o Tribunal Constitucional e a justificação dos resultados de uma política desastrosa com os chumbos do TC, habituais no Governo têm, do meu ponto de vista, efeitos perversos e contrários criando uma fortíssima instabilidade, promovendo tensões e discursos que não contribuem para a solução ou minimização dos problemas do país, pelo contrário, alimentam-nos e ampliam-nos.
De uma vez por todas, se a Constituição carece de alterações, alterem-na, enquanto não a alteram, cumpram-na.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS, A ABERTURA DE ALGUNS PROBLEMAS

"Ministério da Educação continua a dizer que negociação de fecho de escolas não está terminada"

"Governo admite encerrar escolas com mais de 21 alunos"

Segundo a imprensa, o MEC está a desenvolver o processo de encerramento de mais de 400 escolas do 1º ciclo e estabelecimentos de educação pré-escolar com menos de 21 alunos. O MEC divulgou hoje uma nota informando que “O processo de reordenamento da rede escolar está ainda a decorrer, em diálogo com as autarquias” o que em “Cratês” quer dizer, “Está decidido e a seu tempo, depois da poeira agora levantada assentar, confirmaremos. A genial medida radica na exigência, na qualidade, no rigor, blá, blá blá …”. Aliás, até admite que podem encerrar escolas que tenham mais do que os "criteriosos" 21 alunos.
Enquanto este processo de implosão do sistema público de educação em muitas terras do nosso país não terminar justifica-se retomar algumas notas.
Durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com a escolaridade obrigatória implantada, o princípio era “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura de horizontes sempre a evitar. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, foi criando um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, com pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo. Parece pois ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede de que hoje se escreve mais um capítulo.
No entanto, dados os impactos que o encerramento dos equipamentos sociais têm na desertificação do país e nas assimetrias de desenvolvimento, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios cegos e generalizados, esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político, local ou nacional.
Este processo de reorganização da rede, de construção dos centros escolares e da constituição de mega agrupamentos, com números completamente comprometedores da qualidade e, portanto, inaceitáveis, não ocorre sem riscos sérios.
De há muito que se sabe que um dos factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina escolar é o efectivo de escola. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e agora os Estados Unidos ou o Reino Unido na luta pela requalificação da sua educação, optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito, que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes, dentro, obviamente dos limites razoáveis. É certo que o MEC faz o pleno, aumenta o número de alunos por escola e o número de alunos por turma, como é hábito o Ministro Nuno Crato cita ou ignora estudos, experiências e especialistas, nacionais ou internacionais, conforme a agenda que lhe é favorável.
As escolas muito grandes, com a presença de alunos com idades muito díspares, são autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores, alunos, pais e funcionários. Recorrentes episódios e relatos de professores sustentam esta afirmação.
Por outro lado, a experiência já conhecida mostra casos de distâncias grandes entre a residência dos miúdos e os centros escolares, levando que devido à difícil  gestão dos transportes escolares, os miúdos passem tempos sem fim nos centros escolares, experiência que não é fácil, sobretudo para os miúdos mais pequenos.
Em síntese, aprece-me razoável que algumas escolas do 1º ciclo sejam encerradas mas com critérios não exclusivamente burocratizados e administrativos, como a análise simples do número de alunos.

"O MUNDO. O mundo é a rua da tua infância"

A peça do I relativa ao trabalho de uma equipa da Faculdade de Motricidade Humana centrado na mobilidade das crianças leva-me a retomar algumas notas sobre a importância do brincar e andar na rua, situação que tem vindo a desaparecer da vida de muitos miúdos.
É certo que as questões da segurança e, sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos a circular e brincar na rua, de formas que a peça sugere e talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
No imperdível “O Mundo, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.
Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias. Eles iriam gostar e far-lhes-ia bem. Aliás, brincar é actividade mais séria que as crianças realizam.

OS CUSTOS DA DEFICIÊNCIA

"Associações de deficientes em protesto em Lisboa"


Já disse isto muitas vezes mas considerando que a realidade é o que sabemos, é preciso insistir, de novo, sempre.
A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e funcionalidade que a sua condição, só por si, pode implicar.
Como também é reconhecido, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente educação, apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada na população sem deficiência.
Termino com uma afirmação que repetidamente enuncio, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.
No entanto, também nesta matéria sopram ventos adversos.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O MEU PAI ACHA QUE A NET É UMA MARCA DE COMPUTADORES

"Mais de metade dos portugueses não tem capacidade para lidar com tecnologias digitais"

Dados da Comissão Europeia agora divulgados afirmam que 55% dos portugueses tem baixa ou nenhuma habilidade para lidar com tecnologias digitais, 33% nunca utilizou a Internet sendo que a média europeia é de 20%.
Talvez estes valores ajudem a perceber porque Portugal é um dos países em que os pais menos revelam saber o que os filhos fazem com a net. É também o país em que as crianças e jovens utilizam mais as novas tecnologias que os adultos. É ainda de referir um estudo divulgado há algum tempo evidenciando que os jovens portugueses já dedicam mais tempo à net e ao telemóvel que à televisão.
De facto, estes indicadores revelam, por um lado, da iliteracia informática dos adultos/pais portugueses que os inibe de tentar acompanhar devidamente as actividades dos filhos neste domínio, cujos riscos de utilização vão sendo identificados. Por outro lado, sublinham a importância que esta actividade assume na vida dos mais novos o que remete, de novo, para a necessidade urgente de promover a alfabetização informática dos adultos.
Neste contexto, utilização das novas tecnologias pelos mais novos e o acompanhamento, ou falta dele, pelos pais creio ainda ser de considerar o impacto nos estilos de vida, designadamente nos hábitos de sono. Alguns estudos evidenciam que os mais novos estarão a dormir menos que gerações anteriores. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Haverá certamente outras questões envolvidas mas é significativo que segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Na verdade, estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

O DIA DA ESPIGA

Como dizia Camões o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.
Hoje passa o Dia da Espiga, como nós dizíamos quando era pequeno para referir a Quinta-feira da Ascensão.
Acho que já muito pouca gente repara no Dia da Espiga, como já nenhuns miúdos aparecem a pedir "Pão por Deus" no 1º de Novembro, o Dia de Todos os Santos. Na verdade, surpreendi-me porque no último ano bateu-me à porta um grupo e não era à conta do Halloween, importação recente que se tornou moda, era mesmo a pedir Pão por Deus. Fiquei contente.
Voltando ao Dia da Espiga e a umas dezenas de anos atrás, na minha casa íamos sempre buscar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira. Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído pelo novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre cumprida.
Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.

OS SOBREVIVENTES

"Taxa de mortalidade infantil diminuiu no ano passado"

Felizmente, em Portugal a taxa de mortalidade infantil baixou de 2012 para 2013, isto é, de 3,4 óbitos por cada mil nados-vivos em 2012 para de 3,1 em 2011. Este dado contraria uma tendência de subida que verificou em 2012 e assim mantemo-nos com uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil da União Europeia. Para termos uma ideia do extraordinário progresso verificado recordo que em 1990 se registavam cerca de 15 mortes por cada mil crianças.
Importa acentuar que os progressos foram ainda mais significativos do ponto de vista da qualidade dos cuidados de saúde, se considerarmos que os óbitos em recém-nascidos, o período mais crítico, baixaram de 7 para dois, sendo a prematuridade um dos maiores factores de risco.
No entanto, apesar dos bons resultados em saúde infantil na esperança de vida com saúde, Portugal está abaixo da média dos países europeus.
Estes números que merecem registo, criam-nos a todos uma enorme responsabilidade.
Em primeiro lugar obriga-nos a assegurar um futuro positivo a todos os sobreviventes, por assim dizer.
Em segundo lugar e de forma mais particular, considerar que entre as dimensões mais contributivas para esta melhoria se destacam as condições e qualidade de vida, a qualidade e acessibilidade dos serviços de saúde e a educação.
Em terceiro lugar, importa que os cuidados de saúde não percam qualidade, antes pelo contrário, que se promovam e incentivem estilos de vida mais saudáveis de modo a conseguir aumentar a esperança de vida saudável.
E pronto, não queria falar da crise mas tem que ser. A tragédia que se abateu sobre milhares e milhares de famílias com cortes significativos nos rendimentos e o aumento exponencial do desemprego, os cortes nos sistemas de apoio e de saúde, os cortes no SNS e na educação colocam riscos severos. São conhecidos muitos relatórios que mostram como crianças e velhos são os grupos mais vulneráveis em situações de dificuldade económica. São divulgadas regularmente as privações alimentares que atingem muitas famílias, levando a que milhares de crianças apenas encontrem nas cantinas escolares as refeições mais substantivas de que necessitam.
Conseguimos que os mais pequenos sobrevivam, não podemos deixar que não cresçam como os recursos e as condições mínimas para se tornem gente com projectos de vida positivos e sustentados.

Não há como fugir a esta enorme responsabilidade.

FAMÍLIA, PRECISA-SE. URGENTE.

"Direitos das crianças em instituições também passam por pensar o seu futuro"

Apesar da evolução verificada, ainda continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a sua desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões. Recordo um estudo da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade justificada pelo supremo interesse da criança, um princípio estruturante das decisões neste universo.
Acontece ainda que se verifica uma enorme dificuldade de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família. Curiosamente, existem famílias interessadas na adopção de bebés que esperam até cinco anos porque entre os mais pequeninos passíveis de adopção, o número é menor, situação que se mantém, os candidatos à adopção preferem as crianças abaixo dos 3 anos.
Como é óbvio, um processo de adopção é algo cuja qualidade não pode em momento algum ser hipotecada minimizando o risco de "devolução" de crianças em processo de adopção, situação altamente penalizadora para todos os envolvidos. No entanto, parece claro que o processo carece de agilização de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade.
Como repararão os mais atentos, sempre que aqui me refiro a este tipo de questões, julgo justificado umas notas sobre os contextos familiares das crianças.
Por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões, as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, o abrigo de uma família.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.

A GORDURA QUE JÁ NÃO É FORMOSURA. A obesidade infantil é um problema de peso

"Portugal é o terceiro país da Europa ocidental com mais raparigas obesas"

Segundo estudo publicado na Lancet, em Portugal  28,7% dos rapazes, 27,1% das raparigas, 63,8% dos homens e 54,6% das mulheres evidenciam excesso de peso, enquanto a obesidade afecta 8,9% dos rapazes, 10,6% das raparigas, 20,9% dos homens e 23,4% das mulheres. Estes indicadores vão na linha dos que a OMS divulgou há algum tempo, soretudo no que respeita à população mais nova.
Na Europa, mais de 27% das crianças com 13 anos e 33% com 11 têm excesso de peso. Portugal é um dos países com indicadores mais inquietantes, 32% das crianças com 11 anos têm peso a mais.
Nada de novo, recordo um estudo, “EPACI Portugal 2012 – Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento na Infância”, segundo o qual, 31.4% das crianças portuguesas entre os 12 e os 36 meses apresentam excesso de peso e 6.5% situações de obesidade. Os dados são preocupantes mas não surpreendem indo no mesmo sentido de dados envolvendo outras idades.
Um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Também em 2012, um outro trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
A Direcção-Geral de Saúde tem vindo a recomendar às escolas que alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares, sobretudo nos mais novos.
Recordo ainda um estudo divulgado há meses da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colestrol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil é já um problema de saúde pública, implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Na verdade, a obesidade infantil afecta um número muito significativo e crescente de crianças e adolescentes e assenta fundamentalmente nos estilos de vida dos mais novos de que releva o sedentarismo excessivo e a péssima qualidade genérica ao nível dos hábitos alimentares. É de registar que as escolas têm vindo a fazer um esforço no sentido de aumentar a qualidade alimentar da oferta, o que não parece ser acompanhado pelas famílias, ilustrado pela desproporcionalidade do consumo de água e de refrigerantes no contexto familiar. Ainda não há muito, estava na sala de espera no Centro de Saúde da minha zona e uma mãe andava de um lado para o outro com uma bebé que ainda mal andava e que, evidentemente, aparentava peso a mais. Para conseguir que a miúda se calasse ia-lhe dando bolachas que eram despachadas em pouco tempo. Tal situação mostra como é preciso insistir.
Sabe-se também que em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. "Sonhar não custa, o que custa é viver"

Na Assembleia da República realizou-se hoje um encontro dedicado aos "Direitos fundamentais da criança e educação inclusiva".
Algumas notas muitas vezes por aqui reafirmadas.
A educação inclusiva não decorre de uma moda ou opção científica, é matéria de direitos pelo que deve ser assumida através das políticas e discutida na sua forma de operacionalizar. Aliás, poderá afirmar-se, citando Biesta, que a história da inclusão é a história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.
Os tempos que vivemos são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores. Veja-se a preocupante subida da votação em ideias políticas de direita pouco favoráveis à inclusão que se verificou nas eleições europeias.
Os sistemas educativos, incluindo o nosso, parecem ter entrado numa deriva de "normalização", todos devem aprender tudo ao mesmo tempo, as metas curriculares assim o determinam, sem intenção ou capacidade de acomodar a diversidade, a característica mais óbvia de qualquer grupo de alunos.
A educação, em termos globais, podemos dizer de cidadania, transforma-se na aprendizagem normalizada e acrítica de competências instrumentais que se devem demonstrar em exames sucessivos.
Os exames, muitos exames irão funcionar, em nome da promoção da excelência e do rigor, como um crivo sucessivo criando grupos de excluídos. Destes, os que tenham maiores dificuldades ou deficiência serão, é só esperar mais um pouco, encaminhados para as instituições, pelo menos grande parte do tempo, como já acontece, aliás, com muitos alunos abrangidos pelo prolongamento da escolaridade obrigatória e que estão na escola a que pertencem, quando estão, não mais do que 5 horas ao abrigo de normativo que se diz promotor de inclusão. Aliás, são cada vez mais frequentes as situações de crianças cujas famílias são "aconselhadas" a mantê-los mais tempo em casa, pois a escola não tem, ou assume que não a possibilidade de os acomodar como seria de esperar. Os outros, com mais capacidades mas também excluídos pelos exames, muitos exames, serão encaminhados para o ensino vocacional, designação que só por si, como dizia hoje Laborinho Lúcio, é bizarra, pois de vocacional (de vocação) tem nada, os miúdos são empurrados para essas prateleiras.
Os pais desesperam por apoios e respostas às necessidades dos filhos que, apesar da retórica dos sucessivos governos, continuam por estruturar em qualidade e suficiência.
Finalmente, como sempre afirmo, o melhor critério de inclusão, qualquer que seja a dimensão considerada, é a participação, a pertença, o envolvimento. Vamos percebendo pelos relatos e pelas experiências que a participação é baixa. Muitos alunos com condições especiais estão na escola mas não "participam", estão no seu "canto" (este canto pode ter várias designações). Dito de outra maneira, estão "entregados", não estão "integrados".
Finalizo com a referência à história contada na primeira pessoa pelo João e que representa uma acusação fortíssima, "Tenho 22 anos e frequento o 12º ano. Tenho necessidades educativas especiais e estive integrado numa turma até ao 9º ano. Fazia o que os meus colegas faziam, gostava deles e sentia-me bem com eles. Agora, apenas assisto à aula de História, não gosto de estar assim, querem que eu vá tirar um curso de jardinagem ou de lavandaria, coisa de que eu não gosto. Gosto de música, museus, organizar eventos. Só queria poder fazer isto".
O João recorda-me um outro jovem com uma deficiência motora significativa que questionado num documentário televisivo sobre se acreditava que alguma vez teria possibilidade de uma viver uma vida “como a das outras pessoas”, família, emprego, etc. O rapaz respondeu que às vezes sonhava com isso, mas o problema é que, disse ele, “sonhar não custa, o que custa é viver” .
Terá mesmo que ser assim?

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

"Este ano já foram mortas 20 mulheres"

Sucedem-se os episódios com desfecho trágico de violência doméstica que parece indomesticável.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram em 2013 com excepção da violência doméstica com mais três vítimas mortais.
Recordo que no início de Março foi divulgado um estudo realizado sob a responsabilidade da Agência para os Direitos Fundamentais da UE, mostrou que 24% das mulheres portuguesas inquiridas reportou ter sido vítima de violência física ou sexual por parte do parceiro, indicador que está abaixo da média europeia, 33%. No entanto, parece-me de sublinhar pelo seu impacto, que 93% das mulheres portuguesas tem a percepção de que a violência é um fenómeno “comum” ou “muito comum”.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância relativizar-se-á à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

terça-feira, 27 de maio de 2014

O BENFICA, O PS, PORTUGAL E O RESTO DO MUNDO

Ponto um, gosto de futebol.
Ponto dois, sou adepto do Benfica.
Ponto três, não consigo perceber como o Telejornal da RTP1 das 20h apresenta como notícia de abertura a transmissão de uma entrevista em directo com Luís Filipe Vieira no final da emissão. Esta referência foi sendo repetidamente produzida.
A seguir ao destaque da noite, a posterior entrevista ao presidente do Benfica, lá veio alguma informação sobre irrelevâncias como a turbulência em que PS parece estar a entrar, os resultados definitivos das europeias ou a cimeira de chefes de Governo em Bruxelas, encontro evidentemente desinteressante nesta altura em que a Europa assiste à subida significativa e inquietante das votações em partidos de direita com posições contrárias ao projecto no qual se abrigam, o que mostra as fragilidades desse projecto que, aliás, bem sentimos.
O mundo é mesmo um lugar estranho.

PS - Não assisti à entrevista de Luís Filipe Vieira.

O TEMPO PARADO

"O celibato não é um dogma e “a porta está sempre aberta”, diz Francisco"

Do meu ponto de vista, a reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhecia em entrevista D. Manuel Martins afirmando que a Igreja não acompanha o momento.
Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a importância e a necessidade de mudança no discurso e nas atitudes relativas ao divórcio e casamento, às uniões entre pessoas do mesmo sexo e adopção por parte destes casais, à anti-concepção, ao celibato dos padres, à abertura do sacerdócio às mulheres, à ostentação visível em parte das estruturas da igreja, etc.
No entanto, considerando o que se tem ouvido e é conhecido das intervenções da hierarquia da Igreja, não creio que, apesar de alguns comportamentos e discursos do Papa Francisco e também da significativa mudança de estilo face ao seu antecessor Bento XVI, seja de esperar um movimento de alteração significativa nas posições da Igreja sobre estas matérias.
Retomando o entendimento de D. Manuel Martins de que a Igreja deve acompanhar o momento talvez possa ser esta a explicação porque pelo país inteiro se encontram inúmeras Igrejas, algumas bem bonitas e conservadas, que têm os seus relógios parados. Estarão parados, certamente, em "momentos" diferentes mas ... com o tempo parado.

NOVAS DROGAS, NOVOS PROBLEMAS

"Todos os meses a União Europeia detecta sete drogas novas no mercado"

Recordando Camões, o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades, umas mais simpáticas que outras, deve dizer-se.
Segundo o Relatório Europeu sobre Drogas: Tendências e Evoluções, de 2013, da responsabilidade do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, durante o ano que passou foram introduzidas no mercado 81 novas drogas, as detectadas, um mercado florescente de há uns anos para cá e sempre em crescendo no número de novas substâncias conhecidas. Acresce ainda as mudanças verificadas na produção das drogas já em utilização tornando-as mais potentes e, consequentemente, mais perigosas.
Muitas destes novos produtos entram em circulação legal em diferentes países no mercado das smartshops que recentemente foi objecto de regulação bastante mais restritiva em Portugal, embora a venda destas chamadas "drogas legais", muitas agora ilegalizadas, deslize para o mercado clandestino.
Por outro lado, é ainda de salientar a tendência crescente, como o Relatório agora conhecido evidencia, da utilização da net e das redes sociais como suporte à venda de drogas. Nada de surpreendente, poderíamos mesmo dizer, sinais dos tempos. Se as redes sociais podem assumir papéis significativos em movimentos sociais e políticos, porque não no tráfico de droga, uma das mais lucrativas actividades dos nossos dias.
Este cenário, não só pelas suas consequências, mas pela “facilidade” de funcionamento e da dificuldade do combate, necessita de uma política séria de prevenção e tratamento para além do combate ao tráfico que possa, tanto quanto possível, contar com os recursos adequados, mesmo em cenários de contenção, como sublinha João Goulão, presidente do Observatório.
A questão preocupante e que tem sido motivo regular de alerta por parte de especialistas, é que os cortes e ajustamentos nos recursos humanos e materiais disponíveis correm o risco de criar sérios constrangimentos na prevenção, tratamento do consumo e do combate ao tráfico.
Como muitas vezes tenho escrito, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

O CIRCO DOS ANORMAIS

"Garraiada com anões vestidos de estrunfes causa polémica em Ponte de Lima"

Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias. 
Numa sociedade dominada pelos mercado e pelas suas leis, não estranho a oferta deste tipo de espectáculos, tudo se vende, incluindo as pessoas. O que verdadeiramente me inquieta é a procura e o consumo que possam suscitar.
Os tempos andam feios.

(IN)SEGURANÇA

"Desemprego, violência e funcionamento da justiça fazem portugueses sentirem-se inseguros"

Segundo dados do Barómetro 2014 da Segurança, Protecção de Dados e Privacidade em Portugal, o desemprego, 76,3%, o aumento da violência na sociedade, 43,8%, e o funcionamento da justiça, 36,2%, são os três motivos mais contributivos para a sensação de insegurança dos portugueses.
Apesar de 73% dos inquiridos perceberem Portugal como um país seguro e 80% se sentir seguro ou muito seguro no local onde vivem, 56% por entendem que a situação piorou e 48% que continuará a degradar-se.
Na verdade, a sensação de insegurança é uma dimensão com a qual temos que conviver com maior ou menor tranquilidade e optimismo. A imprensa oferece-nos diariamente retratos deste universo sendo que, deve dizer-se, a forma como estes episódios são abordados do ponto de vista das opções editoriais, é também uma peça importante em todo este universo, percepção de insegurança, que se vai instalando de mansinho e que poderá ter efeitos devastadores.
Não é estranho que o mundo de dificuldades que em Portugal muitos milhares de pessoas atravessam, possa sustentar um aumento de algumas formas de delinquência envolvendo frequentemente o recurso a comportamentos violentos. As dificuldades progressivas em encontrar rendimentos que garantam o sustento, mesmo na chamada economia paralela. poderão induzir em muitas pessoas comportamentos que, em escalada, minarão a coesão social e a percepção de segurança, bases imprescindíveis na nossa vida diária.
A questão é como nós comunidade lidamos com estas questões.
Clamarão uns pelo aumento da repressão e punição por parte das autoridades policiais em contenção de recursos, em efervescência interna, e por parte de um sistema de justiça ineficaz e lento que alimenta a ideia de impunidade.
De facto, uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade e vivida com uma percepção de segurança é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente, constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Alguns outros exigem maior atenção às desigualdades e exclusão decorrentes das medidas de austeridade e da crise.
Muitos apelam a políticas preventivas e mais eficazes nos apoios sociais que tendo custos evidentemente, compensam pois as consequências poderão sair-nos bem mais caras.
Maior exigência nas decisões, comportamentos, discursos das lideranças e no funcionamento do estado, de modo a não alimentar a ideia, ajustada, de uma repartição desigual de sacrifícios e dificuldades, referirão ainda outros.
Não existem, evidentemente, abordagens e soluções milagrosas, mas creio que estas questões merecem uma muito inquieta atenção.

A PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

"Carolina, 15 anos, voltou a ser vítima de abusos. Os alarmes soaram, mas ninguém fez nada"
O I de hoje apresenta um trabalho tão impressionante quanto acusador sobre o caso de uma adolescente da Margem Sul vítima de episódios sucessivos de agressão sexual e física por parte de colegas de escola sem que os diversos intervenientes e conhecedores do processo tenham conseguido proteger a criança e os pais destes episódios. Para além dos acontecimentos e como também acontece com frequência, em termos processuais, a adolescente foi obrigada a relatar, recordar, vezes sem conta as experiências de que foi vítima e aniquilaram a sua vida. Uma situação verdadeiramente dramática e que nos interroga, onde é que estamos a falhar?
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação para além de surgirem com alguma regularidade decisões incompreensíveis em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, a forma negligente como são muitas vezes referidos fenómenos de bullying, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
A Carolina não nos vai perdoar termos permitido o seu continuado sofrimento que ainda não terminou e que certamente deixará marcas profundas.

A AUTONOMIA EM MODO SIMPLEX

"Escolas que reduziram abandono para metade vão ter crédito horário até 30 horas semanais"

Apesar de alguns "incentivos" previstos para escolas com maior nível de insucesso, o crédito de horas para as diversas actividades de apoio englobadas na "Componente para a actividade pedagógica" continua a privilegiar as escolas com mais sucesso dificultando a mudança nas escolas que, pelas suas características, mais apoios necessitariam. Além disso é bastante fácil perceber como se estabelece o crédito de horas para estas actividades. Aqui ficam alguns passos.




Parece razoavelmente simples, claro e eficaz.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

OS SONHOS DOS MIÚDOS QUE SONHAM

Hoje ao passar os olhos pelas estantes à procura de umas letras antigas, parei no "O sonhador" de Ian McEwan. Raramente o faço mas gostava de vos convidar a visitar, sobretudo aos que se possam interessar pelas coisas dos miúdos, dos sonhos e ... dos livros bonitos.
Deixo-vos com as primeiras linhas:

“Quando Peter Fortune tinha dez anos, os adultos diziam muitas vezes que era uma criança “difícil”. Peter nunca percebeu o que isso significava. Não se sentia nada difícil. Não atirava garrafas de leite aos muros do jardim, não despejava ketchup por cima da cabeça a fingir que era sangue, nem sequer dava com a espada nos tornozelos da avó, embora às vezes essas ideias lhe passassem pela cabeça. Tirando os legumes (excepto as batatas), o peixe, os ovos e o queijo, comia tudo. Não era mais barulhento, mais porco ou mais estúpido do que as pessoas que conhecia. Tinha um nome fácil de dizer e de soletrar. O seu rosto, pálido e sardento, era facílimo de fixar. Ia todos os dias para a escola e nunca refilava por causa disso. Limitava-se a ser tão monstruoso para a irmã como ela era para ele. A polícia nunca veio bater-lhe à porta para o prender. Nunca apareceram médicos de bata branca a quererem interná-lo num manicómio. Segundo lhe parecia, era uma pessoa até bastante fácil. Que haveria nele de difícil?
Peter só o compreendeu em adulto. As pessoas achavam que ele era difícil por ser tão calado. Esse seu silêncio parecia incomodar as outras pessoas, bem como o facto de gostar de estar sozinho … para poder pensar à vontade.”

Depois contem.

APELO DE CIDADÃO ELEITOR

Do meu ponto de vista, o chamado dia de reflexão" deveria ocorrer depois das eleições e não antes. Na verdade a grande reflexão a realizar assenta no que as eleições mostraram, em diferentes sentidos.
No entanto, não me sinto preparado para competir com a nuvem de politólogos, analistas e outros opinadores  que peroram há horas sobre os resultados de umas eleições em que cerca de 73% dos eleitores, repito, 73%, não votou em qualquer das candidaturas por abstenção e voto em branco ou anulado.
Apenas quero partilhar uma nota irrelevante, aliás, trata-se mais de um apelo, resultante de alguns discursos recorrentemente produzidos por actores políticos, mais ou menos relevantes, a propósito dos actos eleitorais.
Assim, apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política que a propósito de eleições  se inibam de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento”. Então não é de esperar que participar num acto eleitoral, das diferentes formas possíveis,  seja algo de normal e tranquilo?
Lembro-me aqueles pais e professores que ao falarem de miúdos acrescentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.
Já agora, nós, os cidadãos que votamos, ou não, com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate sério, etc.
Esta última campanha para as eleições ontem realizadas foi um, mais um, excelente exemplo.
A actividade política das lideranças é que não decorre com a normalidade e tranquilidade democráticas. Não tratem os cidadãos como gente incapaz e de quem sempre se espera o pior.

OS PROBLEMAS DAS MINORIAS SÃO, OBVIAMENTE, PROBLEMAS MINORITÁRIOS OU MESMO NÃO PROBLEMAS

"Rapazes sofrem mais com insultos homofóbicos do que raparigas"

Em estudo realizado pela Universidade do Minho sobre o fenómeno do bullying e considerando mais especificamente o bullying sexual no qual se inclui o bullying homofóbico evidencia-se que os rapazes são mais vitimizados e o número de ocorrências tem vindo a aumentar. Os autores do estudo reforçam a necessidade de medidas de prevenção eficazes dados os valores reportados no âmbito da ocorrência de episódios de bullying nas suas várias formas.
Recordo que em relatório da Rede Ex-Aequo,  em 2012 foram registadas 37 denúncias de homofobia e transfobia, sendo que 42 % da juventude lésbica, gay ou homossexual afirmou ter sido vítima de bullying homofóbico, 67% dos jovens declarou tê-lo presenciado e 85% afirmou já ter ouvido comentários homofóbicos na escola que frequenta. Em muitas situações desta natureza emergem quadros “baixa auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de suicídio”, contribuindo ainda para o insucesso e para o abandono escolar de muitos jovens. O mesmo relatório refere ainda episódios recorrentes de bullying homofóbico em contextos de praxes académicas, situação que já aqui também comentei.
A este propósito, relembro que em Novembro de 2011, dados da UNESCO referiam que cerca de 70 % de alunos homossexuais afirma ser vítima de bullying e ainda que também no início de 2011, dois serviços do ME recusaram apoiar a distribuição pelas escolas de material produzido no âmbito do Programa Inclusão apoiado e financiado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Estes materiais destinavam-se a apoiar uma campanha de combate a atitudes e comportamentos discriminatórios relativamente à orientação sexual.
A justificação, segundo a imprensa na altura, para que a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular e o Núcleo de Educação para a Saúde, Acção Social e Apoios Educativos recusassem o apoio uma iniciativa envolvendo uma outra estrutura pública foi o "cariz ideológico" das matérias.
Para além da óbvia confusão entre ideologia e valores, ficou estranho, no mínimo, o entendimento de que a prevenção e combate à atitudes de discriminação face a minorias que tem uma incidência fortíssima e que os dados hoje divulgados só confirmam, se possa recusar por se tratar de ideologia. Pela mesma ordem de razões, não devem ser incentivadas e muito menos apoiadas pelo ME, acções que, por exemplo, combatam a xenofobia ou o racismo, terão certamente um "cariz ideológico".
Este tipo de decisões, para além da evidente incompetência, é revelador de uma assustadora irresponsabilidade. É reconhecida a presença de comportamentos discriminatórios face a minorias de diferente natureza. Sabe-se que tanto como na remediação, importa apostar na prevenção, parece claro que em matéria de prevenção o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino", e foi o Ministério da Educação que se opôs a iniciativas que outros organismos públicos julgaram relevantes. A titular da pasta da educação ainda veio alguns dias depois apresentar umas desculpas irrelevantes e que não alteraram a substância da primeira decisão.
Esperemos que face à dimensão dos incidentes de bullying, hoje de novo acentuados, e dirigidos a um alvo em particular a que acrescem os outros comportamentos da mesma natureza, sejam uma preocupação não ideológica mas de direitos e de natureza civilizacional no contexto das políticas e processos educativos.

domingo, 25 de maio de 2014

ANTES DE DIZER QUE GANHARAM, PENSEM NO QUE TEMOS VINDO A PERDER

"Projecções para a abstenção em Portugal entre 61% e 66,6%"

Antes de começar a retórica do ganharam todos, pensem no que se perdeu. Costumo dizer que uma das vantagens da velhice é ter história e ter histórias. Hoje, dia eleições para o Parlamento Europeu, ao andar pela rua sem notar nada que lembrasse o acto eleitoral, lembrei-me das primeiras eleições realizadas em Portugal depois de 1974, livres, como lhes chamámos. Realizaram-se a 25 de Abril de 1975 e tratava-se da eleição para a Assembleia Constituinte. Provavelmente, os mais novos não saberão e alguns dos mais velhos não se lembrarão mas votaram uns esmagadores 91,2% dos cidadãos inscritos. Depois de um período sem eleições livres a mobilização foi espantosa, lembro-me de que se viam autênticas romarias para os locais de voto. Passei cerca de 5 horas numa fila de gente para votar e não se ouvia um protesto, antes pelo contrário, o clima parecia de festa, a festa da cidadania e da democracia.
Hoje, quando forem conhecidos os primeiros resultados virão as lideranças partidárias, todas, reclamar vitória, a curiosidade está apenas nos critérios de justificação porque todos “ganharão”. Em bom rigor, a posição política que mais eleitores terá atraído será justamente a abstenção, espera-se um valor entre 61 e 66.6%, ou seja, os eleitos representarão uma minoria dos cidadãos. Este é que é o verdadeiro resultado eleitoral a carecer de análise. Que fizemos da nossa mobilização para a participação? Que fizemos da nossa capacidade de acreditar que o voto faz sentido? Porque se instalou esta atitude de descrença e indiferença? Porque estaremos convencidos de que “não adianta” “são todos iguais”?
Estas e outras questões, creio, deveriam ser o mais sério objecto de análise de toda a gente que, daqui a umas horas, encherá os espaços da comunicação social.

DELÍCIAS DA GASTRONOMIA TRADICIONAL ALENTEJANA

Enquanto não sabemos o valor atingido pelo partido vencedor das eleições europeias, o da abstenção, deixem que partilhe convosco algo que me parece muito interessante.
De passagem por uma terra alentejana, bonita como todas, fui presenteado com um livro de "Receitas Tradicionais" da terra. A obra foi editada pela Câmara Municipal e pretende, julgo, divulgar o que de tradicional a gastronomia da região tem para oferecer.
Dado que sou um "fanático" pela cozinha do Alentejo, sobretudo na utilização de plantas  e ervas aromáticas que são próprias da região como catacuzes, carrasquinhas ou hortelã-da-ribeira, entre muitas outras, de imediato fui à procura de inspiração para novos sabores ou novas fabricações para sabores conhecidos.
Confesso que aprendi mais do que esperava. Só para vos aguçar o apetite algumas referências a sabores bem tradicionais do Alentejo.
Uma primeira nota para a recorrente sugestão do recurso a caldos Knorr que, como é sabido, sempre foram algo de tipicamente alentejano e não existirão pratos de carne que não devam beneficiar deste extraordinário produto das terras do sul.
Fiquei verdadeiramente fascinado por uma receita que nas minhas deambulações pelo Alentejo nunca tinha tomado conhecimento "Massa chinesa com perú".  Por estranho que possa parecer somos informados que é feita com "mistura chinesa" e "massa chinesa". No livro e para evitar que procuremos pelos campos alentejanos a "mistura chinesa" é dito que se pode encontrar "em qualquer hipermercado", do Alentejo, presumo.
Numa terra com excelentes variedades de tomate registei a sugestão de utilizar "1 lata de tomate". Bom, espero, pelo menos que possa ser fabricada no Alentejo.
Fiquei verdadeiramente com alentejaníssimo "Batido sem álcool"  elaborado com dois dos mais conhecidos sabores do Alentejo profundo, o maracujá e o "refrigerante de guaraná". Sem comentários, é juntarmo-nos à comunidade imensa de alentejanos que não dispensa o seu tradicional batido com maracujá e refrigerante de maracujá.
Não resisto à reinvenção de um outro prato tipicamente alentejano, "Cannelonis com espinafres", que não existe família alentejana que não o execute em alturas de comemoração do que manda a tradição.
Uma referência ainda para a utilização dos conhecidos queijos alentejanos "mozarella" e "emmental" que  tornam um pão recheado com linguiça divinal.
As sugestões de receitas tradicionais incluem ainda, não podia deixar de ser dadas as suas profundas raízes alentejanas, uma "Quiche de legumes e bacon" e a cereja em cima do bolo, estamos a falar de gastronomia, um prato que se sugere que seja confeccionado em louça tipicamente alentejana, "Pescada no pirex". Como é evidente, é pena já existirem no Alentejo poucos artesãos dedicados ao pirex, o sabor dos pratos cozinhados nesta louça do Alentejo são algo de inigualável.

Dada a riqueza e a dimensão tradicional das sugestões fiquei ainda mais rendido aos verdadeiros sabores do Alentejo.

CONTAS DE CABEÇA

Antes de mais parabéns ao João Bento, campeão mundial de cálculo mental, um título conseguido numa competição muito renhida e exigente.
O feito, só pela sua dificuldade e dimensão, merece notícia mas acontece que o João é aluno do 6º com notas negativas a Matemática o que suscita alguma perplexidade pois seria razoável esperar que um campeão mundial de cálculo fosse, naturalmente, um bom aluno a Matemática.
Tal facto pode ter explicações de ordem diferente mas julgo importante considerar que, independentemente das capacidades e dotes individuais, a forma como aprendemos as competências académicas, designadamente na percepção do seu grau de funcionalidade, ou seja, para que serve aprendê-las, determina muito significativamente o modo como usamos, ou não, essas competências, ou mesmo se as aprendemos.
No caso do João, como ele refere, o cálculo mental é uma actividade que o diverte, que o motiva, que aprende, que treina e na qual, consequente, obtém bons resultados, potenciados certamente, pelas suas próprias capacidades. Na aprendizagem dos conteúdos da Matemática em sala de aula a sua relação será diferente, mais distante, menos motivada e os resultados não aparecem apesar de ter capacidade para os conseguir.
Esta é a situação porque passa a maioria dos alunos na relação com conteúdos programáticos de que não vislumbram a funcionalidade, que lhes parecem distantes, não conseguindo através da motivação, motivações, envolver-se na aprendizagem bem sucedida desses conteúdos.
Acontece ainda que os docentes com grupos enormes, com programas demasiado extensos, com metas curriculares excessivas e burocratizadas, sem apoios suficientes e eficazes, sentem uma enorme dificuldade em acomodar as diferenças individuais que naturalmente os alunos apresentam, motivações, ritmos, estilos de aprendizagem, enquadramento familiar, etc.
Acredito também que o desempenho de excelência do João no cálculo mental virá dar novo fôlego à cruzada contra as máquinas calculadoras empreendida há muito tempo por Nuno Crato. Apesar dos seus baixos resultados a Matemática, o João é prova da dispensabilidade da máquina de calcular.
Finalmente, o João será ainda inspirador para a maioria de nós que de há uns tempos para cá passamos parte dos nossos dias a fazer “contas de cabeça” com os resultados teimosamente a não dar certo.
Parabéns e obrigado, João Bento.

sábado, 24 de maio de 2014

A LER. A OCDE E OS EXAMES DE 4º E 6º ANO.

"Exames de 4.º e 6.º ano têm potencial de exclusão social"


No JN citando as opiniões de Paulo Santiago, analista chefe da Direção da Educação e das Competências da OCDE.
“Os exames de 4.º e 6.º ano em Portugal podem ter sido introduzidos demasiado cedo no percurso escolar dos alunos, tendo "potencial penalizante" para agravar o risco de reprovação e de exclusão social”
“... que entre os mais jovens os testes devem ter uma função de diagnóstico, para permitir a orientação dos alunos e a superação de dificuldades, retirando o peso de um exame final, com consequências para o percurso escolar dos alunos”
“a nível europeu apenas existem exames de 4.º ano na Bélgica e na Turquia, Paulo Santiago sublinhou o potencial de exclusão social que estes exames podem ter”
"O que mostra a investigação a nível de educação é que o fator mais importante é a envolvente socioeconómica do aluno: se tem um quarto para estudar, se tem pais que o empurram para estudar, tudo isso vai aparecer na nota do aluno. Se o exame é penalizante, no sentido que conta para a potencial reprovação, a proporção dos que vão reprovar é bastante mais significativa, e o que isso quer dizer é que o exame pode eventualmente ter uma função de exclusão social",
“Até aos 13-14 anos o que é preciso é fazer um diagnóstico sobre a progressão do aluno e refletir sobre os conselhos que se podem dar para que possa melhorar a sua aprendizagem".
“Paulo Santiago deixou ainda alertas sobre as escolhas precoces de uma via profissionalizante, sublinhado também o "potencial de penalização" para a carreira e o futuro dos jovens que escolhem este caminho demasiado cedo.
Por uma questão de maturidade dos alunos, a OCDE entende que essa escolhe nunca deve ser feita antes dos 14, 15 anos.”

Estas afirmações traduzem apenas o que os estudos e as experiências evidenciam, como inúmeras vezes aqui tenho referido.
No entanto, por cá os ventos dominantes acreditam nos exames como um poção mágica que só por existirem promovem qualidade e sucesso educativo. Na verdade, medir muitas vezes a febre não faz com que ela baixe.

TERÁ REJEITADO OFERTAS DE OUTROS EMBLEMAS

"Marcelo renovou contrato com a TVI"

Apesar de ofertas muito tentadoras ao que parece vindas de Itália e de Espanha, Marcelo renovou com TVI. 
Bruno de Carvalho ainda terá feito um esforço de última hora no sentido de contratar Marcelo, cujas qualidades e experiência, lhe permitiriam realizar duas ou três conferências por dia. Também Pinto da Costa consultou pessoas próximas de Marcelo para aferir da sua disponibilidade para rumar ao Dragão para minimizar os riscos de desgaste da imagem presidencial ao fim de décadas de exposição mediática, mas os esforços de ambos foram inúteis, Marcelo afirma-se feliz na TVI e renovou por duas épocas.
Consta que ao saber das tentativas de Bruno de Carvalho e de Pinto da Costa de contratar o craque Marcelo, Luís Filipe Vieira ainda sondou o empresário Jorge Mendes que o terá aconselhado a não avançar pois correria o risco de ver Marcelo rapidamente se candidatar ao lugar de presidente para além de que tem o hábito de fazer previsões, matéria que no Benfica é um pelouro exlusivo do presidente.
Os adeptos da TVI realizarão uma festa no Marquês para assinalar a continuidade do M7 no clube.
Enfim, notícias do país feliz.

LIBERDADE DE ESCOLHA, CHEQUE-ENSINO E ALGUNS EQUÍVOCOS

“Um cheque-ensino igual para todos poderia gerar algumas distorções no sistema”

Antes de mais uma nota para afirmar, de novo, que a existência de um subsistema educativo de ensino privado é absolutamente necessário para, por um lado permitir alguma liberdade de escolha, ainda que condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do ensino público. Também já tenho referido que a chamada liberdade de educação, a escolha livre por parte dos pais dos estabelecimentos, públicos ou privados, em que querem os seus filhos educados no modelo actual do nosso sistema educativo é, do meu ponto de vista, um enorme equívoco.
A experiência do que têm sido noutros países tais práticas de liberalização e os seus efeitos, veja-se o trabalho sobre esta matéria elaborado por Paulo Guinote, "Educação e Liberdade de Escolha", publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, bem como o conhecimento dos territórios educativos portugueses sugerem que na verdade se está num rumo de privatização da educação transformando-a num serviço que as famílias compram de acordo com as suas possibilidades económicas para os verdadeiros destinatários desse serviço, os seus filhos.
No que respeita às escolas públicas, conheço muitas situações de grande dificuldade ou mesmo impossibilidade de matrícula de uma criança em diferentes escolas da mesma zona, situação que as mudanças actuais, concentração de alunos em agrupamentos e mega-agrupamentos, estão a agravar e que muitas famílias sentem.
Por outro lado, no que respeita ao cheque-ensino e a liberdade de escolha dos pais, as experiências de vários países, sempre referidas, assentam num princípio que quando se fala entre nós desta hipótese é sempre esquecido, isto é, a obrigatoriedade (a questão central) de aceitar qualquer criança. As propostas conhecidas sobre a implementação deste modelo não contemplam evidentemente esta obrigatoriedade, talvez a proposta já não fosse tão bem acolhida pela generalidade dos estabelecimentos de ensino. Acresce que os estudos sobre os efeitos deste tipo de modalidades não são conclusivos, longe disso como é possível verificar.
Na verdade, como todos sabemos, sem um carácter de obrigatoriedade muitas instituições de ensino privado não receberão nunca alguns alunos, independentemente de poderem ser financiados de formas diferenciadas.
Não é uma questão económica, é uma questão de defender a instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de excelência ou a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam os do "capital social" que detêm. A cultura mais generalizada entende os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são profundamente selectivos na população que acolhem, aliás muitos pais "compram" por assim dizer essa exclusividade.
Curiosamente mas sem surpresa, aos estabelecimentos de ensino privado é concedida um nível de autonomia pedagógica e curricular superior à escola pública que não pode ser apenas justificado por serem privados, pois a autonomia é uma ferramenta de desenvolvimento da qualidade, também na escola pública.
Insisto de há muito que a melhor forma de proteger a liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade, autonomia e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.
No entanto, cada vez é mais claro que este não é o entendimento de quem actualmente gere os destinos da educação em Portugal.

OS PROBLEMAS ESPECIAIS DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO ESPECIAL

"Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força"

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e funcionalidade que a sua condição, só por si, pode implicar.
Como também é reconhecido, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente educação, apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.
Termino com uma afirmação que repetidamente enuncio, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.
No entanto, também nesta matéria sopram ventos adversos.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

OS ARTESÃOS QUE TRABALHAM POR CIMA DO CÉU

"Chocalhos querem ser património da UNESCO"

A UNESCO aceitou a candidatura da arte de fazer chocalhos a património imaterial da humanidade, uma notícia bonita para o Meu Alentejo. Aqui bem perto, a vila das Alcáçovas é o centro da produção dos chocalhos.
Deixem-me dizer-vos, alguns saberão, que os Mestres artesãos dos chocalhos, já poucos e velhos, trabalham por cima do céu, o que é muito interessante.
Vou tentar explicar. A vila da Alcáçovas sempre foi reconhecida como uma terra onde se fabricam os melhores chocalhos. De entre os Mestres, o mais conhecido será o Mestre João Penetra cujo amor à arte o levou a criar o Museu do Chocalho que justifica a visita. De uma das vezes que por lá passei, o Mestre João lá me explicou que os Mestres chocalheiros são os únicos que trabalham por cima do céu. A parte de cima dos chocalhos chama-se o céu e os mestres trabalham por cima do céu quando estão a pôr a asa no chocalho. Aprendeu esta léria há já muito tempo, contava ele, com um moiral na feira de Garvão.
Deve ser bom trabalhar por cima do céu.

PROFESSORES. DESMOTIVAÇÃO, CANSAÇO E DESÂNIMO

"Quase dois terços dos professores admitem que a motivação para estar na escola diminuiu nos últimos anos"

Segundo um estudo coordenado pela Universidade do Minho, cerca de dois terços dos professores sentem a sua desmotivação profissional a crescer embora a maioria mantenha o empenho no trabalho com os alunos terços dos professores. Algumas notas.
Como já aqui tenho referido, o clima vivido nas escolas nos últimos anos, sobretudo a partir da passagem de Maria de Lourdes Rodrigues pela 5 de Outubro, tem vindo a degradar-se produzindo desânimo, desmotivação, cansaço e a saída antecipada de milhares de professores mesmo implicando a perda de condições económicas que, aliás, afectaram todos os docentes.
Uma primeira nota importante e de carácter genérico relativa ao desgaste da imagem social dos professores. Como muitas vezes tenho afirmado, os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela, anteriores ou actuais, algum do discurso produzido pelos próprios representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para uma desvalorização significativa da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, designadamente de alunos e pais. Este cenário não pode deixar de se repercutir no trabalho diário nas escolas.
Quando ouvimos discursos de professores, faço-o regularmente e não me refiro aos discursos previsíveis de dirigentes sindicais os testemunhos do clima vivido em muitas escolas pode ser sintetizado em duas palavras referidas sem ordem de importância, desesperança e indignação que resumem o ano agora a terminar e que tomaram conta das escolas nas palavras faladas, choradas, por muitos professores, estou a falar de Professores, não de "técnicos de educação" que sentem a dignidade atropelada.
Para além das ignorantes e demagógicas apreciações por parte de opinadores que por isso mesmo, ignorância e demagogia, ou por agendas implícitas, os últimos anos anos lectivos por questões decorrentes das PECs - Políticas Educativas em Curso criou-se um ambiente extraordinariamente pesado e pouco amigável para o bom trabalho de direcções, professores, funcionários, alunos e pais.
O arranque do ano lectivo e o inenarrável e arrastado processo de colocação de professores, com a definição dos descartáveis "horários zero", as incompetências, as injustiças conhecidas foi infernal.
O constante discurso ameaçador da dispensa dos docentes alicerçada numa demagógica utilização dos números da demografia, instalou um clima de apreensão e insegurança devastadores, com milhares de professores a ficar de fora e muitos outros a sentirem-se intimidados, não porque não sejam competentes, a maioria é, não porque não sejam necessários, muitos são, mas porque é preciso cortar, custe o que custar. A unidade de gestão do sistema educativo passou a ser a "hora docente" pelo que a política educativa se transformou num exercício contabilístico.
O aumento do número de alunos por turma criou turmas quase sempre lotadas ou mesmo sobrelotadas, professores com muitas turmas e centenas de alunos, sendo que alguns ainda se deslocam entre as várias escolas do agrupamento ou ainda uma reforma curricular que como preocupação central parece ter tido cortar nas necessidades de professores. Assustador.
Num trabalho ainda altamente burocratizado em que escasseiam apoios suficientes e competentes às dificuldades de professores e alunos, o país educativo transformou-se todo ele num imenso TEIP - Território Educativo em que se faz a Intervenção Possível.
O desencadear da extensão aos professores da mobilidade especial, chamada de requalificação, um insulto quando estamos a falar da classe profissional mais qualificada do país, as rescisões "amigáveis", a perda substantiva verificada no estatuto salarial, a expectativa sobre o aumento da carga horária, a deriva do MEC e os discursos de alguns responsáveis que afirmam algo e seu contrário com o maior despudor, são outros contributos para a indignação e desânimo que caracterizam o universo escolar destes dias de chumbo.
É verdade que Nuno Crato afirmou que os professores “têm a profissão mais linda do mundo” e ainda que ser professor “é um privilégio”, assente na possibilidade de transmitir saber às crianças.
Em muitas escolas, muitos professores, apesar dos imperativos ético-deontológicos, dificilmente sentirão o “privilégio” da profissão “mais linda do mundo”, lidam com um clima pouco positivo que compromete o seu trabalho de professores, o dos alunos, dos funcionários e dos pais e, no limite, o direito a uma educação pública de qualidade.
No entanto e apesar deste cenário, como o estudo refere, a maioria dos professores entra na sala de aula todos os dias, olha para os alunos e reinventa-se como Professor.
Ainda bem para nós e para os nossos miúdos.