quinta-feira, 8 de maio de 2014

A ESPIRITUOSA DECISÃO. O álcool bom e o álcool mau

"Nova lei do álcool não alterou hábitos de consumo entre os menores"

Ao que parece, a espirituosa decisão de interditar as bebidas espirituosas até aos 18 anos e manter o vinho e a cerveja acessíveis aos 16 não parece ter alterado o comportamento de consumo entre os adolescentes e jovens. Não me parece que isto possa constituir surpresa. Algumas notas.
A espirituosa decisão de separar tipos de álcool foi obviamente uma cedência às pressões que logo se fizeram ouvir quando a ideia foi anunciada. Ficou então estabelecido que existe um álcool mais álcool que outro, numa lógica pouco sustentável fora, naturalmente, dos interesses de produtores e distribuidores de vinho e cerveja. Será certamente excessivo, mas lembrei-me da incontornável referência do Estado Novo, “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.
Neste quadro, não alteração dos padrões de consumo e os potenciais efeitos, o consumo de álcool por parte de adolescentes merece alguma reflexão, já por aqui considerada, sobretudo no que respeita à facilidade de consumo e aquisição e aos estilos de vida.
O consumo de álcool tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato, e o consumo excessivo e rápido (binge drinking). Segundo alguns especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens com 16 anos inquiridos referiram este tipo de consumos enquanto em 2003 o indicador era de 25%. Algumas notas mais.
Uma primeiro aspecto a considerar é o facto de os adolescentes continuarem a poder facilmente comprar cerveja e outras bebidas, as “litrosas” ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o comércio e estabelece multas bem mais pesadas mas, como é agora reconhecido, o efeito prático parece reduzido, em diferentes contextos a restrição devido à idade nem sempre é respeitada. O consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional e temo que o controlo das idades de quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado. Por outro lado, a venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores o que a alteração da idade, só por si, não mudará. Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às “litrosas” e aos shots e também aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de ter sido legislado no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição do álcool mau e aos 16 se permitir a aquisição do álcool bom, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.

A proibição, como sempre, não basta, restringir a publicidade só por si não adianta.

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