domingo, 30 de novembro de 2014

LITURGIA POLÍTICA

Na partidocracia em que vivemos existem uns actos litúrgicos, os congressos partidários, que estranhamente, ou não, merecem uma cobertura mediática que, do meu ponto de vista, não se justificaria na partidocracia em que nos atolámos, embora também saiba que vivemos numa era de mediatização.
Este fim de semana está a decorrer o Congresso do PS e a imprensa está cheia de referências ao que por lá vai acontecendo. Este Congresso está, evidentemente, marcado pela situação de José Sócrates. No entanto, quer António Costa, quer José Sócrates desejam que esta situação seja separada da vida do PS, coisa impossível dado que ainda não é conhecido o impacto que esta caso pode vir a ter no PS e no cenário político português.
De resto, voltando então ao Congresso, como é habitual, do que por lá vai acontecendo, tal como nos Congressos dos outros partidos, pouca coisa se torna verdadeiramente importante para o chamado país real até porque boa parte do que lá é dito é quase que exclusivamente para consumo interno ou repete a retórica diária presente nos discursos, já gastos, por demais conhecidos, e pouco estimulantes para a maioria dos cidadãos.
Na verdade, os Congressos partidários destinam-se, fundamentalmente, a definir ou redefinir e reforçar lideranças que previamente estão estruturadas, a realinhar e reforçar os apoios e a organização do aparelho, ou seja, a gestão das fidelidades e dos jogos de poder e de influência.
Os Congressos partidários servem também para dar "tempo de antena" a alguns "barões" do partido, os que estão na mó de cima, que mostram a sua influência e peso, a antiguidade é um posto como diz o povo. A alguns "barões" na mó de baixo enviam-se alguns recados e, naturalmente surgem os imprescindíveis apelos à unidade em torno do projecto, da estratégia, isto é, do líder em funções. Quando mudar logo se vê e repete-se a liturgia.
Os Congressos partidários cumprem ainda uma outra função, disponibilizar uns minutos de palco, de fama, aos congressistas anónimos vindos do aparelho partidário mais afastado do poder central mas mais próximo do poder local, do país profundo, e que, quase sempre, fora da cobertura mediática, produzem inflamadas intervenções cheias de amor partidário que os poucos presentes, estas intervenções são habitualmente agendadas para horas "mortas", têm a generosidade de aplaudir.
Quando acabar o Congresso do PS voltamos aos problemas das pessoas, o mundo não parou, é verdade que insistem que o país está melhor embora as pessoas não o estejam, e aguardamos o Congresso do próximo partido para repetir a liturgia.
E assim se cumpre Portugal.

MENSAGEM

Cumprem-se hoje 79 anos da morte de Fernando Pessoa e amanhã assinalam-se 80 anos da publicação de Mensagem.
Talvez seja de reler, Portugal ainda está por cumprir.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.

Tudo é incerto.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro …

Fernando Pessoa in Mensagem (excertos)

GALINHA DO CAMPO NÃO QUER CAPOEIRA

Neste sábado, depois da lida no Monte e como sempre eu e Mestre Zé Marrafa ficámos um tempinho nas lérias.
Comentávamos como este tempo seguido de chuva não deixa trabalhar na terra.
O Mestre Zé contou que dado que não tinha ido trabalhar foi visitar a família a Évora. O problema é que embora goste da família uma tarde em Évora  ... é demais.
Como ele diz, “é bem verdade, galinha do campo não quer capoeira”. Ele não se imagina a viver assim numa terra grande, aqui na vila, vem ao monte, tem sempre alguma coisa que fazer, sobretudo plantar alguma coisa na horta que é o que mais gosta. Achei muita graça à descrição do Mestre Zé sobre o seu incómodo com a cidade grande, “sei lá, o corpo não se encontra”, “parece que estou perdido”, “parece assim uma prisão” e outras considerações que não fixei.
Conhecendo o Mestre Marrafa, dá para entender este discurso. Os olhos pequeninos brilham quando fala do que vai fazer, dos criadores, das enxertias, dos bogangos, dos frades, da necessidade de fabricar a terra para o “çabolo” de que eu tenho que comprar a semente, dos rábanos enormes que lá temos, e das “alfaças”, das couves que apesar de dividirmos as folhas com as codornizes sabem bem mas bem, da desmoita dos pés-de-burro das oliveiras e da sua limpeza que nos garante lenha para o inverno, da quantidade de azeitona, dos enxertos, arte em que é mestre. da minha falta de jeito para charruar sem deixar desviar o tractor, etc.
Às vezes, penso como sou um privilegiado com um campo, o meu Monte, para ir quando saio da cidade grande. Pena é que muitas pessoas, sobretudo miúdos, já não saibam o que é “o campo”, e, por isso, não podem, por vezes não querem e outras vezes não sabem, sair da capoeira.

sábado, 29 de novembro de 2014

CHUMBAR FAZ BEM AOS POBRES

Algumas notas breves dado o espaço.
"E o que acontece aos alunos com dificuldades?
Não são prejudicados pelos exames nacionais, porque o facto de as dificuldades virem ao de cima cria uma necessidade óbvia de serem ajudados.
Mas o CNE alerta precisamente para o facto de as escolas os chumbarem só para não baixarem a média da escola nos exames e ficarem melhor nos rankings…
Não me quero pronunciar sobre esse aspecto específico que desconheço. Isso, a acontecer, seria um efeito perverso. Quero crer que não
Mas é um alerta do CNE.
Os exames podem pôr a nu as deficiências de certos alunos e escolas. Isso deve servir como meio de diagnóstico, para atacar os problemas. Sem os exames, provavelmente esses problemas passariam despercebidos, o aluno faria o seu trajecto, mas sem aprender. A escola não desempenharia o seu papel."
Talvez fosse interessante que o Dr. Manuel Coutinho Pereira se interrogasse como é que, por exemplo do 1º ciclo, os eventuais "problemas de um aluno passam despercebidos"  durante 4 anos e só o exame os revelará. Não, Dr. especialista em economia da educação, as escolas cumprem o seu papel quando dispõem de recursos e dispositivos que lhes permitam detectar precocemente as dificuldades, intervêm continuamente no processo de ensino e aprendizagem e não esperam pela medida do produto, o exame, para intervirem.
(...)
Num estudo de que é co-autor refere que nos países escandinavos e na Itália menos de 5% dos alunos com 15 anos repetiram alguma vez no ensino básico, enquanto em Portugal, França, Espanha e Luxemburgo os números estão acima dos 30%. Concorda com o CNE quando este diz de que há uma cultura de retenção em Portugal?
A repetência é usada com bastante frequência em Portugal. Até que ponto isso é positivo ou negativo, só podemos responder se soubermos qual o efeito da repetência sobre o desempenho escolar a curto, a médio e a longo prazo. 
Foi o que investigou nesse estudo…
O que concluímos foi que a retenção no 1.º e 2.º ciclos tem efeitos negativos a longo prazo. A nossa análise foi feita a partir dos resultados de estudantes que fizeram o PISA [um estudo internacional da OCDE que compara as competências dos alunos de 15 anos em diferentes áreas] e que foram retidos no 1.º e 2.º ciclos. Já nos estudantes que frequentavam o 3.º ciclo encontrámos resultados positivos da retenção sobre o seu desempenho escolar. 
(...)
Também defende que alunos “cujas características socioeconómicas os tornam mais propensos a repetir são, regra geral, também os que mais ganham” com isso. Como é que isto se articula com o que acabou de dizer?
Constatamos que o facto de se pertencer a um estrato socioeconómico mais desfavorecido torna um pouco mais provável que o estudante seja retido. E são esses também que tendem a ganhar mais com a retenção no 3.º ciclo e a perder menos no 1.º e 2.º ciclo. 
Alunos de contextos mais desfavorecidos beneficiam mais com a retenção, independentemente do ciclo de ensino? 
O estrato socioeconómico de onde o estudante provém tem impacto sobre o desempenho e a retenção desses estudantes pode colmatar deficiências que têm em casa. Se o acompanhamento por parte dos pais e os recursos educativos em casa forem um pouco inferiores, o efeito da repetência pode ser mais positivo do que nos estudantes que não tenham essas carências. Ter repetido um ano dá-lhe alguma hipótese de instrução adicional, de mais exposição à matéria. (...)"
O Sr. Dr. Especialista em Economia da Educação conclui então que nos mais novos o chumbo faz mal e que nos mais velhos o chumbo faz bem. Conclui ainda que aos pobres mais novos o chumbo faz menos mal e que aos pobres mais velhos o chumbo faz ainda melhor porque faltando o apoio e as condições lá em casa, repetir na escola ajuda a compensar. No meio, o Sr. Dr. especialista em Economia da Educação teoriza sobre a "maturidade" ou "imaturidade" dos alunos variável que do seu ponto de vista torna o chumbo bom ou mau.
Bem visto, Não ocorre ao Sr. Dr. especialista em Economia da Educação que, mais uma vez, a escola teria que tentar fazer a diferença, ou seja, contrariar o "destino " estatisticamente comprovado, e reconhecido pelo Sr. Dr. de que os mais pobres chumbam mais. Ora acontece que para a escola fazer a diferença terá que possuir os recursos necessários para estruturar dispositivos de apoio ao trabalho de alunos e professores. Lamentavelmente, a política educativa em curso vai no sentido contrário, corta apoios e recursos, exclui os menos dotados, excluindo-os inclusivamente dos exames para não atrapalhar estatísticas de sucesso e alimenta desigualdade e a falta de equidade e igualdade de oportunidades.
Não Sr. Dr. especialista em Economia da Educação, chumbar, só por chumbar, não produz qualidade na educação. Aliás, dado interessante para um especialista em Economia da Educação, a retenção sem sucesso posterior tem um custo economico brutal. 

RANKINGS ESCOLARES, UM PRODUTO SAZONAL

"Nunca as escolas públicas tinham estado tão longe do topo dos rankings"

"12º ano. Há uma surpresa entre as escolas públicas"

O Outono, entre outras coisas bem mais interessantes, traz-nos a sazonal divulgação das classificações das escolas mais conhecida por "os rankings”. O Ministério divulga os resultados e dados relativos às escolas, não todos, alguma imprensa trata esses dados e produzem-se umas classificações “criteriosas”, com “indicadores ponderados”, utilizando “diferentes critérios”, etc., etc.
Curiosamente, os vários tratamentos (rankings) divulgados concluem invariavelmente pela “supremacia das escolas privadas face às públicas”, que as escolas do litoral apresentam genericamente melhores indicadores que as do interior, como seria de esperar num país assimétrico e litoralizado, sendo ainda que os pólos de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga acolhem as escolas que genericamente melhores resultados evidenciam, que as escolas das regiões autónomas mostram globalmente piores indicadores, etc.
E assim foi este ano. Aliás, veja-se também o trabalho do Público, acentuou-se a supremacia das escolas privadas, apenas 16 escolas públicas estão entre as 50 com médias mais altas, em 2013 eram 20. É de registar que a escola pública melhor colocada, no trabalho do Expresso, é das Caldas da Rainha. Também se regista uma subida nas médias a que não será alheio como na altura foi muito referido a maior facilidade de alguns exames.  Com o modelo de avaliação externa e a cultura que temos existirá sempre a tentação de usar os exames como "arma" política.
Parece-me claro que, para quem conhece minimamente o país, em particular o país educativo, estes dados são obviamente previsíveis, os territórios educativos são bem contrastados. Embora entenda que os dados relativos aos resultados dos alunos possam e devam ser tratados, estudados e divulgados, a minha questão é “QUAL O CONTRIBUTO SIGNIFICATIVO QUE A ORGANIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO DESTES “RANKINGS” OFERECE PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DO SISTEMA?”. No meu entendimento a resposta é: “pouco relevante”, porque é possível antecipar os seus resultados sem grande margem de erro e porque não se traduzem em medidas de política educativa. E tanto mais relevante o será quanto menor é a qualidade de vida social, económica e cultural das populações, comprometendo de forma inaceitável princípios de equidade. 
Aliás, consultando o trabalho do Expresso, é interessante verificar que na escola pública melhor colocada, a Raul Proença, nas Caldas da Rainha, a média das habilitações das mães, um factor comprovado como preditor do sucesso escolar dos filhos, é de 12 anos e tem 8,6% dos seus alunos oriundos de famílias carenciadas apoiados no 1º escalão da acção social escolar. Na mesma linha, na Secundária de Resende que apresenta a média mais baixa, 7,3 valores, as mães dos alunos têm, em média, apenas o ensino primário completo, 5,1 anos de estudo, e tem no escalão mais carenciado 30% dos alunos. Sendo certo que a escola e o trabalho da escola podem fazer a diferença, existem experiências notáveis por vezes desenvolvidas em circunstãncias particularmente adversas, globalmente, a tradição ainda é o que era. Curiosamente, os créditos horários com que o MEC "premeia" as esolas acabam por privilegiar as escolas com melhores resultados alimentando a situação de discriminação pois parece razoável admitir que as escolas com mais dificuldades precisariam de mais dispositivos de resposta
Na verdade,  a construção dos rankings inscreve-se numa visão de teor liberal que alimenta a obsessão pela excelência que, sendo de promover, não pode transformar-se numa cruzada “neo-darwinista” que produz exclusão.
É reconhecido que existem escolas, privadas e públicas que recusam matrículas para proteger a sua posição no ranking, como também se sabe que uma excessiva centração nos exames pode não ser o maior contributo para o sucesso. É também conhecido que em muitas escolas os alunos que podem comprometer os resultados não são levados a exame. As políticas educativas em vigor, o desviar os alunos "maus" e "preguiçosos" para vias "vocacionais" ou "profissionais", por exemplo, vão também contribuir para alterar as médias das escolas nos exames finais. Sempre em nome da excelência.
Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade que integrem também elementos exteriores à escola. Existem capacidade técnica e recursos suficientes.
O trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com os resultados nacionais.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

NÃO DESESPERE, DR. DUARTE LIMA

"Duarte Lima condenado a dez anos de prisão efectiva"

Coitado do Dr. Duarte Lima. Enquanto não se conhece o futuro de José Sócrates, o Dr. Duarte Lima teve o azar de ser escolhido para demonstrar que no nosso país a Justiça funciona. Foi condenado a uma pena de prisão efectiva de 10 anos. É obra. Ainda por cima foi condenado por "burla qualificada". Onde já se viu condenar alguém por realizar algo de qualificado ainda que uma burla? Não está certo.
O Dr. Duarte Lima terá sido, evidentemente, uma inocente vítima de um sistema de justiça que é injusto, que o tem perseguido e provocado um sofrimento enorme.
No entanto, na cultura e praxis da justiça portuguesa existe um velho ditado que importa não esquecer, "enquanto há recurso, há esperança". Depois poderá então usufruir do património jeitosinho que uma vida de esforço, trabalho, motivação e criatividade permitiu amealhar para seu conforto.
Não desespere Dr. Duarte Lima.

UMA CIÊNCIA DO TIPO CIÊNCIA, PSEUDOCIÊNCIA

"Cientistas organizam “conversa de café" em Lisboa para falar de ciência versus pseudociência"

Um grupo de cientistas portugueses vai mobilizar-se para uma iniciativa concorrencial e crítica para com um evento protagonizado por um "pseudoneurocientista" que se realizará em Lisboa.
Num tempo em que as coisas não são coisas, são coisas do tipo coisas, também a ciência não tem que ser ciência, pode ser qualquer coisa do tipo ciência.
Depois ... bem, depois é uma questão de "lata" e marketing. Os tempos de perplexidade, incerteza, insegurança e deriva são favoráveis aos pseudosaberes, à pseudociência, às pseudopalavras, às pseudoideias, aos pseudovalores, à pseudoética. É um tempo "light", por assim dizer.
Uma pequena nota sobre a área da educação em que, com alguma frequência,  até se colocam aspas quando são referidas as pessoas da que estudam e trabalham no universo da educação, "cientistas" da educação, e, simultaneamente, toda a gente "sabe" de educação, fala de cátedra e transforma "opinião" em "ciência". Pseudociência, evidentemente.

É BOM ESCREVER. DESDE PEQUENO

"Os miúdos também podem ser escritores"

A Associação Cultural Atrevida realiza mais uma edição do Concurso Internacional de Escritores Infanto-Juvenis Lusófonos.
Com o lema “atreve-te a escrever”, a iniciativa incentiva crianças lusófonas dos 8 aos 14 anos a criar textos sobre o tema que quiserem. Os melhores serão publicados em livro.
Das edições anteriores resultaram duas antologias, Ler É Bom, Escrever É Melhor e A Pátria É a Infância. É importante acentuar que a iniciativa não se destina a "descobrir" escritores mas a incentivar os miúdos à escrita.
Estamos num tempo em que desde o 1º ciclo, a pressão sobre a escola, a natureza e extensão dos conteúdos curriculares e a visão que os informa, o estabelecimento de metas curriculares de forma excessiva e burocratizada, além de outra variáveis como o tempo passado na escola, criam algumas dificuldades a professores e alunos no sentido de se estruturarem espaços e tempo de leitura e escrita que não sejam no cumprimento estrito das metas e dos manuais ou, naturalmente, fora das actividades lectivas pelo pouco tempo disponível.
Muitos professores, designadamente no 1º ciclo e os de Português nos anos seguintes, referem justamente que seria desejável que os alunos tivessem mais tempo para ler e escrever materiais "livres" dos manuais, por assim dizer. Os miúdos lêem e escrevem pouco. 
Este tipo de iniciativas, como outras em funcionamento, podem ser contributos para que se instalem hábitos mais sólidos de escrita e leitura que são fundamentais para o desenvolvimento das pessoas. 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

FUGIR PARA A ESCOLA

Há algum tempo convidaram-me para colaborar numa iniciativa no âmbito da educação  e do universo dos miúdos que tinha com título genérico "Fugir para a escola". Achei muito curioso e hoje, sem perceber muito bem porquê, este enunciado emergiu da trama da memória e sugeriu umas notas.
Seria muito interessante, mas não passa, provavelmente, de um romantismo não compatível com a dureza crispada, agressiva e feia, dos tempos e da vida actual, imaginar que os miúdos quisessem fugir para a escola, não porque fugissem de algo mau, o contexto familiar, por exemplo, e que em bom rigor e lamentavelmente é por vezes tão mau que obriga a fugir, mas porque os miúdos quisessem correr para a escola por nela se sentirem bem.
É verdade que para a maioria dos miúdos a estadia na escola é positiva, no aprender, no ser e no gostar. No entanto, para alguns outros a escola é um lugar de onde apetece fugir e muitos destes acabam por fugir da escola ou sentirem-se empurrados para fora.
As escolas vão construindo muros cada vez mais altos e mais fortes. Nunca sei muito bem qual a verdadeira função dos muros da escola, impedir que os miúdos saiam ou impedir que os miúdos entrem. Acho que os muros da escola conseguem as duas coisas o que parece estranho.
Por outro lado, nos tempos que correm também muitos professores, bons professores, mostram por cansaço ou desesperança que já não fogem para a escola, um lugar de realização, de trabalho duro mas com uma das maiores compensações  que se pode ter, ajudar gente pequena a ser gente grande.
O clima institucional, a burocracia, a deriva política vão levando a que a escola não apeteça, foge-se ou é-se empurrado para fora, apesar dos muros altos. Felizmente, muitos outros professores ainda conseguem fugir para escola, os alunos desses professores são miúdos com sorte.
Será que ficou mesmo impossível acreditar que os miúdos e os professores, de uma forma geral, queiram fugir para escola?

DA NOSTALGIA

Em poucos dias partiram duas figuras míticas que viveram nos ecrãs da televisão durante décadas, Anthímio de Azevedo, o homem da metereologia e das previsões, e Sousa Veloso, o homem da agricultura, da "TV Rural".
Na minha família sempre existiu uma fortíssima ligação às coisas da terra e, por isso, às previsões da da metereologia, uma variável determinante para as coisas da terra, o que nos levava a "ouver" aquelas pessoas.
Como dizia João Bénard da Costa eram gente "muito lá de casa" sem que, evidentemente, os conhecêssemos.
Há já algum tempo que acabaram com as previsões metereológicas nos espaços televisivos apresentadas por metereologistas. As previsões metereológicas explicadas por quem sabe foram substituídas pela emissão de alertas às cores e uns gráficos bonitos. 
Também foram acabando com a agricultura. 
Talvez Sousa Veloso e Anthímio de Azevedo já não fossem deste tempo.
Partiram.

O MOMENTO DREYFUS

"Sócrates ao PÚBLICO: “As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas”"

José Sócrates parece ter tido o seu momento Dreyfus, por assim dizer. Vamos ver como acaba a narrativa.

A ALMA DA GENTE ALENTEJANA, O CANTE

"Cante alentejano é Património da Humanidade"

O Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Humanidade acaba de reconhecer o Cante Alentejano como património cultural imaterial da humanidade.
É verdade que a humanidade não tem sido particularmente cuidadosa com o seu património e consigo própria mas deixa-me contente este reconhecimento da alma alentejana, o Cante.
Acho particularmente interessante para nós portugueses que duas formas de expressão vocal tão densas e expressivas como o Fado e o Cante Alentejano obtenham esta visibilidade.


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

MALTRATAR NÃO RIMA COM AMAR

"UnLove, um jogo para aprender a gerir a violência no namoro"

Na verdade, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios gravíssimos de violência doméstica, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de agressão presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada.
Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Está ainda muito por fazer.

A SINISTRA PROVA, DE NOVO

"Provedor considera que pouca antecedência na marcação da PACC feriu direitos fundamentais"

O Provedor de Justiça divulgou elaborou um parecer e recomendações sobre a realização em Julho da segunda edição da sinistra Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades para os professores com menos de cinco anos de tempo de serviço.
O texto é muito crítico para o MEC relativamente ao tempo que mediou entre a data do aviso e a data da realização, 5 dias, sustentando que este processo fere direitos fundamentais dos professores, sublinhando a igualdade de oportunidades e o princípio da proporcionalidade. O Provedor de Justiça refere ainda criticamente o custo da sinistra Prova, 20 €.
Num altura em que se anunciou nova edição deste filme negro algumas notas breves.
A posição do Provedor de Justiça é centrada em questões de natureza processual ou operacional  da realização da sinistra PACC que sendo importantes não são, evidentemente, a questão essencial.
Partindo do pressuposto de que exista por parte do Ministério da Educação a exigência de um dispositivo que lhe permita avaliar os candidatos a professor, tal dispositivo só pode ser estruturado assente naquilo que é a essência da função docente, o trabalho em sala de aula com os alunos, por exemplo, um ano probatório, aliás, já usado no nosso sistema, com prática e relatórios avaliados por avaliadores competentes. Este é o modelo mais utilizado e o que, obviamente melhor permite avaliar como um candidato a professor desempenha a profissão que quer abraçar.
Um Prova sinistra como a que Nuno Crato obrigou professores experientes a realizar, com 32 itens de resposta múltipla, com questões de charada lógica, fora do que é o trabalho docente, e um texto de desenvolvimento com um máximo de 350 palavras e um mínimo de 250, além da inadequação aos objectivos "Avaliar Conhecimentos e Capacidades" é, de facto, uma humilhação aos candidatos a professor (muitos já o são e foram avaliados enquanto tal) mas também a todos os professores.
Parece, aliás, claro que com esta sinistra Prova o objectivo não é "escolher os melhores", o mantra de Crato, mas eliminar mais alguns.
Conseguiu.

CUIDADO COM OS BRINQUEDOS MAS A NEGLIGÊNCIA E DESATENÇÃO SÃO MAIS PERIGOSAS

"Deco chumbou 18 brinquedos em 40 que testou"

A imprensa tem referido mos últimos dias um trabalho da DECO, realizado regularmente, que identificou brinquedos à venda que colocam problemas sérios de segurança para as crianças aconselhando mesmo que oito dos analisados sejam retirados do mercado.
É verdade que existem riscos em alguns brinquedos e que tal como a Associação para a Promoção da Segurança Infantil já tem referido e a DECO mostra nesta última avaliação, o facto de estar no brinquedo o símbolo CE não é suficiente como garantia de segurança.
Importa por isso sublinhar o papel dos pais como os "verdadeiros inspectores" da segurança dos brinquedos. No entanto, parece-me, como sempre, necessário usar de algum bom senso e evitar excessos de zelo que também não são positivos, ainda que  em matéria de segurança infantil o excesso seja melhor que o defeito.
Esta referência à segurança nos brinquedos é interessante e oportuna, estamos já muito perto do espírito natalício, a preocupação com os brinquedos, mas gostava de reforçar o facto de continuarmos a ser um dos países da Europa com taxa mais alta de acidentes domésticos envolvendo crianças, de que as quedas de janelas ou varandas, os afogamentos ou o contacto com materiais perigosos não devidamente acondicionados, são apenas exemplos.
O que me parece importante registar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes, é recorrente a referência aos perigos dos brinquedos, também se verifica um número altíssimo de acidentes o que parece paradoxal.
Por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva face às suas necessidades de autonomia e desenvolvimento e, por outro lado e em muitas circunstâncias, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.
E não vale a pena pensar que só acontece aos outros.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

OS "NOVOS PARADIGMAS" QUE NASCEM VELHOS

"Educação: É essencial fundamentar em vez de enunciar “novos paradigmas”"

Paulo Guinote coloca hoje um artigo de opinião no Público no qual manifesta a sua resistência à facilidade com que se evoca a necessidade ou se estabelecem “novos paradigmas” no universo da educação.
É uma abordagem interessante e que deve ser considerada. Também eu quando oiço referências esta natureza, novos “paradigmas”, me recordo sempre da "Invenção do Dia Claro", em que Almada Negreiros dizia, "Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”.
Na verdade, o que é essencial em educação está inventado e é conhecido, designadamente pelas pessoas da educação.
O que nós precisamos é de condições, de natureza diferenciada, para que o essencial seja feito e bem feito.
O que nas mais das vezes temos é um abastardamento intencional das palavras que conhecemos para servir agendas de interesses que se servem da educação mas não são a educação. Podemos ter como exemplo, é o que Guinote também aborda, a questão da autonomia.
Não precisamos de “novos paradigmas” sobre autonomia da escola, precisamos de … autonomia da escola. As pessoas da escola, docentes, directores, pais, pessoas da academia, não precisam de “novos paradigmas”, precisam que a educação e a escola pública não sejam, como outras áreas objecto da conflitualidade de interesses económicos ou da partidocracia, seja a nível central ou local.
As pessoas da escola entendem-se sobre autonomia ou sobre outras matérias sem necessitar de “novos paradigmas.
Os “novos paradigmas” são, muito provavelmente, parte do problema e não parte da solução.

A PARRA E AS UVAS

Apesar dos vinhos portugueses estarem na moda conquistando sucessivos prémios internacionais, continuo a pensar que em Portugal ainda se verifica o velho enunciado "muita parra e pouca uva".
Esta recente onda de casos judiciais envolvendo pesos pesados da vida portuguesa, para além de casos mais antigos, tem levado à cansativa repetição de que "a justiça funciona", "o estado direito está a funcionar", etc.
No entanto, se bem atentarmos apesar da muita "parra" as uvas têm sido poucas e, presumo, poucas continuarão a ser.
De facto, nos casos mais mediáticos dos últimos anos, não tenho ideia de que tenha sido determinada alguma condenação efectiva e cumprida, exceptuando Isaltino Morais, que terá tido o azar de ser escolhido para mostrar que ... a justiça funciona.
Quando a poeira assenta, fica a gestão política das coisas da justiça, uma rapaziada que se entrega a uma vida mais "discreta" cumprindo um período sabático nas suas actividades e ... pouco mais.
Na verdade, continuo tão convencido como antes de que a justiça portuguesa ainda é o que era, fraca com os fortes, forte com os fracos, cheia de armaldilhas e alçapões que ajudam quem pode pagar a não sair muito salpicado das falcatruas em que se envolve.
Mais grave ainda, continuo convencido que a tão falada separação entre política e justiça traduzida na separação de poderes e na afirmação repetida para parecer verdade de "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça" não passa de retórica.
Aguardemos os próximos desenvolvimentos como se costuma dizer.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CADA CABEÇA, SUA MUNICIPALIZAÇÃO

"Municipalização da Educação? Um novo paradigma para o governo da educação"

Recorrendo a um enunciado popular, cada cabeça sua municipalização da educação. Poderemos até necessitar de "novos" paradigmas, sempre o paradigma.
Talvez fosse mais prudente analisar o que noutras paragens tem sido feito nesta matéria. Como? Com que custos? Que resultados? Que modelos?
Talvez fosse também interessante, com tempo, ouvir direcções e professores.
Talvez também fosse útil não alimentar o equívoco de que só pela municipalização, seja lá isso o que for, se promove verdadeiramente a autonomia das escolas. As escolas podem, evidentemente, aceder à autonomia que lhes é imprescindível sem que sejam tuteladas pelas autarquias
Vamos indo, vamos vendo

À BEIRA DA INSOLVÊNCIA ÉTICA

O caso Sócrates.
A suspensão das subvenções vitalícias a políticos.
O caso do BES e o polvo que criou.
A Tecnoforma e demais relvices.
A PT e o genial Zeinal.
Os submarinos que nos guardam a costa face à invasão dos pescadores espanhóis.
As PPPs que nos arruínam
As privatizações que nos empobrecem
O BPN/SLN.
O BPP.
Os boys e girls que enxameiam a administração e o universo de empresas públicas
O jeitinho que se dá ou pede no dia a dia.
O ...
A ...
Um país à beira da insolvência ética.



OS CAMINHOS DAS ESCOLAS

"Escolas que questionam o sistema e dão a cada aluno o seu tempo"

Apesar da promoção de um modelo de educação que perde de vista a educação e se centra quase que exclusivamente na aprendizagem.
Apesar da promoção de uma ideia de escola assente na aprendizagem das "competências essenciais" de natureza instrumental e de que tudo o resto é supérfluo, por assim dizer.
Apesar da  promoção da ideia de que, só por existirem, os exames, muitos exames, são a panaceia da qualidade na educação.
Apesar da promoção de um modelo de educação escolar que ao abrigo de uma falsa ideia de excelência selecciona os melhores e empurra os menos bem sucedidos ou dotados para percursos educativos de segunda ou mesmo para a exclusão.
Apesar da promoção de uma ideia de educação que transforma a escola num espaço de competição.
Apesar da definição de metas curriculares que, sendo necessárias, foram definidas de uma forma que transformará o trabalho do professor na gestão de uma "checklist" burocratizada e excessiva, sem espaço ou tempo para acomodar a diferença entre os alunos.
Apesar da promoção de um modelo de educação e escola, normalizado, burocratizado, que dificilmente responde à característica mais evidente de qualquer sala de aula, a diversidade dos alunos.
Apesar da retórica sobre autonomia das escolas que na prática mantém uma asfixiante e burocratizada centralização.
Apesar, finalmente, do Ministério da Educação, muitas escolas, muitas direcções escolares, muitos professores vão mostrando e trilhando outros caminhos.
Sorte a dos seus alunos. E a nossa.

domingo, 23 de novembro de 2014

OS NOMES QUE NOS DÃO

Para fugir ao massacre das notícias que envolvem a detenção de José Sócrates, umas notas sobre algo completamente “alternativo” mas essencial para cada um de nós, o nome que temos.
Durante 2013 o nome que os portugueses colocaram aos seus filhos manteve a tendência que se vem registando. Nas raparigas continuamos um país de Marias e logo a seguir de Matildes. Com menos escolhas temos Leonor, Mariana e Carolina.
Nos rapazes continua a predominar o João e dois nomes em alta nos últimos tempos Rodrigo e Martim e vai caindo em desuso o portuguesíssimo José.
Devo dizer que fiquei um pouco inquieto, um mundo sem “Sónias Andreias”, sem “Cátias Vanessas”, sem “Sandras Cristinas”, sem “Tatianas”, sem “Fábios”, sem “Mauros” vai ser, certamente, um mundo diferente. Também em trabalhos anteriores sobre esta matéria se registava já a tentativa de sofisticar um pouco as escolhas, mantém-se o popular João, mas temos o Rodrigo, o Martim, o Tomás, a Mariana, a Matilde entre outras que nos garantem, enfim, outra apresentação.
Mas o que me deixou mais apreensivo face a esta questão, é que, recordando um trabalho também sobre esta matéria há algum tempo divulgado, parece notar-se que o povo está mesmo a voltar as costas aos nossos mais gloriosos nomes, sobretudo nos rapazes, nomes como Manuel, António, José, Paulo, Carlos, etc. estão em queda. Será que vamos deixar de ter um Carlos Jorge, um António Manuel, um Manuel Carlos, um José Manuel, um António João, um Paulo Jorge, tudo nomes na nossa melhor tradição?
Até nos nomes! Estão a mexer com a nossa identidade.
É certo que existem uns nomes que todos os dias, em voz mais alta ou mas baixa, chamamos a alguém e que se mantêm e manterão, aí a tradição ainda é o que era, felizmente.
Por outro lado, considerando os nomes que se chamam e de que as pessoas não gostam, uma  pequena história que há tempos aqui deixei.
"Gosto quando me chamam. Às vezes, muitas vezes, não me chamam.
Outras vezes chamam-me nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu."

A FALTA DE VOMIDRINE

Depois de uma manhã cinzenta mas sem chuva passada a desramar lenha das oliveiras limpas ontem e que será agora traçada a motosserra para dar quentura nas noites ásperas de Inverno, sentei-me para uma vista de olhos pela imprensa.
Definitivamente, caso Sócrates, vistos "gold", BES, levantamento da suspensão das subvenções vitalícias a ocupantes de cargos políticos, discursos manhosos, etc. etc., não dá para aguentar.
Esqueci-me de comprar Vomidrine para ter aqui no Monte.
Vou voltar à lenha das oliveiras, a árvore mais bonita do mundo e a mais rica, azeitonas, azeite, lenha e beleza numa única árvore, É um milagre.

sábado, 22 de novembro de 2014

ASSIM UMA COISA DO "TIPO COISA". ENTENDEM?

Um dia destes, no meio de uma deambulação profissional entrei num café grande e produzido, por assim dizer. Estava de namoro com a bica e bati com os olhos em alguns cartazes que me deixaram a pensar. Um dizia, “temos pão do tipo Mafra”, um outro afirmava, “temos pão do tipo alentejano” e um outro ainda convidava, “prove os nossos bolos com massa do tipo bolo-rei”. Não reparei se haveria outros cartazes do tipo “estes que referi”, mas achei curioso.
Estes discursos parecem muito elucidativos de algumas particularidades do nosso funcionamento. De facto, parecemos ter uma especial apetência para nos não preocuparmos se as coisas são ou não são, podem apenas parecer, aproximar-se, ser quase iguais, etc., ou seja, não são coisas mesmo coisas, são coisas do tipo coisas, o que é notável.
Também acho particularmente apelativos os anúncios que nos informam sobre a venda de carros semi-novos o que me parece ser uma ideia interessante a explorar. Este conceito do carro semi-novo poderia transformar-se em qualquer coisa como, “vende-se um carro tipo novo”.
Mas esta capacidade de transformar algo, em qualquer coisa do tipo algo, faz mesmo escola. Se estivermos atentos notamos como ouvimos discursos assim “do tipo de discursos” e assistimos a comportamentos do “tipo comportamentos”.
Aliás, até acho que o Governo tem desenvolvido umas políticas, do “tipo políticas” e vai-nos transformando assim num país, “tipo País”.

(SOBRE)VIVÊNCIAS

"Mais de 52.500 crianças perderam o direito 

ao abono de família nos últimos dois meses"

Entre Agosto e Outubro de 2014 cerca de 52500 crianças perderam o acesso ao abono de família. Desde 2009 serão mais de 500 000 os casos de perda do abono de família.
Como é sabido o número de beneficiários de todas a prestações e apoios sociais têm vindo a diminuir substantivamente.
Dado que não se tem verificado qualquer subida significativa nos rendimentos familiares, antes pelo contrário, o abaixamento tão evidente do número global de pessoas a beneficiar de apoios sociais não decorre da melhoria das condições de vida das famílias mas, obviamente, dos cortes no universo dos apoios sociais.
Este cenário impressionante, que pode agravar-se com a sempre anunciada reforma do Estado, isto é, cortes nas suas funções sociais, coloca uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?

PÉS DE BARRO ENTERRADOS NO LODO

"José Sócrates passou a noite nos calabouços da PSP e será ouvido hoje"

O pântano pariu mais um episódio. José Sócrates está detido acusado de vários crimes corrupção, branqueamento de capitais, falsificação e evasão fiscal.
Dir-se-á que é a justiça a funcionar, A Ministra da Justiça virá dizer que finalmente a justiça é cega, não distingue os mais ricos dos mais pobres, mas tudo isto é mais do que um caso de polícia. 
Não sei o que vai acontecer, como tudo irá acabar e importa não esquecer a presunção de inocência. 
Sei que a sucessão de episódios que a que vamos assistindo, que envolve gente no topo da economia, da liderança política e da administração do estado, transforma a nossa sociedade num pântano e num lugar mal frequentado. 
Esta é a pantanosa pátria nossa amada. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

TODOS BATEM NOS PROFESSORES (enésimo episódio)

"Segurança reforçada em escola de Braga após agressão a professora"

As notícias sobre agressões a professores, designadamente cometidas por encarregados de educação, vão chegando com alguma frequência à comunicação social. Hoje em Braga, numa escola básica.
De novo, algumas notas. Esta questão, embora sempre objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. No entanto, uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela que evidentemente, têm responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. 
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais pelo impacto na percepção social de autoridade.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.
A valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. Aliás, uma das características dos sistemas educativos melhor considerados é, justamente, a valorização dos professores.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

30 000 PROFESSORES A MENOS

É também reconhecido que a variação da demografia escolar, o número de alunos, não explica este êxodo significativo de professores. Esta saída acontece mais por consequência da PEC - Política Educativa em Curso que da alteração do número de alunos.
Como já tenho referido, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, tudo o que tem faltado nesta matéria, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
Para além da questão da demografia escolar que, aliás, o MEC sempre tratou de forma incompetente e demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
No entanto e do meu ponto de vista, o “excesso” de professores no sistema deve ser também analisado à luz das medidas da PEC – Política Educativa em Curso. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com as implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
O Ministro “esquece-se” obviamente destes “pormenores”, apenas se refere à demografia e aos recursos disponíveis para, afirma, definir as necessidades do sistema.
Este conjunto de medidas, além de outras como o que se desenha em torno da chamada “municipalização da educação”, sairão, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará na diminuição do número de docentes, que ficaram e ficarão no desemprego, muitos deles tendo servido o sistema durante anos.
Ficarão sem trabalhar, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas “apenas” porque é preciso cortar, custe o que custar.
Conhecendo os territórios educativos do nosso país, julgo que faria sentido que os recursos que já estão no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos de experiência, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
Sendo justamente estes os dois problemas que mais afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. E nisso o Ministro Nuno Crato é especialista.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: 20 ANOS DEPOIS

Num dia lindíssimo após tantos dias de chuva, estou no Funchal para participar no Congresso do Sindicato dos Professores da Madeira. O convite gentil envolve abordar “A Declaração de Salamanca: 20 anos depois”.
A Declaração emanada na reunião de Salamanca, em 1994, depois da Conferência de Jomtiem em 1990 sob o lema "Educação para Todos", lançou os fundamentos e os compromissos políticos para a promoção da Educação Inclusiva.
A educação inclusiva não decorre de uma moda ou opção científica, é matéria de direitos pelo que deve ser assumida através das políticas e discutida na sua forma de operacionalizar. Aliás, poderá afirmar-se, citando Biesta, que a história da inclusão é a história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.
Nesta perpectiva, os tempos que vivemos são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias. As políticas educativas em curso são particularmente inquietantes deste ponto de vista.
Vejo mais razões para recordar os princípios da Declaração de Salamanca do que para comemorar a Declaração de Salamanca.
Vamos ver o que acham os colegas professores da Madeira.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

QUEM PARTE E REPARTE E NÃO FICA COM A MELHOR PARTE ...

"PSD e PS aprovam juntos o fim da suspensão das subvenções vitalícias a políticos"

O Presidente da República pode mandar produzir fumo branco para sair pela chaminé do Palácio de Belém, “habemus consenso”.
Depois de tantas homilias presidenciais, de tantos avanços, recuos e hesitações foi finalmente possível estabelecer um consenso entre PS e PSD.
Por proposta de dois pesos pesados da tralha parlamentar, Couto dos Santos e José Lello, foi aprovado pelos dois partidos o fim da suspensão das subvenções vitalícias a ex-políticos, que vão voltar a ser pagas mas, fica sempre bem, serão sujeitas a uma contribuição extraordinária de 15% sobre o montante que exceda os 2000 euros. O CDS-PP absteve-se e PCP e BE votaram contra.
Depois da contribuição de Francisco Assis a defender a aliança PS/PSD aqui está um exemplo que nos deixa mais tranquilos. Quando os verdadeiros problemas dos portugueses estão em jogo, os grandes partidos são capazes de ultrapassar divergências e encontrar consensos.
Como diz o povo “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte”.
Na verdade esta gente de tolo tem nada, mas são uns verdadeiros artistas.

O VISIONÁRIO CARLOS MOEDAS

"... O Horizonte 2020 atrai cérebros para a Europa e eu (Carlos Moedas) estou aqui como comissário europeu, portanto o meu ponto é que os cérebros europeus estejam na Europa. Temos de pensar em termos de Europa.”

Carlos Moedas, o comissário europeu da Investigação, Ciência e Inovação, em afirmações de hoje em Lisboa desvaloriza a partida de milhares de jovens investigadores portugueses pois continuam na Europa, é, portanto, irrelevante o risco de esvaziamento de instituições e centros de investigação portugueses ou a impossibilidade construir em Portugal projectos pessoais de vida sólidos e positivos com o empobrecimento e gasto de recursos que esta situação também implica.
Temos que pensar em grande, a nossa terra é a Europa, que coisa provinciana e mesquinha pensar que é importante que os mais qualificados consigam ficar em Portugal a trabalhar em estruturas portuguesas ainda que, desejavelmente, numa rede com outros países. Obrigado pela visão Comissário Moedas.
Portugal não conta. Nós somos Europa.
Na verdade, temos vindo a dar conta disso mesmo. Por lá, quem manda, até acha que temos licenciados a mais.

A EDUCAÇÃO? QUE SE MUNICIPALIZE.

“Municipalização das escolas” deverá avançar já em Janeiro

Ao que parece a opaca discussão que envolve municípios e MEC dará origem a que em Janeiro avance a tal de "municipalização da educação" em muitas autarquias.
Não atentei nos avisos mas acho que se pode dizer que a educação deverá entrar em alerta, pelo menos, laranja.
Os conteúdos que vão sendo conhecidos desta opaca discussão levantam sérias inquietações.
Embora alguns autarcas a contestem, parece manter-se a ideia de "premiar" os municípios que consigam prescindir de professores considerados necessários até ao limite de 5%, pois alguns professores farão mesmo falta para entreter a criançada. Esta medida assenta em "factores de eficiência" uma pérola do "neoliberalês" que vai substituindo o "eduquês".
Ainda não consegui saber se na mesma linha, eficiência, estarão também previstos prémios por cada funcionário necessário mas eliminado, por cada escola necessária mas fechada, por cada apoio educativo necessário mas eliminado, etc., etc.
Continuo a pensar que este movimento deveria ser decidido e analisado com prudência e retomo algumas notas.
 Em primeiro lugar seria desejável, mas confesso que não espero que tal aconteça, que se analisasse com atenção os resultados de experiências de municipalização realizadas noutros países nos termos em que Nuno Crato se vai referindo a este movimento, e cujos resultados estão longe de ser convincentes.
Por outro lado, o que se vai passando no sistema educativo português no que respeita ao envolvimento das autarquias nas escolas e agrupamentos, designadamente em matérias como as direcções escolares, nos Conselhos gerais e na colocação de funcionários e docentes (nas AECs, por exemplo) mostra variadíssimos exemplos de caciquismo, tentativas de controlo político, amiguismo face a interesses locais, etc. O controlo das escolas é uma enorme tentação. Podemos ainda recordar as práticas de muitas autarquias na contratação de pessoal, valorizando as fidelidades ajustadas e a gestão dos interesses do poder.
Assim sendo, talvez seja mesmo recomendável alguma prudência.
Ainda nesta matéria e dados os recursos económicos disponíveis, poderemos correr o risco de se aumentar o "outsourcing" e a promoção de PPPs que já existem nas escolas, muitas vezes com resultados pouco positivos, caso de apoios educativos  e do recurso a empresas de prestação de serviços, (de novo o exemplo das AECs).
Finalmente, uma referência a um equívoco habitual entre autonomia das escolas e municipalização. O imprescindível reforço da autonomia das escolas e agrupamentos não depende da municipalização como muitas vezes se pretende fazer crer.
Confundir autonomia com municipalização é criar um equívoco perigoso que frequentemente não passa de uma cortina de fumo para mascarar os caminhos dos negócios da educação.

OS DIREITOS DA CRIANÇA, A AGENDA POR CUMPRIR

No calendário das consciências está hoje registado que em 20 de Novembro de 1959 a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança. É verdade que nestes 55 anos, pensando sobretudo na realidade portuguesa, muito evoluímos também no que respeita  ao universo dos mais novos. No entanto, os Direitos da Criança continuam uma agenda por cumprir para muitos milhares por variadíssimas razões.
Os ventos malinos que sopram e o enorme conjunto de dificuldades que atravessamos, ancorados num quadro de valores que tende a proteger mercados e interesses outros que conflituam com os interesses e bem-estar da maioria das pessoas vão criando exclusão, pobreza e negação de direitos. Aliás, é cada vez mais frequente a afirmação de que os direitos devem ser entendidos como sendo de geometria variável, ou seja, dependem da conjuntura económica pelo que os que menos têm também terão os seus direitos diminuídos.
Neste cenário, conforme os estudos e a experiência mostram, os mais novos constituem um grupo especialmente vulnerável.
Nesta vulnerabilidade existem três áreas em que me parece que os direitos estão particularmente ameaçados, as crianças e adolescentes em risco de maus tratos, abusos e negligência, a pobreza infantil e o direito à equidade nas oportunidades de acesso à educação de qualidade.
De uma forma geral, os discursos e a retórica política sempre acentuam a importância destas matérias mas é preciso ir um pouco mais longe. Por exemplo, dotar as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens dos meios suficientes e qualificados para a detecção e acompanhamento eficaz dos casos de risco, ou caminhar no sentido de diminuir o número de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida.
No que respeita aos risco de pobreza, as crianças são como que o elo mais fraco de uma sociedade com um fosso demasiado grande entre os mais ricos e os mais pobres, cerca de dois milhões em risco. As políticas sociais não podem deixar de entender como prioritário, sobretudo nos tempos que atravessamos, os apoios sérios e fiscalizados aos problemas das famílias que envolvem, necessariamente, os mais novos. É o seu futuro que está em causa.
No que respeita à educação, a equidade e a tentativa de que todos atinjam o patamar possível de sucesso educativo e qualificação é o grande desafio. Os discursos políticos nunca esquecem o grande desígnio da educação ou a paixão pela educação. Precisamos de caminhar de forma séria e não tentados pela sedução do sucesso estatístico, para a qualidade dos processo educativos que se traduz nos níveis de qualificação das pessoas (não da simples certificação), na diminuição das taxas de abandono e insucesso, enfim, na construção de projectos de vida viáveis e bem sucedidos. Muitas crianças e adolescentes com necessidades especiais vêem atropelados os seus direitos a dimensões básicas da qualidade de vida, a educação, por exemplo.
Continuamos com uma agenda por cumprir em matéria de bem-estar dos mais novos.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

HÁ ESCOLHAS QUE DÃO CERTO, OUTRAS ... NÃO

"Programa Escolhas considerado "uma das mais eficientes políticas públicas""

Uma notícia positiva é um bem de primeira necessidade nos tempos que correm.
O Observatório Internacional de Justiça Juvenil atribuiu ao Programa Escolhas, em operação desde 2001, o prémio bienal Justiça Juvenil sem Fronteiras, considerando-o, “uma das mais eficientes e efectivas políticas públicas de promoção da inclusão social de crianças e jovens em risco”.
O Programa Escolhas partindo do objectivo inicial de intervir na prevenção da delinquência juvenil tem vindo a globalizar a sua acção, incluindo a dimensão educativa escolar, social e vocacional. Com dezenas de milhares de crianças, adolescentes e jovens envolvidos ao longo destes anos os resultados são encorajadores e o prémio é um reconhecimento disso mesmo.
Há escolhas que dão certo, pode afirmar-se.
Também é verdade que há escolhas que correm sério risco de dar errado.
O desinvestimento em educação, a redução brutal em apoios sócio educativos que combatam a exclusão, a redução de docentes e técnicos que promovam a qualidade e o sucesso dos trajectos educativos, são escolhas que têm todas as condições para não dar certo.
Seria desejável que o reconhecimento que o Programa Escolhas recebeu pudesse ser um contributo para que Nuno Crato e o Governo reconsiderassem as suas escolhas.
Não podendo deixar de dizer isto, também não posso deixar de dizer que não acredito nessa mudança.
Os objectivos e a visão que informam o Programa Escolhas não coincidem com os objectivos e visão que informam Nuno Crato.
É uma questão de escolhas, como sempre.

O FACILITISMO DO ENSINO SUPERIOR "LOW COST", A "MEIA LICENCIATURA"

A coberto das bolonhesas ideias que já tinham permitido uma espécie de "meio mestrado" surgiu a formulação da "meia licenciatura" que não sendo um grau académico, pudera, é um curso superior que compõe estatísticas, uma tentação de sempre de quem habita o poder e, de caminho, disponibiliza-se um balão de oxigénio ao ensino politécnico, cuja procura baixou significativamente.
Assim, jovens com o secundário incompleto, podem vir a completá-lo simultaneamente à frequência da "meia licenciatura" acedem, sem exame de candidatura, a um curso superior, é sempre social e politicamente relevante, ajudam a completar as metas europeias para os níveis de qualificação e satisfazem por encomenda das empresas as suas necessidades de mão-de-obra qualificada pois, afirmava na altura do lançamento o Secretário de Estado do Ensino Superior, "o número de alunos a admitir vai depender das carências identificadas por cada região em parceria com as empresas da zona, “que terão o papel crucial de dizerem as necessidades de formação e de acolherem os jovens a fazer estágio”., afirma o Secretário de Estado do Ensino Superior.  
O último semestre da formação será a realização de um estágio nas empresas que, certamente, encomendaram a formação dos "meio licenciados".
No entanto, contra a expectativa do MEC, numa primeira fase o Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos teve a sensatez de exprimir sérias reservas face do modelo proposto de formação superior "low cost", em dois anos, a "meia licenciatura" como o Secretário de Estado a designou, o MEC insistiu, deu um passo em frente e acenou com 140 milhões em sete anos avançou com 20 milhões. As reservas dos Politécnicos atenuaram-se, naturalmente, e apesar dos atrasos significativos na aprovação dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais, as primeiras edições estão a iniciar-se ou em fase de candidatura.
Como alguns especialistas em ensino superior e na altura o próprio Conselho Coordenado têm vindo a afirmar, a "meia licenciatura" não é muito diferente dos Cursos de Especialização Tecnológica já existentes. Tem, no entanto, uma vantagem muito importante, conta para a estatística da formação superior e permite tentar atingir a meta definida pela Comissão Europeia. Curiosa medida, obviamente “facilitista”, vinda do MEC gerido pelo arauto e farol do combate ao facilitismo de anos anteriores, Nuno Crato. Se bem repararmos fica bem mais barato financiar cursos de dois anos do que cursos de três e o efeito estatístico é o mesmo. As contas foram bem feitas.
Para além de não acrescentar nada de significativo aos CETs, ainda me parece que se pode estabelecer um conflito potencial com a oferta de licenciaturas já existentes nos politécnicos, adquiridas em três anos,  uma vez que o MEC afirma que depois da "meia licenciatura" o aluno pode ingressar numa licenciatura através de uma "prova local" da responsabilidade de cada instituto. Tal situação no actual quadro de abaixamento demográfico e de sobredimensionamento da rede vai, evidentemente, significar ... mais facilitismo.
Acresce que o mesmo MEC que tem vindo a proceder a um claro desinvestimento no Ensino Superior, politécnico e universitário, consegue encontrar verbas, europeias, claro, disponíveis para financiar estas "Novas Oportunidades" em modo ensino politécnico. Dá-se sempre um jeito.
Na verdade, é justo que se reconheça, lata e manhosice criativa são dois atributos em que o MEC é de uma competência notável.

OS TEMPOS DA ABSURDIDADE E DO SEU AGENTE, O INCARACTERÍSTICO

O estimulante artigo que hoje se lê no Público da autoria do Professor Reis Torgal, "O Reino da Estupidez" levou-me a recordar uma obra, lamentavelmente pouco divulgada, do Professor António Bracinha Vieira, um homem enorme, um mestre que me marcou e com quem ainda há poucos dias me cruzei e ouvi demonstrando a sabedoria e lucidez de sempre.
O livro, "Ensaio sobre o termo da história - trezentos e sessenta e cinco aforismos contra o Incaracterístico" é um notável ensaio sobre o que Bracinha Vieira chama de tempo da Absurdidade em que predomina o Incaracterístico e organiza-se em 365 parágrafos antológicos, os "aforismos", que combatem esse personagem dominante, o Incaracterístico. A primeira edição do livro é de 1994, foi objecto de alguma discussão num círculo diminuto e é evidente em muitos dos aforismos uma espéce de premonição do que agora vivemos
Partilho convosco os aforismos 15 e 18.
"Instalou-se no jargon cripto-anglófono do Incaracterístico uma inversão radical do sentido das palavras liberal, liberalismo (ainda presas a um étimo comum com liberdade) insinuando sob o totalitarismo da Absurdidade uma negaça de democracia. Decidido a desnaturar conceitos prestigiosos dos quais nem sequer consegue discernir o alcance, o Incaracterístico investe esses termos de um significado oposto ao que lhes cabia."
"A democracia da Absurdidade exerce-se num cenário oposto ao da cidade-estado: o Incaracterístico elege o Incaracterístico, e todas as alternativas em jogo a ele conduzem. Os sujeitos cujos nomes são designados logo surgem nos ecrãs-circo da Grande Absurdidade, preenchendo hiatos entre a publicidade mercantil, sem se aperceberem que são mercadoria de outras espécies. Dali debitam os seus sirénicos e sorumbáticos cantos. e a escolha entre eles é o fiel da liberdade do Incaracterístico".
A pensar.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A HISTÓRIA DO ANTIGAMENTE

Era uma vez um homem chamado Antigamente. O seu discurso sobre qualquer questão acabava invariavelmente por concluir que noutros tempos era diferente, sempre para melhor.
Se olhava para os miúdos, rapidamente aparecia algo como “dantes é que os jovens se comportavam como deve ser”. Falava-se de escola ou de educação e ele considerava que no passado é que as coisas funcionavam bem.
Assistia aos noticiários televisivos e os comentários sucediam-se, sempre expressando a recorrente ideia de que dantes tudo se passava de forma bem mais positiva. O Antigamente afirmava que já não existem políticos como os de outrora e a música do passado é que, de facto, era música, o que não acontece com essas coisas sem jeito que agora se ouvem.
A sua grande preocupação estava virada sobretudo para ideias, comportamentos e costumes. Nesta matéria é que o Antigamente se convencia, e queria convencer os outros, de que no passado é que as pessoas agiam como devem, falavam de forma correcta, vestiam de forma decente e com bom gosto e, enfim, não se viam, como ele dizia, as desgraças que agora não paramos de ver.
O Antigamente tinha a maior das dificuldades em entender muito do que hoje acontecia, como tantas coisas são permitidas e concluía que o mundo não iria por bom caminho se não voltasse aos velhos tempos.
Na última vez que me falaram do Antigamente, disseram-me que andava extremamente preocupado com esta questão, que naturalmente não havia dantes, do aquecimento global. O Antigamente tem medo que o aumento da temperatura o possa descongelar. Não será capaz de viver no presente.

AS AULAS AINDA NÃO CHEGARAM. Calma, ainda falta um mês para terminar o período

"A um mês do fim do primeiro período ainda 

há alunos sem aulas de compensação"


Com chamada a primeira página o DN noticia que algumas escolas ainda não viram aceites e decididos pelo MEC os planos que propuseram para compensar o catastrófico processo de colocação de professores que originou a inexistência de aulas durante quase dois meses para milhares de alunos.
Estamos a um mês do fim das aulas do primeiro período.
É evidente que o MEC estará preocupado com a organização de mais uma edição da sinistra PACC pelo que não terá tido tempo e meios para viabilizar as propostas das escolas. As iniciativas das escolas dificilmente resolverão o problema criado pela incompetência do MEC, apenas procuram minimizá-lo e a sua operacionalização deveria ser uma urgência. No entanto, o MEC terá a sua gestão de prioridades, evidentemente.
Este processo centralizado, burocratizado. moroso e ineficiente de análise e decisão sobre o que cada escola ou agrupamento se propõe realizar para compensar os alunos pela falta das aulas é mais mais um excelente exemplo de rigor, competência e autonomia.
Aliás, é de recordar que as escolas afectadas por este enorme problema, para além das que integram TEIPs, são justamente as que têm contratos de autonomia. Autonomia? Em modo Crato, obviamente.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A SINISTRA PACC ESTÁ DE VOLTA

"Professores contratados voltam a responder à prova de avaliação e podem ter que ir fazê-la às universidades"

Ao que parece está de volta a sinistra Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades para o acesso à carreira de professores que, coisa estranha, até já são professores, muitos dos quais submetidos a avaliação de desempenho ao longo do tempo que leccionam. Anda aí essa assombração.
Ao que parece também, o MEC estará a pensar colocar a cereja em cima do bolo deste processo delirante. As instituições de ensino superior das quais Nuno Crato desconfia, afirmou-o publicamente embora viesse posteriormente afirmar que se tratou do "aproveitamento despropositado de um conjecturável ambiguidade", serão o local de realização da sinistra PACC.
Como provocação é bem pensado. Estou, no entanto, curioso com a reacção dos estabecimentos de ensino superior a confirmar-se a intenção do MEC. Aliás, esta ideia até pode ser uma cortina de fumo para atraira a atenção para o acessório, o local, e passar mais tranquilamente o essencial, a realização deste tipo de prova.
Como comportamento já não surpreende.

FILMES HARDCORE

"Governador do Banco de Portugal lamenta falta de poder para afastar Ricardo Salgado mais cedo"

"Saída de Miguel Macedo força Passos a remodelar o Governo"

AVISO
Num qualquer ecrã perto de si estão em exibição, que se antecipa prolongada, dois filmes, "A Queda do Espírio Santo" e  "Só Vistos", cuja visão não se recomenda a cidadãos com elevada sensibilidade ética.
O consumo excessivo destes produtos pode provocar habituação e dessensibilização cívica.



A MAÇÃ É BOA, TEM BICHO

No âmbito de uma peça sobre empreendedorismo social o Público retoma a referência a uma iniciativa que me parece verdadeiramente interessante. O aproveitamento de fruta e legumes que não entram no mercado de distribuição por não terem uma apresentação perfeita, são "feios".
Num tempo em que burocracia, europeia e portuguesas, e os mercados normalizam tudo o que podem e em que, como nunca "os olhos também comem", uma quantidade brutal de produtos  não correspondem a normas de aspecto e calibragem mas mantêm a intacta a qualidade.
Algumas notas sublinhando desde logo que é positiva  e um bom sinal a adesão que este aproveitamento está a merecer por parte de muitos consumidores, para além do benefício para os produtores.
A Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, permitiriam alimentar 925 milhões de pessoas que passam fome todos os dias. Vivemos num mundo estranho.
Recordo que no Ciclo de Conferências realizado pela Gulbenkian em 2013, foi apresentado um trabalho “Do Campo ao Garfo – Desperdício Alimentar em Portugal" que avaliava em um milhão de toneladas o desperdício de alimentos entre a produção e o consumo, o que parece verdadeiramente significativo num tempo de pobreza e dificuldades, nacionais e internacionais.
Creio que muitas vezes achamos que desperdício é coisa de gente rica, os pobres não desperdiçam o que, obviamente, não corresponde à realidade como os estudos evidenciam. O desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção estabelecendo como objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025. Na verdade, de acordo com esse relatório a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro.
Voltando aos produtos com mau aspecto, um trabalho há tempos divulgado avaliava em 30% os produtos que reunirão a qualidade exigida mas que os consumidores devido ao seu aspecto não adquirem pelo que a distribuição também não os compra aos produtores.
Na verdade, seja pelas estapúrdias exigências, entretanto aligeiradas, das normas europeias, seja pela "esquisitice" dos consumidores, muita fruta e hortícolas de boa qualidade são desaproveitados e criminosamente desperdiçados.
A este propósito, lembrei-me de uma história passada no Meu Alentejo em que um dos companheiros que estava nas lérias afirmava que só comia fruta que tinha bicho, "é a que presta".
Perante a nossa estranheza explicou, "essa fruta que se vê aí grande e a brilhar e sem bicho não presta, Então nem o bicho lhe pega e vou eu comê-la? Isso é que era bom, se a fruta não é boa para o bicho, é boa para mim?"
Sendo certo que os olhos também comem, o embrulho nem sempre corresponde ao conteúdo.

domingo, 16 de novembro de 2014

NEGÓCIOS ESTRANGEIROS

"Estado vende o pouco que resta sem ganhar dinheiro"

O processo de privatizações que tem vindo a ser seguido, com a alienação de algumas das chamadas "jóias da coroa" e o que desse processo tem resultado e irá resultar, recorda-me sempre uma afirmação muito interessante de Nuno Brederode dos Santos numa crónica antiga no Expresso, “Os Negócios Estrangeiros em Portugal raramente são bons negócios mas quando o são, então são, de facto, estrangeiros”.
Será destino?

ESTA É A PANTANOSA PÁTRIA, NOSSA AMADA

"Ministro da Administração Interna demite-se "para defender o Governo""

Os chamados vistos "gold" são, do meu ponto de vista uma aberração ética. A compra da cidadania em troca de uma casa no valor de meio milhão de euros é algo de inaceitável. 
Eu sei que o dinheiro não tem alma, ética ou moral pelo que num tempo em que tudo se vende e tudo se compra, porque não vender o direito de cidadania e ao mesmo tempo empurrar para fora cidadãos portugueses, sem dinheiro para ser, isso mesmo, cidadãos portugueses de direitos e com um projecto de vida.
Eu sei que outros países aceitam este tipo de processos, como também sei que outros países têm leis e princípios que de há muito abandonámos, a pena de morte ou a discriminação legal das mulheres, por exemplo. 
Algo que nasce torto, tarde ou nunca se endireita, diz o povo. Um dinheiro de que não se controla a origem também não se controla a circulação e, como sabem, a carne é fraca. Ao circular vai comprando o seu percurso, serve a todos, incluindo os que vão tomando decisões que quanto mais simpáticas forem mais um "miminho" recebem. Mas aqui é dinheiro grosso, nem vale pena tentar falar de robalos.
Neste lamaçal pantanoso em que vivemos, a agitação provocada pela descoberta do esquema de corrupção que a ninguém surpreende, evidentemente, soltou uns salpicos que atingiram  o Ministro Miguel Macedo levando-o a pedir demissão.
Claro que se ouvirão, a liturgia política obriga, elogios à dignidade do gesto e à inocência de Miguel Macedo.
Nada diz que Miguel Macedo tenha algum envolvimento directo no esquema de corrupção em investigação, mas a responsabilidade política é diferente de responsabilidade criminal e o entendimento dessa responsabilidade é, em primeiro lugar pessoal e, em segundo lugar, do Primeiro-ministro. Nesse sentido, também me parece que Miguel Macedo assumiu a responsabilidade política da forma que deve ser assumida. Ponto.
Não fora o pântano em que vivemos e a falta de solidez ética que por aí anda e outros Ministros já teriam tido o mesmo gesto há muito tempo.
Será que Passos Coelho aproveita a necessidade de substituir o Ministro da Administração Interna para tentar arejar o pântano?