quarta-feira, 30 de junho de 2021

CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO - 2020

 Foi ontem apresentado o relatório Anual da Comissão Nacional Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. Como  se pode verificar no gráfico da peça do Público e numa nota global breve, à excepção da exposição de crianças e jovens a situações de violência doméstica ou mesmo o seu  envolvimento foi a situação que mais se agravou face a 2019, 7,7%. Também se registou um ligeiro aumento nos casos de maus tratos psicológicos, de 284 em 2019 para 288 crianças em 2020.  Todos os outros indicadores desceram.

Quer a subida mais relevante dos casos que envolvem violência doméstica, quer nas descidas também verificadas no número de casos acompanhados pelas CPCJ, menos processos abertos para avaliação, menos medidas excepcionais como as retiradas de urgência e menos comunicações, estarão certamente associadas às circunstâncias determinadas pela pandemia, o confinamento familiar e o encerramento das escolas.  A escola, professores e auxiliares, são muito frequentemente quem se apercebe de situações de mal-estar das crianças, “são os olhos do sistema de protecção”, também estiveram menos próximos das crianças.

Uma reflexão agora mais centrada no aumento significativo da exposição e envolvimento de crianças e adolescentes em situações de violência doméstica. 

Depois de ter chumbado em 2019 uma iniciativa do BE no mesmo sentido, o PS apresentou há pouco tempo uma proposta parlamentar no sentido de reconhecer a crianças e jovens o estatuto de vítimas em situações de exposição a violência doméstica mesmo quando não sejam directamente atingidos. A proposta do PS junta-se a uma do PSD também recentemente apresentada e que difere pelo não estabelecimento de limite de idade.

Acresce que também existe uma petição pública subscrita por mais de 50 mil cidadãos com o objectivo de promover também a aprovação do estatuto de vítima para crianças envolvidas em contextos de violência doméstica.

É de facto um problema relevante. Em Janeiro o Governo lançou um concurso com o objectivo de reforçar o apoio psicológico e psicoterapêutico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica atendidas e/ou acolhidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.

Segundo informação divulgada na altura estava prevista uma verba de 2,78 milhões de euros destinada a colmatar as “necessidades de serviços de apoio especializado, privilegiando abordagens psicoterapêuticas focadas no trauma, com a designação de Respostas de Apoio Psicológico (RAP) para crianças e jovens vítimas de violência doméstica”.

Nesta iniciativa estão a colaborar a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) através de um protocolo de colaboração na resposta a construir.

Como disse aquando da divulgação parece-me uma boa notícia, sobretudo num tempo em que escasseiam. Esperemos, no entanto, que se concretize e não seja algo que fica por assim mesmo. Não estranharei, mas era bom que avançasse tal como a aprovação do estatuto de vítima para as crianças e jovens envolvidos.

Importa ainda recordar que entidades como o Instituto de Apoio à Criança e a Ordem dos Advogados defendem a necessidade de maior protecção para crianças em contextos de violência doméstica.

O reforço do dispositivo de apoio anunciado seria, do meu ponto de vista mais eficaz, com outro enquadramento legal mais amigável para as crianças.

De facto, parece importante a necessidade de protecção nestes casos considerando o número de situações e os efeitos destas vivências na vida das crianças e adolescentes.

Para além de sublinhar os danos potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem ou estão envolvidas em episódios, por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.

Numa avaliação por defeito aos casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também vítimas, serão em número bem mais elevado.

Este quadro lembra o velho adágio "Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.

Não é certamente por acaso que estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de qualificação significativos.

Neste contexto e com o objectivo de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro de valores.

Não é nada de novo, a afirmação desta necessidade.

Esperemos que as iniciativas divulgadas sejam mais do que promessa e aumentem significativamente os níveis de protecção e apoio a crianças e jovens pois o número de situações de risco é muito grande e está a aumentar.

Como afirma, Benedict Wells em “O fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai atingir”.

terça-feira, 29 de junho de 2021

DO GOSTAR E DO PRECISAR

 De uma forma geral, as crianças, independentemente das suas capacidades de comunicação, dizem-nos e mostram mais facilmente o que gostam do que daquilo que precisam. Parece claro. No entanto, algumas vezes gostam do que precisam, mas ... nem sempre é assim.

Muitos adultos sabem do que elas precisam, mas dão-lhes o que elas gostam acreditando que elas são capazes de construir por si o que precisam. Às vezes, muitas vezes, não é assim e é arriscado acreditar.

Muitos adultos, sabendo o que elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.

Quando assim acontece fica tudo bem mais fácil, em casa e na escola, no comportar ou no aprender.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA EM MUDANÇA

 

Terminou o período de discussão pública dos documentos apresentado pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo ME para reconfigurar as aprendizagens essenciais em matemática que darão origem a novos programas para o ensino básico.

A questão do currículo de Matemática, e não só, é uma matéria quase que permanentemente na agenda e, mais uma vez, o conhecimento das propostas desencadeou as divergências habituais, começando logo pela própria decisão de alterar.

Não sou especialista em questões curriculares, mas curiosamente duas Associações, Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, representativas deste universo quase sempre têm entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

No entanto, julgo que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade sendo ainda que não será só a Matemática que poderia beneficiar de ajustamentos em matéria de currículo.

Por outro lado, e como aqui tenho escrito o desempenho a matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da comunidade que quer fazer a diferença a fazer a diferença.

Parece ainda claro e é uma questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. 

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como se só por medir muitas vezes a febre se espere que ela baixe. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.

domingo, 27 de junho de 2021

A MAGIA DA AVOZICE

 Preparava-me para umas notas sobre as mudanças anunciadas no Programa de Matemática quando reparei que se assinalou ontem o Dia dos Avós. A matemática fica para amanhã, hoje as contas são outras, a magia da avozice.

A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há sete anos e do Tomás há cinco. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.

Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.

Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.

Os últimos tempos foram particularmente duros para os mais velhos, levando a vida a muitos e aumentando a solidão de outros muitos.

Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.

Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar. O tempo de confinamento mais duro mostrou como a separação é difícil.

Já agora deixo duas histórias com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui as contei.

Com alguma regularidade, mas sobretudo quando estamos no Monte e ao fim da tarde ou à noite, o Simão gosta de fazer umas “conversetas”, como ele chama a uma conversa sobre um tema que ele escolhe.

Na maior parte das vezes conversamos sobre coisas da natureza e do ambiente, gosta imenso de falar sobre estas coisas.

Eu também gosto muito destas conversetas com o meu neto Grande.

Lembro-me de uma no Verão passado, não pelo tema, mas porque a fizemos numa noite de Lua grande em que se via muito bem e caminhámos pelos trilhos do Monte com a luz do luar e o Simão deslumbrado, era uma estreia para ele, andar à noite na rua, sem iluminação e a ver-se tão bem.

A verdade é que ficámos os dois deslumbrados.

No Natal passado o Simão e o Tomás receberam skates com que continuam a divertir-se.

O meu neto Pequeno, o Tomás com quatro anos na altura, numa expressão que lhe é peculiar chama-me entusiasmado, “Avô, vê só esta manobra!”

E no telheiro do Monte, que tem algum declive, coloca-se de gatas no skate, um pouco de balanço e desliza realizando uma curva com o corpo inclinado, como acho que deve ser necessário na condução de tal veículo.

“Viste, Avô? É uma manobra com curva!”

“É mesmo Tomás! Fizeste uma manobra mesmo boa, eu não sou capaz de fazer.”

“Pois não Avô, só quando tiveres quatro anos”.

Fiquei rendido à elegância com que o Tomás certificou a minha inaptidão para o skate. Nunca irei chegar aos quatro anos. Entretanto, ele já passou para os cinco anos e eu nem imagino colocar os dois pés em cima do skate.

São assim os dias mágicos da avozice.

sábado, 26 de junho de 2021

AINDA A PROPÓSITO DO VAP - VALOR ACRESCENTADO DO PROFESSOR

 

Merece leitura e reflexão o texto de Paulo Guinote no Público, “Até à Lua e mais além”, dedicado ao trabalho que também aqui referi, “O Impacto do Professor nas Aprendizagens do Aluno: Estimativas para Portugal” produzido por investigadores da SBE Nova e do University College de Londres para o Edulog, o “think tank” para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo.

O trabalho procurou avaliar o impacto dos professores nas aprendizagens dos alunos e construiu uma “medida”, o VAP – Valor Acrescentado do Professor.

Como referi em texto anterior é com algumas reservas que leio as conclusões de diferentes estudos oriundos da área da economia da educação porque, como disse e do meu ponto de vista, com alguma frequência, sobra economia e falta educação.

Também a construção deste VAP – Valor Acrescentado do Professor, tal como a Paulo Guinote, me levanta dúvidas e, já agora, permitam-me que acrescente à reflexão um episódio vivido há algum tempo.

Estava a participar num conjunto de conversas com alunos do 2º e 3º ciclo em que se discutia o que era essa coisa de ser professor e, sobretudo, um bom professor.

A maioria dos alunos envolvia-se activamente e a continuidade das intervenções levou à identificação de uma resposta de um aluno do 2º ciclo, "bom professor é o que fala com a gente e explica bem". Esta ideia sintetizava as opiniões expressas pelos alunos que, já agora, é importante ouvir quando o tempo e a gestão do programa permitem. Talvez a ideia seja demasiado simples, eles ainda não são economistas da educação ou especialistas em matéria que não seja a sua própria vida.

Ainda assim, talvez os alunos tenham razão, os professores que explicam bem e falam com eles acrescentam os alunos, fazem-nos maiores e melhores. Assim os professores queiram e, sobretudo, possam pois é uma tarefa difícil no meio de inúmeros constrangimentos de natureza diversa.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 

Na passada quarta-feira realizou-se uma audição promovida Comissão de Educação, da Assembleia da República ouvindo alguns dos actores do universo da educação sobre a designada educação inclusiva. Ao que leio no JN, a avaliação não foi particularmente positiva sendo particularmente referida a falta de recursos que permita educação de qualidade para todos, ou seja, educação inclusiva.

A falta de recursos envolve professores, técnicos de formação diversa e assistentes operacionais, mas também recursos como equipamentos.

Não sei se também foram ouvidos pais, mas tenho regular conhecimento de muitas situações em que o apoio educativo a alunos mais vulneráveis é insuficiente ou ineficiente comprometendo a ideia de educação inclusiva contemplada nos quadros legais.

Ao fim de mais de quarenta anos nesta lida, a educação de crianças e jovens com necessidades especiais, (sim, com necessidades especiais) ou, de forma mais lata, a resposta educativa à diversidade, o cansaço cresce a par de algum desencanto. A idade também já não me permite optimismos ingénuos e aceitar que a realidade é o que me dizem que é e não o que nela vejo, oiço, leio. Acresce que a minha agenda não é de geometria variável, posso estar errado, mas assenta no que entendo ser o melhor para crianças, famílias, professores e técnicos.

E também já não chega saber que também acontecem coisas muito positivas nas escolas e comunidades. Tal facto, que saúdo, ilustra, aliás, a única dimensão em que o sistema é verdadeiramente inclusivo, acomoda de tudo, da excelência ao atropelo de direitos. Sempre em nome da inclusão.

Mas a verdade é que cada vez sinto mais dificuldade em falar sobre educação inclusiva.

É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e instrumentos legislativos e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, a inclusão até se constitui como um nicho de mercado promissor.

O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz e o caminho que se percorreu, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

Este é o caderno de encargos que nos convoca, deveria convocar, a todos, todos os anos, todos os dias.

Estas notas não se colam aos dias atípicos que vivemos, mas também envolvem os dias atípicos que vivemos.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

A PROPÓSITO DO VAP (VALOR ACRESCENTADO DO PROFESSOR)

 

Foi ontem apresentado um trabalho realizado por investigadores da Nova School of Business and Economics (SBE) e do University College London para o think tank Edulog sobre o impacto do trabalho dos professores.

Para o efeito foi definida uma medida, o VAP – Valor Acrescentado do Professor e consoante o seu VAP divididos em percentis. Lê-se no Público que os investigadores concluíram que “se todos os docentes que estão no percentil 10 – ou seja, entre os 10% com menos efeito nas notas – passassem a ter o desempenho dos colegas do percentil 90 – isto é, os 10% com mais impacto – havia uma melhoria substancial dos resultados dos estudantes”. Como exemplo e referindo o secundário, se os docentes com menor VAP (percentil 10) estivessem incluídos no percentil 90, a percentagem de notas negativas caía de 70% para 23%. Também o número de estudantes com classificação máxima passava de zero para 17%.

Não conheço o estudo, nem como é construído o VAP, mas assumo recorrentes dúvidas sobre estudos desta natureza em que predomina economia e falta educação. Apesar de não conhecer o construto Valor Acrescentado do Professor e certamente por iliteracia minha em economia da educação, temo o risco ver definida a avaliação dos raros alunos dos cursos de formação de professores pelo seu potencial de VAP ou avaliar os professores pelo VAP. A ver vamos.

No entanto, dito isto, também conheço e reconheço de há muito o impacto que o trabalho dos professores tem no desempenho dos alunos, o Council for Exceptional Children, entidade dos EUA, afirmava em 2000 que "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".

É também verdade que raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores, talvez tenham mesmo um bom “VAP”.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Por um momento, pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.

Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás, nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade.

Pensemos em como os professores são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.

Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.

Pensemos que a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.

Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade.

Gostava ainda de deixar uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é. É da relação que tudo nasce numa sala de aula, qualquer que seja a configuração.

A verdade é que de todos os professores que connosco se cruzaram os que mais nos marcaram positivamente foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram por importante que seja. Deixaram-nos um “Valor Acrescentado” que não sabemos medir, mas sabemos que ficou.

terça-feira, 22 de junho de 2021

QUALIFICAÇÃO, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 

Com os apoios do PRR as instituições de ensino superior poderão apresentar candidaturas que lhes permitam aumentar a oferta formativa.

A oferta contemplará cursos nas “áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática e pretende-se uma ligação das instituições de ensino superior a entidades como empresas ou autarquias” conforme notícia do Público.

Os destinatários são jovens e adultos e o grande objectivo é aumentar o número de cidadãos mais jovens ou já na vida activa com qualificação adquirida no superior.

Por princípio, entendo que a oferta e promoção de qualificação é uma boa medida, a qualificação nas sociedades actuais é um bem de primeira necessidade, mas duas pequenas dúvidas.

Com base no que foi divulgado  e também em experiências já desenvolvidas, uma primeira nota para a ausência das ciências sociais desta iniciativa, não porque a estranhe, mas porque se mantém esta perspectiva que se foi instalando de as desvalorizar como formação e profissão. Ainda assim, registo com agrado a presença das Artes.

Por outro, desejo que esta oferta seja de facto no sentido da qualificação e não da certificação que, apesar de compor estatísticas, não é relevante do ponto de vista social e económico e acaba por constituir um “tiro no pé”, descredibilizando as iniciativas de formação.

A ver vamos.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

O PUTO DOS DESATINOS

 

Era uma vez um rapaz, pequenino, daqueles que agora "inventaram" que parece só fazer o que quer, quando quer e onde quer. Como é natural, os pais, volta e meia, ficavam embaraçados com os desatinos do menino. Em casa ainda vá que não vá, estavam sós e ninguém reparava, mas fora de casa o rapaz parecia que fazia de propósito arranjando confusão e fazendo disparates nas situações mais inconvenientes.

Um dia, estava a mãe a passear com o rapaz no jardim e ele, como de costume, corria atrás dos pombos, interrompia brincadeiras doutros miúdos, atirava pedras aos patos do lago e o mais que a sua imaginação sugeria. A mãe, envergonhada, assistia discretamente e, apesar da inutilidade, de vez em quando chamava-o.

Um velho que passava, reparou na cena e dirigiu-se à mãe, “menino traquinas o seu, não é?”. “Nem me fale, não faço nada dele”. O velho ficou mais uns minutos a pensar e a ler o rapaz e disse à mãe que, querendo ela, no dia a seguir lhe daria algo que talvez ajudasse. A mãe, apesar de desconfiada, disse que viria.

Quando chegou, o velho deu-lhe uma caixa e disse-lhe para que, sempre que o rapaz fosse começar uma das suas travessuras, ela lhe desse a mão com muita força, lhe oferecesse uma daquelas coisas que estava na caixa e lhe contasse uma história. Quando a mãe abriu a caixa apenas encontrou folhas de papel que tinham escrito com uma letra muito bonita “Gosto muito de ti, mas NÃO PERMITO que faças isso, agora vou contar-te uma história”.

Às vezes, demasiadas vezes, esquecemo-nos que o “não”, tal como o “sim”, é um bem de primeira necessidade na vida dos miúdos.

sábado, 19 de junho de 2021

"SER PROFESSOR: CINCO MANEIRAS DE ATRAIR CANDIDATOS À PROFISSÃO"

 Gostei de ler, “Ser professor: Cinco maneiras de atraircandidatos à profissão”, um texto de Bárbara Wong no Público.

(…)

Quem são os principais prejudicados por este sistema que quer poupar nos recursos, quando os professores contribuem para o esbatimento de desigualdades sociais, para o tal elevador social, para a defesa da democracia? Os alunos.

(…)

Duas pequenas notas. Como é reconhecido, os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

Aliás, tenho para mim que crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo passa pela escola e pela educação.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

TRAZER EVIDÊNCIA À EVIDÊNCIA AUMENTANDO A EVIDÊNCIA DA NECESSIDADE

 

O Conselho Nacional de Educação desenvolveu em Julho de 2020 um inquérito junto de directores e professores com funções de coordenação das escolas. O trabalho, “Educação em tempo de pandemia:Problemas, respostas e desafios das escolas” foi ontem divulgado.

Os resultados, por assim dizer, vieram trazer evidência à evidência aumentando a evidência da necessidade, para recorrer a termos muito em uso. Algumas notas.

De acordo com os inquiridos 92% das escolas não dispunha de equipamentos e acessibilidade à net com qualidade e em 80% das escolas esta questão afectava famílias e alunos.

Apesar do esforço gigantesco realizado por professores e escolas, sublinhe-se que 96% dos docentes recorreram a equipamentos pessoais face a 2% que recorreram aos da escola e 99% a ligação própria à net Também 41% dos directores e 47% dos professores referem a falta de competências digitais dos docentes e o impacto no eniso não presencial tal 79% dos directores e 80% dos professores referem que o ensino não presencial foi "afetado ou muito afetado" pela falta de formação de alunos e famílias na utilização de recursos digitais.

É relevante a afirmação de que 78% dos alunos cumpriram com regularidade o trabalho proposto, mas 66% dos docentes afirma não ter cumprido a planificação do 3º período, 7% não “deram” matéria e nova e 11% não realizaram avaliações sobre os conteúdos passados no ensino não presencial.

Basicamente, esta é a evidência que se junta à evidência já conhecida. Do meu ponto de vista acrescento que simpatizo pouco com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza, sobretudo quando são subscritos, por exemplo, pelo Ministro da Educação.

No inquérito foi também abordado a forma como podem ser minimizados ou ultrapassados os efeitos negativos na trajectória de aprendizagem de alguns alunos.

Em síntese, diminuição dos grupos turma, 89% dos directores e 73% dos docentes, ajustamentos nos conteúdos curriculares defendem 74% dos directores e 73% dos professores.

Os directores, 78%, propõem o recurso à coadjuvação ou parcerias nas aulas, 69% referem a necessidade de tutorias 68% refere necessidade apoios individualizados.

Conforme aqui tenho escrito e afirmado, este caderno de encargos, por assim dizer, sem surpresa, parece-me genericamente ajustado pois as escolas conhecem as problemáticas e sabem como lidar com elas, assim tenham autonomia e recursos.

Como há poucos dias escrevi, ainda não conheço os conteúdos do anunciado Plano 21/23 Escola + destinado justamente a promover a recuperação dos efeitos nas trajectórias de aprendizagem dos alunos que estes dois anos lectivos provocaram e a iniciar no próximo ano.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é necessário é dotar as escolas dos recursos necessário para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Com ressalta do trabalho agora conhecido, recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis. Por outro lado, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., também me parecem essenciais.

 Esta é a evidência que é necessária e que falta conhecer.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

INCLUSÃO E ENSINO SUPERIOR

 

Depois de uma fase experimental iniciada em 2019 e dos resultados conseguidos a Universidade de Aveiro estrutura uma formação destinada a pessoas com dificuldades de natureza cognitiva. Os futuros alunos terão o mesmo calendário que os restantes alunos e a realização de estágios contextos profissionais. A formação não confere grau, mas são certificadas competências obtidas.

É uma iniciativa que merece registo e divulgação como também merece o trabalho desenvolvido pela Escola Superior de Educação de Santarém com um Curso de Formação em Literacia Digital.

Felizmente tem vindo a aumentar o número de alunos com necessidades matriculados no ensino superior. Em 2019, o número de alunos era 310, um aumento de 34% relativamente ao ano anterior e superior em 158% ao que se verificava em 2015.

Sendo de registar a subida importa, no entanto, considerar que em 2017/2018 frequentavam o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes registe-se que apenas 14% foram ocupadas.

Estamos ainda muito longe ainda do que seria desejável.

De acordo com a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no ano lectivo 2016/2017 havia 87.039 alunos com necessidades especiais inscritos nas escolas portuguesas. Muitos destes alunos passam por experiências de sucesso independentemente do seu perfil de competências, felizmente que assim é.

No entanto, para muitos o período que se segue é um enorme túnel no qual poucas vezes se vislumbra uma luz, sobretudo em situações com problemáticas mais severas designadamente quando existem dificuldades de natureza cognitiva, a situação dos jovens a participar nos trabalhos em curso na Univ. de Aveiro ou na ESE de Santarém e daí, também, a sua relevância.

Desculpem a insistência e a repetição ... mas é necessário.

Como tantas vezes tenho dito, aqui e nos espaços de contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário, e existe muita matéria para reflectir e sobre as mudanças necessárias como milhares de famílias sentem de forma dramática.

Por outro lado, é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade obrigatória os jovens, todos os jovens, têm três vias disponíveis com patamares diferenciados e até com possibilidade de integração entre elas, formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade que pode ter uma dimensão ocupacional).

A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão. De facto, muitos deles, ficam entregados (não integrados) às famílias ou encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências muito positivas interessantes, se recicla a exclusão. Mas mesmo o acesso a instituições é extraordinariamente difícil dadas as listas de espera que regularmente são referidas.

Esta dificuldade de acesso envolve quer a resposta no âmbito da formação profissional, quer no apoio a situações com problemáticas mais severas.

Desculpem a enésima referência, mas um processo de inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

As pessoas com necessidades especais de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar, aprender e pertencer nos e aos contextos em que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições especializadas ou voltar para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.

É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações e expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades e apoios ou, aspecto fundamental, promover melhor articulação com o ensino secundário.

As questões mais complexas decorrem, os estudos e a experiência sugerem-no, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial", técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias.

Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva. Estas situações são ainda mais representadas como … difíceis de responder.

No entanto, como tantas vezes digo, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão. Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.

Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens, mas também por cá mostram que não é utopia como é o caso do que acontece em Santarém com, tanto quanto conheço, resultados positivos e do trabalho da Universidade de Aveiro agora prolongado.

O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

Eu já disse e escrevi isto várias vezes e em múltiplos contextos e ocasiões. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo. Os velhos são teimosos.

 

PS – Esta teimosia justifica-se por várias razões. Na caixa de comentários do Público à primeira notícia que referia a iniciativa da Univ. da Aveiro lia-se no único comentário existente na altura em que a li, “O que não fazem as universidades para ter alunos, qualquer dia em vez de ensinarem limitam-se a atribuir diplomas”.

Não é um caminho fácil.

terça-feira, 15 de junho de 2021

OS CAMPEÕES DE MUITAS PROVAS

 

A selecção portuguesa inicia hoje a participação no Europeu de Futebol. Pouca gente não terá dado por isso e ainda não ganhámos nada, apenas o direito a participar.

Jorge Fonseca tornou-se há dias bicampeão mundial de Judo nos Mundiais de Budapeste nos quais a selecção portuguesa teve uma prestação notável. Alguma gente deu por isso.

A selecção portuguesa conquistou 29 medalhas, 5 de ouro, nos campeonatos Mundiais de atletismo para deficiência intelectual. A selecção portuguesa tornou-se campeã mundial em masculinos e Lenine Cunha foi o atleta mais medalhado.

Das 29 medalhas conquistadas por atletas portugueses nesta competição, cinco foram de ouro. Lenine Cunha foi o mais medalhado, 7 medalhas e considerado o melhor atleta da competição. Portugal recuperou o título de campeão mundial em masculinos. Pouca gente terá dado por isso.

Como é óbvio estes resultados mereciam um destaque que, provavelmente, não irão ter.

Nada de novo. A vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e a funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, pode implicar. Como é evidente, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

Como disse, provavelmente o feito desportivo destes atletas terá o relevo que merecia. As primeiras páginas, mesmo no desporto, não são para estes indivíduos, as pessoas com deficiência não têm "glamour", não enchem estádios e não fazem movimentar milhões, não são colunáveis, são apenas, simplesmente, campeões, a sério.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

DAS PROVAS DE DIAGNÓSTICO PARA AFERIÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 

Cerca de 62 000 alunos do 2º, 5º e 8º ano iniciam hoje a realização das provas de “Diagnóstico para Aferição das Aprendizagens”.

As primeiras provas deste “pacote” realizaram-se em Janeiro envolvendo o 3º, 6º e 9º ano e uma amostra de 12960 alunos do 3.º, 6.º e 9.º anos e incidiu sobre Matemática, Leitura e Ciências.

Desde o seu anúncio e apesar de reconhecer como imprescindíveis os dispositivos de avaliação externa, exprimi alguma dificuldade em compreender a sua realização no calendário definido, com aquela metodologia e com aqueles conteúdos e objectivos.

Os resultados das provas realizadas em Janeiro foram conhecidos no final de Março e em síntese, só no 3.º ano mais de metade dos alunos ultrapassaram o nível considerado elementar nas três áreas em avaliação. No 6.º e 9.º ano e nas três áreas a maioria dos alunos não atingiu o nível esperado de conhecimentos elementares.

Na altura questionei-me sobre o que farão as escolas com estes resultados obtidos por amostra de cerca de 13 000 alunos de três anos de escolaridade durante o terceiro período? Agora vão realizar-se as do 2º. 5º e 8º, também por amostra e a poucas semanas do fim do ano lectivo.

Acresce que se aguarda uma divulgação mais pormenorizada do Plano 21/23 Escola + destinado justamente a promover a recuperação dos efeitos nas trajectórias de aprendizagem dos alunos que estes dois anos lectivos provocaram e a iniciar no próximo ano.

Como com alguma referência aqui tenho referido parece-me claro que o maior ou menor impacto nas aprendizagens, por múltiplas razões, é extremamente diversificado em cada aluno como, aliás, é reconhecido desde o primeiro confinamento e dificilmente obtido por amostra e envolvendo apenas alguns anos de escolaridade.

Também entendo que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação. A generalidade das escolas estará a trabalhar neste sentido da forma e com os recursos possíveis.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é necessário é dotar as escolas dos recursos necessário para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais.

Será o que se espera de tudo o que tem sido anunciado e do Plano 21/23 Escola +.

Neste contexto, tenho dificuldade em entender a realização destas provas.

Como tenho escrito já me cansa duvidar ou discordar. Seria mais tranquilo aplaudir e apoiar as medidas e iniciativas neste meu, nosso mundo, a educação, mas também faz parte da seriedade e importância que lhe atribuo.

Também reconheço que os tempos são duros e os constrangimentos gigantescos para pessoas e entidades limitando a sua capacidade de resposta.

Provavelmente, estas notas sobre esta iniciativa relevam de um problema de compreensão ou desconhecimento da minha parte, portanto … desejo muito que sejam úteis … se possível.

domingo, 13 de junho de 2021

DO EFECTIVO DE TURMA E DO NÚMERO DE TURMAS LECCIONADAS

 

No DN está uma peça que merece reflexão, trata a questão do número de turmas com que muitos professores trabalham.

Na peça é mais especificamente abordado a situação dos docentes de TIC registando-se casos de professores com 24 turmas e cerca de 500 alunos. Parece dispensável explicitar a extrema dificuldade de desenvolver um processo de ensino e aprendizagem adequado, incluindo a avaliação com 500 alunos para gerir.

Numa altura em que ainda não conheço de forma mais pormenorizada o anunciado o Plano 21/23 Escola + destinado a promover a recuperação dos trajectos de aprendizagem afectados pela pandemia e que tem como uma das dimensões a promoção da literacia digital, talvez se justifique retomar umas notas relativas à organização das turmas, em particular o seu efectivo, mas também o número de turmas atribuídas a um professor.

Continuo a defender a importância da autonomia das escolas e agrupamentos na gestão do efectivo das turmas. Esta “autonomia” deverá ser regulada pela rede definida e espaços o que, apesar de ser um passo positivo, minimizará o impacto real da medida dados os constrangimentos em matéria de recursos docentes e espaços. Acontece, por exemplo, que nem sempre se verifica a redução do efectivo de turma quando existem alunos com necessidades educativas especiais embora agora não se possa usar esta terminologia.

Por outro lado, como já escrevi e insisto, seria desejável que em conjunto com a autonomia da gestão do efectivo de turma se considerasse um outro importante aspecto nem sempre valorizado, o número de turmas por professor. Muitos professores lidam com um número elevado de turmas implicando muitas situações de trabalho com mais de 120 alunos. O trabalho no DN sobre os docentes de TICParece dispensável explicitar as implicações negativas desta situação.

A revisão de estudos sobre o número de alunos por turma e o seu impacto mostra o que também conhecemos, existem vantagens em turmas de menor dimensão que podem ser mais ou menos significativas em função das variáveis em análise.

Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.

Alguns estudos, apenas centrados em resultados, não encontram diferenças significativas, mas também me parece que nem sempre são consideradas variáveis importantes, de contexto por exemplo, o que frequentemente também não é tido em conta nos discursos de alguns economistas da educação.

É também fundamental considerar as diferentes características dos diversos territórios educativos independentemente da sua classificação como TEIP. Na verdade, é necessário considerar as diferenças de contexto, isto é, a população servida por cada escola, as características e dimensão da escola, a constituição do corpo docente, os recursos disponíveis, etc. Importa ainda sublinhar que a qualidade e sucesso do trabalho de professores e alunos depende de múltiplos factores, sendo que a dimensão do grupo é apenas um, ou seja, importa considerar, vejam-se relatórios e estudos nesta área, as práticas pedagógicas, os processos de organização e funcionamento da sala de aula e da escola, recursos e dispositivos de apoios, bem como o nível de autonomia de cada escola ou agrupamento, entre outros. Daí a importância de promover uma autonomia real. Aliás, dentro do que entendo por verdadeira autonomia das escolas, deveriam ser a ter a competência para definir e organizar as turmas embora aceite a existência de orientações nesse sentido.

Aliás, também com base na autonomia das escolas poderiam ser consideradas outras opções como a presença de dois professores em sala de aula ou, insisto, programas de tutoria com recursos suficientes. Em algumas circunstâncias pode ser mais vantajosa que a redução do número de alunos por turma.

Acresce nesta matéria a importância da qualidade do trabalho em turmas com alunos com necessidades educativas especiais o que, evidentemente, deve ser considerado na análise do efectivo de turma, desde logo cumprindo o que esteja legislado e acautelando a tentação de “inclusões administrativas” em que os alunos ficam “entregados” e não “integrados”.

Diga-se ainda, que é quase dispensável referir a diferença entre trabalhar com 26 ou 28 alunos num estabelecimento privado de acesso “protegido” ou com o mesmo número de alunos num mega-agrupamento de uma escola pública em que um professor lida com várias turmas, centenas de alunos ou se desloca entre escolas para trabalhar.

Não só por esta razão, dimensão das turmas e qualidade do trabalho dos alunos, de todos os alunos, e dos professores, também me parece que deveria ser promovida uma verdadeira desburocratização do trabalho nas escolas e promovido algum ajustamento na sua organização e funcionamento o que certamente libertaria tempo de professores para trabalho em turma ou em apoios que promovessem qualidade.

Sei que mudanças neste sentido são politicamente difíceis e terão custos. No entanto, são imprescindíveis e os custos do insucesso e da exclusão são incomparavelmente mais caros.

Aguardo o que também neste âmbito integrará o Plano 21/23 Escola +.

sábado, 12 de junho de 2021

A PEGADA ÉTICA

 

Um dos eixos dos Planos de Recuperação e Resiliência a desenvolver pelos países da UE para os anos pós-pandemia, é a transição ambiental, na qual, aliás, Portugal parece ser dos países que menos se propõe investir nesta área.

A verdade é que apesar da lentidão da mudança o despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.

Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes, mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do seu peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.

No entanto, do meu ponto de vista e também preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos continuar, vejo poucas referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética.

Os comportamentos, discursos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.

As lideranças, as várias lideranças de diferentes áreas, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir. Não passa semana que não tenhamos mais um episódio ilustrativo desta pantanosa pátria nossa amada.

Nas sociedades democráticas é exigido que os quadros legais sejam protectores e promotores dos direitos dos cidadãos. No entanto, tanto ou mais do que a “qualidade” do quadro legal importa a robustez ética da cidadania, em particular dos cidadãos com funções mais relevantes nas diferentes áreas de funcionamento das comunidades.

Os sucessivos episódios, comportamentos e discursos a que recorrentemente assistimos são a prova da imperiosa necessidade de reconfigurar padrões éticos.

Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida, pela sustentabilidade do planeta ou pelo futuro, o que quiserem.

Em termos mais pragmáticos e face aos numerosos e despudorados incidentes que regularmente surgem, talvez fosse de considerar a instalação urgente de uma ETAR – Estação de Tratamento do Ambiente da República.

Gostava de acreditar que ainda estaremos a tempo de recuperar o ambiente da República.

Haverá ETAR que responda? Sim, nós.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

DAS AEC

 

De acordo com dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, baixou 6% o número de alunos do 1º ciclo que este ano lectivo frequentam Actividades de Enriquecimento Curricular. A pandemia terá algum peso neste decréscimo embora este se tenha vindo a verificar nos últimos anos, quase sempre por decisão dos pais que, com alguma frequência, referem a necessidade de que estas actividades sejam mais valorizadas pelas próprias escolas.

Nas actuais circunstâncias, a reflexão sobre esta questão, abaixamento da frequência das AEC, tem contornos muito particulares, ainda recordo a dificuldade e desmotivação do meu neto para participar em AEC não presenciais no ano lectivo passado quando frequentava o 1º ano.

No entanto, considerando um futuro que desejamos próximo, importaria alguma reflexão sobre as Actividades de Enriquecimento Curricular.

As AEC emergem, (não só, mas sobretudo) em 2006/2007 no âmbito de um programa designado por “Escola a tempo inteiro”, como resposta aos constrangimentos que os estilos de vida actuais colocam às famílias para assegurar a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares radicando no que considero um equívoco, o estabelecimento de uma visão de “Escola a tempo inteiro” em vez de “Educação a tempo inteiro”. Aliás, foi anunciado a sua extensão ao 2º ciclo.

Ainda em termos prévios e como sempre tenho defendido seria também importante que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível. Talvez alterações desta natureza possam emergir como resultado da situação que estamos a atravessar.

Também poderíamos explorar outras respostas de natureza comunitária que pudessem ser uma alternativa ao prolongamento significativo da estadia na escola, pode atingir mais de 50 horas semanais se os pais necessitarem, considerando horário curricular, AEC e Componente de Apoio à Família.

É preciso o maior dos esforços, equipamentos e recursos humanos qualificados para que se não transforme a escola numa “overdose” asfixiante para muitos miúdos. Será ainda importante verificar como é gerida a situação e participação de alunos com NEE nestas actividades.

É verdade que existem boas práticas neste universo e que devem ser sublinhadas e divulgadas, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Este obstáculo acaba por resultar na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos e áreas, de forma rígida próxima do currículo escolar.

A enorme latitude de práticas que se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas, ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam como assegurar o envolvimento e responsabilidade da escola e a sua autonomia?

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Sendo optimista vamos esperar que tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.

Nota final. Não referi, mas não esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização das AEC, designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de "salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.   

quarta-feira, 9 de junho de 2021

EXAMES FINAIS DO SECUNDÁRIO. SERÃO MAIS DIFÍCEIS ESTE ANO?

 

Foi hoje divulgado que os exames nacionais do secundário terão a mesma estrutura que os do ano passado incluindo questões de resposta opcional. No entanto, dado que em 2020 se verificaram notas muito altas em algumas disciplinas, este ano o número de perguntas de resposta opcional é substancialmente menor procurando combater o “enviesamento” verificado.

Sabemos que uma das várias funções da avaliação é a ordenação dos alunos, ou seja, ser eficiente no escrutinar o nível de conhecimentos dos alunos e ordenar esse nível de acordo com a escala definida. Assim, se num determinado exame a generalidade das notas está muito perto da nota mais alta, ou, pelo contrário, muito perto da nota mais baixa, algo não está adequado no exame, não cumpre a função de ordenação dos alunos pelo seu nível de conhecimento, para além de não cumprir outras funções.

A este propósito, recordo que em 2015 causou alguma polémica a afirmação do então Presidente do IAVE numa conferência que existiria uma gestão política dos exames, exemplificando que uma alteração cirúrgica numa ou duas perguntas seria suficiente para que as médias subissem ou descessem conforme a “encomenda”.

A questão persiste e é tanto mais relevante quanto o peso que a nota dos exames finais tem na candidatura ao ensino superior.

Os alunos que no ano passado se confrontaram com uma estrutura mais “amigável” com várias perguntas de resposta opcional poderão ter realizado a sua candidatura ao superior em condições mais favoráveis que os alunos deste ano, as médias serão mais baixas, independentemente do nível de conhecimento dos dois grupos. Acresce ainda a leitura que os resultados finais merecerão em termos comparativos se os exames têm estruturas diferentes, tal como aconteceu comparando os exames de 2019 com os de 2020.

É também por estas questões que, recorrentemente e de há muito, tenho defendido um ajustamento no acesso ao ensino superior.

Entre outras questões e como tantas vezes tenho escrito coloca-se desde logo a desvalorização do próprio ensino secundário que deveria ser valorizado e percebido com a finalização de um ciclo de estudos e não como a antecâmara do superior e a sala de explicações para preparação para os exames, aliás ouve-se com frequência o desconforto de docentes de ensino secundário como este quadro. Na verdade, sentem o seu trabalho com os alunos hipotecado ao peso dos exames e não à formação a adquirir no ensino secundário nas diferentes disciplinas.

Por outro lado, a situação actual favorece, como é sabido e reconhecido, a iniquidade assente na "simpatia generosa" de algumas escolas, maioritariamente privadas, que inflacionam a avaliação interna dos alunos ou o florescimento de um nicho de mercado, as explicações ou centros de estudo, dirigido à preparação para os exames com custos não acessíveis a boa parte das famílias.

Assim, parece-me ser adequado entender que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.

Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.

O acesso ao ensino superior será um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela com também sugere a recomendação do CNE divulgada em 2020. Seriam exigidos, naturalmente, dispositivos de regulação deste processo.

Parecer-me-ia mais ajustado que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.

Sublinho minimizando equívocos que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas.

Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior não valorizamos o ensino secundário no que lhe é próprio e ainda corremos o risco de lidar com situações e negócios que sendo úteis a alguém não o serão, obviamente para a maioria das famílias.   .


terça-feira, 8 de junho de 2021

MIÚDOS COM SONO

 

Alguma da imprensa de hoje faz referência a um estudo realizado pelo Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da FCT da U. de Coimbra e publicado na "Sleep Medicine", “Home vs. bedroom media devices: socioeconomic disparities and association with childhood screen-and sleep-time”.

O estudo envolveu 8.430 crianças, entre os 3 e os 10 anos de escolas públicas e privadas e evidencio, em linha com o que já se conhece, que a presença de dispositivos electrónicos no quarto das crianças ou a sua utilização diária prolongada provocam uma diminuição significativa no tempo de sono das crianças.

Um dado relevante é que, apesar de serem as famílias com mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais recursos digitais é nas famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no quarto. Uma hipótese explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor literacia digital destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à utilização excessiva.

A qualidade e higiene do sono são, de facto, matérias de grande importância no bem-estar e qualidade de vida das pessoas e em todas as idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida, sobretudo no que respeita aos mais novos, como muitas vezes aqui tenho referido. De novo algumas notas.

Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido. mostram isso mesmo.

E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto.

O período de confinamento e sobrevalorização da presença dos dispositivos digitais no dia-a-dia acentuou algumas preocupações que este estudo vem de novo sublinhar.

Em 2013, um trabalho da University College of London mostrava o impacto negativo que a ausência de rotinas como deitar à mesma hora podem ter no bem-estar e saúde das crianças afectando, por exemplo, o processamento da aprendizagem.

Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada como registo em muitas conversas com pais de crianças e adolescentes.

A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa, mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.

Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.

As situações de stresse familiar serão importantes, mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa parte das crianças e adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem no quarto como também o sugere o trabalho agora divulgado.

Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.

Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

A experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

domingo, 6 de junho de 2021

A PANDEMIA NO FEMININO

 

A pandemia que nos atropelou desde o início de 2020 tem tido efeitos devastadores, mas profundamente assimétricos.

Sem estranheza, o impacto mais pesado envolve os grupos sociais em circunstâncias mais vulneráveis independentemente do critério de vulnerabilidade. A título de exemplo e sem ordenar temos no âmbito económico na área do turismo e restauração, as famílias em que se verificou perdas significativas de rendimento, do ponto de vista de saúde o a devastação nos grupos mais idosos, na educação o maior efeito negativo verificado nos alunos com famílias com menores recursos e literacia digital, etc.

No Expresso encontra-se uma peça que sublinha o impacto brutal da pandemia e dos confinamentos que envolveu no quotidiano das mulheres, designadamente nas mães com crianças mais pequenas e nas mães solteiras. Os dados que estão a seguir são elucidativos e, provavelmente, estarão subavaliados considerando o envolvimento maternal no âmbito ensino não presencial.

Conforme um trabalho recentemente divulgado realizado pelo Instituto Europeu da Igualdade de Género, cito do Expresso, “a pandemia aumentou as tarefas domésticas e de cuidado tanto para homens como para mulheres, embora a maior fatia continue a recair sobre estas: dedicam agora, em média, 31,2 horas por semana a tarefas domésticas (18,6 horas) e a cuidar de crianças (12,6) — o equivalente a quatro dias de trabalho remunerado — enquanto os homens se ficam pelas 19,9. Antes da pandemia (dados de 2016), as mulheres gastavam 28 horas em trabalho não pago, os homens 12,6. Uma vez que o levantamento foi feito em julho de 2020, quando as crianças já tinham voltado à escola e/ou estavam de férias, os autores do estudo admitem que os dados poderão subestimar as dificuldades sentidas pelos casais entre março e maio, quando o ensino à distância fez emergir uma nova forma de trabalho não pago e colocou mais pressão sobre as famílias.”

Este cenário tem implicado situações complicadas ao nível da qualidade de vida e bem-estar psicológico, aumentaram significativamente os casos de “burnout” e mal-estar, degradação das relações familiares, etc.

Quando todos nós ansiamos por ainda distante regresso à normalidade, seja lá isso o que for, estes efeitos perdurarão e mereceriam uma atenção que dificilmente obtêm dada a pressão do quotidiano.

Por isso, é tão importante o investimento dimensões como recursos no âmbito da saúde mental e apoio ao bem-estar psicológico, políticas de família adequadas e amigáveis para a maternidade, incluindo apoios sociais e educativos, insistir num caminho de equidade e equilíbrio na participação de homens e mulheres na vida familiar e respectivas tarefas.

sábado, 5 de junho de 2021

O PROFESSOR QUE CONTAVA HISTÓRIAS DE ADIVINHAR

 

Era uma vez um professor, bom, já não era bem um professor porque, sendo velho e tendo havido alguém que se esqueceu de o mandar embora, ainda vinha todos os dias para escola só para contar histórias aos miúdos, dizia ele.

Não tinha família que por ele esperasse, esperava ele que os alunos viessem às histórias quando não tinham aulas a sério. E eles vinham.

As histórias que contava eram estranhas, passavam-se sempre no futuro. Falavam de pessoas que os miúdos haveriam de conhecer, das coisas que haveriam de fazer, das terras onde haveriam de ir, das coisas que iriam aprender, de coisas difíceis que iriam encontrar, de coisas muito bonitas e, às vezes feias, que iriam acontecer, enfim, a partir do que eles já sabiam, mostrava-lhes o que ainda desconheciam. Era assim como se fossem histórias de adivinhar e os miúdos gostavam.

Eles só não sabiam que o professor velho, de vez em quando, em vez de ir para casa onde não tinha ninguém, ia num instante espreitar o futuro. Assim podia ajudá-los a chegar lá.

No fundo … é o que todos os professores que são professores fazem.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

DO PLANO DE RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 

No dia 1 foi apresentado pelo Ministro da Educação o Plano 21/23 Escola + destinado a promover a recuperação dos trajectos de aprendizagem afectados pela pandemia. Como é óbvio o impacto foi, é, extremamente diversificado, quer na natureza, desempenho escolar e/ou bem-estar, quer no nível maior ou menor de dificuldades criadas, sendo certo que envolve um número muito elevado de alunos.

Não encontrei ainda um documento formal de apresentação do plano pelo que para estas notas me sirvo da descrição relativamente pormenorizada que se encontra no Público.

O plano apresentado representa um encargo de 900 milhões de euros, 140 milhões para recursos humanos; 43,5 milhões para formação; 47,3 para recursos digitais; e 670 milhões para apetrechamento e infra-estruturas.

Certamente tudo estará justificado, mas, do meu ponto de vista, um Plano de Recuperação de Aprendizagens parece ter como necessidade central, avaliação das necessidades de cada alunos e intervenção educativa que as possa minimizar ou eliminar o que se traduz em recursos humanos, professores e técnicos, e trabalho com alunos. É evidente a necessidade de “recursos digitais” e “apetrechamento e infra-estrutura” seja lá isto o que for, mas fico com alguma dúvida quando, do total de 900 milhões, representam 79.7 %.

Foi também referida a contratação de 3300 professores para além de técnicos, psicólogos ou mediadores. É importante este acréscimo, mas veremos, face à actual situação das escolas em matéria de recursos humanos, qual o seu real impacto e suficiência, para além da forma e critérios com que decorrerá a sua colocação.

Parece-me importante o afirmado reforço dos dispositivos de apoios tutoriais ou de trabalho de coadjuvação, bem como dos créditos horários das equipas multidisciplinares de apoio à educação inclusiva. Dada a falta de informação disponível aguardemos para que se perceba o que tal significará termos reais em cada escola.

Ainda uma nota para o anúncio feito pelo Ministro da associação do Plano 21/23 Escola + a um enorme conjunto de actividades e iniciativas sempre inovadoras, naturalmente, umas em curso outras a promover, que, do meu ponto de vista poderão fazer correr o risco da dispersão de esforço e recursos e uma perda de eficácia face aos objectivos e necessidades decorrentes do impacto nas aprendizagens.

Registo a referência ao reforço da autonomia das escolas, condição imprescindível, ainda que seja necessário conhecer melhor em quem se irá traduzir, bem como dos necessários mecanismos de regulação.

Não é particularmente animadora a retórica que “veste” o Plano 21/23 +, aliás, sempre presente, nas decisões em matéria de políticas públicas de educação e que de tão desgastada já não inspira.

Seria também desejável que tudo o que agora foi anunciado, ainda que de uma forma pouco aprofundada, não represente um acréscimo de burocracia e que seja pensado e gerido numa perspectiva proactiva e estrutural e menos numa perspectiva remediativa e conjuntural.

Assim, poderá fazer mais sentido o peso colocado em recursos digitais, apetrechamento e infra-estruturas.

A ver vamos.

terça-feira, 1 de junho de 2021

DIA MUNDIAL DA CRIANÇA. E UM DIA MUNDIAL DA ESCOLA?

 

Hoje, passando os olhos pela imprensa bem se nota que se assinala o Dia mundial da Criança.

Não tendo AEC o meu neto veio almoçar connosco e aproveitou para, uma vez que é o Dia Mundial da Criança que levará a alterações nas actividades, preparar um ternurento texto cheio de afecto para sua coleguinha mais que todas e um raminho com flores.

A conversa seguiu em torno dia mundial de …

O Simão entende que os dias mundiais devem ser de coisas que a gente gosta. Perguntámos que dia mundial era bom que houvesse. Sem hesitar afirmou que devia existir um Dia Mundial da Escola, gosta muito da escola. Este gosto mostra como é possível reconstruir trajectos que não começam bem, foi o caso do primeiro confinamento, estava ele no 1º ano e a mudança é notável para este segundo ano em que também passou por novo confinamento.

Agora adora a escola e, como tal, entende que deveria ter o seu dia mundial.

Também acho.

Os dias mundiais têm uma característica, toda a gente, incluído a imprensa, valoriza e festeja o conteúdo assinalado mesmo que tudo volte ao habitual nos dias seguintes.

E tanto que a escola está precisada de discursos e acções que valorizem, que se refiram à escola como um “monte de soluções” e não como um “monte de problemas”.

Existem demasiados discursos a cobrar à escola o que não pode dar e nem sequer é a sua função. No entanto, a culpa fica “colada”.

A esmagadora maioria dos miúdos gosta da escola, do tempo da escola, ainda que nem sempre dos conteúdos das escolas.

Os miúdos gostam da generalidade dos professores e o afecto é recíproco apesar dos sobressaltos e das dificuldades que também sabemos existirem.

Era bom que os pais e os professores se aproximassem mais e valorizem a passagem pela escola dos mais novos, é o caminho para o futuro.

A escola para ser celebrada precisa de recursos adequados e das pessoas valorizadas.

Bom, acho que o meu neto Simão tem razão. Definitivamente deveria existir um Dia Mundial da Escola.