quinta-feira, 31 de março de 2011

AFINAL QUEM SÃO AS VÍTIMAS

O Professor António Barreto, personalidade que respeito, vem a terreiro, mais uma vez, intervir na área mais efervescente em Portugal, a análise política, território privilegiado da emergente profissão de politólogo, mas ao dispor de "ensaístas", "juristas", "professores universitários" independentemente da área em que trabalham, "sociólogos", "jornalistas" e outros "tudólogos".
Claro que a clarividência, profundidade e capacidade e propostas de resolução dos problemas, sempre presentes em todas estas intervenções que diariamente nos bombardeiam, só faz lamentar que não sejam estes opinadores a gerir os nossos destinos. Curiosamente, por vezes, é de lembrar que alguns deles já ocuparam funções governativas durante a narrativa que nos trouxe até aqui, ao estado em que estamos.
Hoje, diz o Professor António Barreto que José Sócrates montou a actual crise política para se tornar vítima e daí retirar dividendos políticos.
Peço desculpa mas sendo cidadão português com os impostos em dia também quero fazer análise política.
O Engenheiro Sócrates vítima? Não Professor Barreto, vítimas são os milhares de portugueses em situação de desemprego. Vítimas são dois milhões de portugueses a viver no limiar de pobreza. Vítimas são os milhares de portugueses sem médico de família e com um sistema de justiça injusto, moroso e caro.
Vítimas somos nós todos de modelos de desenvolvimento económico e social de natureza liberal e neo-liberal que endeusam o mercado e promovem exclusão, "quem tem unhas é que toca guitarra". Vítimas somos nós todos pela abaixamento quase até ao grau zero dos padrões éticos da vida política e económica.
Vítimas somos nós de uma classe política que de mansinho transformou uma democracia emergente numa partidocracia em luta permanente pelos seus interesses que asfixia a cidadania, esquece o bem-estar comum e já nem se entende por bem realizar no Parlamento uma sessão comemorativa de uma irrelevância histórica recente, o 25 de Abril de 1974.
Por favor Professor António Barreto, não evoque a designação vítima em vão.

A MATERNIDADE

Os dados que se vão registando a partir da aprovação da lei que em 2007 descriminalizou, dentro dos parâmetros definidos, a interrupção voluntária da gravidez por vontade da mulher, não confirmam as teses catastrofistas que antecipavam o exponencial crescimento de situações. Os dados de 2010 registam, pelo contrário, um abaixamento relativamente a 2009.
No entanto e do meu ponto de vista, importa não esquecer que muitas das situações que levam à interrupção voluntária da gravidez, situação que, creio, ninguém deseja, decorrem de gravidezes indesejadas, mães adolescentes, por exemplo, ou de questões que se prendem com as condições de vida que dificultam projectos de maternidade.
Assim sendo, mais do que a insistência em teses assentes em juízos morais, legítimos, mas, frequentemente, inconsequentes, parece desejável que se considerem duas vias de análise e desenvolvimento de políticas nesta matéria, a maternidade e a família.
Em primeiro lugar sublinhar a importância da informação e acção educativa preventiva de gravidezes indesejadas, sobretudo entre as mulheres muito novas.
Por outro lado, é imprescindível considerar a posição da mulher e as dificuldades das famílias nas nossas comunidades. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que, por vezes estão dramaticamente na base do recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Como é óbvio este cenário não será alheio a muitas decisões de interromper uma gravidez.
Tudo isto torna necessária e urgente a definição de verdadeiras políticas de apoio à família e à maternidade o que seguramente contribuiria para baixar o recurso a uma situação, que, insisto, a esmagadora maioria das mulheres que a ela recorrem não desejam mas a isso, por várias razões, se sentem "obrigadas".

O PAI E O FILHO MAL-EDUCADO - Outro diálogo improvável

Miguel, estou aborrecido contigo, algumas vezes consegues ser francamente mal-educado.
Também acho Pai e parece-me natural.
Achas natural ser mal-educado?
Diz-me uma coisa Pai. És advogado, certo?
Claro, o que é que isso tem a ver com a má educação?
Para seres advogado tiraste um curso onde te ensinaram como é que se trabalha como advogado não foi?
Sim, mas continuo sem perceber.
Então vê se me percebes Pai. Para trabalhares como advogado alguém te ensinou como é que se faz. Mas para ser pai não andaste a aprender. Eu não tenho irmãos. Se tivesse até podias ter treinado para depois fazer melhor quando chegasse a minha vez. Por isso acho até um bocado natural que seja mal-educado, não te ensinaram a fazer melhor e …
Tu és impossível Miguel.
Não Pai, estou a tentar ajudar-te, podias ir estudar para pai. Não sei se o Novas Oportunidades lá da minha escola tem cursos de pai. Podias experimentar.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A COISA ESTÁ PRETA

Aproveitando a visita de Lula da Silva e da Presidenta Roussef a Portugal socorro-me desta expressão do português do Brasil, a coisa está, de facto, preta.
Os mercados, sempre os todo-poderosos e endeusados mercados, através do poder inexplicável das agências de rating, acabam de nos mandar para perto de "lixo", isso mesmo, lixo. Será curioso perceber como se movem estas agências de rating vendo, por exemplo, o documentário "Inside job" e tentar compreender como mantêm a capacidade de influenciar ou determinar o que quer que seja com um mínimo de credibilidade. Mas, como sempre deve ser a economia que eu, estúpido, não consigo entender. Entretanto a cada dia que passa parece cada vez mais provável a vinda de um pessoal chamado FMI que virá certamente defender os interesses dos mercados, eliminando essas minudências irrelevantes como apoios sociais e outros desperdícios.
O Banco de Portugal anuncia o desaparecimento de mais umas dezenas de milhar de empregos e um ano de 2012 em recessão, outra boa notícia.
Os discursos políticos, um boa parte deles, provavelmente também influenciados pelas classificações das agências de rating, são pouco mais que lixo traduzidas fundamentalmente em luta pelo poder.
Sabemos também que, apesar de alguma evolução, continuamos a ser o país da Europa com a taxa mais alta de Acidentes Vasculares Cerebrais sendo que os especialistas sustentam que a época de dificuldades que atravessamos potencia este tipo de casos. Considerando o que se prevê ser o futuro imediato a situação não é animadora ou, como coloquei em título, a coisa está preta.

À PRESSA

Um dia destes, estava um grupo pequeno de volta de um café na sala de professores a aproveitar uns, poucos, minutos de paragem, quando alguém se referiu ao cansaço que nesta altura se começa a sentir nos miúdos, tornando-os dificilmente mobilizáveis para o trabalho.
No grupo estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. No seu jeito de sempre, tranquilo e sem levantar muito a voz disse “é da pressa”. Os colegas estranharam e o Velho acrescentou: “Acho mesmo que é da pressa, muitas famílias logo que os miúdos nascem, mas sobretudo quando entram na escola, começam a entender os próximos anos como sendo fundamentalmente a preparação para ser adultos. Então, muitas vezes sem se dar conta pressionam os miúdos para crescer rapidamente e bem preparados para enfrentar a idade adulta. Dão-lhes escola até os intoxicar, é preciso aprender muito e depressa. Enviam-nos para actividades sem fim que lhes desenvolvem imensas capacidades e competências que são fundamentais, dizem, para que se transformem em adultos realizados, ou como mais frequentemente afirmam, em pessoas com sucesso. Estes pais não toleram a falha, exigem a excelência, detestam a brincadeira que entendem como uma perda de tempo.
Esquecem-se ou nunca perceberam que a infância é um tempo que vale por si só, irrepetível e imprescindível. Miúdos a quem roubam a infância, um dia vão querê-la de volta e nessa altura vão fazer asneiras que já podem ser complicadas, o tempo e a idade já serão outros. É certo que a infância também é um tempo em que se enche a mochila que nos vai acompanhar em adultos, mas é preciso não esquecer, é fundamental que a infância seja vivida enquanto infância, sem pressa.
Depressa e bem não há quem diz o povo."
Entretanto acabou o intervalo, sem tempo para mais conversas, é sempre à pressa.

terça-feira, 29 de março de 2011

OS MAIS VULNERÁVEIS

O Público de hoje divulga os resultados da operação Censos Sénior desencadeada pela GNR que permitiu identificar cerca de 12 000 idosos que vivem sós e isolados e, portanto, em condições de extrema vulnerabilidade. Esta situação tem estado na agenda pelos piores motivos, sucessivos casos de idosos encontrados mortos em casa sem que se desse conta da situação. A iniciativa da GNR permite identificar as situações, georeferenciá-las possibilitando de forma expedita a sua localização em caso de problema ou urgência e, simultaneamente, providenciar um contacto telefónico cuja importância é óbvia.
Este é um tipo de iniciativa que merece aplauso e mais ampla divulgação.
Por outro lado e ainda pensando nas populações mais vulneráveis, creio que se justifica uma nota sobre a preocupação expressa pela Associação Portuguesa de Deficientes sobre a oportunidade perdida de, através da operação censitária em curso Censos 2011, conhecer o universo real das pessoas com deficiência. De facto, as questões colocadas nos inquéritos sobre as condições funcionais das pessoas não permitem discriminar se eventuais limitações referidas decorrem de envelhecimento, por exemplo, ou da condição de deficiência. Podemos, é o habitual, utilizar os indicadores de prevalência internacionais mas, na verdade, perde-se uma excelente oportunidade para melhor conhecermos a realidade do país no que respeita a uma franja significativa da sua população.
Como sempre afirmo, o nível e a qualidade do desenvolvimento de uma comunidade também se avaliam pela forma como essa comunidade se preocupa e cuida das franjas mais vulneráveis. Não adianta referir as dificuldades causadas pela crise, essas dificuldades têm ainda o efeito perverso de potenciar os problemas dos mais desprotegidos, ampliando, por isso, as suas necessidades.

À PROVA DE ÁGUA, DAS ÁGUAS DE MARÇO

Um fim de tarde mais livre e o vício pela corrida levaram-me até à pista municipal para uma horinha de passada, lenta é claro, que a idade já não é o que era. Fui com a chuva, águas de Março não fechando o Verão como fala Tom Jobim mas, mais provavelmente, anunciando-o para daqui a algum tempo. Estava aquela chuva certinha, fria, persistente, encharcante e arrefecedora do cansaço. Eu gosto.
Pouco tempo depois de começar o meu treino, começaram a chegar-se para o relvado central do complexo desportivo um grupo grande de miúdos e algumas, poucas miúdas, gente talvez entre os oito, nove e os treze, catorze anos. Estavam equipados para o seu treino de rugby. Começaram as actividades orientados, pareceu-me, por dois ou três jovens e fiquei espantado com o empenho daquele pessoal.
Sempre debaixo de chuva iam cumprindo motivadíssimos o treino, caindo frequentemente num relvado que gradualmente ia disfarçando as cores dos equipamentos. De lado, resguardados das águas de Março, vários pais em tertúlia esperavam pelos rebentos que se entretinham entusiasmados no relvado.
Devo confessar que fiquei satisfeito. Primeiro, por verificar que aqueles miúdos resistem a um dia, certamente comprido de escola, e aparecem depois das seis para um treino cheios de vigor e entusiasmo, eu diria, à prova de água.
Depois, fiquei satisfeito por aqueles pais. A presença dos miúdos naquelas circunstâncias mostrava, a sua disponibilidade, claro, mas, sobretudo, que não estariam excessivamente preocupados com o facto de os meninos e meninas andarem à chuva, a cair no meio da relva e lama, a chocarem uns contra os outros na disputa da bola, a soltarem alguns palavrões que, por sua vez, libertam adrenalina, etc. Ao pensar em alguns pais super-preocupados com estes riscos que, no seu entendimento as crianças correm, e dos quais devem ser protegidas recorrendo, por exemplo, à "alternativa" de ficarem no quarto entretidos com a consola mas "livres de riscos" fiquei mesmo satisfeito.
Quando acabei a minha hora de corrida mais alguns minutos de exercícios e vim à procura de água quente, as águas de Março ainda estão um pouco frias, a miudagem lá continuava, feliz.
Tenho a certeza de que aquela gente vai dormir bem. É bom.

segunda-feira, 28 de março de 2011

JOVENS E QUALIFICADOS, DESEMPREGADOS OU PRECÁRIOS

Em apresentação a realizar hoje será divulgada a analise dos dados do Programme International for Students Assessment, PISA, considerando o período 2000-2009. De acordo com estes dados Portugal é o 6º país da OCDE cujo sistema educativo compensa melhor as assimetrias socioeconómicas entre os alunos. É importante que tal aconteça e tenho por hábito confiar, por princípio, na seriedade dos estudos.
No entanto, considerando as idades consideradas no PISA importa atentar nos dados há pouco tempo disponibilizados pelo Observatório dos Trajectos dos Estudantes do Ensino Secundário e Gabinete de Estatísticas e Planeamento da Educação sublinhando a relação fortíssima entre o sucesso escolar dos filhos e o nível de escolaridade dos pais. No patamar considerado, 12º ano, os filhos de pais com maior nível de qualificação escolar são os que, de uma maneira muito evidente, apresentam notas mais altas. Sabe-se também que as notas mais baixas e os "chumbos" também evidenciam uma marca de classe muito significativa, atingem de forma mais nítida os agregados familiares com nível de escolaridade mais baixo. Nada de novo, portanto.
Por outro lado, o Público informa que mais de metade dos jovens no mercado de trabalho têm contrato não permanente. Deve, no entanto sublinhar-se que a precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Tal quadro de relações laborais, que algumas lideranças políticas querem tornar ainda mais flexíveis, não afecta exclusivamente os jovens, embora quem esteja a entrar no mercado de trabalho se encontre, obviamente, em situação mais vulnerável.
Uma última nota ainda sobre a incontornável questão da qualificação dos jovens.
Assim, como são precários não por serem jovens mas por modelos errados de desenvolvimento económico e fruto dos modelos de contratação e regulação das leis laborais, a agenda neo-liberal, também não estão desempregados por serem qualificados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura. Uma pesquisa na página do Ministério sobre a oferta de cursos, mostra como qualificando à partida de forma especializada (a banda estreita), rapidamente se esgota a capacidade de absorção do mercado de trabalho. Embora entenda que a oferta formativa de qualificação superior não deva ser liderada pelo mercado, longe disso, também não o pode esquecer.
Aqui ficam alguns exemplos, Políticas de Bem Estar em Perspectiva: Evolução Conceito e Actores; Gestão e Sustentabilidade no Turismo; Envelhecimento Activo; Fruticultura Integrada; Psicoacústica; Comércio Electrónico; Design do Produto; Marketing Relacional; Negócios Internacionais; Resolução Alternativa de Litígios; Solicitadoria de Execução; Empreendedorismo; Biorremediação; Marketing Research; Aconselhamento e Informação em Farmácia; Ciências da Complexidade; Estudos Sociais da Ciência; Gestão de Mercados de Arte; Instituições e Justiça Social, Gestão e Desenvolvimento; Novas Fronteiras do Direito; Branding e Design de Moda; Estudos Regionais e Locais; Design e Desenvolvimento de Fármacos; Alimentação - Fontes, Cultura e Sociedade; Ciências da Paisagem; Psicomotrocidade Relacional; Anatomia Artística; Gestão Integrada de Relvados Desportivos e Ornamentais; História Marítima; Geomática Ambiental; Comunicação de Moda; Comunicação e Desporto; Ciências Gastronómicas; Engenharia da Soldadura; As Humanidades na Europa: Convergências e Aberturas; Metropolização, Planeamento Estratégico e Sustentabilidade; Gestão de Pessoas.
É este quadro que torna complicada a vida de muito jovens.

A GENTE TEM QUE ENCARREIRÁ-LOS

Uma viagem hoje realizada por uma estrada que em tempos foi muito bonita de fazer e que actualmente é pouco menos que assustadora, o IP3, levou-me a parar para uma bica num café ali para os lados de Penacova. A senhora do café e a unica cliente antes de entrarmos, já avó deu para perceber pelo excerto a que assisti, discorriam sobre o trabalho e a necessidade de trabalhar.
A senhora do café defendia que a grande justificação do trabalho era "encarreirar os filhos", era o que ela tentava esforçadamente fazer com a miúda e o gaiato seus filhos. Depois de os "encarreirar" então já se pode descansar um pouco e viver os dias.
A cliente avó discordava, os pais nunca iriam descansar porque os filhos mesmo encarreirados continuam sempre a precisar dos pais.
A senhora do café acabou por concordar e mudou um pouco a direcção da conversa para as dificuldades de encarreirar os filhos hoje em dia. Ela, contava, tinha começado a trabalhar aos doze anos e hoje ninguém quer e pode começar a trabalhar tão cedo. Mesmo mais velhos, como o filho dela que já tem dezassete anos, "não sabem fazer nada". Por isso é que é tão difícil encarreirá-los e chegar ao merecido descanso de viver os dias, apesar de continuar a preocupação com os filhos, como defendia a cliente avó.
O meu café esgotou-se, tinha que me fazer à estrada e não sei o desenvolvimento da narrativa.
De qualquer forma, trouxe dois retratos de uma parte da nossa realidade social, o das mulheres cujo destino é serem mães, trabalhar para "encarreirar" os filhos e depois, se possível, viver os dias e o da geração que "não sabe fazer nada", depende do encarreiramento por parte dos pais.
Já tenho ouvido especialistas que se revelam bastante menos elucidativos.

domingo, 27 de março de 2011

EM CAMPANHA

As mais que prováveis eleições ainda não estão marcadas e a campanha eleitoral já começou. Aliás, em abono da verdade, pode até dizer-se que o país passa o tempo em campanha eleitoral, em guerra pelo poder.
Eu não queria contribuir para a cacofonia instalada, mas talvez não fosse de esquecer que a acção política deveria ter como finalidade última o bem comum ainda que, a democracia é assim mesmo, se possam encontrar diferentes entendimentos e processos de promoção do bem comum.
Talvez faça sentido não esquecer que milhões de portugueses estão a atravessar imensas dificuldades cuja ultrapassagem não se afigura fácil nem breve.
O JN de hoje refere um abaixamento significativo do consumo no sector alimentar. Não sei bem se isto significa controlo de gastos e desperdício por parte dos consumidores, se significa dificuldade em pagar a alimentação. No entanto, continuamos a assistir aos discursos políticos centrados na luta pelo poder sem perceber que muito do que dizem e fazem, é parte do problema e não parte da solução.
O Público afirma que o Presidente da República vai estar "na linha de fogo" da campanha eleitoral do PS. PSD reclama maioria absoluta e admite acordo com CDS-PP e parece rejeitar entendimentos com o PS. A questão é que não sabemos exactamente para que querem o poder. Será para manter um rumo que nos tem trazido até à situação em que estamos? Será para mudar? O quê e em quê?
Talvez fosse tempo de pensar de pensar num grupo de gente que, apesar das suas particularidades, têm graça e merece futuro, nós, os portugueses.

sábado, 26 de março de 2011

A ESPUMA DOS DIAS

Ao tentar alinhavar umas notas para aqui deixar optei por integrar algumas referências presentes na imprensa e que são elucidativas do estado da arte da vida à portuguesa.
Sem hierarquia de importância uma incontornável referência ao deplorável espectáculo de calculismo político, de gestão de interesses partidários que os actores políticos continuam a oferecer. Os troca-tintas que nos governam ou querem governar esquecem as dramáticas condições de vida que afectam muitos de nós e ameaçam muitos mais. Merece também uma referência a delirante forma como os partidos se comportaram para acabar com o modelo de avaliação de professores que sendo mau, tinha entrado em vigor sem que na altura, porque não cheirava a eleições e ainda não tinha aberto a demagógica e hipócrita caça ao voto dos professores, tivessem desencadeado a mesma improvável convergência entre PCP (Mário Nogueira) e PSD.
Não pude deixar de reparar que nos tempos que correm um tal Dr. Armando Vara que abandonou a administração do BCP por se ter envolvido numa trapalhada com robalos ganhou, sem trabalhar, a minudência de 822 000 €. A propósito de mérito merece registo que quatro alunos do ensino secundário, considerados os melhores do país, expressem a sua confiança no futuro acreditando no mérito e no profissionalismo. Um conselho, não se cruzem com o Dr. Vara para não perderem o optimismo.
Ainda a propósito de mérito, devo dizer que me ri, quando li no Expresso que o conhecido entertainer político e catedrático de direito, conhecido por Professor Marcelo se tinha recusado a prefaciar uma biografia do Dr. Passos Coelhos a lançar nos próximos dias com o título “Um homem invulgar”. Não compreendo a edição de uma biografia de alguém que faz o mais vulgar dos trajectos de ascensão em Portugal, ou seja, entrada numa juventude partidária de um partido que de vez em quando é poder, apanhar as ondas certas, esperar a oportunidade do poder e não ter realizado nada de substantivo. O que é mais curioso é considerar alguém assim um “Homem invulgar”. É mesmo invulgar.
Finalmente, uma referência a uma experiência empresarial de sucesso que o I trata assim “A crise não chegou à maior fábrica portuguesa de caixões” que, informa, se vai tornar na maior da Península. Curioso, será que é de esperar que alguém decida adiar a morte por dificuldades económicas? Ele há cada notícia.

UMA HISTÓRIA COM UMA PONTINHA DE INVEJA

A história tem uma pontinha de inveja, só uma pontinha, porque invejar é feio. Há poucos dias deixei aqui uma "História com sonhos", em que contava como uma mãe jovem ao ser interrogada por uma miúda sobre que sonho sonhava, respondeu convictamente que era "estar reformada".
A história de hoje também fala de reforma mas com um sentido bem diferente. Assisti hoje a apresentação e defesa pública de um projecto de Tese de Doutoramento, tarefa em que actualmente, e ainda bem que assim é, muita gente se envolve.
O que me parece de registar é que a autora é uma "jovem" reformada já com uma estrada muito longa percorrida e que ainda encontrou ânimo e disponibilidade para construir um trabalho académico que é complexo, trabalhoso e exigente. Na verdade a energia e motivação da jovem doutoranda são uma verdadeira interpelação à resignação e desejo que tanta gente exprime face à vida activa e à vontade de dela se libertar.
Quando comparo a mãe jovem que sonha reformar-se com a "jovem reformada" que se envolve num trabalho que lhe irá consumir seguramente os próximos três anos, parece-me haver uma troca nas idades, uma envelheceu demasiado depressa e a outra, provavelmente, esqueceu-se de envelhecer.
É aqui que entra a pontinha de inveja, coisa feia mas inevitável. Também gostava de me esquecer de envelhecer, como a "jovem reformada".

sexta-feira, 25 de março de 2011

PAÍS DE TROCA-TINTAS

Nos meus tempos de gaiato, a avó Leonor, uma das mulheres mais fantásticas que conheci, com a mais-valia de ser minha, a minha avó, quando nós caíamos em alguma asneira e tentávamos as esfarrapadas desculpas que a imaginação, ou a falta dela, ditavam ou ainda, quando as pequenas mentiras não saíam bem, tentava compor um ar severo, desmentido por uns olhos claros infinitamente doces, e dizia, “não sejam troca-tintas”.
Não me lembro se alguma vez lhe perguntei se sabia a origem da expressão, mas hoje lembrei-me delas, da avó Leonor e dos troca-tintas.
O Público de hoje evidencia as contradições no discurso do novo político mais velho de Portugal, o Dr. Passos Coelho que se afirmava contra o aumento de impostos sobre o consumo, admitindo agora possam aumentar. Também hoje toda a oposição vai rejeitar no Parlamento o modelo de avaliação de professores que está em vigor. Trata-se na verdade de um mau modelo pelo que, naturalmente, não deveria ter entrado em vigor. Acontece que muitos dos representantes sindicais dos professores o aceitaram e a oposição na altura não tomou a posição que agora toma no sentido de evitar que tivesse entrado em vigor. Fica curioso, assistir ao apoio do comissário Mário Nogueira e ver o PCP apoiar o PSD quando se conhecem as enormes diferenças de concepções sobre o universo da educação existentes entre as forças que agora se unem.
Tudo isto acontece, como sempre, porque os troca-tintas se orientam pelos seus interesses partidários e corporativos funcionando tacticamente. Agora parece oportuno o que há uma ano atrás não quiseram fazer, impedir um mau modelo de avaliação. Cheira a eleições, começou a campanha da demagogia, hipocrisia e eleitoralismo.
Este comportamentos, a contradição, discurso de cata-vento, mostra a arquitectura ética em que assenta a prática política em Portugal.
Gostava de estar enganado, mas estamos entregues aos troca-tintas, como diria a Avó Leonor.

LEVAR OS MIÚDOS À REVISÃO

Um amigo meu que tem gaiatos pequenos costuma dizer que os leva à revisão quando vai às consultas de rotina do pediatra.
Acho curiosa esta aproximação da "manutenção" dos miúdos à manutenção dos carros. Na verdade, muitos pais fazem com os miúdos o que fazem com os carros, nos primeiros anos tratam de uma manutenção mais cuidadosa e regular, à medida que o tempo passa vão ficando mais negligentes limitando-se ao combustível e ao mínimo que mantenha o carro a funcionar.
Por outro lado, os carros ainda trazem um manual de instruções com uma definição bem clara dos modos e tempos da manutenção mesmo que depois não sejam observados, mas os miúdos continuam a ser "adquiridos" sem virem acompanhados de manual de instruções o que, além de ser ilegal, complica o entendimento da sua manutenção.
Acresce a isto, o facto de os carros mais modernos serem "cada vez mais electrónica e cada vez menos mecânica", ou seja, estraga-se algo não se arranja, substitui-se o "chip". Os miúdos continuam com mecanismos muito complexos, com mais mecânica e menos electrónica, exigem mecânicos à antiga, daqueles que percebem os carros e o seu funcionamento, que afinam de ouvido, sabem escutar e interpretar, percebem e compõem.
É assim que funcionam os bons pais e os bons professores, como os velhos mecânicos, não têm manual e instruções, mas sabem o que são os miúdos e como funcionam, sabem escutar, perceber os sinais dos problemas de funcionamento e com as ferramentas adequadas sabem afinar o "trabalhar", seja ao "ralenti", seja em rotações mais elevadas.

quinta-feira, 24 de março de 2011

MULHERES, TRABALHO E FILHOS

O DN de hoje divulga um estudo realizado pela Intersindical com base em dados do INE e do Ministério do Trabalho que evidencia que as mulheres portuguesas trabalham média 39 horas semanais e realizam mais 16 horas de trabalho não remunerado relacionado com a família o que me leva retomar algumas reflexões já aqui deixadas. Há algum tempo atrás um trabalho internacional revelava, no mesmo sentido dos dados hoje divulgados, que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa. Existem também indicadores que informam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade.
Importa ainda sublinhar que a generalidade dos países da Europa atravessa sérios problemas de envelhecimento populacional e desequilíbrio demográfico devido também à baixa natalidade.
Este quadro exige naturalmente o repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Pode também referir-se que apesar das alterações legislativas o uso partilhado da licença por nascimento de filhos ainda é significativamente baixo.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem.

A AGITAÇÃO IMPRODUTIVA

Todos nós conhecemos pessoas e instituições que têm um estilo de funcionamento muito particular. Mostram um comportamento altamente dinâmico, parecem sempre em movimento, sempre focadas em algo de super-importante, sempre envolvidas em complexos processos de decisão, sempre a congeminar projectos fundamentais. Quando procuramos perceber o resultado desta hiper-actividade chegamos com alguma perplexidade à conclusão de que é pouco mais que zero.
Todo o movimento e dinâmica que observamos não produz resultados, é ineficaz embora mascarada com um enorme volume de trabalho, preocupações, discursos, etc.
Costumo descrever este cenário como uma "agitação improdutiva", ou seja, vemos pessoas permanentemente a agitarem-se de um lado para o outro, em discursos e reuniões contínuas, com imensos dossiers de baixo do braço, mas nada de produtividade.
Serve esta introdução para expressar a preocupação de que a situação política em que entramos possa vir a configurar um cenário de agitação improdutiva. Em Portugal é habitual que a actuação dos partidos se organize mais em função dos seus interesses e de interesses corporativos do que a pensar no bem comum. A partidocracia é dona, ou quer ser dona, da vida cívica, económica, social e cultural do país.
Assim sendo, temo que possamos assistir a um período de intensa agitação, com discursos e promessas para todos os gostos e a uma campanha eleitoral de baixo nível, pouco virada para o futuro próximo e para as reais e complexas questões que condicionam a vida da grande maioria de nós. Temo que finalmente o resultado de todo este processo seja "mais do mesmo".
No entanto, mantendo algum optimismo, quero que acreditar que por uma vez a agitação seja produtiva.

A HISTÓRIA DO SIMPÁTICO

Era uma vez um rapaz chamado Simpático. Não se conhecia rapaz assim, nada parecido com os outros rapazes da sua idade. Estava sempre muito bem disposto e disponível para conversar com quem lhe dirigisse a palavra.
O Simpático era incapaz de ter um comportamento desajustado, nunca se lhe tinha ouvido uma asneira e obedecia sem dificuldades aos pedidos e exigências que lhe eram solicitados.
Os pais sentiam-se embevecidos com os elogios que todos os amigos faziam ao seu filho, o Simpático.
Na escola o funcionamento era da mesma natureza. Cumpridor e bom aluno, o Simpático ajudava os colegas, mantinha um comportamento perfeito e era justamente considerado o melhor aluno que a escola alguma vez teve.
Apenas se verificava um pequeno problema, algumas vezes o Simpático, certamente por incompreensão e alguma maldade que às vezes as crianças usam, não era muito bem tratado pelos colegas. Mas até a isso o Simpático respondia muito bem, desculpava e mantinha o seu perfeito ser.
Um dia, durante uma brincadeira mais movimentada em que nem era muito costume envolver-se, o Simpático, ao querer correr mais depressa para apanhar um colega, deu um tropeção enorme e caiu desamparadamente.
Toda a gente ficou perplexa, no chão ficou espalhada uma quantidade enorme de cacos partidos, mais nada.
O Simpático era de porcelana.

quarta-feira, 23 de março de 2011

ESCOLAS GRANDES PROBLEMAS MAIORES

Porque o encerramento de escolas continua na agenda e me parece justificar-se, aqui se retomam algumas notas de há algum tempo.
Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento histórico que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento. Durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura sempre evitadas. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo.
É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social possam começar a matar as aldeias e, em consequência, liquidam os equipamentos sociais, e não afirmar sem dúvidas o contrário.
Por outro lado, a concentração excessiva de alunos não ocorre sem riscos. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental.
Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios cegos e generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.
Neste processo, o ME estabeleceu como média os 1700 alunos e como limite os 3000. Estes números são completamente comprometedores da qualidade e, portanto, inaceitáveis.
De há muito que se sabe que um dos factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina é o efectivo de escola. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e agora os Estados Unidos na luta pela requalificação da sua educação optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes.
As escolas grandes, com a presença de alunos com idades muito díspares, são autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores alunos, pais e funcionários.
Não conheço nenhuma justificação de natureza educativa que sustente a existência vantajosa de escolas grandes. A razão para a sua criação só pode, pois, advir da vontade de controlo político do sistema, menos escolas envolvem menos directores ou de questões economicistas que a prazo se revelarão com custos altíssimos pela ineficácia e problemas que se levantarão.
O bem-estar educativo dos miúdos é demasiado importante.

NO MEIO DAS CRISES, UMA BOA NOTÍCIA

No meio do alarido da crise política interna que parece desenhar-se no horizonte imediato a que acresce um cenário de agravamento das condições de vida de muitas famílias, não é fácil encontrar uma boa notícia. No entanto, existem e quase passam despercebidas.
Segundo dados da Direcção-geral da Saúde divulgados no Público, nos últimos 10 anos a incidência da tuberculose em Portugal baixou para cerca de metade, de 40 novos casos por 100 000 habitantes em 2001 para 22 em 2010. Não é ideal, nunca é, mas é bom e deve registar-se.
Num tempo em que cortes e perspectivas diferentes ameaçam a eficácia e a qualidade do Serviço Nacional de Saúde importa que, embora se justifique e exija o combate ao desperdício, não se comprometam resultados já conseguidos, a baixa da incidência da tuberculose ou o abaixamento da mortalidade infantil são bons exemplos, bem como o que falta conseguir e é imprescindível, médico de família para todos os portugueses, também como exemplo.
Findo o registo desta boa notícia voltemos às crises, a política e a económica.

MINI-TORNADOS

Nos últimos tempos o termo mini-tornados tem vindo a ganhar tempo de antena e utilização generalizada. O termo remete para um repentino e fortíssimo vento que, frequentemente, tem consequências graves pelos estragos provocados. Os especialistas justificam a maior prevalência deste tipo de fenómenos com as alterações climáticas que o planeta está a suportar.
Certamente acharão estranha a ligação, mas creio que com frequência também crescente assistimos na cabeça de muitos miúdos e adolescentes à formação de mini-tornados. Muitas vezes, repentinamente e sem que se perceba causa próxima, alguns miúdos e adolescentes entram num turbilhão de agitação e violência mobilizando comportamentos com uma gravidade inesperada. Estes comportamentos podem atingir os próprios, mas também ser dirigidos a colegas, professores, pais ou a alguém que circunstancialmente esteja próximo.
Estes mini-tornados que se formam na cabeça da gente mais nova (e não só) que me parecem francamente preocupantes podem, tal como nos fenómenos de natureza meteorológica, dever-se às alterações climáticas.
Na verdade, alguns miúdos vivem hoje em climas familiares e sociais absolutamente alterados que, evidentemente podem provocar mini-tornados.
Os mini-tornados de natureza meteorológica são imprevisíveis no tempo, no local e na gravidade embora, creio, estejam estudadas as condições de formação de tais fenómenos. Também os mini-tornados que se formam na cabeça dos mais novos são imprevisíveis na hora, gravidade e contornos comportamentais, mas também se conhecem algumas das condições que podem favorecer a sua formação.
Talvez fosse boa ideia estarmos mais atentos à leitura dos sinais que podem indiciar a situação de risco. Quase sempre, estando atentos, podemos identificar alguns desses sinais e entrar em situação de alerta, de uma cor qualquer, desde que consigamos minimizar o risco de formação, ou, na pior das hipóteses, as consequências da tempestade.

terça-feira, 22 de março de 2011

O PATRIMÓNIO MATERIAL QUE SE IMATERIALIZA

Há algumas semanas veio a lume a informação de que um grupo de trabalho criado para proceder ao levantamento dos bens culturais imateriais, não tinha funcionado e custou mais de 200 000 € durante um ano. Na altura referi-me à imaterial responsabilidade, funcionamento habitual entre nós.
No Público de hoje noticia-se o roubo de cerca de 2000 azulejos seiscentistas de uma capela integrada no Palácio da Flamenga, no concelho de Vila Franca de Xira, cuja tutela tem variado e que se encontra desocupado.
O fenómeno de roubo do património material é recorrente, atinge todo o país e alimentará certamente um nicho de mercado bastante lucrativo e que parece ser de dimensão internacional.
A forma negligente como (des)cuidamos do nosso património não pode ser justificada pela crise e falta de meios. A questão central remete mais para as medidas de política e as prioridades definidas do que para os meios. O património cuidado, restaurado pode ser uma fonte de receita após o financiamento da recuperação e restauro ou apenas de manutenção. O próprio restauro e manutenção é gerador de emprego e o mecenato bem enquadrado pode constituir-se como fonte de captura de meios que possibilitem mais e melhor intervenção.
Grave mesmo é assistir sem sobressaltos, como agora se diz, à evaporação do nosso património e à perda de bens, muitas vezes de altíssimo valor.

HISTÓRIA COM SONHOS

As andanças levaram-me hoje até uma escola do 1º ciclo e jardim de infância para participar numa conversa com pais.
Antes da conversa dos graúdos se iniciar, um grupo de miúdos do 4º ano, miudagem de uns nove anos, apresentou uma pequeníssima história teatralizada e musicada. A história andava à volta dos sonhos e uma das "actrizes", com uma actuação notável de tão à vontade, ia interrogando o grupo dos pequenos sobre qual os sonhos que têm. As respostas inclinaram-se para a versão "o queres ser quando fores grande" e, sem grande surpresa, passavam pelos incontornáveis futebolistas, médicos com uma referência específica a médica veterinária, jornalistas, artistas, professora, etc. Respostas relativamente habituais em gente desta idade ao sonhar em ser grande e que ainda não se sente suficientemente à rasca para não sonhar.
A certa altura, a miúda interrogadora, numa decisão que me pareceu não estar no guião, dirigiu-se a uma das mães presentes e perguntou-lhe também qual o seu sonho.
A mãe interpelada respondeu sem grandes hesitações que o seu sonho era "estar reformada".
Achei curiosa esta situação. Aquela mãe, terá todos os dias à sua frente uma menina ou menino a quem ela quer obviamente ajudar a construir um sonho, um sonho bom que está a começar. Ela, uma mãe ainda jovem sonha com o sonho de acabar. Não sei, naturalmente, o porquê deste sonho, e, por isso, não quero ser injusto, mas fica mais fácil ajudar a sonhar sonhos bons quando ainda se sonham sonhos bons.

segunda-feira, 21 de março de 2011

O LIVRO DE POESIA

Porque hoje é o Dia Mundial da Poesia.

Um dia, estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, no seu canto à conversa com uns livros que tinham chegado de novo, quando entrou o Manel. O Manel tem dez anos, anda no 5º ano, as pessoas acham-no um bocadinho tímido, de resto bom aluno. O Manel pediu ao Professor Velho que o ajudasse a encontrar um livro para ele perceber bem o que é poesia. O Velho estranhou o pedido e o Manel explicou.
Na aula de Língua Portuguesa a setôra pediu que fizéssemos um texto pequeno a dizer o que faríamos se fôssemos professores e eu escrevi isto. O Professor Velho leu.
Se eu fosse professor, explicava aos alunos o que é que eles têm de aprender e para que serve.
Se eu fosse professor, tentava nunca gritar com os alunos, ninguém se entende.
Se eu fosse professor, falava com os alunos sem ser do programa, para os conhecer melhor.
Se eu fosse professor, havia de não chamar nomes aos alunos, nunca.
Se eu fosse professor, nunca diria gosto tanto de todos os meus alunos, ninguém gosta de toda a gente.
Se eu fosse professor, quando estivesse aflito pedia ajuda aos outros professores.
Depois de ler, o Velho perguntou ao Manel que tinha dito a professora.
Velho, a setôra riu-se e disse-me “Manel, és um poeta”. Por isso quero perceber melhor o que é poesia.

OS CAMINHOS DO ENSINO SUPERIOR

O Público de ontem, a propósito do centenário das Universidades de Lisboa e do Porto, apresentou entrevistas com os respectivos reitores. O Professor António Nova, da U. de Lisboa, manifestou-se bastante crítico face à actuação da tutela sublinhando, entre outros aspectos, a imperiosa necessidade de racionalizar a rede. "Portugal não deveria termais do que sete ou oito universidades públicas. E estou a ser benevolente" afirmou António Nova. Muitas vezes me tenho referido a estas questões a que me parece interessante voltar.
O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica. Tal como defende António Nóvoa, um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas. Durante algum tempo a pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do subsistema de ensino superior público associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade. Portugal contará com cerca de 160 instituições de ensino superior, como indicador relativo temos um rácio de 17,4 estabelecimentos por milhão de habitantes, enquanto a Espanha apresenta 7, um dado extraordinário.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação se revele um forte incentivo. Temos uma oferta de ensino superior, universitário, politécnico e subsistema privado, completamente distorcida, cuja responsabilidade é, como disse, da tutela que se demitiu durante décadas da sua função reguladora escudando-se na autonomia universitária, designadamente no sistema público. Uma consulta à oferta de licenciaturas e mestrados por parte do ensino superior público e privado mostra com imperiosa se torna a racionalização dessa oferta.
Espera-se no entanto que o processo de avaliação e acreditação agora desencadeado, seja eficaz e não desenvolvido de uma forma cega. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.
Precisamos que, com lucidez e coragem por parte da tutela e das instituições, que se repensem os caminhos da universidade em Portugal.

A HISTÓRIA DO EXCLUÍDO

Era uma vez um rapaz chamado Excluído. É verdade, era mesmo o nome dele, assim baptizado desde que nasceu. O Excluído tinha uns doze anos e andava na escola, frequentava o 5º ano já tinha sido excluído duas vezes no final do ano lectivo.
O seu funcionamento na escola era um bocado estranho e muitas vezes era excluído da sala de aula por causa do comportamento.
O Excluído não tinha muitos amigos, era excluído da quase totalidade dos grupos que se organizavam naquela escola.
Alguns alunos tinham outras actividades mas o Excluído não era solicitado a envolver-se em nenhuma dessas actividades. Às vezes ele próprio se excluía de cenários nos quais lhe diziam para participar.
O Excluído tinha uma família que morava numa casa muito degradada num bairro ele próprio em más condições e na periferia da terra onde habitava.
As pessoas daquele bairro não se davam com as pessoas das outras zonas, apenas nas situações de trabalho, os que tinham, pois faziam-no fora do bairro.
Havia lá um Centro Social mas o Excluído não tinha sido admitido pelo que ficava na rua a fazer coisa nenhuma.
Um dia lá na escola, apareceu um miúdo novo assim com ar desconfiado e até um pouco parecido com o Excluído que quando se cruzou com ele lhe perguntou o nome. “Excluído” disse o aluno novo. “Fixe, eu também me chamo Excluído”.
E fizeram um grupo só de Excluídos, incluídos.

domingo, 20 de março de 2011

O CRIME DAS FRALDAS

Uma rápida visita à imprensa on-line permite, como não podia deixar de ser, constatar o que de grave e dramático o mundo tem para mostrar.
Devo dizer que fiquei preso num referência do DN a um caso de dois jovens de 26 e 29 anos que depois de jantar sem pagar num restaurante em Arcos de Valdevez, assaltaram uma farmácia na mesma localidade. A intercepção pelas forças policiais permitiu perceber que o roubo foi de nove caixas de fraldas a acrescentar à conta do restaurante em valor não especificado.
É curioso perceber a escala do crime cometido e o que pode significar jantar sem pagar e roubar fraldas. Não sei, naturalmente, as circunstâncias de vida das pessoas envolvidas, mas imagino que cometer um crime por questões desta natureza pode mostrar um lado muito perigoso da crise, o desespero da necessidade inadiável.
De facto, a situação que vivemos contém um potencial de ameaça social que me parece negligenciado ou subavaliado.
Quando se assiste a cortes nos apoios sociais acrescidos a situações de desemprego, muitas vezes também sem subsídio pode instalar-se algo de explosivo e de inesperado.
Os tempos vão difíceis e é preciso estar atento.

sábado, 19 de março de 2011

CARTA AO PAI

Pai,

Trouxe esta prenda para ti lá da escola para o Dia do Pai. Demorou três dias a fazer. Desculpa lá, mas é outra vez a mesma coisa dos outros anos. Desta vez eu acho que está mais bem feita. A professora nova diz que nós somos descuidados, pediu à D. Maria, a empregada, para ir com a gente para o recreio e acabou ela as nossas prendas para o Dia do Pai. Não sei porquê mas temos sempre que fazer assim, eu acho que os pais gostavam à mesma se fossem feitas só por nós. Sabes uma coisa? Um dia a professora perguntou se os nossos pais brincavam com a gente. Eu disse que nós os dois não brincamos muito mas estamos sempre a falar. Ela riu-se e disse que isso também é brincar. Eu já sabia.
O que ela não sabe é que a gente fala muito mesmo que tu estejas nesse lugar muito alto, para onde a mãe diz que foste quando morreste. Mas isso é um segredo. Agora vou brincar e tu ficas a ver. Olha Pai, depois conto-te uma história muito engraçada que aconteceu à minha amiga Joana.

OS PAIS E AS MÃES

O DN de hoje, a propósito do facto do calendário das consciências assinalar o Dia do Pai, regista a evolução na partilha da licença entre pais e mães por nascimento de um filho. Segundo dados da peça de hoje e de um trabalho há algumas semanas divulgado, verifica-se a passagem de 0,6% em 2008 para 16% de pais que em 2010 partilharam a licença parental com as mães o que representa uma subida importante.
Tal situação, parece, dever-se-á a alterações legais e a uma eventual e gradual mudança nos valores que, devagarinho, vai retirando às mães o exclusivo da prestação de cuidados aos bebés.
No entanto, em matéria de parentalidade e organização e distribuição dos papéis familiares parece-me de considerar alguns aspectos que já aqui tenho abordado.
As mulheres portuguesas são das que, em termos europeus, mais tempo trabalham fora de casa. Além disso, não pode esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Neste quadro, apesar dos quadros legais mais favoráveis a realidade acaba por condicionar fortemente os desejos e projectos das famílias, quer na sua organização, quer mesmo na decisão, em desuso, de ter filhos. Mas isto é uma outra questão.
Hoje é dia de pensar nos pais, eu acho bem, é claro.

sexta-feira, 18 de março de 2011

IMAGENS - A ponte de D. Luiz

Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado

DE TRAPALHADA EM TRAPALHADA

É verdade, de trapalhada em trapalhada a qualidade ética do quotidiano cívico e político continua a afunda-se numa espiral que parece não ter fim.
A mais recente é a que envolve as decisões contraditórias e estranhas que determinaram pagamentos à mulher do Ministro da Justiça, sendo que pagamentos a efectuar pelas mesmas razões e nas mesmas condições a outros colegas da juíza foram indeferidos.
Devo confessar que me interessam pouco as minudências e habilidades legais que justificarão as decisões e até os montantes envolvidos. A minha questão central é a qualidade ética da vida cívica em Portugal, em particular o comportamento da administração pública.
A degradação de comportamentos e valores tem consequências devastadoras e tão pesadas, pelo menos, como as circunstâncias de crise económica que atravessamos. Os maus-tratos e negligência que sofrem os princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida cívica das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta degradação ética está a assumir.
Vai sendo cada vez mais o tempo de incluir a exigência e a responsabilidade pela qualidade ética dos comportamentos nas agendas das reivindicações.

OS DESEMPREGADOS, OS MAL EMPREGADOS E OS PRECÁRIOS NÃO ANDAM BEM

Mais um estudo divulgado e com resultados muito interessantes, desta vez realizado na Austrália sobre a relação entre saúde mental e trabalho. Confirmou-se que as pessoas desempregadas têm pior saúde mental que as pessoas com emprego o que o senso comum dirá. Lembro-me de uma célebre resposta de um conhecido futebolista português que ao ser interrogado numa entrevista sobre se não sentia stress antes do jogo, respondeu qualquer coisa como, "stress é chegar ao fim do mês e não ter dinheiro para dar de comer aos filhos".
Mas o estudo vai ainda mais longe e conclui que empregos mal remunerados, com grandes cargas de stress ou incertos no futuro (nota do tradutor - "incerto no futuro" é tradução para australiano do termo português "precário") também não fazem nada bem, antes pelo contrário, podem fazer mais mal. Esta conclusão merece uma reacção típica em Portugal, "A sério?! Não posso".
Na verdade, quem iria imaginar que ganhar pouco, sentir problemas e pressão ou temer a perda do emprego poderia comprometer a saúde mental das pessoas. O Público que divulga este estudo ouviu especialistas portugueses que acham que uma explicação para tal fenómeno pode advir da existência de apoios sociais excessivamente generosos aos desempregados que assim não se sentem tão mal quando comparados com o desgraçados que estão mal empregados. Bem visto.
Estou com alguma curiosidade de saber se algum dos especialistas portugueses estará interessado em replicar o estudo australiano na nossa realidade. Talvez obtivéssemos resposta à questão sobre quem se deprime mais depressa, um desempregado sem subsídio de desemprego, um desempregado com subsídio de desemprego, um trabalhador com contrato precário ou um trabalhador com o salário mínimo que faz um trabalho de que não gosta e o pressionam o tempo todo.
Ainda vamos ficar a perceber porque é que somos um dos países com maior consumo de anti-depressivos.

quinta-feira, 17 de março de 2011

MINISTÉRIO SEM SOLUÇÃO PARA A REVISÃO CURRICULAR

Ontem a Ministra da Educação referiu que o ME não tem ainda solução relativa à revisão curricular para o ensino básico depois da sua proposta ter sido inviabilizada pela oposição no Parlamento.
Em primeiro lugar importa que a proposta que foi travada não é uma revisão curricular, longe disso, tratava-se apenas de medidas avulsas destinadas a economizar dinheiro e não a alterar o currículo.
Acontece que, como muitas vezes tenho afirmado, a revisão curricular séria, pensada e com base em entendimentos com diferentes parceiros do universo educativo é uma das mais urgentes necessidades do sistema educativo.
Devo confessar que me parece preocupante ouvir a Ministra da Educação assumir de forma tranquila, no seu jeito materno-voluntarista, que o Ministério não tem nenhuma solução para a revisão curricular.
É que a questão curricular deve ser das poucas matérias que justificam a existência de um Ministério da Educação.

TRABALHOS PARA CASA, TRABALHOS PARA A ESCOLA

Um dia destes a Professora Diana entrou na sala de professores e sentou-se a tomar um chá com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros.
Claro que a conversa tendo começado pelos problemas dos professores foi parar aos problemas dos miúdos.
Pois é Velho, os miúdos às vezes dizem cada coisa que nos deixam perplexas mesmo quando já temos alguma experiência, olha esta do Daniel. Eles estavam a fazer um trabalho individual que lhes tinha solicitado, umas fichas com problemas sobre a matéria que temos vindo a dar. A coisa estava a correr tranquilamente quando reparo que o Daniel retira um jogo da mochila e começa a jogar sem som. Dirigi-me a ele e perguntei o que se passava.
E então?
O Daniel volta-se para mim e com o ar mais calmo do mundo diz-me, “Setora, já acabei a ficha e estou a fazer os trabalhos para a escola”.
Os trabalhos para a escola? Estás a jogar com a consola que é coisa que não deverias fazer aqui, disse-lhe eu. Velho, nem te passa pela cabeça o que ele me respondeu.
O que queria ele dizer com isso?
Era o que eu também queria perceber. Então o Daniel sempre calmíssimo esclarece, “Setora, aqui na escola passam-me trabalhos para casa que eu tenho de arranjar tempo para fazer lá em casa. Então acho que também posso trazer de casa trabalho para escola e arranjo tempo para o fazer aqui. Como já acabei a ficha que a Setora mandou fazer aproveito e faço mais um bocado de trabalho para a escola”.
E tu que respondeste Diana?
Nada Velho, felizmente tocou.

quarta-feira, 16 de março de 2011

NÃO HÁ REMÉDIO.TEM QUE HAVER

Parece que não vai concretizar-se a anunciada descida do preço dos medicamentos embora pareça confirmar-se a poupança do estado nos gastos com fármacos.
A Ministra da Saúde e o Secretário de Estado também não deram garantias de que se não venha a reduzir a comparticipação do estado no preço dos medicamentos aumentando, portanto, a parte suportada pelo cidadão.
Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de consumo de fármacos, quer através da auto-medicação um costume enraizado com base nos conselhos do vizinho, quer através de um excesso de prescrição por parte do corpo clínico. Assim sendo, até numa tentativa de prevenir este excesso de consumo, parece razoável que se combata tal comportamento evitando, também, gasto inútil de recursos.
No entanto, parece também necessário não esquecer que em Portugal temos mais de um quinto da população em risco de pobreza sendo que dessa franja, boa parte é a população mais idosa que além dos menores recursos económicos é também a maior consumidora de fármacos.
Neste quadro, o abaixamento das comparticipações ou mesmo o desaparecimento da comparticipação como tem acontecido, bem como a manutenção do preço excessivamente elevado de alguns outros medicamentos leva a que mesmo nos casos necessários muita gente faça contas e não adquira o medicamento de que precisa. Sabemos todos dos exemplos de muitas pessoas que entram na farmácia procuram o preço do “avio” das receitas e aconselham-se com os técnicos das farmácias sobre os medicamentos que levam “desta vez”, deixando os outros para a pensão que vem, se der, é claro.
Não podemos pois decretar administrativamente que não há remédio, tem que haver remédio. O necessário, como é óbvio.

O MAL ESTAR DA JUSTIÇA

Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Hoje assinala-se a abertura oficial do ano judicial, coisa razoavelmente estranha a 16 de Março, mas no universo da justiça em Portugal, pouca coisa será verdadeiramente estranha. Segundo dados de 2009, chegam ao Provedor de Justiça mais de uma queixa por dia por má administração da justiça e, naturalmente, estas são as queixas reportadas não considerando, portanto, situações de injustiça em que não há queixa ou, pior, muitas situações que nem entram nos tribunais porque o cidadão comum, ou não tem meios ou não acredita no sistema.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de há uns meses da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa com alguns dados interessantes e a não esquecer de que recordo dois indicadores. A seguir à Itália somos o país com a justiça mais lenta entre os 45 países considerados. Um processo demora em média cerca de 430 dias a ser resolvido. Um outro dado significativo e muito curiosos é que somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294,9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
Finalmente, a maior preocupação decorre da percepção de que ninguém parece verdadeiramente interessado em alterar este quadro. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL - Um bilhete para casa

Professora, pode escrever um bilhete para os meus pais, assim como às vezes manda?
Escrever um bilhete para os teus pais? Mas a dizer o quê Tiago?
Mas pode escrever?
Está bem, posso escrever. Mas que queres tu que eu escreva aos teus pais?
Escreva assim, o Tiago é quase um bom aluno.
Tudo bem e mais.
Não faz muitos disparates.
Certo, mais alguma coisa?
Quase sempre faz as coisas todas. Lê bem e faz os problemas. Às vezes engana-se nas contas e também se distrai, mas é poucas vezes. O Tiago porta-se quase sempre bem e só faz disparates pequenos.
Estou a achar graça Tiago, queres que escreva mais alguma coisa?
Só mais uma coisa Professora. Escreva assim, o Tiago é um aluno inteligente como a irmã.
Mas Tiago, porque queres que eu escreva isto tudo para os teus pais?
Professora, estou sempre a dizer estas coisas mas acho que eles não acreditam, dizem que eu não sou assim. Se a Professora escrever, eu acho que eles vão acreditar. Eu gostava que eles acreditassem.

terça-feira, 15 de março de 2011

MEDIATIZAÇÃO OU PROXIMIDADE

O presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência afirmou, segundo o Público, no encontro Acção Europeia sobre a Droga a decorrer em Lisboa, que as grandes acções mediáticas sobre prevenção podem ter “efeitos inesperados” ou até “contraproducentes”. Sustenta como mais eficazes as acções que tenham como alvo populações específicas, citando o exemplo, ao que parece bem sucedido, das comunidades escolares.
Não conheço os indicadores que sustentam a posição do Dr. João Goulão mas creio que se justificam algumas notas.
Em primeiro lugar, acontece com alguma frequência que as grandes campanhas mediáticas em torno de um qualquer fenómeno se constituem como uma forma de gastar de forma relativamente simples meios disponíveis com a vantagem de proporcionar maior visibilidade aos promotores. Muitas vezes não se conhecem estudos sólidos que ajudem a perceber o impacto destas acções e a sua justificação. Por outro, de há muito se sabe que acções de maior proximidade e dirigidas a grupos sociais identificados e mais vulneráveis a comportamentos de risco em várias áreas tendem a ser genericamente mais eficazes, sendo, no entanto, certo que, por falta de impacto mediático, darão menos dividendos aos promotores. A propósito desta intervenção de maior proximidade na prevenção, deve lembrar-se que os cortes orçamentais em curso levaram o IDT a dispensar centenas de técnicos e a fechar unidades de atendimento locais cuja actividade era fundamental.
Dito isto, importa, no entanto, sublinhar que o discurso geral e mediatizado globalmente sobre estas matérias deve estar presente e ser bem abordado. O facto de eventualmente se correr o risco, que gostava de ver objectivado, de efeitos perversos não elimina a necessidade da sua abordagem. No limite, poderíamos cair nos discursos de alguns pais que recusam programas de educação sexual ou de prevenção dos consumos porque os seus filhos nunca falam nisso e ao ouvirem falar podem sentir-se tentados.

HISTÓRIAS PARALELAS

Primeira história - Era uma vez um Rapaz que nasceu em 15 de Fevereiro de 1976. Os pais, um bem sucedido empresário e uma professora, receberam com renovado carinho o seu terceiro filho. Entrou no colégio previsto, em que os irmãos já tinham estudado e onde, como era hábito na família, foi um excelente aluno. Muito bom comunicador e com excelente capacidade argumentação o Rapaz não seguiu as pisadas dos pais e seguiu uma carreira em direito. Devido às suas capacidades de comunicação e interesse pela intervenção cívica, habitual na família, entrou ainda na adolescência para a organização da juventude de um grande partido, onde teve uma ascensão significativa e na altura em que terminou a sua formação, foi-lhe oferecido um lugar de assessor num gabinete ministerial. Paralelamente, prosseguiu os seus estudos, doutorando-se dando início a uma promissora carreira de professor universitário, sempre mantendo um lugar de conselheiro próximo da liderança do partido político em que continua envolvido. Entretanto, casou com uma jovem formada na área da gestão e filha de um conhecido empresário com dimensão internacional. Vivem numa confortável e espaçosa casa num condomínio razoavelmente exclusivo. Nesta altura aguardam ansiosamente a chegada do terceiro filho que, tal como os irmãos, irá frequentar o colégio onde os pais estudaram.

Segunda história - Era uma vez um Rapaz que nasceu em 15 de Fevereiro de 1976. Os pais, surpreendidos e aflitos por mais uma boca para alimentar conseguiram que uma tia o aceitasse para criar. Entrou na escola do bairro chamado "social" onde vivia e quando acabou o período da escolaridade obrigatória abandonou definitivamente a escola carregando um currículo de chumbos sucessivos e problemas disciplinares. Juntou-se a um grupo de rapazes com narrativas semelhantes e dedicou-se a uma vida que oscilava entre o biscate indiferenciado, a pequena delinquência e o consumo que alimentava a adrenalina. No final da adolescência a rapariga do bairro com quem namorava engravidou e foi também viver com o Rapaz para casa da tia. A chegada inesperada e indesejada da filha criou novas dificuldades. Por imposição da Segurança Social como condição para receber imprescindíveis apoios sociais o Rapaz foi frequentar um curso do Programa Novas Oportunidades acedendo ao 9º ano. Actualmente, continua a viver dos apoios sociais, mais baixos por causa da crise, dos biscates indiferenciados e da pequena delinquência, mas todos os dias vai levar a filha à escola do bairro social em que continua a viver. A mãe da filha há já alguns meses que saiu de casa e não mais foi vista no bairro. Consta que foi para o norte, para casa de uns padrinhos.

Há vidas assim, como as rectas paralelas. São definidas no mesmo plano mas nunca se cruzam.

segunda-feira, 14 de março de 2011

PRÉMIO NACIONAL DE PROFESSORES NÃO SERÁ ATRIBUÍDO

Uma visita rápida à imprensa on-line e surpreendo-me com a notícia de que este ano o Prémio Nacional de Professores ficou por entregar.
O prémio foi instituído em 2007 pelo Governo com o objectivo, presume-se de premiar a excelência entre a classe docente. Não querendo acreditar que a não atribuição do prémio de 25 000 € se deva à todo presente austeridade, acredito na informação de que o júri presidido por Roberto Carneiro entendeu que nenhuma candidatura reunia os requisitos. Considerando que o prémio distingue a excelência, deve pois subentender-se que nenhuma candidatura reuniu requisitos de excelência o que, no mínimo, parece estranho. Pode ainda configurar um efeito perverso e colateral das quotas de excelência pois diminuiu drasticamente o universo de potenciais candidatos.
Como conheço muitos professores em cujas mãos um prémio de excelência estaria muito bem, aqui fica um texto que em tempos deixei no Atenta Inquietude intitulado "O Artesão".

Uma vez conheci um Artesão como não há muitos, era um homem de uma sabedoria e de um amor à sua arte que impressionava.
Desde miúdo que sonhava dedicar-se à arte que viria a ser a sua. Preparou-se bem e mesmo já a trabalhar sempre procurou compreender mais, falando com outros mestres e outras pessoas que o Artesão entendia que o podiam ajudar a ser melhor.
Mesmo sendo um Artesão muito experiente e trabalhando sempre com a mesma matéria, quando começava cada trabalho estudava e pensava em cada peça que iniciava. Muitas vezes fazia o mesmo tipo de trabalho mas sabia que os materiais nunca são exactamente iguais e por isso não podem ser sempre trabalhados da mesma maneira. O Artesão dizia muitas vezes que temos de respeitar as diferenças nos materiais, só assim conseguiremos que eles acabem por se transformar em peças valiosas e, na verdade, as peças que saíam das mãos do Artesão eram peças valiosas, muito valiosas.
O Artesão referia frequentemente que algumas das peças se tornavam muito fáceis de produzir, tinham características próprias que lhe facilitavam o trabalho, outras, como ele dizia, davam luta, resistiam ao trabalho, às vezes nem corria bem, mas, quase sempre conseguia algo de interessante e bonito.
Este Artesão tinha uma outra qualidade que o tornou conhecido, não guardava a sua arte só para si, gostava de falar dela, de ajudar os mestres que estavam a começar e que também apreciavam o seu trabalho e a sua ajuda.
Coisa estranha, agora que estou a acabar a história do Artesão reparei que não referi a arte a que se dedicava. Era Professor. A sério.

MESTRADO EM POLÍTICAS DE BEM ESTAR EM PERSPECTIVA

As grandes questões levantadas sob a ideia bandeira da geração à rasca prendem-se com a precariedade, o desemprego e o alto nível de qualificação desta geração. Muitas vezes me tenho aqui referido à questão da qualificação e à forma como tem sido estruturada no nosso país a oferta formativa, levando a enviesamentos e a uma hiper-especialização durante a formação inicial que condicionam seriamente a entrada no mercado de trabalho, num país ainda pouco desenvolvido e, portanto, menos capaz de absorver mão de obra qualificada.
Por curiosidade uma viagem ao sítio da Direcção geral do Ensino Superior e uma consulta aos cursos de mestrado (2ºciclo) disponíveis no ensino superior público permitiu constatar a existência de cursos, certamente de criação justificada, de aqui vos deixo algumas designações tal como se encontram na página do Ministério. Uma pequena nota para sublinhar que não entendo que a oferta formativa de qualificação superior deva ser liderada pelo mercado, longe disso, mas não o pode esquecer.
Políticas de Bem Estar em Perspectiva: Evolução Conceito e Actores; Gestão e Sustentabilidade no Turismo; Envelhecimento Activo; Fruticultura Integrada; Monitorização de Riscos e Impactes Ambientais; Design do Vestuário e Têxtil; Psicoacústica; Comércio Electrónico; Design do Produto; Marketing Relacional; Negócios Internacionais; Resolução Alternativa de Letígios; Solicitadoria de Execução; Empreendedorismo; Biorremediação; Marketing Research; Aconselhamento e Informação em Farmácia; Ciências da Complexidade; Estudos Sociais da Ciência; Gestão de Mercados de Arte; Instituições e Justiça Social, Gestão e Desenvolvimento; Novas Fronteiras do Direito; Psicologia Política; Branding e Design de Moda; Estudos Regionais e Locais; Design e Desenvolvimento de Fármacos; Alimentação - Fontes, Cultura e Sociedade; Estudos Feministas; Estudos Ibéricos; Poética, Retórica e Hermenêutica; Ciências da Paisagem; Psicomotrocidade Relacional; O Sul Ibérico e o Mediterrâneo (Estudos Árabes e História Medieval); Anatomia Artística; Estudos Curatorais; Gestão Integrada de Relvados Desportivos e Ornamentais; História Marítima; Geomática Ambiental; Comunicação de Moda; Têxteis Avançados; Comunicação e Desporto; Ciências Gastronómicas; Engenharia da Soldadura; As Humanidades na Europa: Convergências e Aberturas; Metropolização, Planeamento Estratégico e Sustentabilidade; Gestão de Pessoas; Ciências Actuariais.

Se olharmos para a realidade, facilmente se percebe como é possível ter imensos jovens com alta qualificação e uma enorme dificuldade de entrada num mercado de trabalho incapaz de absorver muitas das áreas de qualificação.
Por isso, também por isso, muitos estão à rasca.

AINDA HÁ GENTE SÉRIA

Primeiro a história, pouco valiosa aliás, apenas sessenta cêntimos de história mas em tempos de austeridade há que poupar, até no valor das histórias.
Sempre que posso as manhãs de Domingo começam com uma corrida pelo Parque da Paz, um espaço bonito que existe aqui margem certa do Tejo, a sul. Tal rotina leva-me a que neste dia adquira o Público num quiosque diferente dos outros dias, fica a caminho do Parque da Paz. Hoje, como de costume, entrei, deixei 1,60 € para o jornal e, já me vinha embora, oiço a senhora do quiosque, "Espere, devo dinheiro ao senhor. Na Terça-feira de Carnaval deixou também 1,60 € mas durante a semana o jornal é 1 €. Só depois me dei conta, chamei-o mas já não ouviu" e deu-me os sessenta cêntimos da diferença. De facto, somos animais de hábitos, a um dia que não é de trabalho, àquela hora e naquele quiosque, na minha cabeça era Domingo e não Terça-feira.
Como vêem, história barata mesmo. No entanto, fiquei a pensar e lembrei-me de um lugar comum, "ainda há pessoas sérias". É certo que a seriedade já começa a ser notícia por ir escasseando, vejam-se as referências na imprensa sempre que aparece uma história contando que alguém devolveu um valor que encontrou ou corrigiu uma transacção na qual estaria a ser indevidamente beneficiado. Há uns anos, sério era dos primeiros adjectivos destinados a alguém, actualmente diz-se que é fixe, porreiro, acho que não são sinónimos. Com muita frequência, um comportamento como o da senhora do quiosque é considerado "totó", "ingénuo" ou outra qualquer coisa da mesma natureza.
Felizmente há mesmo, ainda, pessoas sérias.
Até a corrida me pareceu mais leve.

domingo, 13 de março de 2011

E AGORA?

Ao olhar para dimensão genérica das manifestações de ontem sob a bandeira da "Geração à rasca" encontramos apreciações que, como é habitual, consideram o copo meio cheio e outras que o percebem meio vazio. Assim, alguns dirão que foram bastante significativas e que poderemos estar no começo de uma mudança. Outros dirão que apesar do número razoável de manifestantes o nível de descontentamento genérico permitiria esperar números mais significativos, designadamente, fora de Lisboa.
De uma forma geral, os partidos, todos os partidos, exprimiram simpatia pelas causas que levaram à manifestação, não podiam, aliás, deixar de o fazer para não arriscar perder boleia no movimento. Li algures que também elementos da JS ponderavam estar nas manifestações mas ficaram desagradados com o incidente em Viseu durante o discurso de José Sócrates.
Do meu ponto de vista, as grandes questões colocadas na manifestação, a precariedade e o desemprego de uma geração que é a mais qualificada de sempre, dificilmente serão significativamente alteradas sem algo de estruturalmente diferente em matéria de organização do trabalho, refrescamento da organização política e alterações culturais e éticas entre as elites políticas, culturais e económicas. O problema é que, entre os que em Portugal plausivelmente podem ascender ao poder nos tempos mais próximos, não se vislumbra projectos e visões que alterem significativamente o quadro instalado, são, diria, mais do mesmo. Políticas de flexibilização do trabalho, protecção ao sistema financeiro, endeusamento de um mercado que, como dizia há pouco tempo Ricardo Salgado do BES, é amoral, esvaziamento do estado social, etc., são as receitas que se conhecem por parte de quem se assume como alternativa, portanto, nada de diferente do que neste momento acontece.
Neste cenário podem estabelecer-se duas perspectivas de continuação a curto e médio prazo. Uma primeira hipótese aceitando que o movimento que ontem emergiu ganha uma dinâmica suficientemente forte, continua a escapar à tentativa de controlo por parte dos aparelhos partidários e consegue potenciar e agregar mais zonas e franjas de descontentamento criando uma pressão incomportável para o sistema que o obrigaria a alterações significativas, uma espécie de arabização de brandos costumes. Nesta primeira hipótese importa ainda considerar as reacções no quadro da União Europeia. Uma segunda hipótese aceitando que o movimento, nesta fase disperso, pouco estruturado, acabe engolido pelos meandros da partidocracia tendo representado apenas um sobressalto inconsequente.
De qualquer forma, com alguma dose de realismo, creio que nos tempos mais próximos muita gente continuará "à rasca".

sábado, 12 de março de 2011

O TERCEIRO SOBRESSALTO CÍVICO

Estou a escrever estas notas sem ainda termos conhecimento da dimensão das manifestações previstas para logo no âmbito do que tem vindo a ser chamado “Geração à rasca”.
No entanto, creio que podem desde já justificar-se algumas reflexões. Em primeiro lugar, parece-me necessário sublinhar que, tal como a socióloga Natália Alves lembra no Público, desde os anos 80 todas as gerações se sentem à rasca à entrada no mercado de trabalho. No início da década de 80 o desemprego jovem era de cerca de 22%. O fenómeno do desemprego elevado entre os jovens não é, portanto, novo. O que agora o torna diferente é que o nível de qualificação dos jovens desempregados é o mais alto de sempre embora, como sempre afirmo, importe considerar que os jovens não estão desempregados por serem qualificados, estão no desemprego porque os modelos de desenvolvimento do país e do mercado de trabalho não são suficientes para absorver a mão de obra qualificada e a organização do mercado de trabalho se alterou. O DN de ontem referia que em termos europeus só a Polónia tem uma taxa mais alta de contratados a prazo. É também importante referir o enviesamento que a negligência da tutela facilitou nas áreas de qualificação dos jovens levando à existência de formações especializadas com enorme dificuldade entrada no mercado de trabalho. Como exemplo muito pontual, ontem num jornal televisivo alguém se queixava por estar no desemprego tendo um Mestrado em Estudos para a Paz. Por outro lado, daqui a alguns anos, certamente verificaremos que dos jovens que hoje estão à rasca estarão melhor os que tiverem qualificação.
Uma segunda nota remete para a realização da manifestação mobilizada de forma informal através das já todo presentes redes sociais. Do meu ponto de vista, esta manifestação é o terceiro grande movimento de contestação social nos últimos tempos que escapa ao controlo dos aparelhos partidários, a verdadeira mudança. O primeiro episódio foi a gigantesca manifestação de professores em Março de 2008 que excedeu largamente a esfera de influência do movimento sindical, o segundo foi a recente candidatura presidencial de Fernando Nobre e os resultados que obteve.
Este tipo de movimentos, emergentes fora das organizações partidárias que de formas mais ou menos explícitas tentam “apanhar boleia” revelam que, muito provavelmente, ainda é possível esperar a mobilização em escala alargada da participação cívica das pessoas. Estamos habituados a movimentos de menor escala como a manifestação contra o fecho da maternidade, da escola, do centro de saúde ou a portagem da SCUT. No entanto, nas mais das vezes verifica-se instrumentalização partidária de naturais focos de descontentamento dos cidadãos.
Interessante será verificar, pois, a dimensão que este movimento possa evidenciar e a reacção dos actores políticos do costume, os donos da partidocracia, a este terceiro sobressalto cívico.

PS - As primeira notícias referem números significativos de adesão pelo que se acentua a curiosidade sobre a reacção e eleituras da classe política "institucionalizada". Talvez se sintam um pouco à rasca, ou não. A responsabilidade incomoda, ou não.

IMAGENS - O fechamento da escola

Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado

sexta-feira, 11 de março de 2011

AUSTERIDADE

O dia de hoje foi marcado pelo fortíssimo sismo e tsunami ocorrido no Japão e pelo anúncio de mais um capítulo de uma narrativa em que entrámos nos últimos tempos que dá pelo nome de austeridade.
Uma primeira nota sobre a tragédia do Japão que, apesar de ser, muito provavelmente, o país mais preparado para enfrentar fenómenos desta natureza sofrerá certamente consequências absolutamente devastadores e não ainda conhecidas.
No que respeita à austeridade é já quase sem sobressalto que ouvimos novas medidas sob esta curiosa designação, austeridade.
Durante muito tempo, o termo austeridade era utilizado sobretudo como referência a uma qualidade percebida em algumas pessoas ou instituições. Um homem austero era alguém que se reconhecia como sério, discreto, sem excessos ou ostentações, probo, íntegro, etc. Na mesma perspectiva era vista uma instituição que merecesse a apreciação de austera.
Actualmente, austeridade é quase um sinónimo de sacrifício o que representa uma evolução curiosa. Sempre que são anunciadas medidas que se repercutem na vida da generalidade das pessoas tomadas sob o guarda-chuva da austeridade bem podemos preparar-nos para pagar mais ou receber menos.
O problema é que, muito provavelmente, todo este conjunto de medidas que em nome da austeridade nos são impostas, não nos vão tornar mais austeros, apenas mais pobres. Não é a mesma coisa.