domingo, 31 de maio de 2020

O PIÃO, LEMBRAM-SE?

Hoje tropecei com uma peça no JN sobre o pião, um dos brinquedos da minha infância. Não sabia, por exemplo, que o pião existirá desde 4000 a.C. tendo sido encontrado vestígios nas margens do rio Eufrates.
Uma das coisas que a velhice traz é a nostalgia do que já passou e as histórias vividas.
Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando livre pouco mais que alcatrão, o espaço de brincadeiras era o mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida e o quadro de valores ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua, sempre na rua.
As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.
Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta, os poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, jogar à descasca com o pião de madeira, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes ... não.
Não, não estou a dizer que era melhor a rua da minha infância e, muito menos, que a infância naquele tempo era boa, não não era, muitos miúdos passavam mal e não chegavam ... a ser miúdos. Estou apenas a dizer que os miúdos hoje beneficiariam de algumas experiências e oportunidades que as mudanças tiraram do seu quotidiano.


sábado, 30 de maio de 2020

A HISTÓRIA DO BRINCALHÃO


Neste dias de chumbo lembrei-me do Brincalhão. O Brincalhão foi um companheiro de escola durante alguns anos. Não era o seu nome mas era assim que todos o tratávamos.
Era um tipo fantástico, com ele presente não havia depressão ou mau humor que resistisse. Percebia quando alguém do grupo não estava bem e encontrava sempre a melhor forma de, sem se tornar excessivo, recompor o ânimo mais em baixo.
Disponível para quase tudo, as conversas com o Brincalhão não tinham fim, discutia tudo com um empenho convicto mas sempre com um inultrapassável sentido de humor que só por si justificava a discussão.
Uma outra particularidade que mexia verdadeiramente connosco era o sucesso do Brincalhão junto das miúdas. Confesso que a inveja, coisa feia, era grande. Bem que tentávamos justificar o sucesso com o facto de ele ser um excelente palhaço e as miúdas gostarem de circo. A justificação não era de facto muito boa nem muito inteligente, mas não nos ocorria outra e sempre tentávamos, sem o conseguirmos, proteger a nossa auto-estima porque as miúdas gostavam quase todas do Brincalhão.
Para a realização de qualquer tarefa era importante a colaboração do Brincalhão, ajudava a organizar as dúvidas, a escolher os caminhos e sempre nos ríamos imenso. Era um tipo com uma sensibilidade enorme às injustiças, tinha uma visão quase romântica do mundo e da revolução que se deveria fazer. Com o fino e inteligente humor que o caracterizava minava qualquer discurso mais conservador.
O cumprimento das estradas de cada um levou de mansinho à dispersão do grupo. O primeiro a afastar-se e para longe, para muito longe foi o Brincalhão.
Com o tempo fomos percebendo todos que tínhamos perdido a pessoa mais séria que conhecemos.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

DAS AEC


Há uns dias o Público divulgava dados Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência que com base num inquérito feito às escolas públicas mostraram que 2018/2019 14,6% dos alunos do 1º ciclo, 46644, não participaram nas Actividades de Enriquecimento curricular, na maioria dos casos por decisão dos pais e encarregados de educação.
Na actual situação a reflexão sobre as AEC é de uma outra natureza, mas quando se começa a reflectir na escola pós-pandemia talvez tenha sentido incluir na reflexão sobre a escola esta questão. Algumas notas que retomo de textos e intervenções que tenho realizado.
As AEC emergem, (não só, mas sobretudo) como resposta aos constrangimentos que os estilos de vida actuais colocam às famílias para assegurar a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares radicando no que considero um equívoco, o estabelecimento de uma visão de “Escola a tempo inteiro” em vez de “Educação a tempo inteiro”.
Ainda em termos prévios e como sempre tenho defendido seria também importante que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível. Talvez alterações desta natureza possam emergir como resultado da situação que estamos a atravessar.
Também poderíamos explorar outras respostas de natureza comunitária que pudessem ser uma alternativa ao prolongamento significativo da estadia na escola, pode atingir mais de 50 horas semanais se os pais necessitarem, considerando horário curricular, AEC e Componente de Apoio à Família.
É preciso o maior dos esforços, equipamentos e recursos humanos qualificados para que se não transforme a escola numa “overdose” asfixiante para muitos miúdos. Será ainda importante verificar como é gerida a situação e participação de alunos com NEE nestas actividades.
É verdade que existem boas práticas neste universo e que devem ser sublinhadas e divulgadas mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.
Este obstáculo acaba por resultar na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.
A enorme latitude de práticas que se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas, ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam como assegurar a responsabilidade da escola e a sua autonomia?
Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Sendo optimista vamos esperar que tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.
Nota final. Não referi, mas não esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização das AEC, designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de "salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

PERDER A ÚLTIMA ÂNCORA, A ESCOLA


Desde o início da resposta E@D ficou claro, creio, que a resposta estruturada sendo a possível não é perfeita, longe disso, como não era perfeita a resposta assente no ensino presencial AC (Antes da Covide-19). O ensino à distância que está a ser desenvolvido acrescido do contributo de #EstudoEmCasa é uma resposta de emergência que procura substituir e minimizar o impacto do encerramento das escolas, mas não é uma alternativa, dificilmente o será sobretudo nos primeiros anos de escolaridade dada a menor autonomia dos alunos.
Apesar do gigantesco esforço de professores e escolas e do aumento da acessibilidade e dos recursos digitais muitos alunos estarão em situação de particular vulnerabilidade por diversas razões, falta de recursos e constrangimento de acessibilidades à rede, competências digitais nos contextos familiares, níveis de escolaridade das famílias, circunstâncias de vida e disponibilidade em muitos agregados (apenas um dos pais em casa, teletrabalho, número de crianças e idades, alunos com necessidades especiais, entre outros aspectos).
Insisto no reconhecimento do esforço gigantesco realizado por professores, escolas e outras entidades, mas torna-se necessário reconhecer que não está tudo bem e que corremos o risco de não vir a ficar tudo bem.
Como escrevi no início de Abril, já me cansa fazer este tipo de discursos, serei certamente eu que estarei errado quando parte do que leio me parece ser um “pensamento mágico” que não cola com a realidade. A realidade não é a projecção dos nossos desejos e nem tudo corre bem e as decisões em matéria de políticas públicas devem considerar a realidade e não os discursos sobre a realidade.
No DN de hoje fala-se de crianças que ”perderam a sua última âncora, a escola”. De facto, a distância para a escola a que “a escola à distância” colocou muitos alunos é preocupante e exige iniciativas e dispositivos de apoio que possam ir “buscar” essas crianças, a “exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social”.
Neste sentido e sobretudo ccom os alunos mais novos e mais vulneráveis também desde início defendi em diferentes contextos que a grande necessidade, o grande objectivo diria, seria manter os alunos ligados à escola, aos professores, aos colegas. Em tempos de isolamento, a ligação é uma ferramenta de sobrevivência para os miúdos e para os miúdos no seu papel de alunos. Essa ligação terá os suportes disponíveis e tão acessíveis a todos quanto formos capazes e não podemos falhar.
Esta ligação (relação, comunicação, podem ser outras designações) permitirá que a “escola” continue na cognição e na emoção de cada criança, faça parte dos dias confinados e das suas rotinas. Fará parte do “kit de sobrevivência” num tempo em que os riscos de muitos alunos ficarem perdidos são enormes. Conheço inúmeros testemunhos nesse sentido como também é sublinhado na peça do DN.
Claro que esta ligação pode (deve) envolver a realização de tarefas de natureza escolar, curtas, diversificadas, com uma natureza que não exija a intervenção dos “pais-professores” para que possa ser realizada, nem todas as crianças os têm no seu “cantinho” lá em casa ou nem sequer têm cantinho”..
Estas actividades exercitam competências e podem ser continuadas de forma diferente nos cantinhos de cada criança. Podem estar seguros de que as crianças continuarão a aprender.
No entanto, sobretudo nos primeiros anos e nestas circunstâncias não me parece que o “cumprimento” do programa deva ser o grande objectivo. No próximo ano lectivo, alunos e professores serão capazes de recuperar no essencial a aquilo que agora não foi “trabalhado”, assim o tenhamos como preocupação e orientação.
Nesta perspectiva, é necessário que, tal como na economia se está já a trabalhar no pós-pandemia, também no universo da educação aconteça o mesmo.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

A ÚLTIMA AULA


Ontem acabei o dia com uma sensação estranha. Tinha dado a última aula deste semestre a um grupo de alunas futuras profissionais de psicologia da educação, a minha paixão.
Nada de especial, as aulas terminam habitualmente em finais de Maio, seguem-se as avaliações.
A questão é que esta aula foi também a última aula da minha carreira profissional formal e na verdade ficou uma sensação estranha.
Desde logo porque não foi uma aula, foi uma “zoomaula”, preferia ter estado lá onde tudo acontece e tudo se vive, na sala de aula. Este estimulante e competente grupo de alunas merecia que assim tivesse acontecido. A proximidade, a presença inteira, a comunicação e a relação, o olhar e os gestos, o estar sempre em pé, não rimam com a resposta de emergência que foi estruturada e que dentro das circunstâncias correu bem, mas … não é a mesma coisa.
Ensino “à distância”, para um velho como eu, não rima com ensino e aprendizagem embora caiba no ensino e na aprendizagem.
No entanto, habituei-me há muito a perceber que a realidade não é a projecção dos meus desejos e esta foi a realidade, a última aula da carreira profissional formal foi à distância, comigo e com as alunas confinadas.
Ainda há trabalho para acabar e certamente  também terei algumas outras aulas ainda que já numa condição profissional e contextual diferentes.

terça-feira, 26 de maio de 2020

ATRIBULAÇÕES DO ENSINO SECUNDÁRIO


Sem estranheza, nada nestes tempos parece normal, também o ensino secundário vai ter um final de ano atribulado.
Considerando a opção de não introduzir mudanças no processo de candidatura ao ensino superior os exames nacionais do ensino secundário teriam de acontecer o que, naturalmente,  tem levantado um conjunto significativo de dúvidas e dificuldades. Algumas notas.
Se não se realizassem exames abrir-se-ia uma porta larguíssima à "simpatia" de algumas escolas, fenómeno reconhecido e investigado, que inflacionam a avaliação interna dos seus alunos de forma a, por assim dizer, ajudá-los a dar um “saltinho” na média final. É sabido que o “saltinho” pode ser decisivo para entrar, embora seja de pouco proveito para a continuidade da carreira escolar como diversos estudos têm evidenciado.
Assim, havendo exames e dadas as circunstâncias teriam de ser adiados, a primeira fase vai realizar-se entre 6 e 23 de Julho e a segunda fase entre 1 e 7 de Setembro.
A existência dos exames justifica ainda a manutenção da realização de aulas presenciais para estes alunos como também justifica que as aulas presenciais só se realizem para as disciplinas sujeitas a exame por integrarem os critérios de acesso aos diferentes cursos.
Ficámos então com aulas presenciais para preparação dos exames para alguns alunos e cerca de 10% que não regressaram às aulas provavelmente porque os pais entendem que com as “explicações” se preparam melhor para os exames.
Tivemos ainda algumas dúvidas sobre que disciplinas teriam aulas presenciais ou não como também se adensou o receio com a “generosidade” das avaliações de algumas escolas, já conhecidas muitas delas, pois os exames contarão apenas como prova de ingresso e não para o cálculo da nota final de disciplina. O Ministro da Educação afirmou a precupação com a "simpatia" de algumas escolas a que os inspectores da Inspecção Geral da Educação responderam com a dificuldade de o fazer por falta de recursos.
Para os alunos que não frequentam as aulas presenciais, as escolas não estão obrigadas a disponibilizar ensino à distância nas disciplinas em que há aulas presenciais a decorrer.
Por outro lado, as escolas definiram a carga horária das disciplinas com ensino presencial consoante as disponibilidades logísticas existindo turmas em que foram leccionadas metade da carga horária da disciplina.
Neste contexto como e com que critérios de equidade será feita a avaliação dos alunos, com carga horária total, parcial ou que não foram às aulas presenciais e não tiveram ensino à distância? Será (mais) uma dificuldade em todo este processo.
Não será, pois, estranho mais do que habitualmente acontece, a corrida aos centros de explicações. Sendo habitual esta “corrida”, sem aulas presenciais “normais” com uma alternativa com alguns constrangimentos como é o “ensino à distância de emergência”, a procura desta ajuda será certamente bem maior.
Se como também é reconhecido, a capacidade das famílias para acederem a estes apoios “extra” constitui um factor de potencial desigualdade entre os alunos, na situação actual com quebras de rendimento significativas em muitos agregados familiares o risco de desigualdade é ainda mais preocupante.
Tenho a certeza de que as escolas e os professores no tempo que têm e com os meios que possuem desenvolvem melhor trabalho possível de preparação dos alunos, mas … é uma tarefa gigantesca.
É verdade e sublinho a decisão que a estrutura dos exames será adaptada através da criação de grupos de respostas opcionais e de respostas obrigatórias que cria a possibilidade de os alunos responderem às questões para cuja resposta se sintam melhor preparados. Também foi anunciado nas respostas opcionais são só vão contar para a classificação final os itens em que os alunos tenham “melhor pontuação”.
Neste contexto, manutenção dos exames, parece uma medida ajustada.
Dado tudo isto e riscos enormes de desigualdade de oportunidades continuo a entender teria sido mais prudente adiar mais os exames de modo a permitir com maior segurança aulas presenciais promotoras de mais equidade. Não me parece que não fosse acomodável no ensino superior começar os trabalhos do 1.º ano algum tempo depois. Como também creio que seria possível adiar umas semanas o início das aulas no ensino secundário do próximo ano lectivo para os alunos que neste momento estão no 9.º. 10.º e 11.º
No que respeita ao ensino superior não seria a primeira vez que tal acontecia e não seria algo que comprometesse a carreira escolar dos novos alunos e o funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior.
Mas as decisões estão tomadas, não sabemos como tudo irá evoluir, mas sei que escolas e professores fazem o esforço necessário para que o difícil período que se vive seja tão bem-sucedido para todos quanto possível.
A ver vamos.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

CRIANÇAS DESAPARECIDAS. ALGUMAS ESTÃO À VISTA


O calendário das consciências determina que o dia 25 de Maio seja o Dia Internacional das Criança Desaparecidas. Umas notas a acrescentar às discretas referências divulgadas.
Ao que parece e felizmente estão a registar-se em Portugal menos casos de crianças e adolescentes desaparecidos. No entanto, e em termos mais globais a tragédia que envolve o desaparecimento de crianças no âmbito da crise dos refugiados assume proporções alarmantes e que são uma acusação fortíssima à mediocridade das lideranças mundiais.
A maioria das situações de desaparecimento de crianças em Portugal tem um final positivo, o desaparecimento é temporário e uma reacção a incidentes pessoais ou a resultados escolares.  Lamentavelmente, nem sempre os processos decorrem assim, recordemos as tragédias mais mediatizadas que envolveram o Rui Pedro desaparecido há mais de 20 anos em Lousada no norte de Portugal e a Maddie McCann em 2007 no Algarve, dos quais nada se sabe sobre o que lhes terá acontecido.
De há uns anos para cá tem sido feito um esforço nacional e internacional no sentido de aumentar a eficácia na abordagem a situações desta natureza bem como dedicar maior atenção aos factores de risco de que a título de exemplo se citam as redes sociais, que não podendo, obviamente, ser diabolizadas, apresentam alguns riscos que não devem ser negligenciados.
Merece ainda registo o aumento significativo de crianças desaparecidas através do rapto parental em contexto de separações familiares com algo grau de litígio e que, evidentemente, implicam enorme sofrimento para todos os envolvidos, em particular para os mais vulneráveis, as crianças.
Situações como as do Rui Pedro ou da Maddie McCann são absolutamente devastadoras numa família. Nós, pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a tragédia da morte, mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que, tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e afectivo na vida familiar, a situação é de uma violência inimaginável.
No entanto, sem minimizar a carga dramática do desaparecimento, creio que é também muito importante não esquecer a existência de muitas crianças que estão desaparecidas, mas que, por estranho que possa parecer, estão à vista. São situações com contornos menos trágicos e óbvios que por desatenção passam mais despercebidas.
Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à beira de pais e professores, de nós, e passam completamente despercebidas, são as que designo por crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. As razões são muitas e as mais vulneráveis tornam-se mais transparentes. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.
Nos tempos que vivemos e como tem sido referido regularmente, a manutenção das crianças em casa e com menor proximidade dos serviços de protecção e dos seus olhos, professores e auxiliares, o risco de aumento de crianças “desaparecidas” estando à vista é real.
Em boa parte das situações e por diferentes razões por estes ninguém procura.
E alguns, por vezes, também se perdem de vez.

domingo, 24 de maio de 2020

A HISTÓRIA DO PERDIDO


Era uma vez um miúdo, ninguém parecia saber ao certo o seu nome, ou se sabiam não o utilizavam. Toda a gente lhe chamava o Perdido. Tinha por aí uns treze anos.
Com a família tinha uma relação que não era muito positiva e de que os pais muito se queixavam. Nem sempre respondia ao que lhe perguntavam, quando o fazia, na maior parte das vezes, respondia qualquer coisa como, “não sei”, “não me importo” ou “não me interessa”. Não revelava especiais interesses e, sempre que possível, o Perdido fechava-se no seu canto.
Na escola, as coisas não corriam muito bem, notas baixas e com experiência de retenções, desinteressado nas aulas, pouco envolvimento nas actividades que lhe pediam, pouco participativo, sempre escudado com “não sei”, “esqueci-me” “não serve para nada”, etc. Apesar de tudo, o Perdido tinha alguns amigos, uns assim parecidos com ele, um deles até bastante seu amigo, chamava-se Sem Rumo.
Um dia, o Perdido estava num canto do recreio da escola com o ar de sempre quando passou o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros. O Perdido simpatizava com o Professor Velho, se calhar porque não lhe dava aulas e sabia histórias. Ficaram um bocado à conversa e acabaram por combinar uma coisa assim um bocado esquisita. Todos os dias o Perdido ia falar uns minutos com o Professor Velho e conversavam sobre uma coisa boa e uma coisa má escolhidas pelo Perdido. Durante as conversas o Professor Velho ia tomando umas notas. Assim se passou algum tempo, o Perdido tinha-se entusiasmado e não faltava uma vez. Certo dia, o Professor Velho, no fim de mais uma conversa sobre uma coisa boa e uma coisa má, puxou assim de uma espécie de caderno que parecia um livro pequeno e ofereceu-o ao Perdido, “com as nossas conversas fiz este livreco para te lembrares”.
Quando o Perdido olhou para o livro, viu escrito na capa, “Há sempre uma maneira de encontrar um Perdido”.
Nos tempos que correm surgem novos Perdidos. Muitos dentro de casa.


sábado, 23 de maio de 2020

EDUCAÇÃO INCLUSIVA À DISTÂNCIA

Ontem, a propósito da possibilidade admitida pelo Ministro da Educação de que no próximo ano se recorra a um modelo que envolva aulas presenciais e aulas à distância, apesar de boas práticas conhecidas, afirmei, "o que com enorme esforço e motivação foi estruturado no ensino à distância (E@D) foi uma resposta de emergência que procurou substituir e minimizar o impacto do encerramento das escolas, mas não é uma alternativa, dificilmente o será sobretudo nos primeiros anos de escolaridade e em particular no caso de alunos com necessidades especiais".
A manutenção de aulas não presenciais solicita uma séria reflexão sobre o que deverão ser, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade e para alunos com necessidades especiais e o tempo não é muito.
O Expresso desta semana elucida de forma impressiva este cenário através das dificuldades e retrocessos no processo educativo do Afonso, uma criança com doze anos referida como tendo deficiência cognitiva e das também significativas dificuldades sentidas pela família sem os apoios adequados.
De facto vivemos tempos estranhos, vemo-nos a falar de educação inclusiva num cenário de “ensino à distância” e com os alunos confinados em casa. Para muitos alunos e por diferentes razões tem mesmo aumentado a sua distância para a escola o que, naturalmente, terá efeitos negativos, quer no progresso em aprendizagem quer numa perspectiva de educação inclusiva. A situação do Afonso é um exemplo.
Não esqueço que mesmo em tempos “normais” também temos constrangimentos e insucessos, mas, ainda assim, temos uma variável muito importante, proximidade.
O ME divulgou em Abril “Orientações para o trabalho das Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva na modalidade E@D”.
Como disse na altura, sendo importante que se conheçam orientações da tutela, o que foi divulgado as “orientações” reflectiam fundamentalmente as competências e funções das EMAEI o que no quadro da resposta que temos tem uma enorme dificuldade de operacionalização.
Neste contexto parece-me mais pertinente definir duas grandes linhas de trabalho mais pertinente.
A primeira seria a colaboração com os docentes para o trabalho a desenvolver neste contexto particular em que a planificação “existente” não tem obviamente condições para funcionar. Questões como que objectivos a manter ou redefinir, que actividades e com que recursos a desenvolver em casa, que duração, que rotinas de trabalho, que apoio solicitam pais ou de irmãos, etc., são alguns dos exemplos em que o que está definido nesta imensidade de RTP/PEI/PIT poderá necessitar de ser reconfigurado.
Uma segunda linha envolve o apoio aos pais. No entanto, creio que tanto ou mais do que criar formas de apoio aos pais no sentido de serem “professores” ou “técnicos” dos seus filhos, ou seja, o apoio dos pais ao “trabalho” dos filhos no “ensino à distância” julgo que precisamos de apoiar os pais enquanto pais num quotidiano altamente exigente em matéria de resistência física e psicológica. São grandes os riscos de cansaço, impotência desânimo, culpabilização, etc. para mais dentro de um cenário de isolamento. Esta questão quanto a mim é crítica.
A situação do Afonso e da sua família retratado no trabalho do Expresso é elucidativo.
Como na altura afirmei e não querendo ser polémico ou provocador, não é de todo a intenção, um contacto regular próximo e acessível e com alguma disponibilidade para “ouvir” será talvez mais importante que o cumprimento rigoroso dos RTP/PEI/PIT.
No entanto e como é evidente cada situação sugerirá a melhor abordagem.
É muito importante que nestas circunstâncias verdadeiramente excepcionais o trabalho das EMAEI e de todas a escolas/agrupamentos e de professores e técnicos corra o melhor possível.
Mas a continuidade, ainda que parcial, do ensino à distância é uma inquietação, soa a inclusão à distância, ou seja, educação e inclusão mais distantes para muitos alunos.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

UM SETEMBRO DE 2020 AINDA DIFERENTE DO SETEMBRO DE 2019


Da entrevista de ontem do Ministro da Educação ao Público relevam algumas questões que suscitam reflexão. Parece alta a probabilidade de que o Setembro de 2020 seja muito diferente do Setembro de 2019.
Neste contexto, uma das questões que julgo de particular importância prende-se com a possibilidade de no próximo ano e por razões decorrentes da situação de saúde pública termos um misto de aulas presenciais e aulas online.
Não vou discutir a questão da necessidade de que assim seja por razões sanitárias, se forem exclusivamente essas as razões, mas temo o que possa significar em termos de educação.
Antes desta questão, o modelo misto, uma referência à afirmação do Ministro sobre a necessidade de um esforço de “avaliação de tudo aquilo que não foi consolidado ou tão bem ensinado. A recuperação das aprendizagens tem de ser um dos pilares fundamentais no regresso às aulas”.
Sim, Sr. Ministro existirá um pesado cadernos de encargos relativamente a aprendizagens não realizadas ou consolidadas. No entanto, a questão, creio, é ainda mais complexa, trata-se da recuperação de crianças e adolescentes que ficaram mais distantes da escola, não se trata “apenas” de aprendizagens pouco consolidadas, trata-se aprendizagens não realizadas por desmotivação, metodologias e dispositivos inadequados para algumas idades, problemas de competência digital e acesso a recursos e à rede, contextos familiares pouco amigáveis, necessidades especificas de alguns alunos, etc. Não está em causa o esforço e empenho dos professores e de outros intervenientes mas do que estes tempos criaram.
Também por isto, o eventual recurso, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade e na resposta diferenciada a alunos com necessidades especiais, a modelos mistos, aulas online e presenciais, terá de ser ajustadamente pensado e o tempo não é muito.
O que com enorme esforço e motivação foi estruturado no ensino à distância (E@D) foi uma resposta de emergência que procurou substituir e minimizar o impacto do encerramento das escolas, mas não é uma alternativa, dificilmente o será sobretudo nos primeiros anos de escolaridade. Registe-se as boas práticas que também são conhecidas.
No entanto, parece claro que e-learning é bem mais e bem diferente do que em muitas circunstâncias é realizado no E@D. Assim, substituir algumas aulas via zoom por algumas aulas presenciais não chegará para criar um modelo b-learning. Creio que os riscos para as aprendizagens se manterão elevados e as dificuldades dos professores em lidar com esta situação sobretudo nos anos iniciais de escolaridade. Este modelo misto será extremamente exigentes para todos, professores, alunos e famílias.
Assim, a ser necessário continuo a insistir em que a simplificação deveria ser a grande orientação.
Seria desejável que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos
Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que este tipo de trabalho implica como todos já podemos assegurar.
Por outro lado e neste contexto, a possibilidade de um modelo misto a partir de Setembro, tal como o Ministro sublinhou e o Primeiro-ministro já tinha referido ao “assumir o compromisso”, é exigido que esteja assegurada a universalidade do acesso em plataforma digital, rede e equipamento para todos os alunos do básico e do secundário. Trata-se, evidentemente, de uma medida crítica no sentido da equidade e inclusão.
Voltaremos a outras questões interessantes na entrevista do Ministro da Educação.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

DIA DA ESPIGA


Tenho para mim que hoje, com tantas coisas a acontecer e a inquietar, já pouca gente notará que passa o Dia da Espiga, como se dizia quando era pequeno para referir a Quinta-feira da Ascensão.
No Dia da Espiga volto sempre a umas dezenas de anos lá para trás no tempo. Na minha casa íamos sempre buscar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar, e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira.
Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído por um novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre cumprida.
Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Por estes dias parece ainda menos provável.
Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.
Resta dizer que o ramo da Espiga será construído daqui a pouco com o que vamos encontrar no campo aqui do monte. Cá em casa algumas tradições mantêm-se.
Coisas de velho, já se vê.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

DO "GOSTAR MUITO DA ESCOLA"

Na imprensa encontram-se referências a dados relativos a 2018 do estudo Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, realizado de quatro em quatro anos e coordenado em Portugal pela excelente equipa da Professora Margarida Gaspar de Matos, Aventura Social. Será de leitura obrigatória para compreensão do universo dos adolescentes e jovens portugueses.
Uma nota sobre a evolução dos resultados de dimensão avaliada, “gostar muito da escola”, que merece séria reflexão dada a consistência e robustez do trabalho.
Em 1998, início deste estudo, 29% dos alunos com 15 anos respondiam “gostar muito da escola” o que nos colocava em 2º lugar entre 28 países. A partir 1998 a percentagem foi sempre baixando e em 2018 apenas 9.5% afirmam “gostar muito da escola”.
No estudo de 2018 já com 45 países envolvidos a posição de Portugal era 38º o que mostra a acentuada descida do “gostar muito da escola”.


Encontrar uma explicação sólida para estes dados é uma tarefa complexa. No entanto, julgo que numa abordagem de natureza mais qualitativa talvez fosse interessante ouvir, escutar, os alunos e o seu discurso sobre a escola.
Não tenho um entendimento idealizado ou romântico do “diálogo” e do “ouvir os alunos”, mas creio que importará, de facto, ouvir os alunos, todos os alunos, com real interesse no seu olhar e ideias sobre a sua vida escolar. Também sei que a voz de muitos alunos nas salas de aula são vozes perturbadoras e, também, que frequentemente são sinais de outros "mal-estares" e problemáticas, familiares, por exemplo.
Apesar dos sobressaltos e dificuldades próprias dos processos educativos e da diversidade de contextos, o sucesso e tranquilidade dos processos de ensinar e aprender assentam em três dimensões fundamentais, a qualidade do ensinar, o conhecimento sobre o aprender e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a grande maioria dos professores estará equipada relativamente ao processo de ensinar e de aprender, mas a grande questão é que a nossa escola, de uma forma geral, não facilita a relação.
O “gostar da escola” é construído na relação com a escola, certamente com os intervalos da escola, sempre gostamos dos intervalos, mas, necessariamente, na relação com o espaço sala de aula. Também sabemos que a relação que envolve pessoas, mais pequenas ou mais crescidas, se alimenta pela comunicação. E é justamente a questão da comunicação que poderá ajudar a perceber a forma como os alunos percebem a escola, a sala de aula.
Também sabemos que a comunicação em sala de aula é uma tarefa difícil e com variáveis que a influenciam. Como exemplos destas variáveis temos, entre outras, a organização dos tempos lectivos, a natureza e extensão dos conteúdos curriculares das diferentes e muitas disciplinas, a crescente pressão para resultados tangíveis, o número de alunos por turmas em algumas escolas e agrupamentos e do número de turmas leccionado por muitos professores, um ensino demasiado assente no manual, a burocracia esmagadora, etc. para além, naturalmente, das concepções de alguns professores sobre o funcionamento da sala de aula.
Os professores, muitos professores, sentem-se "escravos" do programa que deverá ser dado, sobretudo nos anos de exame e no ensino secundário e do pouco tempo disponível para construção da relação que na verdade se torna muito difícil.
Muitas vezes digo que os professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos "falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas razões como dificuldades ou desmotivação ou associadas a variáveis de contexto, não conseguem "falar" com o programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar, sobretudo para controlar os seus (maus) comportamentos e a dificuldade passa a ser clá-los..
Também por estas razões, continuo a entender como necessária uma mudança mais significativa na organização dos tempos da escola, da gestão mais integrada e diferenciada dos conteúdos curriculares e metodologias que tornassem mais fácil podermos ouvir os alunos dizer, "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a gente".
Esta ideia tem nada de romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação constrói-se com a relação que se alimenta da comunicação. É assim que funcionam os bons professores que temos e cujos alunos certamente gostarão mais da escola.

terça-feira, 19 de maio de 2020

OS ASSINTOMÁTICOS


Num tempo em que muitas famílias passam por significativas perdas de rendimento não pode deixar de inquietar ler que a administração do Novo Banco acederá a prémios de gestão num valor próximo dos dois milhões de euros. Talvez seja de recordar que os prejuízos do Novo Banco são superiores a sete mil milhões de euros. É ainda relevante que o Novo Banco vai vivendo de fundos públicos. Os prémios(?) de gestão previstos para estes notáveis gestores estão muito acima dos que acontecem no Santander, BCP ou BPI
Não, não é populismo, é mesmo inquietação.
Não estranho o despudor da atribuição destes prémios. Estas pessoas entendem sempre que estão a cumprir a lei, que o seu trabalho é competente, que tudo é feito com rigor ético e, portanto, não lhes pesa nada na consciência.
Segundo a sua própria visão terão rigor ético, terão competência, terão valores, terão consciência. A questão, como agora se diz, é que são assintomáticos, não se nota que têm.
Já tínhamos percebido.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

ESTÃO DE VOLTA. SEJAM BEM-VINDOS(AS)

Hoje começa mais uma etapa do desconfinamento do, deseja-se, nosso contentamento. O passo mais marcante é, do meu ponto de vista, o regresso a actividades educativas presenciais para alguns algumas crianças e jovens, nas creches e no ensino secundário.
Os tempos são estranhos, em primeira página e a propósito deste regresso a JN colocava “Mais de 750 polícias e militares da GNR vigiam alunos no regresso às aulas”, que raio de nova normalidade é esta?
Umas notas sobre este regresso de uma parte de crianças e jovens, mas, sobretudo, de profissionais de educação, professores, educadores e auxiliares ao seu espaço, a sala de aula.
A sala de aula, provavelmente e apesar das muitas mudanças acontecidas, a acontecer e por acontecer, será ainda por muito tempo o espaço onde se concretiza a escola, a educação escolar.
Quando refiro sala de aula não me refiro apenas a um espaço físico, a sala de aula é mais do que isso e pode até acontecer noutros espaços físicos, refiro a relação entre professores e alunos e entre alunos num contexto de aprendizagem e desenvolvimento. Só por aqui e apesar das dificuldades podemos chegar a todos os alunos.
Com a experiência mais antiga e também com a mais recente talvez tenhamos que reflectir e retomar coisas velhas, nada “inovadoras”, nada "revolucionárias", nenhum “novo paradigma”, a educação escolar é estruturada e alimentada pela relação e a relação, para que exista e seja positiva, tem como ingrediente … comunicação e, naturalmente, a emoção.
Sabemos todos que quando recordamos positivamente professores com quem nos cruzámos a razão é sempre a relação que com eles tivemos para além do que com eles aprendemos.
A educação escolar, a acção do professor, tem esse princípio fundador, assenta na relação que se operacionaliza na comunicação e se alimenta da emoção. Sobretudo com os mais novos os ecrãs e as ferramentas digitais cabem na educação, são imprescindíveis, mas a educação não cabe nos ecrãs e ferramentas digitais.
Talvez comecemos a perceber que no tempo AC e durante estes meses os professores têm pouco tempo para comunicar, para conversar com os alunos e as emoções entram em turbulência e descontrolo.
No entanto e como já aqui escrevi, temo visões sobre educação e escola que entendem os professores como “entregadores de conteúdos”, os alunos “como dispositivos de aprendizagem” e a avaliação como medida e também, naturalmente, realizada online. Também poderá atrair alguns pais “ausentes” por razões que se prendem com a sua visão e projecto de vida nos quais algum “do preço (tempo) a pagar por ter filhos” pode ser assumido por uma máquina.
Esperemos que surjam caminhos mais adequados e para já alguns dos mais novos, crianças e alunos do secundário e muitos educadores e professores estão de regresso, certamente num sentimento entre o receio e a alegria. Sejam bem-vindos(as).



domingo, 17 de maio de 2020

O REGRESSO


Amanhã vamos assistir ao mais estranho regresso às aulas de que temos memória, às aulas presenciais no ensino secundário, algumas, e também às actividades de creche, não lhes devemos chamar aulas. As actividades de creche com vista para uma normalidade adiada e as aulas do secundário com vista para um exame já a seguir.
As razões para que tal aconteça são múltiplas e de diferente natureza, económicas, sociais, psicológicas, educativas e, no caso particular do ensino secundário a existência de um modelo de acesso ao ensino superior que assenta fundamentalmente nos exames finais. Sobre estas razões não vou repetir o que tenho afirmado.
Os receios são muitos, quer de alunos, quer de professores e pais. Não sendo um dos muitos milhares de especialistas em saúde pública que se conheceram nos últimos tempos e não sendo completamente conclusivo o conhecimento disponível sobre todos os aspectos da pandemia, os receios são obviamente compreensíveis. Por outro lado parece cada mais claro que um tratamento eficaz ou uma vacina não surgirão tão depressa pelo que controlando até ao possível comportamentos e riscos teremos de ir aprendendo a conviver com o “bicho” e retomar gradualmente boa parte das nossas rotinas.
Como também já aqui escrevi, amanhã não irá acontecer “creche”, as regras de funcionamento estabelecidas não são compatíveis com tudo o que está contido na intencionalidade educativa do espaço creche. Irá acontecer alguma “creche” o que sera positivo e algum tomar conta das crianças o melhor possível. As crianças são resilientes desenvolverão comportamentos de adaptação à estranheza da máscara, à falta de proximidade, à falta de trocas e partilhas, etc., ainda que … não seja a “creche” que conhecem e precisam.
No ensino secundário, apesar das medidas de protecção e funcionamento, irão acontecer “aulas”. Uma sala da escola, um professor, um grupo de alunos ainda que mais pequeno, actividades escolares e … temos uma aula com exame ao fundo.
Assim e ainda com a grande maioria dos alunos, incluindo provavelmente as crianças até aos 3 anos, ainda em casa, com a “escola” à distância e com a distância a aumentar para muitos alunos, e televista, mas menos televista que no início, serão assim os dias educativos a partir de amanhã.
Apesar da complexidade da situação, das dificuldades e receios, do continuar da discussão sobre se deveria ou não ser assim, confio na competência e no esforço, motivação e compromisso que ainda resiste nos profissionais das creches e das escolas, educadores, professores, técnicos, auxiliares e direcções para cumprir a sua enorme tarefa e insubstituível tarefa, contribuir para levar crianças e jovens ao futuro.

sábado, 16 de maio de 2020

SINALIZADAS, REFERENCIADAS, MAS ....


Na imprensa de hoje e ainda sobre a tragédia que aconteceu em Peniche lê-se que a em 2019 e no contexto de uma fuga de casa a situação da criança terá sido sinalizada. O caso foi encerrado pouco tempo depois dado que com base nos factos conhecidos na altura foi entendido como não necessária a aplicação de medidas de promoção e protecção.
Algumas notas que não pretendem atribuir responsabilidades, não quero, não posso e não devo, mas apenas voltar a alertar para uma situação recorrente.
De há muito e a propósito de várias questões afirmo que em Portugal, apesar de existirem diferentes dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Muitas vezes tenho aqui referido a necessidade maior investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção de menores. Para além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma melhor integração e oportunidade das respostas a situações detectadas, uma adequação às mudanças e novas realidades na área dos Tribunais de Família e Menores, etc. Os serviços de apoio às comunidades, ainda que regulados e escrutinados, deverão ser suficientes e adequados em recursos e procedimentos.
Este cenário permite que ocorram situações como a agora conhecida, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. E tal como nesta situação é frequente ouvir depois de alguns episódios mais graves uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.
Sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas. Nos tempos que atravessamos os riscos serão maiores.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
O que me dói ainda mais é que não é a primeira vez que escrevo sobre acontecimentos desta natureza e, provavelmente, não será a última.
As crianças são resilientes, mas família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade. 

sexta-feira, 15 de maio de 2020

UMA PALAVRA MELHOR DO QUE "FIXE"

Com a vossa licença permito-me desconfinar mais uma história cá da minha tribo.
O meu neto Grande, seis anos de experiência de vida, sentia uns incómodos abdominais pelo que os pais recorreram a umas milagrosas gotinhas prescritas pela pediatra.
Algum tempo depois o Simão fez uma visita substantiva e produtiva à casa de banho e a coisa pareceu melhorar.
O pai perguntou:
Já estás bem, Simão?
Pai, preciso de uma palavra melhor do que “fixe”. É que já estou mesmo muito bem.
É curioso, como por vezes as palavras parecem faltar para dizermos como nos sentimos bem ou menos bem.
Mas inquietante mesmo é quando aos miúdos, e não só, faltam as palavras para falar do mal que sentem.
Por isso é tão importante estar atento e ouvir os silêncios que resultam das palavras que faltam aos miúdos. Quase sempre não são apenas as palavras que faltam. Na escola ou em casa.
Neste tempo estranho que atravessamos talvez seja ainda mais importante.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

EU NÃO VOLTO ÀS AULAS, TENHO QUE ME PREPARAR PARA OS EXAMES


Durante a manhã ouvi num espaço de notícias na rádio uma peça sobre o regresso dos alunos do ensino secundário a algumas aulas.
A peça continha testemunhos de estudantes do 12º ano.
Numa das primeiras intervenções uma aluna afirmava que não voltaria às aulas presenciais.
A justificação  foi qualquer coisa como: “Não, não volto às aulas, estou a preparar-me para os exames. Disseram-me que nas aulas ia ser dada matéria. Assim não volto. Tenho que me preparar para os exames”.
Trata-se de um excelente exemplo no sentido da necessidade e urgência no repensar do modelo de acesso ao ensino superior como recorrentemente aqui tenho referido.
O modelo existente alimenta um enorme equívoco, o ensino secundário é o tempo da preparação para o ensino superior, ou seja, preparar para os exames de acesso.
Como transparece do testemunho da aluna o ensino secundário não é percebido com um valor formativo em si próprio, é sobretudo percebido como um tempo de explicações para exame. As aulas para dar matéria não "interessam", não são a preparação para o exame.
O ensino secundário e trajectos equivalentes é, para a generalidade dos alunos, o terminar da escolaridade obrigatória, que lhe terá permitido o acesso a um conjunto alargado de saberes e competências bem mais vasto que o domínio de alguns saberes sujeitos a exame para a entrada no curso desejado.
Este conjunto importante e necessário de saberes é avaliada pelas escolas e também me parece importante que o seja de forma externa como instrumento regulador. O conjunto avaliação interna e externa tem como função regular, certificar e terminar o processo de avaliação do secundário.
O acesso ao superior é uma outra questão na qual, evidentemente terá impacto a avaliação final do secundário, mas não apenas este critério. Também me parece que este processo deve ser da responsabilidade superior e pode ser gerido e operacionalizado de uma forma integrada e não instituição a instituição. Aliás, o que parece estar a ser desenhado para os alnos dos cursos profissionais num processo regionalizado vai neste sentido.
Enquanto não conseguirmos alterar este modelo, para a maioria dos alunos e famílias o ensino secundário será percebido como pouco mais que a sala de explicações para preparar para os exames que determinam o acesso.
Este tipo de equívoco, por outras razões, começa cedo. A educação pré-escolar é percebida por muitas famílias como a “preparação “ para escola e nem sempre lhe é reconhecida o seu extraordinário valor enquanto tempo educativo próprio, com objectivos próprios, com um impacto no desenvolvimento global dos miúdos que se reflecte bem para lá da “simples” preparação” para entrar na escola.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

UMA NOVA EXPERIÊNCIA VIRTUAL


Nestes tempos excepcionais passei ontem por mais uma situação para mim inédita, a defesa pública de uma Dissertação de Doutoramento em modo totalmente não presencial. Já tenho participado em júris com algum(a) colega à distância, mas não uma situação integral. 
Sendo para mim inédita espero bem que não seja vista como um novo paradigma, uma inovação, já tremo só de ouvir estas referências.
O tema, tal como o trabalho apresentado, são estimulantes de uma boa sessão de reflexão, educação inclusiva e formação de professores no 1º ciclo.
Um trabalho interessante e pertinente evidenciando as fragilidades percebidas por professores do 1º ciclo em formação inicial, por professores recém-formados e por formadores de professores no que respeita à educação inclusiva.
Permanece ainda o entendimento de que educação inclusiva é, fundamentalmente, a resposta educativa a alunos com necessidades educativas especiais.
O caminho a percorrer é longo.
As circunstâncias, videoconferência com todos os envolvidos incluindo assistentes, retiraram o carácter simbólico deste tipo de provas públicas ainda presente em muitas instituições, Fica estranha a falta do protocolo e formalismo, da presença física de colegas, amigos e familiares que apoiam e “torcem” pelo desempenho da candidata, termo estranho, mas habitual. Também as incontornáveis fotografias para memória futura ficam por fazer.
Ainda assim, foi um espaço de tranquilidade, empatia e com uma “candidata” competente e segura que defendeu muito bem o seu bom trabalho.
Uma nota final para uma referência a um aspecto particularmente positiva do evento, não foi necessário usar o traje académico. Pode ser que seja mais um novo normal, deste não me importo, antes pelo contrário.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

NÃO, AS CRIANÇAS NÃO VÃO REGRESSAR ÀS CRECHES


Sobre o anunciado regresso das crianças às creches algumas notas.
Não sou um dos muitos milhares de especialistas em pneumologia, virologia, infecciologia, saúde pública, gestão de crises, epidemiologia, etc., que emergiram em Portugal nos últimos meses. Sou alguém que desde sempre “mora” no mundo da educação e que, naturalmente, está atento às suas problemáticas.
Sou um cidadão que procura estar informado e para o fazer tenta a aceder a fontes que mereçam confiança e com estatuto confirmado, seja na comunicação social, seja na comunicação em ciência.
Do que vou percebendo e em síntese parece claro que as crianças estão menos sujeitas ao contágio deste novo Corona vírus, que quando contagiadas a situação é menos grave que em adultos e, sobretudo, nos mais velhos e que existem dúvidas sobre a sua capacidade de contágio razão ela qual existem diferentes visões sobre o desconfinamento dos mais pequenos.
Compreendo também que a manutenção das crianças, agora nas crianças em idade creche, tem implicações ao nível económico, rendimento das famílias, e no mercado de trabalho o que justifica a pressão para o desconfinamento dos mais novos e, portanto, dos pais.
Compreendo que a situação de confinamento implica riscos no nível de bem-estar psicológico de todas as pessoas incluindo os mais pequenos e que quanto mais prolongada for mais se avolumam os riscos.
Também tenho a convicção que a creche não é uma estrutura de “guarda” e “acolhimento” de crianças enquanto os pais trabalham. A creche é, deve ser, um espaço carregado de intencionalidade educativa em que se proporcionam às crianças experiências muito importantes e fortemente contributivas para o desenvolvimento das crianças.
Do que me é dado perceber as orientações da DGS para o acolhimento das crianças nas creches levantam-me dúvidas.
Primeiro da sua exequibilidade em muitas instituições considerando espaços, equipamentos e recursos humanos para além da eficiência no controlo do risco embora saiba que não existe risco zero em qualquer actividade humana.
Em segundo lugar, porque o seu cumprimento, a conseguir-se do que duvido, parece-me comprometer fortemente a intencionalidade educativa que deve existir nas creches, brincar, trocar, partilhar, interagir, realizar tarefas com e não ao lado, etc. Acresce que o nível de desenvolvimento e autonomia das crianças não parece compatível com muitos aspectos das orientações. São também desta natureza as preocupações dos profissionais que se vão escutando ou lendo.
Acresce que o contacto físico está muito presente e é uma ferramenta imprescindível de trabalho e relação. A festa que acalma, o colo que tranquiliza, o toque, o abraço que “cura” magicamente a mazela da queda na brincadeira, etc. Como trabalhar e comunicar com crianças até aos três anos com base no distanciamento físico e com máscara?  Não me parece fácil.
Se me disserem que não é possível manter por muito mais tempo as crianças e os pais em casa, que os problemas de natureza económica para famílias e comunidades são insustentáveis, que os riscos psicológicos do confinamento são muitos, que é importante que regressemos a alguma “normalidade”, que os riscos estão tão controlados quanto possível, posso eventualmente discordar ou ter dúvidas, mas compreendo.
Mas não me digam que as crianças vão regressar à creche, esta creche que parece estar a ser desenhada, é um outro espaço de confinamento e em que o confinamento dificilmente será conseguido. É o que não queremos que a creche seja, um espaço para as crianças estarem “guardadas” enquanto os pais voltam ao trabalho pois é preciso que o façam.
Sim pode ser preciso que assim seja, mas sejamos claros, por favor. A clareza é amiga da confiança e, mais do que nunca, precisamos de confiança.
A ver vamos como tudo se desenrola.

domingo, 10 de maio de 2020

GOSTEI DE LER, "O VÍRUS QUE ATACOU A LÍNGUA PORTUGUESA"


Também desta vez também estou de acordo com Pacheco Pereira, “O vírus que atacou a língua portuguesa” no Público.
“(…) A língua é uma coisa viva e o “acordês” é uma língua morta. Foi ferida por um vírus pior nos seus efeitos sociais e culturais do que o coronavírus.
Eu não desisto, porque há ainda muita coisa a fazer contra o Acordo.
(…)
Há dias, a propósito do Dia Mundial da Língua Portuguesa, escrevi, desculpem a insistência e não inovar, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras. No entanto, esta dinâmica de mudança nas línguas não parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma. O resultado é desastroso.
Assim, enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90 vale a pena insistir, importa que não nos resignemos, não podemos ficar como “espetadores”, (um belo exemplo do “acordês”) dos tratos infligidos à Língua Portuguesa.
É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.

sábado, 9 de maio de 2020

CONFINAMENTO E MAUS TRATOS


No dia 1 de Maio o Público divulgava estar em preparação um plano com o objectivo de Promover o regresso à escola de alunos entre os 3 e os 18 anos a viver em famílias de risco em particular em situações referenciadas de maus tratos físicos ou psicológicos, negligências graves e violência doméstica.
Desde o início desta situação de confinamento têm-se sucedido as referências ao aumento de risco de violência doméstica e de maus tratos a menores.
No caso particular dos mais novos importa saber que os atendimentos e visitas ao domicílio dos técnicos das Comissões de Protecção estão reduzidos ao “estritamente necessário e urgente”. Por outro lado, os professores que são muito frequentemente quem se apercebe de situações de mal-estar das crianças, “são os olhos do sistema de protecção”, também não estão próximos das crianças.
Acresce que crianças e jovens em risco que estão na alçada dos Tribunais de Família por razões como a família não ter autorizado a CPCJ a intervir, por haver incumprimento, por a situação ser demasiado grave ou por haver uma relação especial com a pessoa que gera o perigo, também não estarão a receber as visitas de rotina.
Como é evidente não se trata de uma situação fácil. Sabe-se que situações de isolamento potenciam o aumento de casos de violência doméstica como de maus tratos a crianças, a possibilidade de denúncia diminui, o medo prevalece e a própria situação, só por si, é geradora de risco.
Não conhecemos a natureza do que está a ser preparado, o regresso às aulas presenciais com a dificuldade que coloca, uma retoma dos contactos mais frequentes com os contextos familiares ou outras iniciativas.
No entanto, de uma forma alargada e com a colaboração da comunicação social e com os serviços de proximidade, autarquias por exemplo, talvez fosse possível promover a atenção das comunidades próximas, das relações de vizinhança, para o que pode estar a acontecer na casa ao lado e recorrer aos canais de informação.
Sabemos que os riscos são grandes e a cada dia podem aumentar as situações de sofrimento e negligência que envolvem milhares de crianças.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

INQUIETAÇÕES


Ontem participei numa reunião extraordinária do Conselho Geral de um Agrupamento de Escolas da minha zona. Estava em análise o regresso às aulas dos alunos de ensino secundário.
Das várias horas de discussão resulta a expressão de um mundo de inquietações e dúvidas como muitas referências na imprensa também traduzem.
A decisão de disponibilizar aulas presenciais decorre, obviamente, do peso dos exames nacionais na candidatura ao ensino superior. Assim, as aulas presenciais serão fundamentalmente são aulas de preparação para exame e a tentativa de minimizar a desigualdade.
No entanto, a existência de situações de risco para alunos, docentes e funcionários e o potencial de contágio se alguma situação correr menos bem são uma enorme inquietação, para professores e encarregados de educação.
Estes podem decidir não permitir que os seus educando assistam às aulas. Nesta situação a escola não terá de garantir o enino à distância num período de escolaridade obrigatória o que também é uma inquietação.
A possibilidade de as escolas recorrerem à diminuição da carga horária de cada disciplina por insuficiência do número de doentes cria uma outra preocupação de desigualdade entre alunos. Existirão escolas que conseguem providenciar a totalidade das horas e outras não. A suficiência dos materiais de protecção, os problemas criados pela logística da protecção e a natureza dos espaços são também inquietação.
Acresce alguma deriva percebida nas orientações do ME, por exemplo, que alunos deverão ter aulas presenciais. O ME parece ter, agora sim, apostado fortemente na autonomia das escolas, mas … em modo desenrasquem-se
Do toda a discussão em que ainda se abordou a questão do regresso dos alunos da educação pré-escolar resultou uma posição de forte preocupação e da necessidade de repensar todo o processo.
No entanto, como sempre, toda a comunidade escolar fará tudo o que for o possível para que o tempo difícil que aí vem possa decorrer com um mínimo de sobressalto.
A escola vai tentar desenrascar-se e desenrascar os alunos. Alguns ficarão para trás.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

ESCOLA E AVÓS, BENS DE PRIMEIRA NECESSIDADE


Nos últimos dias e a propósito da marcha lenta para o desconfinamento multiplicam-se as referências  ao contacto com os avós e à sua retoma. Ainda ontem colaborei numa peça que estará no Público sobre a minha experiência pessoal neste processo e, por coincidência, revi fisicamente os meus netos, ainda que não muito de muito perto e no papel do Zorro, de mascarilha. Mas foi bom.
Como também tem sido habitual em tempos pandémicos a evidência, como agora se usa, não é conclusiva, ora é prematuro aproximar os netos dos avós, ora podemos começar a reaproximação com a devida prudência, etiqueta respiratória, higienização das mãos e distanciamento físico (por favor, mesmo, não lhe chamem distanciamento social, é que mais temos tido ainda nos temos AC).
Também entendem que depende do “estado de conservação dos avós”, com os mais arruinados a cautela ainda deve ser maior. E também dizem que …
Bom, a pandemia tem destes efeitos, primeiro descobrimos os velhos sós e isolados, depois os velhos emprateleirados em lares e agora os velhos que também são avós. Sejam bem-vindos ao nosso mundo, o mundo dos velhos. E não tenham pressa de ir embora, deixem-se ficar, gostamos de vos ver por cá.
Os velhos avós são bens de primeira necessidade na vida dos miúdos. Como sabem há velhos que não têm netos e netos que não têm avós. Podemos, em sentido contrário ao termo em uso e que tanto me irrita, promover proximidade social. Ficavam todos mais felizes.
Por outro lado, estamos num tempo tão estranho que para além de não terem os avós por perto, os miúdos também não têm a escola, o que chega lá casa, à distância, lá está a distância, … não é a escola e a escola, tal como os avós, é um bem de primeira necessidade.
A verdade é que escola e avós não são bens para estar à distância, são bens de proximidade e, como sabem, mesmo quando se está à vista pode não se estar próximo.
Para sonhar um pouco deixem-me recuperar uma história que junta avós e escola. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta.
De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.
A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.
Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3 cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.
O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.


quarta-feira, 6 de maio de 2020

O REGRESSO ÀS AULAS NO ENSINO SECUNDÁRIO


São já conhecidas as orientações para o decidido regresso às aulas presenciais dos alunos do ensino secundário do 11º e 12º ano. Este regresso, já há tempo anunciado, está obviamente subordinado à questão dos exames nacionais e do seu impacto no acesso ao ensino superior. Algumas notas.
Sendo claro que nesta altura não seria opção a alteração do modelo de acesso ao ensino superior, a não realização de exames não poderia ser aceitável. Países que o fizeram não têm um modelo de acesso ao superior com as características do nosso.
Não se realizando os exames abrir-se-ia uma porta larguíssima à "simpatia" de algumas escolas, fenómeno reconhecido e investigado, que inflacionam a avaliação interna dos seus alunos de forma a, por assim dizer, ajudá-los a dar um “saltinho” na média final. É sabido que o “saltinho” pode ser decisivo para entrar, embora seja de pouco proveito para a continuidade da carreira escolar como diversos estudos têm evidenciado.
Assim, havendo exames e dadas as circunstâncias teriam de ser adiados, a primeira fase realiza-se entre 6 e 23 de Julho e a segunda fase entre 1 e 7 de Setembro.
A existência dos exames justifica assim a manutenção da realização de aulas presenciais para estes alunos se a evolução da situação na saúde pública o permitir. Como também justifica que as aulas presenciais só se realizarão para as disciplinas sujeitas a exame por integrarem os critérios de acesso aos diferentes cursos. E informou ainda a afirmação do Primeiro-ministro de que as aulas presenciais são importantes mesmo que possam ser apenas de alguns dias sobretudo para tirar dúvidas
O repetido discurso de prudência e controlo dos riscos para professores, alunos e funcionários e as orientações agora conhecidas não parecem suficiente para tranquilizar os envolvidos o que na situação que vivemos se compreende como também não tranquiliza as exigências logísticas para montar o dispositivo, quer de eventuais aulas presenciais, quer dos próprios exames. As necessidades de professores face ao desdobramento de turmas e ao impedimento de alguns docentes por factores de risco, por exemplo, criarão dificuldades significativas.
Por outro lado, as orientações contêm duas referências que me parecem curiosas. O primeiro é o carácter não obrigatório da assistência às aulas que não parece compatível com a escolaridade obrigatoriedade até porque deixará de existir ensino à distância simultaneamente. A outra questão prende-se com o eventual encurtamento da carga horária em 50% se as circunstâncias o obrigarem o que, mais uma vez, é um potencial foco de desigualdade, mais um. Importa ainda considerar a situação de alunos com necessidades especiais.
No entanto, o cenário que se desenha coloca uma outra questão bastante importante do meu ponto de vista. Se a situação continuar a evoluir positivamente, como desejamos, ao permitir a realização de aulas presenciais, por um período maior ou menor, também permitirá, mais do que habitualmente acontece, a corrida aos centros de explicações. Sendo habitual esta “corrida”, sem aulas presenciais “normais” com uma alternativa com alguns constrangimentos como é o “ensino à distância de emergência”, a procura desta ajuda será certamente bem maior. Aliás, na minha a zona já assisto ao movimento de adolescentes, de máscara registo, a entrar em casa de “explicadores”.
Se como também é reconhecido, a capacidade das famílias para acederem a estes apoios “extra” constitui um factor de potencial desigualdade entre os alunos, na situação actual com quebras de rendimento significativas em muitos agregados familiares o risco de desigualdade é ainda mais preocupante.
Tenho a certeza de que as escolas e os professores no tempo que terão e com os meios que possuem desenvolverão o melhor trabalho possível de preparação dos alunos, mas … é uma tarefa gigantesca.
É verdade e sublinho que foi divulgada a decisão de que a estrutura dos exames nacionais será adaptada através da criação de grupos de respostas opcionais e de respostas obrigatórias que cria a possibilidade de os alunos responderem às questões para cuja resposta se sintam melhor preparados. Neste contexto, manutenção dos exames, parece uma medida ajustada.
Dado tudo isto e como já tenho defendido, considerando sempre que a não realização de exames não seria opção, julgo que seria mais prudente adiar mais os exames de modo a permitir com maior segurança aulas presenciais promotoras de mais equidade. Não me parece que não fosse acomodável pelo ensino superior começar os trabalhos do 1.º ano algum tempo depois. Como também creio que seria possível adiar umas semanas o início das aulas no ensino secundário do próximo ano lectivo para os alunos que neste momento estão no 9.º. 10.º e 11.º
No que respeita ao ensino superior não seria a primeira vez que tal acontecia e não seria algo que comprometesse a carreira escolar dos novos alunos e o funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior.
Mas a decisão está tomada, ainda não sabemos como tudo irá evoluir, mas sei que escolas e professores farão o esforço necessário para que o difícil período que se avizinha seja tão bem-sucedido para todos quanto possível.
A ver vamos.

terça-feira, 5 de maio de 2020

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA


Hoje, pela primeira vez, assinala-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa. É falada por cerca de 260 milhões e parece ter um significativo potencial de crescimento.
Lamentavelmente esta primeira comemoração decorre em pleno período da transformação do Português em “acordês”.
Será porventura uma tarefa sem sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou, pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.
É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação. Em 2018 a Academia Angolana de Letras solicitou ao Governo angolano que o Acordo Ortográfico de 1990 não seja ratificado e há algum tempo a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados do Parlamento do Brasil aprovou um requerimento de audiência pública para que seja debatida a revogação do AO ao que parece por indicação do Presidente Bolsonaro o que será porventura umas raríssimas ideias positivas vindas da sinistra figura. Não conheço desenvolvimentos relativa a esta situação.
Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
O resultado foi transformar a Língua Portuguesa numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Era importante que fossem revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.
Enquanto o corrector me permitir e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

HOJE É O PRIMEIRO DIA


Hoje é o primeiro dia.
Hoje é o primeiro dia do desconfinamento que marcou as nossas vidas nos últimos tempos.
A partir de hoje abre …
A partir de hoje abrem …
A partir de hoje é possível …
A partir de hoje já é permitido …
Se correr bem, depois:
Será possível abrir …
Será possível …
Será possível realizar …

Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
Dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo

Depois, bom depois precisaremos de chegar a uma desconfinada(mente).
Haverá certamente quem lá não chegue e quem não queira que se lá chegue.
É o regresso à normalidade, seja o que for que venha a ser a normalidade provavelmente sempre teremos mentes confinadas  e quem as queira confinar. Só a educação, a escola, para todos e com qualidade pode desconfinar as mentes.



domingo, 3 de maio de 2020

MÃES

Hoje também se assinala o Dia da Mãe. Desde que me lembro será a primeira vez em que as crianças não realizaram nas escolas um “miminho” para oferecer à sua Mãe.
Algumas palavras.
Uma palavra para as mulheres que não conseguem cumprir, por diferentes razões, incluindo económicas, o sonho da maternidade.
Uma palavra para as mulheres que tragicamente perderam filhos ficando na dramática condição de mães órfãs de filhos.
Uma palavra para as mães que por mais longe que tenham os filhos não deixam de ser mães, não vão de férias e nunca se reformam.
Uma palavra para as crianças que têm mães que não desejavam sê-lo e que, portanto, nunca aprenderam a gostar de ser mães, adoptando os seus filhos.
Uma palavra para os milhares de crianças institucionalizadas sem mãe na sua vida.
Uma palavra para as mulheres sós ou em má companhia e que em situações muitas vezes difíceis constroem o bem-estar dos seus filhos.
Uma palavra para as mães que por razões profissionais estão a viver estes tempos cuidando das nossas necessidades e sem proximidade com os seus filhos para os proteger.
Uma palavra ainda para todas as mulheres como a Sílvia a quem a vida e a pobreza fizeram correr mundo à procura de um sonho, ajudar  a cres(ser)os filhos que lá longe ficaram  e a esperam ... se ela conseguir voltar.