sábado, 31 de maio de 2008

ELES VÃO ANDAR POR AÍ

Parece evidente que a vitória da Dra. Ferreira Leite representará, do ponto de vista do PSD, uma alteração de estilo e eventualmente de conteúdo do discurso político, embora a campanha não tenha sido muito esclarecedora sobre o pensamento político actual da nova líder. De facto, é impossível comparar Ferreira Leite com Menezes e Santana Lopes. A minha questão é que considerando o estilo e os previsíveis conteúdos, não ficará fácil distinguir a economista do engenheiro embora a proximidade de eleições obrigue, certamente, a um “restilyng” na postura. Por outro lado, as declarações, por exemplo, de Santana Lopes e Menezes não auguram tranquilidade ao PPD/PSD. Talvez resida aqui a principal diferença. O Eng. Sócrates tem Manuel Alegre, o poeta que de vez em quando desatina para mostrar democracia interna e a Dra. Ferreira Leite vai ter que levar com os deserdados Bota, Santana Lopes, Gomes da Silva, etc. que, como deixou perceber o menino guerreiro já estão a preparar a próxima luta. A senhora que se cuide, eles vão andar por aí.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

FIM-DE-SEMANA DE PESCA

Vamos ter um fim-de-semana marcado pela pesca. Desde logo, pela greve em curso no sector e que origina as habituais declarações contraditórias. A comunicação refere e mostra barcos parados e lotas fechadas ou com pouco movimento, enquanto o Ministro afirma que não falta peixe nas lotas. O cidadão sente-se apanhado na rede.
O PSD anda à pesca de uma nova liderança. Ao parece, a Dra. Manuela Ferreira Leite estará mais bem colocada para ficar ao leme do barco, num mar que não vai ser nada chão, como se diz na linguagem dos pescadores. Resta saber se, caso se confirme esta vitória, o menino guerreiro, Santana Lopes, muda de rumo dedicando-se, por exemplo, à pesca.
O PS vai reunir a Comissão Nacional para, refere o Público, analisar a situação política e tentar perceber como contrariar o descontentamento do peixe miúdo que protesta como se estivesse fora de água. O Grande Timoneiro Sócrates achará que a agitação é da alegria sentida com o mítico “ímpeto reformista”, mas a visão lúcida do Dr. Canas e do Dr. Santos Silva ajudará a esclarecer que ali anda, certamente, a mão dos sindicalistas, comunistas e de todos os outros “istas” não socialistas.
Um estudo divulgado pelo ME, envolvendo estudantes do 10º ano, continua, lamentavelmente, a mostrar que os nossos alunos pescam pouco de Matemática.
E eu, com a vossa licença, vou buscar a cana e as minhocas.

DANTES BRINCÁVAMOS, LEMBRAM-SE?

(Foto de João Veríssimo)
Há muitos anos, lembro-me bem, ainda brincávamos na rua, melhor dizendo, ainda brincávamos. É certo que muitos de nós não tiveram muito tempo para brincar, logo de pequenos ficaram grandes. Não tínhamos muitos brinquedos, mas tínhamos um tempo e um espaço onde cabiam todas as brincadeiras.
Entretanto, chegaram outros tempos. Tempos que não são de brincar, são de trabalhar. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim numas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério pois, só assim, serão grandes a sério, acham. Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade clandestina que só pais ou professores “românticos” e “incompetentes” acham importante. Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica.
Se perguntarem aos putos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que vão ser.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

HOJE NÃO FALO DA CRISE

É difícil para alguém, que queira conversar sobre o que está à sua volta, fugir ao clima de dificuldades que está instalado. Poderia falar, como fez a RTP1, sobre o novo Barca Velha que hoje será apresentado, feito com a colheita de 2000 e que era ansiosamente aguardado. Não nos informou sobre o preço a que será comercializado, mas talvez não ande longe dos 200 € a garrafa (preço simpático). Também poderia dizer que a notícia sobre o Barca Velha, foi dada a seguir a uma peça sobre um cidadão espanhol que desempregado e coberto de dívidas, organizou um sorteio com rifas cujo prémio é a sua casa e que, com alguma sorte, talvez ganhe para um Barca Velha. Poderia não falar do aumento dos combustíveis, a propósito, sabem que esta noite aumentaram de novo? Poderia não falar do aumento significativo, referido pelo Público, do recurso às casas de penhores, cuja actividade concorre com a frenética actividade de penhora da Direcção Geral de Contribuições e Impostos. Poderia não falar da paragem dos pescadores e as previsíveis consequências em toda a fileira até ao consumidor. Poderia não falar do abaixamento do indicador de clima económico e do nível de confiança dos consumidores. E não vou mesmo falar sobre nenhuma destas irrelevâncias. Hoje vou falar do tempo.
Como já terão reparado até o tempo anda em crise. Há quanto tempo não tínhamos um Maio com tão pouco sol? Quando habitualmente já apanhamos uns dias quentinhos para as almas, ainda andamos cheios de nuvens, afinal como a nossa vida. Afinal, falar sobre o tempo não foi uma boa escolha.

UM HOMEM CONVINCENTE

Era uma vez um Homem. O mais convincente e seguro dos homens. As palavras que mais falava eram “comigo é assim”. Com esta afirmação e o ar que compunha ao proferi-la, eliminava qualquer veleidade de diálogo ou discordância com quem quer que fosse. O Homem sentia-se bem com a ideia de que determinava, de forma inquestionável, a natureza das relações que mantinha com a generalidade das pessoas. E assim foi agindo ao longo do caminho que andou. Um dia, deu-se conta que tinha deixado de usar a expressão que sustentara toda a sua vida, “comigo é assim”.
Perplexo, percebeu que estava completamente só.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

SUBSÍDIOS, SEMPRE DE MAIS, SEMPRE DE MENOS

Num país que a inépcia governativa e a cultura instalada no cidadão vai tornando “subsidiodependente”, qualquer subsídio é, simultaneamente, insuficiente, porque muita gente vê o seu bem-estar dependente do subsídio e discutível, porque alimenta a “subsidiodependência” citada. Esta introdução vem a propósito do aumento do abono de família para crianças e jovens em famílias monoparentais que irá entrar em vigor em 1 de Julho, tal como o Público noticia. Os comentários patentes no jornal evidenciam a posição contraditória que enunciei. Para além da discussão, sempre em aberto, sobre a natureza e dimensão social de um estado e a natureza e volume dos apoios financeiros proporcionados, quero, no entanto, sublinhar um princípio de discriminação positiva que deve ser realçado. De facto, é fundamental que o estado reconheça diferentes modelos de família e que as políticas sociais traduzam essa diferenciação. Assim, independentemente dos montantes envolvidos, sempre insuficientes para uns e, excessivos para outros, sublinho a assumpção do princípio de que, uma família monoparental justifica um apoio mais elevado.

UM RAPAZ MUITO SIMPÁTICO

Era uma vez um Rapaz. Toda a gente gostava deste rapaz. Era uma jóia, afirmavam. Simpático como nenhum e muito delicado. Não dava um passo sem pedir licença. Agradecia de forma muito reconhecida tudo o que lhe davam ou diziam. Na realização de qualquer tarefa solicitava constantemente a aprovação dos adultos, pais e professores, mesmo nos pormenores mais irrelevantes. Não era muito bom aluno, mas compensava a situação com a vontade de fazer bem e com o permanente pedido de ajuda e incentivo. Um dia, uma Professora do Rapaz comentava com o Professor Velho, o que fala com os livros na biblioteca, como seria bom que todos os alunos fossem simpáticos como o Rapaz. Depois de ouvir o Professor Velho falou.
Não Professora, o Rapaz está doente, doente da confiança. Tê-la-á perdido e não sabe onde a procurar. Antes que ele desista, ajudem-no a encontrá-la. Ele poderá parecer menos simpático, mas vai ficar um Rapaz mais feliz”.

terça-feira, 27 de maio de 2008

CRISE E BANDEIRAS

De há uns tempos a esta parte, diferentes instituições têm vindo a referir o fortíssimo aumento dos pedidos de ajuda, designadamente, no âmbito dos produtos alimentares. As intervenções públicas dos Bancos Alimentares e da AMI são apenas dois exemplos. Tem-se instalado um clima real e ao nível da confiança e optimismo preocupantemente pesado. O Dr. Mário Soares, em artigo no DN e referido pelo Público, alerta hoje o Governo para este complicado quadro. Como também nos vamos habituando, o Governo já fez saber que está “ciente” e “preocupado” com as dificuldades. A oposição apanha boleia na situação entre alguma demagogia, populismo e, também, alguma seriedade com preocupações e medidas.
Creio que, neste momento, o que menos precisamos é de assistir ao habitual jogo político de baixa qualidade. As dificuldades graves que muitos portugueses experimentam, deveriam transmitir o pudor suficiente para inibir “jogos políticos” e deveriam ser entendidas como o maior dos problemas que, como tal, só se minimiza com o esforço sério de todos.
A minha grande dúvida é saber se a nossa capacidade de mobilização se esgota, ou não, numas bandeiras colocadas à janela por inspiração do Sr. Scolari, o dono da selecção de futebol. Vamos ser optimistas.

ESPREITAR NÃO É VER

(Foto de Filipe Arruda)

Um dia, eu vou ter uma casa sem paredes, só com janelas, janelas muito grandes. Com janelas grandes a gente vê mais e quando vemos mais, ficamos melhor. A gente precisa de ver mas, muitas vezes, só consegue espreitar.
Por isso, vou ter uma casa com janelas muito grandes.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

NÃO DEVEM TER VISTO A MESMA TELEVISÃO QUE NÓS

De quando em vez aparecem notícias tão surpreendentes que nos deixam perplexos. O Relatório de Regulação de 2007, elaborado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a que o Público se refere, vem dizer que as Estações de televisão não cumprem o contrato de concessão. Explicitando, a RTP apresenta um défice de programas formativos para crianças e jovens e não cumpre, longe disso, as quotas de difusão de obras com produção em Língua Portuguesa, A SIC e TVI apresentam um nível insuficiente de programas informativos de debate e entrevista autónomos e a TVI também não tem programação diária para crianças e jovens nos períodos da manhã e da tarde.
Não acreditei, não cumprem as obrigações decorrentes dos contratos de concessão e de serviço público (a RTP)? Não possuo, naturalmente, dados objectivos mas duvido das conclusões da ERCS. Consideremos alguns aspectos. Falar de falta generalizada de programas informativos de debate e entrevista quando temos horas e horas de programação desta natureza dedicada ao futebol é injusto. Referir a falta de programas diários para crianças e jovens na TVI quando temos a infalível dose de Morangos é também inadequado. Sustentar a falta de programas de produção em língua portuguesa com o carrossel de novelas que todos os dias nos é oferecido é, pelo menos, má-fé. Relatar falta de programas formativos, quando os extensíssimos telejornais todos os dias nos fornecem modelos altamente pedagógicos da vida em comunidade não me parece sério. Veja-se, só a título de exemplo, a forma extremamente educativa como foi noticiado em todas as estações o episódio da “menina do telemóvel” no Liceu do Porto, e o tratamento mais do que pedagógico dispensado ao caso da “pequena Maddie” e, na mesma linha, ao caso da “pequena Esmeralda” com uma clara, competente, isenta e educativa abordagem ao “pai bom” e ao “pai mau”.
Não meus senhores, não devem ter visto a mesma televisão que nós.

O TEMPO MUDA TUDO

O povo costuma dizer que o tempo muda tudo. Embora nem sempre esteja de acordo com o povo, neste aspecto, creio que existirá fundamento.
Em miúdo é teimoso, em graúdo torna-se persistente.
Em miúdo é desconcentrado, em graúdo torna-se alguém capaz de estar atento a tudo.
Em miúdo é hiperactivo, em graúdo torna-se um recurso humano extremamente activo.
Em miúdo é ausente, em graúdo torna-se um indivíduo contemplativo e de grande riqueza interior.
Em miúdo é mal-educado, em graúdo torna-se irreverente.
Em miúdo é esperto, em graúdo torna-se inteligente.
Em miúdo é “uma lesma”, em graúdo torna-se um indivíduo imune ao stress.
Em miúdo é arrogante, em graúdo torna-se assertivo e seguro.
Em miúdo é habilidoso, em graúdo torna-se de grande competência social.
Em miúdo é descuidado na aparência, em graúdo torna-se informal.
Em miúdo é o responsável por tudo, em graúdo torna-se líder.
Em miúdo é esquisito, em graúdo torna-se peculiar.
Acho que já chega para perceber por que razão os putos querem crescer cada vez mais depressa.

domingo, 25 de maio de 2008

CALENDÁRIO DA CRISE

Este trabalho do Público leva-me à tentativa de estabelecer um calendário de crise de que, a título de exemplo, mostro um mês típico.
Dia 1, aumenta a gasolina. Dia 2, aumentam as taxas de juro. Dia 3, aumenta o pão. Dia 4, aumenta a água. Dia 5, aumenta o gasóleo. Dia 6, aumenta o arroz. Dia 7, aumenta o pão. Dia 8, aumenta o telefone. Dia 9, aumenta o leite. Dia 10, aumenta de novo o gasóleo. Dia 11, aumenta a taxa moderadora. Dia 12, aumenta o tabaco. Dia 13, aumenta a fruta. Dia 14, aumentam os medicamentos. Dia 15, aumentam os legumes. Dia 16, aumenta o vestuário. Dia 17, aumentam os livros. Dia 18, aumenta a gasolina. Dia 19, aumenta o gasóleo. Dia 20, aumentam as portagens. Dia 21, aumentam as viagens de avião. Dia 22, aumenta a bandeirada dos táxis. Dia 23, aumenta o trigo. Dia 24, aumenta o milho. Dia, 25, aumenta o peixe. Dia 26, aumenta o passe social. Dia 27, aumenta o gasóleo. Dia 28, aumenta a gasolina. Dia 29, aumentam os discos. Dia 30, aumenta o açúcar. Dia 31, aumenta a dificuldade de sobrevivência para muitos dos nossos cidadãos.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

CRISTIANO RONALDO E O TERRAMOTO NA CHINA

Um dos maiores encantos deste país é a infinita capacidade de nos surpreender. Hoje, assistia ao Noticiário das 13 na RTP1 e a dada altura começa uma peça sobre o terramoto em Sichuan na China. A peça, para além dos aspectos genéricos da tragédia, abordava o drama particular dos milhares de crianças órfãs e desalojadas. De repente, o pivô (que raio de nome!) interrompe, anunciando a passagem para um directo sobre a chegada de Cristiano Ronaldo ao aeroporto. Devo dizer que sou profundo apreciador de futebol e, por isso, estou à vontade para não ser acusado do preconceito. O rapaz, durante alguns minutos, foi respondendo às diversas e pertinentes questões colocadas. O aspecto surreal é que, repetidamente, ouvi falar de “inferno”, “euforia”, "drama", “dia mais feliz da minha carreira”, “céu”,”já desfrutei”, “sinto-me cansado”, etc. para além das habituais banalidades sobre “espero ajudar o grupo de trabalho”, “sinto-me bem”, “não sei se fico no Manchester”, “queremos dar uma alegria a Portugal”, etc. O rapaz Ronaldo calou-se e voltámos tranquilamente aos milhares de órfãos causados pelo terramoto. Tiveram o cuidado de colocar a peça de início para que não nos baralhemos.
Serviço público? Incompetência? Insensibilidade? Que raio de comunidade é esta?

O DIREITO À INFORMAÇÃO

O Relatório do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações assumindo a passagem pelo espaço aéreo português de aviões destinados a Guantanamo, conforme o Público noticia, é mais um episódio elucidativo da forma como se encaram os direitos. Depois de várias respostas dúbias, negando o facto já noticiado por diversas organizações internacionais, o Governo assume agora que os aviões cruzaram os nossos céus, embora sem saber exactamente o que transportavam. O Ministro Lino já encarregou o LNEC de realizar um estudo que chegará, seguramente, à conclusão que se tratava de simples equipamentos, provavelmente telemóveis e computadores a adivinhar a abertura cubana.
Nesta matéria, está obviamente em jogo a questão dos direitos humanos e todas as circunstâncias que envolvem a prisão de Guantanamo mas, em tempos de realpolitik, dá para entender a lusa subserviência aos altos interesses da política do actual governo americano, travestidos de luta contra o terrorismo. O meu ponto prende-se com uma questão mais interna, o desprezo pelo direito à informação. É bom não esquecer que os regimes democráticos também se caracterizam por políticas de informação transparentes e respeitadoras do direito à informação que este Governo, por vezes, confunde com o direito à propaganda.

HISTÓRIA DO RAPAZ MAU

Era uma vez um Rapaz. Chamava-se Rapaz Mau e toda a gente achava que ele era mesmo mau. Na escola, ninguém tinha mais faltas disciplinares do que ele. Era insolente para com a maioria dos professores, adorava atrapalhar o funcionamento das aulas o que fazia os colegas, alguns deles, achar graça e gostarem dele. Aos outros alunos o Rapaz Mau não tratava muito bem, gostava dos que gostavam dele. De vez em quando, apanhava uns castigos mas o comportamento não mudava. Entre os professores do Rapaz Mau, havia uma Professora ainda novinha que, talvez por isso, se interessava por ele e, sempre que tinha oportunidade, procurava falar com ele. De início resistiu, mas, aos poucos, lá se foi aproximando. O que a Professora estranhava era que o Rapaz Mau que conversava com ela, era muito diferente do Rapaz Mau das aulas. Uma vez, lembrou-se de falar com o Professor Velho sobre tal diferença.
Enquanto escutava os livros o Professor Velho pensou e disse, “Sabes Professora, o Rapaz Mau, na verdade chama-se Rapaz Só. Está convencido que só tem amigos porque é Mau. Quando te interessas por ele, não fica Só e, assim, não precisa de ser Mau”.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

DEVE SER ISTO A CONVERGÊNCIA

O Público revela alguns dados do Relatório da Situação Social na União Europeia, que, para não termos dúvidas vêm, de novo, evidenciar que somos o país da Europa em que se verifica maior disparidade na distribuição dos rendimentos, ou seja, o fosso entre ricos e pobres é maior. Talvez seja interessante acrescentar que, segundo a OCDE, o nível de preços em Portugal é 20 % mais baixo que na UE a 15 mas, para compensar, ganhamos 40% menos que a média comunitária, sendo também os mais mal pagos da Europa a 15. Voltando ao Relatório referido pelo Público, é ainda de realçar que, nos países em que o PIB é mais elevado, a disparidade é menor, destacando-se neste aspecto a Suécia e Dinamarca.
Estamos em presença de mais um excelente e dramático exemplo da tão falada CONVERGÊNCIA. De facto, sempre que é publicado um relatório internacional comparativo de indicadores sociais e, ou económicos, os dados convergem, sistematicamente, na definição de uma situação extremamente preocupante para uma parte substantiva dos nossos cidadãos. Os dados recentes da AMI e dos Bancos Alimentares deveriam fazer-nos corar de vergonha e inibir discursos, decisões e comportamentos de parte importante das chamadas elites que, por saloiice, ignorância e insensibilidade chegam à obscenidade. Só não percebo porque andamos tão calados.

A JUSTIÇA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

Os bens de primeira necessidade são, por natureza e condição, de urgente acessibilidade não sendo, portanto, compatíveis com esperas e, muito menos, alargamento dos prazos de espera. Vem esta introdução a propósito da informação reportada pelo Público relativa ao Tribunal de Família e Menores do Porto. O Ministério da Justiça retirou ao Tribunal dois juízes, ao mesmo tempo, os processos duplicaram, de 2835 passaram para 5691. As diligências a realizar dentro dos processos passaram de prazos de mês e meio para seis ou sete meses.
Como dizia de início, parece não haver dúvidas sobre o entendimento da Justiça como um bem de primeira necessidade e, portanto, de acesso em tempo útil. Os processos e decisões envolvendo menores e famílias são, por razões óbvias, ainda mais urgentes. Não se compreende então, como se operam mexidas no sistema que, em vez de se constituírem como solução, aumentam os problemas. Tenho, no entanto, a certeza que o Ministro Alberto Costa, num próximo discurso sobre estas matérias, dirá, naquele jeito característico de gaguez intelectual, que tudo está a ser feito em nome, claro, do Supremo Interesse da Criança. Pobres crianças, pobres famílias, pobre justiça.

O RAPAZ QUE TINHA UMA DÚVIDA

Era uma vez um Rapaz que tinha uma dúvida. O Rapaz não percebia por que motivo toda a gente crescida, mesmo os professores, só lhe faziam perguntas de que sabiam a resposta. Achava estranho, se sabiam porque lhe perguntavam? De vez em quando colocava esta questão às pessoas. Mais admirado ficava pois aquela gente, que tanto gostava de perguntar, não era capaz de responder. Um dia lá na escola, o Rapaz encontrou o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros e também lhe mostrou a sua dúvida, “Professor velho, porque é que os adultos só fazem as perguntas de que sabem as respostas?”.
O Professor Velho ouviu, abriu um livro, ficou como que a escutar as letras e, naquela maneira de encantar, falou baixo.
Sabes Rapaz, muitos de nós, quando estamos a crescer, vamos desaprendendo de fazer perguntas e aprendemos a ter medo do que não sabemos. Por isso, quando achamos que devemos fazer perguntas, para não termos medo das respostas, pensamos primeiro nas respostas e fazemos depois as perguntas”.
“Mas Professor Velho, assim não vão aprender mais”.
“Pois não Rapaz, muitos adultos, sendo grandes, crescem pouco. Percebes?”
“Acho que sim, fiz uma pergunta de que não sabia a resposta. Estou a crescer”.
O Professor Velho riu e o Rapaz foi inventar novas perguntas de que não sabe a resposta.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

ESTADO SOCIAL? ATENÇÃO ÀS PESSOAS?

A notícia do Público sobre a actuação da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos penhorando e pondo à venda dois imóveis no valor de 38 000€ para responder a uma dívida de 235.88€, é um paradigma da relação entre o estado e os cidadãos. Para além dos contornos legais e constitucionais sublinhados por diversos especialistas, parece-me relevante a forma como o Estado nos considera, os financiadores da sua gorda condição. É certo que vivemos tempos de liberalismos excessivos, hiper-competitivos que nos transformam em peças de engrenagens complexas do mundo globalizado. Creio, no entanto, que um estado que se reclama de social e, circunstancialmente socialista, entende, deve entender, o cidadão, cada cidadão, como uma pessoa de bem, até prova em contrário, merecedora de respeito, detentora de direitos, entre os quais o direito a um tratamento assente na equidade e proporcionalidade.
Não é assim que o Estado nos trata e é bom não esquecer que comportamento gera comportamento. Não nos admiremos pois, que o cidadão tenha uma imagem negativa da administração e reaja mal ao cumprimento dos deveres da cidadania.

A MENINA COM MEDOS

Era uma vez uma Menina. Uma menina com medos. Na escola, tinha medo porque não sabia se era capaz de fazer o que lhe pediam para fazer. Quando ia brincar, tinha medo de não ser capaz de brincar como os colegas brincavam. Em casa, tinha medo porque não sabia se era capaz de fazer o que os pais gostavam que ela fizesse. No fundo, tinha medo de não ser capaz.
Um dia falou com o Professor Velho que falava com os livros na biblioteca da escola. Claro que falou a medo. O Professor Velho pediu-lhe que, em casa, escrevesse num papel as coisas todas que achava ser capaz de fazer. No outro dia, a Menina veio com três folhas cheias de coisas. Depois de as ler devagarinho ao Professor Velho, foi tranquilamente para a sala de aulas. Sem medo.

terça-feira, 20 de maio de 2008

QUALIDADE E EDUCAÇÃO

O estudo hoje apresentado pelo Conselho Nacional de Educação, sinteticamente referido pelo Público, vem sublinhar o que de há muito tem vindo a ser considerado um dos fortes constrangimentos do nosso sistema educativo, a desarticulação entre ciclos e a excessiva pulverização curricular no 2º ciclo que se tem mantido devido, em meu entendimento, a falta de coragem política de sucessivos governos. A urgente alteração deste quadro motivará, certamente, algumas reacções corporativas, designadamente, das estruturas sindicais dos professores levantando o espectro do desemprego entre os professores. Esta situação não tem que necessariamente acontecer, pois tratar-se-ia, sobretudo, de uma reorganização de recursos, afectando mais professores a dispositivos de apoio a alunos, por exemplo.
Quero ainda sublinhar que, para além dos aspectos referidos pelo Público e constantes do estudo do CNE, a promoção de qualidade no nosso sistema educativo exigiria, com a maior brevidade, a definição de dispositivos de apoio aos alunos que procedessem capazmente à avaliação das dificuldades logo no seu início e desenvolvessem estratégias de apoio eficazes a alunos e professores. Penso que seria também importante repensar as ofertas no âmbito da Escola a Tempo Inteiro. Para além do esforço a fazer no sentido de permitir que as famílias tivessem mais tempo para os filhos, através da reorganização do trabalho, por exemplo, é imprescindível que aquelas actividades percam o seu carácter “escolar” e diversifiquem o tipo de tarefas em que as crianças se envolvem, considerando o número excessivo de horas que passam na escola. Parece ainda importante que, considerando a diversidade da população escolar se incentive e ajude os professores à diversificação de metodologias. Finalmente, sem um modelo sério e competente de avaliação dos professores e de autonomia das escolas, parece-me impossível o desenvolvimento qualitativo do nosso sistema educativo que, falhando sistematicamente as oportunidades proporcionadas aos alunos, ficará refém de sucessivas e remediativas Novas Oportunidades.

CRÓNICA DE MIM

(Foto de Alina M. Sousa)

Tanto mundo para trás. Fui pequena pouco tempo. Comecei cedo a brincar aos grandes. Aprendi bem e cresci depressa. Criei o meu mundo. Devagar, primeiro com o meu homem e, depois, com eles. São lindos, como só os filhos são capazes de ser. Vivi sempre nesse mundo. Cuidava bem dele e deles, dos meus homens. Eles cresciam, eu crescia com eles e o meu mundo até parecia maior. Até que um dia, tudo começou a mudar. Os filhos, primeiro Um, e, passado algum tempo, o Outro, partiram ao encontro dos mundos que tinham à espera. O meu homem, de tão cansado, descansou deste mundo e fez a última viagem, a única sem mim.
Desde então, o meu mundo ficou só e pequeno. Como eu me sinto.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

SR. MINISTRO, EU PAGO, MAS NÃO SOU PARVO

Diz o Público que o Senhor Ministro Manuel Pinho está preocupado com o aumento dos combustíveis. Bom, é um começo. Habitualmente, o Senhor Ministro tem um discurso de desvalorização dos problemas e dificuldades sempre justificado pela necessidade de se mostrar optimista. Um optimismo patético e insultuoso face às dificuldades crescentes para muitos cidadãos. Em todo o caso, e como também se refere no Público, o Ministro Pinho aguarda o resultado do estudo da Autoridade da Concorrência para ter a certeza de que “não existem factores anormais a empolá-los”. Fantástico. É óbvio para qualquer cidadão que existem factores anormais a empolá-los. Em primeiro lugar, a anormal carga fiscal que incide sobre os combustíveis. Em segundo, existe uma anormal perseguição ao contribuinte porque o Governo, em vez de prescindir do aumento de receita não previsto face ao aumento do preço do crude, o que contribuiria para que o cidadão não pagasse uma factura tão pesada, assobia para o lado, aguarda estudos inconclusivos e, à boleia do preço do crude, lá vai embolsando mais uns cobres, ao mesmo tempo que derrama lágrimas de crocodilo “preocupado” com o poder de compra das famílias e das empresas.
Senhor Ministro, eu pago, mas não me chame parvo.

PARECE MAL

Era uma vez um Homem. Do contra, diziam. Quase se pode dizer que vivia ao contrário das outras pessoas. Enquanto foi pequeno passou o tempo a ouvir, “fazes tudo ao contrário, parece mal”. Foi crescendo e os comentários não mudaram muito, “não vistas isso, parece mal”, “não fales assim, parece mal”, “não faças isso que parece mal”. Quando o Homem ficou homem ia ouvindo à sua volta, “devias comportar-te de outra maneira, assim, parece mal”, “já não és um jovem, isso fica-te mal”. Em velho, o Homem, já quase sozinho, ainda ouvia dos vizinhos, “isso parece mal”, “assim, não pensarão bem de si”. Até que um dia, pela primeira vez, alguém disse, “como lhe fica bem”.
Era o ajudante de coveiro ao fechar, pela derradeira vez, o caixão do Homem.

domingo, 18 de maio de 2008

OS "DRÓGADOS" PELO IDT

Pela última vez, espero, volto ao famoso “Dicionário do Calão” publicado pelo IDT e que desde a semana passada tem agitado as águas deste país de marinheiros. Como tem sido acompanhado pelo Público, no meio da turbulência destaca-se essa figura enorme da cidadania, a Dra. Teresa Caeiro cujo trajecto profissional e político são, isso sim, uma fortíssima e exemplar fonte de inspiração para os adolescentes e jovens deste país que não querem ser “betinhos” e “caretas”. Muito bem. Bem-haja por isso Dra. Caeiro. Claro que, em sentido contrário, o Dr. João Goulão, presidente do IDT, já carrega nas suas costas a criminosa responsabilidade pelos adolescentes e jovens que, andando desesperadamente à procura de instruções e ajuda para serem “drógados”, viram o seu problema resolvido desde a semana passada. Consta que serão aos milhares os que, finalmente, aprenderam a “drógar-se” com o Dicionário no sítio do IDT. Lamento obviamente esta tragédia.
Lamento também, que o problema dramático da toxicodependência se torne, sistematicamente, em mais um episódio do jogo político da espuma dos dias e, raramente, se analise do ponto de vista das pessoas envolvidas e respectivas famílias, sem falsos moralismos ou preconceitos sociais.

O MAL-EDUCADO

És um cabeça no ar. Antes no ar que enterrada no chão como a avestruz. Estás sempre na Lua. Quero ser astronauta. Não vais ser ninguém na vida. Óptimo, quero ser alguém, não quero ser ninguém. Não passas de um cabeça de vento. Estou numa de energias alternativas. Só fazes coisas sem jeito. Para isso tenho jeito. Como é que queres que alguém goste de ti? Gostando. Estás sempre distraído. Não, estou concentrado noutra coisa. Fazes tudo ao contrário dos outros. Sou original. Dessa maneira não vais a lugar nenhum. Melhor, assim vou a algum lugar em vez de nenhum. Afinal, que vida vai ser a tua? Esta, a minha. Não sei mais o que te diga. Estude um pouco mais. Definitivamente, és um mal-educado.
Finalmente, considerando que não me educo sozinho, de quem é a responsabilidade?

TERÁ QUE SER SEMPRE ASSIM, O PORTUGAL DOS PEQUENINOS?

Depois de um dia no meu Alentejo a fabricar terra com o tractor para tentar acabar com a erva no pomar das laranjeiras, chega a leitura e, como sempre, a inesgotável capacidade de me espantar com o Portugal dos Pequeninos.
Como é que se explica que país permita que um oftalmologista no Algarve realize, em média, 361 cirurgias por ano e um seu colega da região de Lisboa e Vale do Tejo realize 90?
Como é que um país permite que, depois dos números conhecidos sobre a pobreza em Portugal recentemente referidos, por exemplo pelos Bancos Alimentares e pela AMI, a infatigável ASAE, certamente no cumprimento dos objectivos de produtividade que faz de conta que não existem mas existem, obrigue a que Instituições Privadas de Solidariedade Social deitem fora bens alimentares em comprovadas condições de consumo. Quem é este delinquente ético chamado António Nunes e porquê a sua intocabilidade, incompreensível face a sucessivas argoladas?
Como é possível que um emblema deste Governo, o Programa Novas Oportunidades, tenha ao seu serviço pessoas com 10 anos de recibos verdes, gente com meses de salário em atraso e a usar materiais próprios para o trabalho de formação?
O Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER) identifica como recurso estratégico e, portanto, susceptível de financiamento público a produção de kiwi, diospiro, ginja, baga de sabugueiro, figo e morango e define como NÃO estratégico a produção de arroz, cevada, milho, girassol, outros cereais e leite, sim leram bem, arroz, leite e cereais. Como é possível nos tempos de crise alimentar que atravessamos?
Como é possível que ninguém, entre o pessoal político que nos governa, tenha uma palavra sobre os sucessivos aumentos do preço dos combustíveis e, já agora, sobre o aumentozinho extra das receitas fiscais à boleia do aumento do preço do crude?
O que me incomoda mais ao escrever isto é o enorme desalento e falta de confiança que sinto.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

AS PROVAS AFERIDAS, DE NOVO

Aí estão de novo as provas aferidas que, conforme o Público sublinha, “não contam para nota, mas que serve para professores, estabelecimentos de ensino e Ministério da Educação perceberem o que está a falhar, ou não, em termos de competências”, estando, portanto, em jogo não só a avaliação dos alunos, mas também professores, escolas e Ministério. Compreende-se, qualquer dispositivo de avaliação no interior de um sistema, implica de alguma forma os diferentes elementos desse sistema porque … é um sistema. Concordarão que, tanto a administração educativa como os professores, fazendo parte do sistema educativo estarão, naturalmente, sob escrutínio quando esse sistema está em avaliação.
No entanto, do meu ponto de vista e relativamente às provas aferidas parece ainda necessário clarificar aspectos como: As provas avaliam exactamente o quê? A administração educativa crê que são “os objectivos e as competências essenciais de cada ciclo”. Será? Tratando-se de anos transição de ciclo e de resultados individuais o que fará cada professor, cada escola, com os resultados de alunos que já não acompanham? Certamente, se o entender poderá reajustar processos, mas em que direcção se a prova evidencia produtos? Será que alguma escola ou cada professor se surpreenderá com os resultados, bons ou maus, dos seus alunos? Se acontecer é porque não os conhece e, então, não há prova de aferição que lhes valha. Que farão pois com os dados?
Daqui a algum tempo quando os resultados chegarem às escolas veremos se encontramos algo que nos ajude nestas, e noutras, dúvidas.
Devo dizer que algumas destas preocupações foram retomadas do que há um ano escrevi sobre esta matéria.

UM MUNDO MEU

(Foto de Mico)
Um dia, vou saber onde está o mundo que vai ser meu. E quando descobrir o mundo que vai ser meu, vou descobrir as pessoas que levo para o mundo que vai ser meu. E quando descobrir as pessoas que vão comigo para o mundo que vai ser meu, vou descobrir a maneira de fazer um mundo que seja das pessoas todas.
E quando descobrir um mundo que seja das pessoas todas, vou descobrir, de novo, um mundo que vai ser meu. E quando …

quinta-feira, 15 de maio de 2008

FUTURO COM FILHOS. SERÁ SONHO?

Os dados do INE evidenciam a tendência que se tem vindo a instalar, contendo, de inédito, o crescimento natural negativo, ou seja, o número de nascimentos é inferior ao número de mortes, o que acontece pela primeira vez desde que existem registos. Este fenómeno, não é um exclusivo português, mas de parte significativa do mundo mais desenvolvido. Para além do que a excelente peça do Público refere, parece-me de sublinhar a relação entre esta situação e os modelos de desenvolvimento que temos “sofrido” de há décadas para cá, que se acentua com a hiper-competitividade das ideias mais extremistas do liberalismo económico.
A tentativa de reequilibrar esta situação de envelhecimento, sem a dependência exclusiva da emigração e para além do óbvio conselho de Pedro Abrunhosa, “talvez f…”, remete, é minha convicção, para três grandes eixos. Em primeiro lugar, torna-se cada vez mais imprescindível e urgente que consigamos da forma mais generalizada possível alterar os modelos de organização do trabalho, introduzindo, por exemplo e quando possível, níveis de flexibilização na gestão das cargas horárias de forma a compatibilizar mais facilmente a vida familiar com a vida profissional. Em segundo lugar, parece-me necessário aprofundar e alterar as políticas de apoio e incentivo à natalidade. Provavelmente, mais importante que subsídios atribuídos durante os primeiros anos de vida para o segundo, terceiro filho, ou os “abonos de família” já institucionalizados seriam os benefícios fiscais devidamente aprofundados e presentes ao longo da vida. Finalmente, precisamos todos, com a maior das urgências, de reconstruir níveis de confiança e optimismo face ao futuro que, na sua falta, minam o potencial efeito de qualquer conjunto de medidas. Esta é a mudança mais difícil mas, simultaneamente, a mais importante e a que tem que nos envolver a todos e não apenas os jovens casais em início de vida familiar.

UM RAPAZ CHAMADO PERFEITO

Há uns tempos conheci um rapaz. Chamava-se Perfeito. Na escola onde andava não havia ninguém como ele. Nas aulas, apenas falava para esclarecer dúvidas ou ajudar os colegas. Pedindo antecipadamente autorização, claro. Os cadernos e trabalhos de casa do Perfeito estavam sempre em dia e bem organizados. Mostrava os conhecimentos esperados sobre todas as matérias. Nos intervalos brincava de forma tranquila, envolvido nos jogos próprios da sua idade. Era simpático para com os colegas, professores e funcionários que, naturalmente, adoravam o Perfeito. Em casa era arrumado com as suas coisas, colaborava nas tarefas e ainda encontrava tempo para ajudar a irmã mais nova nos trabalhos de casa e, até para dia sim, dia não, telefonar aos avós. Gostava de falar com os pais e, por vezes, gostava de se envolver em conversas muito interessantes sobre o que lia no jornal. Não era exigente com a roupa, gostava de ler e ouvir música. Os vizinhos do prédio adoravam o Perfeito, sempre com um sorriso e pronto a ajudar a D. Adosinda com o saco das compras.
Desde há dois meses que não sei nada sobre o Perfeito. Perdi o livro onde ele morava.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

OLHE QUE NÃO BASTONÁRIO, OLHE QUE NÃO

O estilo “sniper” do Bastonário dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, atirando a tudo que mexe, tem consequências, às vezes acerta onde não deve e faz estragos. Desta vez, esta espécie de justiceiro implacável, resolveu afirmar que a violência doméstica deveria deixar de ser considerada crime público para que as vítimas, designadamente mulheres, pudessem retirar a queixa e desistir do processo. Teremos que o desculpar pois, como muitas figuras públicas, tem uma ideia completamente desfocada da realidade.
O Senhor Bastonário desconhecerá certamente a fortíssima e frequente dependência económica que em muitos lares existe por parte das mulheres face aos respectivos companheiros. Acredita o Bastonário que muitas destas mulheres resistirão à pressão da dependência e numa atitude de autodeterminação mantêm as queixas? Já não tem idade para ser ingénuo. Saberá também o Bastonário em quantas circunstâncias a presença de filhos inibe as queixas com receio, por parte das mulheres, de futuras consequências? Saberá o Bastonário da quantidade de mulheres que por medo, sim medo, de eventuais represálias, retirariam as queixas? Saberá o Bastonário quantas mulheres, desconfiadas da eficácia e oportunidade da justiça e da capacidade de protecção que o sistema oferece, desistiriam de processos ou queixas?
Acontece a todos, mas desta vez o Bastonário espalhou-se. Não é grave, apenas tem que continuar a treinar e pensar um bocadinho mais devagar. Sobre a realidade.

UM HOMEM APAGADO

Era uma vez um homem. Chamava-se Cinzento. Em toda a sua vida, de tão apagado que era, mal se notava a sua presença. Os amigos, já poucos, foram-se afastando de tão apagada companhia. A falta de brilho do Cinzento nunca o ajudou a encontrar alguém com quem partilhar a sua vida. No discreto emprego em que se escondia, os colegas apenas suportavam o seu apagado estar. O Cinzento, cada vez que olhava à sua volta, menos gente via e mais apagado se sentia. Parecia conformadamente apagado.
Um dia, cansado da sua apagada existência, pegou numa borracha grande e, a partir dos pés, meticulosamente, começou a apagar-se em gestos, finalmente, seguros e decididos.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O PROBLEMA DE UMA NAÇÃO FELIZ

O Engenheiro e o Ajudante fumaram. Ai, Ai, vou fazer queixinha!
É evidente que episódios deste tipo, num país que acabou de implantar da forma que o fez uma lei de restrição do tabagismo e que tem uma polícia de costumes tão assanhada como a ASAE, mostra a fibra dos homens que nos governam. Em primeiro lugar são homens, embora o Primeiro-ministro do tipo robótico infalível, por isso, erram. Segundo, têm uma visão, digamos excessivamente elástica do respeito pelas leis de que são responsáveis e, finalmente, um apurado e arrogante sentido do (des) pudor.
No meio de tudo isto, feliz a Nação que acha este triste e lamentável incidente, O PROBLEMA. Era bom que fosse.

FALAR NO BARCO, NÃO É EMBARCAR

A polémica que se tem desenvolvido em torno do “Dicionário de calão” publicado no sítio do Instituto da Droga e da Toxicodependência ilustra, em minha opinião, o tipo de equívocos que, recorrentemente, atravessam a nossa comunidade. Um destes equívocos é “falar de algo, faz com que algo aconteça”. Esta ideia tem tido variantes em vários domínios, por exemplo, “é melhor não falar de sexualidade porque os adolescentes podem lembrar-se de … pecar”, “não se aborda problemas de delinquência, porque a rapaziada pode lembrar-se de começar a roubar”, “não se fala de mal-estar em jovens porque eles podem deprimir-se e desenvolver ideias perigosas” e também, naturalmente, “falar na droga pode estimular nos meninos e adolescentes a curiosidade sobre tal matéria”.
É sabido que, em termos genéricos, quanto mais informação temos sobre qualquer questão, mais bem preparados estaremos para lidar com ela. Este é um princípio fundamental. Por outro lado, actualmente, em muitas áreas e em diferentes idades se desenvolvem formas de comunicação interiores a essas áreas quase inacessíveis a quem está de fora. Um bom exemplo desta comunicação é a linguagem que os mais novos usam em SMSs que, por vezes, é quase indecifrável para nós, pelo menos para mim. Assim, o facto de se disponibilizar informação que permita, por exemplo a pais, entender a comunicação entre “habitantes” de um determinado universo, parece-me uma iniciativa ajustada. Devo ainda sublinhar que, só por ingenuidade ou ignorância, é que se pode sustentar que qualquer criança ou adolescente que queira “experimentar” irá buscar auxílio ou informação no sítio do … Instituto da Droga e da Toxicodependência.
Finalmente, poderemos discutir aspectos de forma e, até, alguns aspectos de conteúdo, mas recusar informação não me parece, por princípio, boa ideia.

NINGUÉM SABE TUDO

- Professora, tenho que saber tudo?
- Não Manel, não tens que saber tudo. Ninguém sabe tudo.
- Então a Professora também não sabe tudo?
- Não, eu também não sei tudo.
- E agora? Se a Professora que é professora não sabe tudo, quem é que me vai ensinar o que ainda não sei?
- Tu, eu, os teus amigos e as outras pessoas.
- Não percebo.
- Se conseguirmos juntar as coisas todas que cada um sabe, ficamos a saber tudo. Quase tudo, Manel.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

E COMO NOS GOVERNAM?

O título do Público, “Os autarcas não são muito ricos, mas alguns não se governam mal” parece-me um bom indicador da representação que se foi instalando sobre o poder autárquico, ou seja, a velha ideia “eles estão lá para se governar”. No desenvolvimento fica-se a saber que, num universo de 311, 11 autarcas declararam ao Tribunal Constitucional poupanças superiores a 500 000€ e 20 declararam rendimentos sujeitos a IRS superiores a 100 000€. Estes números assim divulgados significam exactamente o quê? Que os autarcas com maiores rendimentos “não se governam mal”? Isso quer dizer o quê? Algo de ilícito? Ou que possuem património e são bons gestores dos seus investimentos? Se houver suspeitas que se investiguem. É evidente que é fundamental a existência de escrutínio sobre os rendimentos das figuras públicas mas num pressuposto de regulação e, quando for o caso, com desenvolvimentos quer na investigação, quer nas consequências. Aqui é que residem as grandes falhas.
Parece-me ainda que a grande questão é “como eles nos governam” em matérias como políticas urbanísticas, equipamentos sociais, culturais e desportivos, qualidade de vida e bem-estar dos munícipes, etc. É saber se o reconhecimento da sua obra depende do número de rotundas, dos centros comerciais autorizados, de modelos de espaços verdes desajustados em termos de clima e geografia. É saber se os quadros de pessoal das autarquias estão ao serviço de caciquismo político.
É sobretudo em questões desta natureza que se torna imprescindível o escrutínio público, até porque é na gestão destas matérias que se escondem as tentações.

domingo, 11 de maio de 2008

SER ALGUÉM

(Foto de Mico)

Os professores da minha escola gostavam muito de nos ensinar. Diziam-me para pintar o quadrado de vermelho, eu gostava de pintar o triângulo de azul. Parece que só se pode pintar o que nos dizem, da cor que nos dizem. Diziam-me que a minha árvore estava mal desenhada porque as árvores não são assim como a minha. Era assim que eu gostava de desenhar árvores. Diziam-me para escrever frases com umas palavras. Eu gostava de escrever frases com outras palavras. Diziam-me para escrever um trabalho sobre um assunto. Eu gostava de escrever as histórias que inventava para contar aos meus amigos. Diziam-me para ler aquele livro. Eu gostava de ler uns livros que descobria com o Professor Velho na biblioteca. E em todo o tempo da minha escola me disseram exactamente o que tinha de fazer, como tinha de fazer, o que tinha de saber, quando tinha de saber, o que tinha de pensar, como tinha de pensar, do que deveria gostar, ou seja, ser alguém, diziam-me. E assim fiz, sou alguém.
Ontem, vinha na rua e alguém se me dirigiu, “Desculpe, importa-se de nos dar a sua opinião sobre …”. Em pânico, interrompi a pessoa. Há tanto tempo que não penso.

ATÉ TU, JESUS?

Como muitas vezes digo, o mundo anda estranho. Acabei de tomar conhecimento que uma senhora, depois de 23 anos como Serva de Jesus, foi expulsa por querer estudar. Fiquei perplexo.
Serva? No século XXI? Jesus? Com servas? Ao fim de 23 anos em regime de exclusividade e expulsa por querer estudar? E os direitos? E a igualdade de oportunidades? E o despedimento sem aparente justa causa? E a precariedade nas relações laborais?
Será que Deus estará a pensar? “Tu quoque, fili!”

sexta-feira, 9 de maio de 2008

TEMPO DE BRINCAR

Ontem, participei numa conversa com pais a propósito daquilo a que costumo chamar “trabalho de pai”, ou seja, a educação dos filhos. Como todos sabemos não é um trabalho fácil, O tempo do emprego, o tempo das deslocações, o tempo dentro da gente, o tempo da disponibilidade não ajudam. De uma forma geral, a vida dos miúdos acompanha este tempo. Ou ficam tempos infindos na escola, correndo sérios riscos de intoxicação e, posterior, rejeição, ou, noutra modalidade, correm de tarefa em tarefa numa desesperada tentativa de lhes encher, ocupar, dizem, o tempo. A discussão andou durante um tempo sobre este problema do tempo dos miúdos.
Fiquei satisfeito quando alguns pais expressaram veementemente a preocupação com o facto de os miúdos não terem tempo para brincar. Esta preocupação já nem parece deste tempo, um tempo em que tudo tem que ser “a sério” na busca da excelência e sem tempo a perder com brincadeiras.

AFINAL A HUMILDADE FOI UMA "GAFFE"

Comecei por ficar mais tranquilo. Depois de três anos em que nos fomos convencendo da infinita sabedoria, infalibilidade e competência de uma figura de natureza robótica que temos como Primeiro-ministro, eis que, afinal, o Homem não é perfeito. Na sede da democracia, a Assembleia da República, conseguiu expressar a humana atitude de afirmar que algumas das iniciativas ou procedimentos de sua responsabilidade podem ser objecto de crítica. Gostei de ouvir. A sério. Entendo que uma das ferramentas do nosso desenvolvimento pessoal e como comunidade é a capacidade de perceber erros e, naturalmente, corrigir trajectórias. Quem arrogantemente se convencer que nunca erra, tarde ou cedo, passa a viver numa realidade virtual sentindo-se vítima da incompreensão dos outros e da própria realidade que, essa sim, passa a estar enganada no seu entendimento. Por tudo isto, quando ouvi o Engenheiro Sócrates dizer “Pode haver motivos para censurar o Governo”, senti uma réstia de esperança e optimismo na devolução de uma dimensão humana e, portanto, falível, à política governativa.
Rapidamente perdi essa esperança, pois toda a gente fala na “gaffe” do Primeiro-ministro. Afinal, tristemente, a humildade não passa de uma “gaffe”.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

SERÁ O FIM DA GUETIZAÇÃO?

De acordo com o Plano Estratégico de Habitação agora apresentado, em que se privilegia, de novo, o mercado de arrendamento e a reabilitação, merece especial referência a intenção de abandonar a construção de “bairros sociais” destinados, quase exclusivamente, a famílias altamente carenciadas. Finalmente. Há décadas que os estudos e experiências mostram que a construção de bairros sociais, num movimento de guetização social, representa o armadilhar de um barril de pólvora. Trata-se, depois, de esperar o tempo, a circunstância ou o rastilho que potenciem os previsíveis problemas, de maior ou menor violência. Lembremo-nos da recente onda de problemas na periferia de muitas cidades francesas e dos incidentes que, felizmente de forma episódica e sem grande densidade, vão aparecendo em muitos bairros que políticas urbanísticas erradas permitiram na periferia das nossas cidades.
Esses bairros, social e culturalmente “problemáticos” vão receber escolas que, naturalmente, se tornam “escolas problemáticas” com índices de insucesso elevado, potenciadores de fenómenos de exclusão que alimentam o “bairro problemático”, criando um ciclo que se torna extremamente difícil de alterar.
Parece assim de saudar a intenção de contrariar este movimento de guetização. Por outro lado, considerando que muitos de nós, apesar de uma retórica diferente, temos a perspectiva NIMBY, “not in my backyard”, parece-me importante que se desenvolvam, sobretudo no âmbito das autarquias, campanhas que visem criar uma atitude globalmente favorável e receptiva a esta política integradora.

ESPELHO MEU, ESPELHO MEU

Era uma vez um Rapaz. Andava na escola mas não gostava muito. Não era bom aluno. Havia muitas coisas que não sabia e, para dizer a verdade, nem percebia bem porque precisava de saber parte das coisas que lhe queriam ensinar. Como não estava interessado, acabava por não se comportar muito bem nas aulas. Lá na escola não gostavam muito dele, nem os professores, nem muitos colegas. Bom, o Manel e o João que eram assim como o Rapaz, gostavam dele e os três davam-se bem. E a sua vida lá ia andando, entre os ralhetes dos adultos, o desgostar das aulas e as asneiras com o Manel e o João.
Um dia, ao sair de casa a caminho da escola, ia a pensar em mais um dia igual aos outros, quando na sua frente vê um enorme espelho. Mesmo muito grande. Espantado olhou para o espelho, à espera de ver devolvida uma imagem sua tamanho gigante, mas não foi isso que viu. O espelho só tinha escrito frases que, a custo, começou a ler. “Rapaz, não prestas”, “Rapaz, não sabes”, “Rapaz, não és capaz”, “Rapaz, não vais ser alguém”, “Rapaz, só fazes asneiras”, “Rapaz, os teus amigos são tão maus como tu”, “Rapaz, não vales nada”. Não leu mais. Pegou numa enorme pedra e, com raiva, estilhaçou o espelho.
O Rapaz apanhou um castigo grande porque não se podem partir os vidros da escola.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

SALOIICE IRRESPONSÁVEL

Uma especialista em questões europeias defendeu na Assembleia da República, que tem sido a acção negligente dos governos que não tem permitido a protecção dos nossos produtos tradicionais e não a habitual desculpa das normas de Bruxelas.
Esta história lembra-me a conhecida situação em que foram necessários cinco escuteiros para ajudar uma velhinha a atravessar a rua, porque a velhinha … não queria atravessá-la.
De facto, informados por uma espécie de “novo-riquismo” saloio, os nossos governantes querem obrigar-nos a ser modernos e desenvolvidos e, portanto, a abandonar aquilo que de mais tradicional e genuíno faz parte da nossa cultura, gastronómica, por exemplo.
Esta irresponsável negligência, travestida de “defesa do consumidor” montada na zelosa polícia de costumes, a ASAE, leva à proibição de produção, fabrico ou consumo de bens e produtos que sempre fizeram parte do nosso quotidiano. Acresce ainda o impacto económico que esta cruzada de modernização à força tem sobre milhares de pequenos produtores e fabricantes.
A saloiice ignorante e a negligência irresponsável presente em sucessivos governos, não os deixa entender que desenvolvimento e modernização contêm, também, o cuidar do que é tradicional e genuíno na nossa identidade. Como é óbvio, isto não tem nada a ver com a necessária protecção do consumidor.

CHAMAM-LHE ESCOLA SEGURA

(Foto de Sérgio Campos)
A escola onde eu andei, tal como as escolas daquele tempo, tinha um muro baixinho que nos dizia, ao entrar, onde acabava a rua e começava a escola e, ao sair, onde acabava a escola e começava a rua. Também havia outro muro baixinho a dizer onde acabava o espaço das raparigas e começava o dos rapazes. Tenho para mim que estes muros eram baixinhos para permitir que a gente, alguns de nós, os saltasse. Com o tempo, foram acabando os murinhos que nos separavam das raparigas mas os muros à volta da escola foram crescendo. Hoje as escolas têm muros bem altos ou redes bem fortes. Algumas já têm videovigilância, polícias à porta e auxiliares recrutados entre antigos polícias. Chamam-lhe Escola Segura.
Só não percebo bem é se este dispositivo todo é para evitar que os putos entrem, ou, pelo contrário, para evitar que os putos saiam.

terça-feira, 6 de maio de 2008

SÓ ACONTECE AOS OUTROS

Os dados recolhidos pelo Instituto de Ciências Sociais, hoje divulgados, revelando que 25% dos portugueses nunca usaram preservativo e 38% não têm qualquer receio de doenças sexualmente transmissíveis, evidencia um traço da nossa cultura, o conhecido “só acontece aos outros”.
A presença deste traço informa muitos dos comportamentos que assumimos. Vejamos alguns exemplos. Bater com o carro porque vou ao telemóvel? Não, só acontece aos outros. Acidentes domésticos com crianças por descuidos com equipamentos ou materiais? Não, só acontece aos outros. Gastar mais do que posso? Não, só acontece aos outros. Ter um acidente porque vou um bocado mais depressa do que a lei permite? Não, só acontece aos outros. Beber um copo a mais, conduzir e ter um problema? Não, só acontece aos outros. Sofrer um acidente de trabalho por falta de equipamento ou procedimento de segurança? Não, só acontece aos outros. E mais exemplos poderiam ser referidos. Quando um de nós sofre as consequências a explicação também é óbvia e habitual, “Tive azar”.
Esta atitude negligente tem custos elevadíssimos e só um trabalho sério, consistente e persistente poderá levar à definição de uma imprescindível cultura de maior responsabilidade individual e social. Sem fundamentalismos.

DEMASIADO PERTO, OS OLHOS NÃO VÊEM BEM

Era uma vez uma Mãe de um Rapaz. Era o seu primeiro filho e toda a vida sonhara ser mãe. Não havia no mundo mãe que gostasse mais de um filho que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais preocupada que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais atenta que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais presente que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais disponível que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais próxima do filho que esta Mãe.
Só que o Rapaz parecia desconfortável e às vezes, cada vez mais vezes, reagia mal a tanta mãe. A Mãe começou a ficar perplexa e perdida, e com o tempo, ainda mais perplexa e perdida. Um dia encontrou no parque aquele Velho que sabia ler as pessoas que, quando a ouviu, pensou alto.
"Por mais que a gente goste dos filhos, eles não podem ser usados e guardados só no coração. Também têm de ser usados e guardados na cabeça e nos olhos. Demasiado perto os olhos não conseguem ver bem e, por isso, a cabeça não entende”.
Naquela noite ao jantar, a Mãe, ao ver o Rapaz do outro lado da mesa, reparou como ele estava crescido e tinha uns olhos bonitos. Como os dela, que já viam.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

A EMIGRAÇÃO DOS PORTUGUESES, DAS SOLHAS E DAS FANECAS

Um estudo do Instituto Oceanográfico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, refere que, por razões provavelmente ligadas às alterações climáticas, a solha e a faneca estão a desaparecer do estuário do Tejo.
O Relatório da OCDE sobre Migrações, dados de 2007, salienta o aumento de 56% na emigração de portugueses para diferentes países europeus. O relatório não refere mas as alterações climáticas também não deverão ser alheias a este fenómeno.
Se a solha e a faneca não aguentam o clima que se instalou no país em termos de qualidade de vida, política, economia, educação, saúde, etc., não será de estranhar que também outras espécies, como os portugueses, apesar da sua reconhecida capacidade de adaptação, tenham dificuldade em aguentar tal degradação climática.
Pode ser que se mantenha a biodiversidade com as espécies invasoras que se sintam atraídas pelo clima, ou ainda pelas subespécies com capacidade de mutação genética que permitem a adaptação a todas as circunstâncias, como alguma fauna política.

SÓS. COM ELA

(Foto de Luís Zilhão)
Antes conversávamos. Antes também jogávamos, às vezes. Então ela apareceu. Primeiro de fugida, depois, um bocadinho todos os dias. Era linda, com mundos lá dentro. Mundos bonitos e mundos feios. Mundos a preto e branco. Fomos ficando de olhos presos. Até que ela ficou com a gente o dia todo, todos os dias. E com mais mundos ainda. Mundos a cores. E com mundos ainda mais bonitos e mundos ainda mais feios. Prendeu a gente.
Agora já não conversamos, nem jogamos. Estamos sós. Com ela.

domingo, 4 de maio de 2008

SERÁ CRISE? SERÁ MAL-ESTAR? COISA BOA NÃO É CERTAMENTE

Vindo do meu Alentejo e pensando na retoma (que palavra mal escolhida) deste contacto, comecei a olhar para imprensa, alguma, do fim-de-semana. A propósito da campanha de recolha do Banco Alimentar que decorre estes dias, aparecem referências aos quase dois milhões de portugueses em risco de pobreza, dados do INE, ao aumento de 10% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção durante o último ano e ao aumento exponencial do preço e escassez de bens essenciais de alimentação. O Ministro Jaime Silva diz que a situação não é particularmente grave porque estamos na Europa. Acho que só ele acredita. Sabemos também que, durante o último ano, quase triplicaram os pedidos de ajuda à AMI e vimos nos jornais televisivos várias peças sobre pobreza e exclusão que intervalavam com imagens do filme “A pequena Maddie” estreado há um ano. Este retrato da nossa comunidade parece suficientemente preocupante para justificar intervenções políticas sérias e realistas e a necessidade de repensar modelos de desenvolvimento, designadamente, toda a política agrícola, mas não, muitos dos nossos líderes políticos continuam convencidos de que a realidade está enganada, eles é que estão certos.
Na mesma linha animadora soubemos que a mulher portuguesa é a que, segundo um estudo envolvendo vários países europeus, mais dificuldade tem em conciliar vida familiar e vida profissional, sendo que temos uma das mais altas taxas de mães de crianças pequenas a trabalhar a tempo inteiro. Naturalmente que, depois, vemos múltiplas referências à educação familiar, melhor, à falta dela. Outro bom indicador do estado da arte em matéria de valores resulta de um estudo do Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa revelando que 70% dos inquiridos considera “erradas” as relações homossexuais. Mesmo entre os mais novos a reprovação nunca desce abaixo de 53%. Como referência, em França 80% dos jovens inquiridos sobre a mesma questão aceitam essas relações.
Creio que precisamos de abrandar um pouco e repensarmos isto tudo.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A MINHA ESCOLA

(Foto de Mico)

A minha escola é uma escola pequena. Dessas que estão a fechar, parece que já não há alunos.
Na minha escola ensinam-me muitas coisas. As que eu já sabia, mas não sabia que sabia e as que preciso de saber mas não sabia que precisava. Também gosto da minha professora. É mesmo professora. Sabia o que eu sabia e ainda sabia o que eu precisava de saber e ainda não sei.
Também gosto dos meus colegas e gosto de gostar deles, são meus amigos. Eles também gostam de mim e eu gosto quando gostam de mim.
Pronto. Já acabei o trabalho sobre a escola que eu gostava de ter.

E NUNCA ACONTECE NADA

O Público de hoje refere um estudo do Banco de Portugal, divulgado pelo Jornal de Negócio, que evidencia a baixa eficácia e impacto dos programas de apoio a desempregados em que são injectados milhões de euros. Infelizmente, este tipo de conclusão é frequente quando se analisa, o que nem sempre acontece, a relação entre os montantes envolvidos em múltiplos programas de apoio e os resultados atingidos. Esta situação é transversal a várias áreas como educação, segurança social e saúde. O que mostra ser possível falar em desperdício de recursos, particularmente grave num país onde não abundam e em que o fluxo da União Europeia se aproxima do fim. Mais grave é que, aparentemente, estas recorrentes situações não têm responsáveis. Os gestores, coordenadores, consultores, directores ou o que lhe queiram chamar, de milhares de “Programas” e “Projectos” passam incólumes pela ineficácia do seu trabalho. Não é possível que isto assim funcione. Por isso costumo dizer que, mais do que um problema com a mão-de-obra, temos um sério problema de “cabeça-de-obra”.

PS – Estou com curiosidade de saber o verdadeiro impacto do Programa Novas Oportunidades, para além de uma estatística enganadora sobre a “qualificação” com o 9º ano e com o 12º, obtida por “equivalência” não se sabe muito bem a que saberes e competências.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O ADOLESCENTE GUERREIRO

Estava a tentar resistir mas não consigo. Como os miúdos vou prometer, é a última vez. Estive a ouvir o menino guerreiro Santana Lopes, perdão, o adolescente guerreiro. Pois ele mudou muito, disse ele. Está mais maduro, mais preparado, com uma nova perspectiva do mundo e da vida. No entanto, permanece aquilo que constitui a marca identitária de Santana Lopes, o discurso megalómano, a efabulação relativa à sua capacidade de realização e à obra feita, a percepção desfocada da sua própria figura, afirmando semelhanças do seu trajecto aos de Brown, Jospin ou Berlusconi. Hoje, provavelmente por esquecimento e economia não referiu Churchill, De Gaulle ou Kennedy. De registar o seu projecto que tirará Portugal dos maus caminhos que sucessivos governos têm desenhado, à excepção do seu, claro, vítima de um tal Sampaio que não age como a Rainha de Inglaterra. Prometeu apresentar uma equipa credível. Assim sendo, lá teremos o Rui Gomes da Silva, o Professor Marcelo que se cuide. No entanto, o que mais me seduz neste PPD-PSD de Santana Lopes, como no de Menezes, é a conversa das bases, sempre as bases, abaixo os barões, viva as bases, o PPD-PSD profundo. Afinal quem são as bases? Será o pessoal dos bifinhos com cogumelos servidos pelo Mendes Bota, que bate palmas a quem lhe paga o passeio e o jantar? Sim, votem no Santana Lopes, ele fez um tunning e agora é que vai ser. Finalmente, as minhas felicitações a Judite de Sousa, conseguiu manter-se séria durante toda a entrevista. Eu não conseguiria

MANIFESTO DOS CIDADÃOS EM IDADE ESCOLAR

Companheiros e companheiras em idade escolar,
No mundo inteiro celebra-se hoje, 1 de Maio, o Dia do Trabalhador. Muitos de vós não saberão que o dia 1 de Maio foi escolhido para homenagear os trabalhadores de Chicago que, em 1886, começaram a reivindicar o dia de trabalho com oito horas o que veio a ser constituído como regra na maior parte dos países.
Mas não para nós companheiros e companheiras. Nós que andamos nas escolas, temos cargas horárias que podem ir até às onze horas por dia, se juntarmos as horas no Atelier de Tempos Livres, as horas curriculares, as actividades de enriquecimento curricular e a componente de apoio à família. Não podemos aceitar esta situação. Dizem os adultos que, fora da escola, não há quem tome conta de nós quando estão a trabalhar. Mudem a organização do trabalho e a gestão dos horários deles. Não sendo nossa a responsabilidade pela situação profissional dos adultos, não temos que sofrer nós as consequências. Muitos de nós, companheiros e companheiras, acabamos por estabelecer péssimas relações com os nossos locais de trabalho, as escolas, com tanto tempo lá vivido. Os adultos lutaram por mudanças na natureza do trabalho, com preocupações de ergonomia e criatividade nas tarefas. E nós? O equipamento é, frequentemente, de má qualidade, tarefas muitas vezes repetitivas, horas e horas sentados em mobiliário desconfortável. Ninguém pensa no risco de desenvolvermos doenças profissionais e nas consequências ao nível da motivação para progredirmos nas nossas carreiras. Os adultos sempre cuidaram primeiro de si e dos seus direitos e só depois, de nós e dos nossos direitos. Não podemos esperar, companheiros e companheiras. É chegada a hora de nos ouvirem. Assim, proclamamos e exigimos:
“As crianças e jovens em idade escolar exigem que lhes seja reconhecido e estabelecido o direito a que o seu dia de trabalho não ultrapasse as sete horas, como já acontece para muitos adultos”.
Portugal, 1 de Maio de 2008

O HOMEM QUE SABIA TUDO

Era uma vez um Homem que sabia tudo, de tudo. As pessoas acreditavam, parecia. Discutia-se qualquer assunto na televisão e o Homem aparecia a ensinar o que todos deviam saber e pensar sobre isso. Se aparecesse uma dúvida sobre o que quer que fosse, o Homem compunha aquele ar de sábio que só ele tinha e esclarecia. Não havia jornal que não citasse o Homem que sabia tudo a propósito de qualquer coisa. Não havia, pois, um dia em que o Homem que sabia tudo não aparecesse a ensinar. Vivia feliz de tão sábio e de tão ouvido. Estava sempre só porque o tempo, todo o tempo, que tinha era para tentar saber mais. As pessoas que se cruzavam com ele nem ousavam dirigir-lhe a palavra com medo de tanto saber. Só um Rapaz, com o atrevimento ingénuo que a idade cura, falava para o Homem que sabia tudo.
Chamava-lhe, “Fala só”. Era a única vez que o Homem que sabia tudo não ensinava alguém.