sexta-feira, 31 de julho de 2020

BY THE BOOK


Li no Público que o ME está a preparar “documentos de apoio” para orientar as escolas no trabalho a realizar nas primeiras cinco semanas de aulas destinado a recuperar e consolidar as aprendizagens comprometidas pela forma como decorreu o final do ano lectivo.
Ao que parece e solicitado pelo jornal o ME afirma que nesses documentos de apoio se definem “os princípios para identificação de aprendizagens que, quando não adquiridas, são impeditivas de progressão, e com exemplos de actividades”.
Leio isto com alguma perplexidade mas sem estranheza. Como ainda não muito escrevi já me cansa sentir estar a fazer com regularidade apreciações críticas, Seria mais tranquilo aplaudir e apoiar as medidas e iniciativas neste meu, nosso mundo, a educação.
Como muitas vezes também tenho dito não me quero sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica. Também já não tenho a idade do miúdo que diz “o Rei vai nu”, mas também não sou tão velho como o do Restelo.
Também reconheço que os tempos são duros e os constrangimentos gigantescos para pessoas e entidades limitando a sua capacidade de resposta. Desde logo importa reconhecer isto.
No entanto e mais uma vez umas notas de inquietação.
Em primeiro lugar e como já escrevi tenho dúvidas sobre a definição de cinco semanas para “recuperar e consolidar aprendizagens”. Parece-me razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação. Em cinco semanas? De acordo com o definido pelo ME com indicação de actividades e tudo? Os professores conhecem os programas sabem definir o encadeamento e precedência das aprendizagens. O que está para além da decisão dos docentes é a existência de recursos adequados, suficientes, competentes e disponíveis em tempo oportuno. Este é o trabalho do ME.
O nosso ensino já é, do meu ponto de vista, marcado por uma excessiva “manualização” ainda que a caminho da desmaterialização dos manuais e saiba que muitos docentes recorrem ao manual como orientação e não como "cartilha". Não me parece que precisemos de mais um manual, “o manual da recuperação e consolidação de aprendizagens”.
Parece não haver dúvidas de que a característica mais evidente de qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Esta é a questão central, com grupos diversos e escolas diversas a resposta deverá ser diferenciada sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos comprometendo a qualidade, o sucesso educativo e uma visão de educação para todos. Há décadas que falamos de diferenciação pedagógica como resposta às diferenças entre os alunos e assenta na autonomia de escolas e professores.
Estranhamente, o DL 54 veio estabelecer diferenciação pedagógica como uma das medidas universais de apoio à aprendizagem, a par, por exemplo, das acomodações curriculares o que, do meu ponto de vista, assenta num equívoco. Entendo que as acomodações curriculares integram o trabalho pedagógico diferenciado e não estão a par num elenco de medidas, ainda que universais.
Neste contexto também é curioso que as orientações produzidas pelo ME para operacionalização do DL 54 surgissem num “Por uma Educação Inclusiva - Manual de Apoio à Prática”, outra vez um manual.
Não estranho, portanto, que agora possa surgir um “Manual de Apoio à recuperação e consolidação de aprendizagens perdidas”.
Não é este o caminho em políticas públicas de educação.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

DA ESCOLA DIGITAL


O relatório "Recursos Tecnológicos nas Escolasdivulgado há dias pela Direcção-Geral de Estatística de Educação e Ciência caracteriza os recursos informáticos de escolas e agrupamentos considerando o ano lectivo 18/19.
Numa altura em que se configura a forte probabilidade de no próximo ano lectivo se manter a realização de aulas através de recursos digitais para além da sua necessidade em qualquer circunstância, os dados são preocupantes e tanto mais preocupantes quando falta mês e meio para o seu início e estamos num período de férias.
Em síntese e considerando o uso pedagógico dos equipamentos existe um computador para cada cinco alunos. Este rácio tem aumentado nos últimos anos e é mais elevado no ensino público.
Este rácio varia com os níveis e ciclos de ensino, no secundário é de 3.1 alunos por computador e no 1º ciclo é de 6 alunos para cada equipamento.
Acresce que só 16% dos computadores foram adquiridos nos últimos três anos o que num universo de evolução tão rápida como é a informática acentua a “velhice” e limitações do parque informático disponível para o trabalho de alunos e professores.
Se a este cenário juntarmos as dificuldades verificadas em muitos agregados familiares na existência deste tipo de recursos como se verificou no ano lectivo que agora termina percebe-se a urgência e a seriedade deste problema.
Sabe-se que o Programa de Estabilização Económica e Social prevê uma dotação de 400 milhões de euros destinados à aquisição de computadores e ligação à Internet para as escolas públicas, a incrementar a transição digital como lhe chamam.
Foi ainda divulgado que a iniciativa Escola Digital, para além da compra de computadores e de serviços de ligação à internet para escolas e alunos, tem ainda como objectivos desenvolver a “capacitação digital dos docentes” e a desmaterialização dos manuais escolares.
Numa primeira fase serão os alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.
Numa altura em que as incertezas sobre como se iniciará o próximo ano lectivo, cujo arranque está a menos de dois meses, são muitas as escolas preparam a possibilidade de recorrer mesmo que parcialmente a ensino não presencial pelo que a aposta em recursos digitais vai no caminho certo.
Não possuo dados que me permitam a avaliar da suficiência da verba, mas considerando que se destina à aquisição de equipamentos e dispositivos de acesso à net para milhares de alunos e, certamente dezenas ou centenas de escolas, à promoção da “capacitação digital dos docentes” e a ainda à desmaterialização dos manuais, me pareça claramente aquém das necessidades para resposta imediata aos milhares de alunos que ficaram mais distantes das escolas no ano lectivo que agora termina.
A desejada e promovida “Escola Digital” exige recursos e em tempo oportuno sob pena de se alimentar desigualdade e risco de exclusão.
Mas ainda falta imenso tempo até ao regresso às aulas, não precisamos de ter pressa que, como sabem, é inimiga da perfeição.


quarta-feira, 29 de julho de 2020

DO ABANDONO ESCOLAR


Foi divulgada uma auditoria do Tribunal de Contas que levanta reservas sobre a fiabilidade dos dados relativos à taxa de abandono escolar nos anos que analisou, 17/18 e 18/19.
A evolução tem sido favorável, em 2019 a taxa de abandono escolar precoce entre os 18 e os 24, quem não passa do 3º ciclo do básico e não acede a formação profissional ou outra forma de qualificação, foi de 10.6%, face a 11.8% de 2018 e a 12.6% em 2017.
O valor agora atingido coloca-nos perto da meta estabelecida para 2020 no quadro da UE, 10%.
A questão, de acordo com o TC, é que o indicador usado pelo INE, Taxa de Abandono Precoce de Educação e Formação, trabalhado a partir do Inquérito ao Emprego e tem em consideração os jovens dos 18 aos 24 anos. Assim, não considera o abandono entre os 6 e os 18 nem o nível de ensino em que se verifica o abandono o que .
Em resposta o ME inventaria algumas das medidas de promoção do sucesso e combate ao abandono em curso e coloca o problema dos custos acrescidos de uma monitorização mais fina da questão, bem como algumas questões relativas à autonomia das regiões autónomas e à protecção de dados.
Compreendo as dificuldades de se conseguir uma monitorização do sistema educativo que obviamente inclua a escolaridade obrigatória e detecte com segurança o a abandono escolar e sendo sensível à questão custos julgo que a argumentação não faz sentido.
Em primeiro lugar porque para dar boas respostas é necessário fazer boas perguntas, ou seja, para responder a dificuldades é necessário avaliar com rigor essas dificuldades sob pena do risco de ineficácia.
Por outro lado, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A detecção, prevenção e combate ao abandono e insucesso escolar é uma delas.
As políticas públicas sectoriais devem considerar questões desta natureza
Recorrendo a um chavão, se a inclusão é cara façam contas à exclusão.

terça-feira, 28 de julho de 2020

EQUIDADE


É consensual que apesar do esforço gigantesco de professores e escolas realizado na resposta de emergência E@D e do apoio da iniciativa #EstudoEmCasa através da RTP foram muitos os alunos cujo processo educativo ficou comprometido assim como se acentuaram as desigualdades.
Este processo decorre de múltiplas variáveis, literacia familiar (digital e global), condições sociodemográficas, recursos informáticos, acesso à net, necessidades específicas dos alunos, etc.
O ME já anunciou que as primeiras cinco semanas do próximo ano lectivo serão destinadas à recuperação e (ou) consolidação das aprendizagens não realizadas. Como já disse, estranho a definição temporal pois deveriam ser as escolas e os professoras a avaliar necessidades, mas compreendo a intenção.
A propósito de recuperação no DN encontra-se uma peça curiosa. Os centros de explicação, que por regra estariam encerrados em Agosto, estão a sentir grande procura e pressão para que estejam em funcionamento durante as férias escolares.
Nada de estranho, vivemos numa sociedade em que cada problema é uma oportunidade de negócio.
A questão é que o acesso a esta “ajuda” tem custos que para muitas famílias são incomportáveis e a situação que se vive tem também impactos muito significativos no rendimento dos agregados familiares.
Neste cenário, mais uma vez e como sempre, as desigualdades são alimentadas, quem tem meios recuperará e consolidará aprendizagens, quem não … esperará pelas cinco semaninhas iniciais do próximo ano lectivo e dos recursos anunciados.
Acredito que, tal como a partir de Março aconteceu, professores e escolas vão, de uma forma geral “dar o litro” pelos miúdos.
Mas também acredito que só a escola pública de qualidade garante equidade e igualdade de oportunidades. Para isso precisa de recursos humanos, espaços e equipamentos.
Aqui não se pode falhar, é o futuro que está em causa.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

DESCONFINAR OS MIÚDOS DOS ECRÃS


Nos últimos tempos e devido às razões que conhecemos a presença face aos ecrãs subiu exponencialmente, o mundo passou a estar no ecrã, até a escola ou a creche e o jardim-de-infância.
Não sabemos o que será o próximo ano lectivo, mas, com grande probabilidade, o ecrã continuará a ser um companheiro diário e prolongado no quotidiano da generalidade dos alunos.
Neste sentido é interessante o trabalho no Público sobre a importância de procurar aproveitar as férias para que as crianças e adolescentes se “desliguem” um pouco. Não é, evidentemente, tarefa fácil, mas vale a pena tentar "desconfinar" os miúdos dos ecrãs.
Um trabalho recente que aqui citei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra mostra dados que devem ser levados em conta.
O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.
Recordo que há poucos meses a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.
Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.
Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.
Como tantas vezes já tenho referido o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”, às vezes "acompanhados" de outros miúdos tão sós quanto eles.
Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Comer é necessário faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.
Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

domingo, 26 de julho de 2020

DOS AVÓS


Quase sempre passa discretamente, mas de acordo com o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial dos Avós. Uma lembrança à minha Avó Leonor, uma Mulher notável com uns olhos claros e uma fala que eram um ninho de aconchego.
A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há sete anos e do Tomás há quatro. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.
Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.
Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar. O tempo de confinamento mais duro mostrou como a separação é difícil.
Já agora deixo uma história com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui a contei.
De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.
A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.
Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha mandado vir estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu dispositivo com as músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.
O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

sábado, 25 de julho de 2020

DO CATA-VENTISMO


Era uma vez uma terra chamada A Terra da Contradição. Tinha, como muitas das terras, uma forma de organização política designada por democracia representativa. Assim, os cidadãos pessoas organizavam-se em estruturas partidárias e na altura em que se realizavam eleições desenvolviam-se campanhas de apresentação e divulgação de ideias com que cada partido procurava captar o voto do cidadão. O partido com mais votos era chamado a constituir o governo que, em princípio, duraria até novas eleições. A Terra da Contradição tinha uma particularidade curiosa que envolvia muita gente, mas estava sobretudo presente no discurso das pessoas ligadas à actividade política. Era essa particularidade o facto de cada pessoa, consoante as circunstâncias, o tempo ou outro qualquer critério, expressar opiniões e posições absolutamente contraditórias com a maior naturalidade. De facto, era muito frequente uma pessoa pertencendo ao partido do governo defender uma coisa, e, quando na oposição defender outra completamente diferente. Em poucos dias ou semanas as pessoas mudavam de opinião com a maior das facilidades sobre qualquer aspecto.
Uns diziam que este funcionamento se deveria à inteligência das pessoas, porque “só não mudam os burros”, outros achavam que é preciso evoluir, alguns ainda pensavam que se tratava de alguma incoerência nos outros e flexibilidade em si próprios. Enfim, a dificuldade era encontrar alguém que, de facto, tivesse um discurso coerente, sólido e durável sobre a vida e as suas circunstâncias, sobretudo ao nível dos grandes princípios. 
Às vezes, os que assim procuravam manter-se até eram acusados de conservadores, imobilistas e incapazes de evoluir.
Esta terra tinha uma paisagem lindíssima e bucólica, marcada pela presença dos milhares de cata-ventos das mais variadas formas e cores.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

DÚVIDAS


Nas “Orientações para a organização do ano letivo 2020/2021” produzidas pela DGEstE reafirma-se a intenção de que dentro das condições em matéria de saúde pública os alunos do 1º e 2º ciclo e os alunos com necessidades especiais devem ter actividades em regime presencial.
Parece adequada a orientação pois os níveis de autonomia e necessidades dos alunos mais novos e a importância dos apoios específicos dos alunos com necessidades especiais são mais exigentes na necessidade de trabalho presencial como se verificou no terceiro período.
Por outro e como há pouco tempo aqui escrevi, não fica claro o que significará em termos reais o anunciado aumento de 25% no crédito horário das escolas quando nas Orientações da DGEstE se afirma que o reforço do crédito horário é “exclusivamente utilizado para a recuperação e consolidação das aprendizagens, nomeadamente através do apoio educativo e coadjuvação de aulas” e que “as primeiras cinco semanas destinam-se à recuperação e consolidação das aprendizagens, identificadas em função do trabalho realizado com cada aluno no ano letivo 2019/2020”.
Continuo com dúvidas sobre a definição das cinco semanas como tempo de recuperação e consolidação de aprendizagens. Considerando a diversidade de situações no número e na tipologia aconselham a que sejam as escolas a avaliar as necessidades e com os recursos necessários definir planos e dispositivos de apoio que dificilmente creio que possam “caber” nas primeiras cinco semanas lectivas.
Também não compreendo o alcance de “Cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada terá um crédito horário adicional de até duas horas letivas semanais, destinado exclusivamente à EMAEI.” Qual o impacto real desta medida face aos problemas e constrangimentos identificados nos últimos meses nas escolas e, em particular, envolvendo os alunos com necessidades específicas.
Professores e direcções têm expressado preocupações com os recursos disponíveis nas escolas no início do lectivo.
Foram anunciados 125 milhões de euros destinados à contratação de “mais professores, pessoal não docente e técnicos especializados”, como psicólogos e “assistentes sociais e mediadores”. Ao que se afirma serão contratados mais 500 assistentes operacionais e 200 assistentes.
Estarão nas escolas no início de Setembro a tempo de se envolverem na preparação das actividades ou quando elas se iniciarem?
Parece positiva a aposta no reforço do programa de apoio tutorial específico alargando-o ao secundário e aos alunos que chumbara neste ano lectivo mesmo que seja a primeira retenção. Como será operacionalizado? Triplicará a resposta como foi anunciado?
O início do ano lectivo está a um mês e meio e, para além das questões de saúde pública e da contenção de riscos nas comunidades escolares, as dúvidas e receios de professores e direcções e das famílias são ainda muitas, sobretudo no que respeita a recursos adequados e suficientes.


quinta-feira, 23 de julho de 2020

CRIANÇAS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


A petição que pretende voltar a colocar em discussão no Parlamento a aprovação do Estatuto de Vítima para crianças inseridas em contexto de violência doméstica jé reuniu mais de 45 000 assinaturas.
Este movimento de cidadãos é importante pois uma proposta do BE no mesmo sentido já tinha sido chumbada em comissão parlamentar no início do mês com os votos de PS, PCP e CDS, tendo o PSD votado com o BE.
Retomo o que afirmei na altura. Parece-me que qualquer iniciativa que amplie a protecção a crianças em situação vulnerável merce consideração conforme, aliás, parecer do Instituto de Apoio à Criança e da Ordem dos Advogados o que, neste caso, pode significar que o quadro legal existente não é suficientemente protector. Aliás, o voto contra do PS terá decorrido do entendimento de que lei actual já acautela a questão.
De facto, parece importante a necessidade de protecção nestas casos considerando o número de situações e os efeitos destas vivências na vida das crianças e adolescentes.
Como indicador recordo que segundo do Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, a exposição de crianças e jovens a episódios de violência doméstica foi o tipo de risco mais comunicado, 28,9% tendo ultrapassado as comunicações por negligência, 28.6. Tal facto, reforça a importância da iniciativa dos cidadãos e do acolhimento no Parlamento.
Para além de sublinhar os danos potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios, por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também vítimas, serão em número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio "Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.
Não é certamente por acaso que estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro de valores.
Não é nada de novo, a afirmação desta necessidade.
A questão é que o próprio discurso social e político sobre a escola e sobre os professores não me parece contribuir para que se possa encarar a escola com a confiança necessária a que possa cumprir o seu papel e contribuir para quebrar o círculo vicioso do processo de modelagem social envolvido.
Acresce que a intervenção junto das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

PARTICIPAÇÃO CÍVICA E ESCRUTÍNIO

O grupo de trabalho dedicado às alterações ao Regimento da Assembleia da República aprovou na especialidade com votos do PS e PSD uma proposta no sentido de passar de 4 000 para 10 000 assinaturas o número mínimo de assinaturas necessário para que uma petição seja discutida em Plenário.
Se a petição for assinada por um número de cidadãos entre 4 000 e 10 000 será discutida na Comissão parlamentar competente.
Foi chumbada uma proposta do PAN no sentido de reduzir de 20 000 para 15 000 o número de assinaturas para apresentar iniciativas legislativas por parte dos cidadãos.
Foi também aprovada por PS e PSD que os debates com o Governo no Parlamento passem a ser mensais a presença alternada do Primeiro-ministro e membros do Governo o que leva o Primeiro-ministro ao Parlamento de dois em dois meses. É interessante perceber que nas grandes questões o entendimento surge.
Creio que a justificação destas decisões só pode ser uma genuína e sempre afirmada necessidade de promover a participação cívica dos cidadãos nos processos próprios de uma democracia e promover o escrutínio parlamentar das políticas públicas.
E a agenda da partidocracia que alterna no poder..

terça-feira, 21 de julho de 2020

DA RECUPERAÇÃO E DAS NORMALIDADES

Ao fim da maratona de discussões o grupo de países europeus que se designa por União Europeia lá se entendeu na definição dos dispositivos de apoio aos diferentes países.
Como é habitual, o resultado é que “ganharam todos”: É bonito quando assim é e foi aprovado um pacote global no valor de 1,8 biliões de euros destinado a promover a recuperação da actividade e a transformação da economia assente em modelos mais verdes, inclusivos e digitais. Ao que se lê na imprensa, a Portugal estará destinada uma verba global de 45 mil e 85 milhões de euros.
Os efeitos devastadores dos últimos meses em múltiplas dimensões da nossa vida individual, da vida em comunidade, entre comunidades no sentido mais alargado, o problema é mundial, fazem-nos ansiar pela recuperação, pelo retornar a antes, por um regresso à normalidade perdida, seja isso o que for para cada um de nós.
Este movimento é necessário, diria imprescindível, é uma imagem de futuro que nos reboca, nos mobiliza. É importante percebermos como será esse retorno, quando será esse retorno e o que importa ponderar para que se recupere.
De um ponto de vista mais individual e como escrevi acima, numa perspectiva de protecção e confiança é fundamental que criemos imagens de futuro que nos apoiem para lá chegar neste caminho que não é fácil e tem inúmeros riscos.
A grande questão será, creio, a que normalidade queremos voltar ou melhor, a que normalidades queremos voltar, o que queremos recuperar. Na verdade, existem múltiplas normalidades e talvez as circunstâncias excepcionais em que vivemos nos possibilitem e inspirem a repensar se algumas das “normalidades” que conhecemos seria desejável que se mantivessem.
Nesta perspectiva e agora que existe a alavanca financeira queremos recuperar modelos e “normalidades” que alimentam exclusão, pobreza, intolerância, atropela direitos, compromete o nosso futuro como habitantes do planeta, etc.? Se nada se repensar ou refizer, após a pandemia e à boleia da lenta recuperação financiada esta normalidade voltará, é uma normalidade resistente e se continuar a ser muito bem alimentada como tem sido, assim se manterá.
Por outro lado, também ansiamos recuperar, regressar, a uma normalidade que se traduz na proximidade com os de que gostamos e voltam a estar à distância de um gesto, à normalidade dos alunos nas escolas, da gente na rua, nas lojas  e empresas e a circular sem medo do “bicho” como dizem os meus netos. Os miúdos de diferentes idades têm saudades têm da escola, sim, os miúdos gostam da escola e dos professores. Os miúdos, adolescentes e jovens, todos nós, queremos regressar, recuperar, o estar com a família, com os amigos, de realizar todas as actividades que fazíamos e deixámos de o poder fazer, enfim, de regressar ao tudo que poderemos fazer.
Esta normalidade queremo-la de volta, queremos recuperá-la tão depressa quanto possível.
No entanto, deveríamos reflectir se queremos todas as normalidades de volta, se queremos recuperar tudo, ou entendermo-nos  sobre que novas normalidades precisamos de definir.
Não depende só de nós, mas também depende de nós.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

QUANDO A GENTE GOSTA, É CLARO QUE A GENTE CUIDA


A Professora Isa Gomes, do 1.º ciclo e uma das docentes que participou na iniciativa “Estudo em Casa”, afirmou numa entrevista ao Expresso e em resposta à habitual questão “que anda a ler?” que “Leituras? Não sou muito de leituras. Não sou muito de ler livros, mas sempre adorei tê-los”.
Como seria de esperar, as águas agitaram-se com a ingénua confissão da Professora e percebe-se a reacção. Como se sabe vivemos num país com hábitos de leitura bastante robustos em todas as franjas etárias. Nos últimos meses não acontece nenhuma zoomificada aparição televisiva que não seja emoldurada por visíveis e preenchidas estantes carregadas de livros. Os índices de leitura real e digital da imprensa chamada de referência são altíssimos. As tiragens no mercado livreiro das boas obras da actual literatura em português atingem números extraordinários. As bibliotecas de diferente natureza são frequentadas regularmente por adultos e crianças.
Neste contexto, o assumir dos seus comportamentos de leitora representa, por assim dizer, uma espécie de saída do armário que, do meu ponto de vista, deve sublinhar-se.
Um pouco mais a sério e sobre as questões da leitura e da construção de hábitos de leitura algumas notas em linha com o que aqui já tenho afirmado.
Segundo os dados do PISA 2018, 22% dos alunos de 15 anos entende que “ler é uma perda de tempo” e 31% afirma que só lê quando é obrigado.
Nunca é demais sublinhar a importância dos livros e dos hábitos de leitura na vida das crianças. São ferramentas cruciais de construção pessoal e cívica, de construção e acesso ao conhecimento, informação e à cultura pelo que repesco umas notas.
São múltiplos os estudos que sublinham essa importância, no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também muitos trabalhos mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Também se sabe que mesmo a leitura de obras integradas no trabalho escolar é substituída pelo recurso a resumos e fichas que se encontram facilmente.
Sabemos ainda o quanto é positivo que os pais ou outros “mais crescidos” se envolvam com as crianças, mesmo em idade de jardim-de-infância, em práticas de leitura e de actividades com os livros para, por exemplo, contar histórias a partir das imagens. Lembro-me de ouvir o Mestre João dos Santos afirmar que as crianças aprendem a ler desde que abrem os olhos.
É verdade que os estilos de vida actuais ou a quantidade de tempo que muitas crianças passam nas instituições educativas podem minimizar a disponibilidade familiar para este tipo de actividades depois de dias muito compridos e cansativos para todos.
Também sei que os livros e materiais desta natureza têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças a outras opções, designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.
Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.
Aliás e no que se refere suporte digital, o PISA 2018 também mostra que tem aumentado o tempo médio passado pelos alunos ligados à internet, média de 2.8 horas diárias durante a semana e 3.5horas ao fim-de-semana. Estes indicadores sugerem um caminho a explorar.
Creio que também estaremos de acordo que um leitor se constrói desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, por vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura, seja do que for considerando as motivações e culturas diferenciadas apresentadas pelos alunos.
Só se aprende a ler lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, etc.
Voltando à entrevista da Professora Isa a minha dúvida é como se torna compatível o entendimento de que “não dou aulas, ajudo os miúdos a quererem saber mais” com “Não sou leitora, nunca fui muito de ler livros”. Não terá uma tarefa fácil e, provavelmente, os alunos também não.
Como diz Caetano Veloso, “Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida”.

domingo, 19 de julho de 2020

SETEMBRO ESTÁ QUASE AÍ


Foi aprovado no último Conselho de Ministros a autorização do investimento de 400 milhões de euros fara financiamento de anunciado programa Escola Digital integrado no Programa de Estabilização Económica e Social e destinado à aquisição de computadores e ligação à Internet para as escolas públicas.
A iniciativa Escola Digital, para além da compra de computadores e de serviços de ligação à internet para escolas e alunos, tem ainda como objectivos desenvolver a “capacitação digital dos docentes” e a desmaterialização dos manuais escolares.
Numa primeira fase serão os alunos abrangidos pela Acção Social Escolar
Numa altura em que as incertezas sobre como se iniciará o próximo ano lectivo, cujo arranque está a menos de dois meses, são muitas as escolas preparam a possibilidade de recorrer mesmo que parcialmente a ensino não presencial pelo que a aposta em recursos digitais vai no caminho certo.
Não possuo dados que me permitam a avaliar da suficiência da verba, mas considerando que se destina à aquisição de equipamentos e dispositivos de acesso à net para milhares de alunos e, certamente dezenas ou centenas de escolas, à promoção da “capacitação digital dos docentes” e a ainda à desmaterialização dos manuais, me pareça claramente aquém das necessidades para resposta imediata aos milhares de alunos que ficaram mais distantes das escolas no ano lectivo que agora termina.
Por outro lado, ainda com sérias pelas dúvidas sobre a real possibilidade de se cumprirem regras de segurança sanitária em todas as escolas e para os diferentes anos de escolaridade, sobretudo o 1.º e 2.º ciclos, na educação pré-escolar e resposta aos alunos com necessidades especiais, os grupos em que se reconhece maior impacto negativo do E@D de emergência experienciado este ano, julgo necessário que se vão conhecendo algumas orientações mais precisas que mantenham, tanto quanto possível, as famílias, os alunos e os docentes, informados e preparados.
Neste sentido, era importante perceber o que em termos reais significarão os anunciados 125 milhões de euros destinados à contratação de “mais professores, pessoal não docente e técnicos especializados”, como psicólogos e “assistentes sociais e mediadores”. Serão contratados mais 500 assistentes operacionais e 200 assistentes.
Qual o real impacto do aumento de 25% no crédito horário das escolas?
De que modo será operacionalizada a anunciada intenção de triplicar o programa de apoio tutorial específico e alargá-lo aos alunos do ensino secundário? Até agora este tipo de apoio era destinado a alunos com pelo menos duas retenções e no próximo ano poderá apoiar alunos na primeira retenção.
Retomo algumas ideias que já aqui expressei e que me parecem importantes considerando a forma como este decorreu.
Ainda não percebo muito bem a definição das cinco semanas como tempo de recuperação e consolidação de aprendizagens. Considerando a diversidade de situações no número e na tipologia aconselham a que sejam as escolas a avaliar as necessidades e com os recursos necessários definir planos e dispositivos de apoio que dificilmente creio que possam “caber” nas primeiras cinco semanas lectivas.
Julgo que seria de redefinir, não só por medidas de saúde pública, o número de alunos por turma e ou a constituição de grupos para trabalho tutorial. Reforçar os dispositivos de apoio específico a alunos com necessidades mais acentuadas e a alunos com necessidades especiais reforçando os recursos das EMAEI.
Apesar de ser parte interessada parece-me claro a necessidade de reforço de profissionais de psicologia da educação.” O que agora foi anunciado vai neste sentido, mas aguardo para ver.
O início do ano lectivo está a menos de dois meses e as dúvidas são muitas o que torna ainda mais necessário, ainda que difícil, conhecer, se possível para recorrer a uma expressão em uso, como vamos começar as aulas, com que orientações, com que recursos, com que …

sábado, 18 de julho de 2020

ESTÁ CALOR NO ALENTEJO. A SÉRIO?!


Estão uns dias de calor áspero aqui pelo Alentejo. Já começaram os alertas e mesmo com uma agenda tão carregada de inquietações não tardarão, certamente, as incontornáveis e patéticas reportagens sobre o modo como os alentejanos lidam com o calor, tal como surgem nos dias de frio com o pessoal de Trás-os-Montes. 
No fim da manhã comentava com o Mestre Zé Marrafa como ele me é pesado quando chega.
O Velho Marrafa lá me disse, acho que para me agradar, que achava que embora estivesse calor, o problema é mais à noite quendo ao fim de muitos dias de calor, de calma, as casas já não arrefecem. De dia anda-se na lida e "não tem dúvida", expressão peculiar no Alentejo.
Numa de indivíduo atento e informado referi a informação sobre os alertas de calor ainda previstos para os próximos dias.
O Velho Marrafa, por simpatia e generosidade alentejanas, não disse o que lhe terá passado pela cabeça, certamente qualquer coisa como "tão sempre a inventar molengas", foi mais comedido e considerou engraçado essa "coisa dos alertas". Então, dizia ele, estão a avisar-nos que faz calor no Alentejo, estamos no Verão queriam o quê? O Alentejo sempre teve calor no Verão, uns dias mais ásperos que outros, mas sempre quentes. A gente lida com o calor, anda mais coberto e bebe mais água. Deviam avisar a gente, continuava o Mestre, era se viesse aí frio agora em Julho, que a gente ainda estranhava e se constipava, e ria-se com aqueles olhos pequeninos pretos debaixo da pala do boné, a boina como ele lhe chama, que lhe protege a cabeça do calor, é claro.
Calor no Alentejo não é nada de novo, sempre assim é e sempre assim foi, mas a verdade é que talvez o Mestre Marrafa estaja a esquecer que mal que temos feito à terra também trará mais calor e durante mais tempo.
Bom, lá mais para o fim da tarde vou regar as alfarrobeiras que foram este ano para a terra e estão lindas.
Mas está mesmo calor.
E são assim os dias, quentes, do Alentejo.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

VIDAS ADIADAS


Um trabalho ontem divulgado e da responsabilidade do ISCSP e encomendado pela Fundação Gulbenkian refere que em 2017, 63.4% dos jovens entre os 18 e 34 anos vivia em casa dos pais, uma das mais altas médias europeias, apenas Grécia e Itália têm percentagens mais elevadas.
Recordo que dados do Eurostat de 2017 sugeriam que os jovens portugueses abandonam a casa dos pais aos 29.2 anos em média. Como é habitual nos países nórdicos verifica-se a saída mais precoce, cerca dos 21anos e no sul da Europa estão os países com a saída mais tardia e nos quais se inclui Portugal.
A Caritas divulgou em 2018 um Relatório sobre Portugal “Os jovens na Europa precisam de um futuro!” no qual também se reconhecia a dificuldade dos jovens portugueses em construir projectos de vida autónomos e positivos.
Nesse trabalho eram identificadas como dimensões críticas a dificuldade em aceder a trabalho digno, a precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação.
Este cenário ajuda a perceber algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a casa dos pais cada vez mais tarde. Para além das questões de natureza cultural e de valores que importa considerar, bem como as políticas de família nos países do norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens e implicações da crise decorrente da pandemia sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser revertido sendo mesmo provável que se agudize nos tempos mais próximos.
Temos ainda um número muito significativo, superior a 100 000 jovens, de acordo com o INE em 2017 seriam 175 mil, entre os 15 e os 29 anos que não estudam, nem trabalham, a geração “nem, nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education, Employment or Training). Acresce que uma parte significativa não está inscrita nos Centros de Emprego.
Parece importante assinalar que esta situação afecta sobretudo jovens com menos qualificações e mulheres, o que também não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social.
A estes indicadores já profundamente inquietantes deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo para jovens altamente qualificados.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os dados hoje conhecidos mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego e na construção de um projecto de vida autónomo e sustentado, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída mobilizadora e que recompense.
O aconchego da casa dos pais pode ser a escapatória para a sobrevivência, mas potenciar o risco da desistência o que certamente poderá ter implicações séria.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

UM MUNDO ÀS AVESSAS


As coisas nem sempre são o que parecem, o que pensamos que são ou mesmo o que gostávamos que fossem.
Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.
Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.
Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.
Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.
Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.
Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.
Na verdade, ...
Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.
Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.
Parece que anda às avessas.
Apesar de tudo e sempre, talvez seja de recordar Mandela reafirmando que a educação e o ensino são as mais poderosas armas para mudar o mundo.

Vem esta introdução a propósito de uma notícia com a qual tropecei no DN. Um homem e uma mulher, dificilmente lhes poderemos chamar pais, fabricaram quatro crianças para vender a três casais no espaço europeu incluindo Portugal. O negócio terá rendido cerca de 89 000 € o que mostra que as crianças são um produto acessível, equivalem a carrito de gama média/baixa. Foram condenados a prisão por um Tribunal do Porto.
Um mundo às avessas.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

DO "ENGRAÇADISMO"


É sempre difícil ser juiz em causa própria. No entanto, atrevo-me a dizer que me considero um tipo com algum sentido de humor e gosto de me rir, com e de.
Mas se existe algo que me abespinha mesmo é a onda de “engraçadismo” que invade a comunicação social. O humor é uma coisa o “engraçadismo” é outra coisa bem diferente e profundamente irritante.
Para quem conhece o ambiente de muitas salas de aula é um clássico, o miúdo esperto que adora lançar piadas sem piada, fazer cenas bué d’engraçadas apenas para chatear o "setôr", para se rir muito de si mesmo e, sobretudo, para que o seu grupo de apoiantes se ria e o ache "mesmo fixe", mesmo esperto.
Também em casa conhecemos o mesmo estilo, “armar” em engraçado sem graça.
Mas o que me tira do sério são os adultos que cultivam o “engraçadismo” convencidos do seu enorme humor. Esta síndroma afecta até … humoristas. Dois rapazes que antes faziam humor integrados no Gato Fedorento dedicam-se agora ao engraçadismo nas páginas do Observador, textos sem graça ou humor pejados de preconceitos e alarvidades que a liberdade de expressão e a agenda que servem lhes permite, felizmente, e que a liberdade de opinião, felizmente, também me permite escrever que nos putos tolero, faz parte do crescimento, nos adultos irrita, é muito umbiguismo para o meu gosto.

terça-feira, 14 de julho de 2020

"A PANDEMIA TORNOU A EDUCAÇÃO AINDA MAIS DISTANTE PARA AS CRIANÇAS DEFICIENTES"



Vale a pena aceder ao podcast “A pandemia tornou a educação ainda mais distante para as crianças deficientes” que se encontra no Público. Sugere vários tópicos para reflexão.
O trabalho centra-se no impacto no processo educativo e de desenvolvimento do fim das aulas presenciais e da resposta de emergência E@D nos alunos com necessidades educativas especiais e as dificuldades sentidas pelas famílias.
Como está ainda em aberto o recurso a ensino à distância ainda que coexistindo com aulas presenciais, retomo algumas notas.
Apesar de boas práticas que sempre existirão, afirmei “o que com enorme esforço e motivação foi estruturado no ensino à distância (E@D) foi uma resposta de emergência que procurou substituir e minimizar o impacto do encerramento das escolas, mas não é uma alternativa, dificilmente o será sobretudo nos primeiros anos de escolaridade e em particular no caso de alunos com necessidades especiais".
A eventual manutenção de aulas não presenciais, mesmo que em tempo parcial, solicita uma séria reflexão sobre o que deverão ser, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade e para alunos com necessidades especiais e o tempo não é muito.
No trabalho do Público famílias e técnicos sublinham os riscos os riscos de retrocesso decorrentes da situação de ensino à distância e das dificuldades de acesso a apoios adequados.
De facto, vivemos num tempo estranho, falamos de educação inclusiva num cenário de “ensino à distância” e com os alunos ausentes dos espaços onde se realiza a educação escolar, a sala de aula, a escola. Para muitos alunos com necessidades especiais e para muitos outros e por diferentes razões tem mesmo aumentado a sua distância para a escola o que naturalmente terá efeitos negativos, quer no progresso nas aprendizagens, quer numa perspectiva de educação inclusiva.
Como tenho afirmado, não esqueço que mesmo em tempos “normais” também temos constrangimentos e insucessos, mas, ainda assim, temos uma variável muito importante, proximidade. Também é importante sublinhar de novo o esforço gigantesco de escolas e professores para estruturar a resposta de emergência designada por E@D.
O ME divulgou em Abril “Orientações para o trabalho das Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva na modalidade E@D”.
Como disse na altura, sendo importante que se conheçam orientações da tutela, o que foi divulgado as “orientações” reflectiam fundamentalmente as competências e funções das EMAEI o que no quadro da resposta que temos será de uma enorme dificuldade de operacionalização.
Na altura afirmei que me parece pertinente definir duas grandes linhas de trabalho.
A primeira seria a colaboração com os docentes para o trabalho a desenvolver neste contexto particular em que a planificação “existente” não tem obviamente condições para funcionar. Questões como que objectivos a manter ou redefinir, que actividades e com que recursos a desenvolver em casa, que duração, que rotinas de trabalho, que apoio solicitam pais ou de irmãos, etc., são alguns dos exemplos em que o que está definido nesta imensidade de RTP/PEI/PIT poderá necessitar de ser reconfigurado. A disponibilização de apoios específicos também foi profundamente comprometida agravando dificuldades de alunos e famílias.
Uma segunda linha seria o apoio aos pais. No entanto, creio que tanto ou mais do que criar formas de apoio aos pais no sentido de serem “professores” ou “técnicos” dos seus filhos, ou seja, o apoio dos pais ao “trabalho” dos filhos no “ensino à distância” julgo que precisamos de apoiar os pais enquanto pais num quotidiano altamente exigente em matéria de resistência física e psicológica. São grandes os riscos de cansaço, impotência desânimo, culpabilização, etc. para mais dentro de um cenário de isolamento. Esta questão quanto a mim é crítica.
O trabalho do Público é elucidativo e os depoimentos, sobretudo das mães, mostra que a realidade não é exactamente a projecção dos nossos desejos e existe uma longuíssima e sinuosa estrada para percorrer.
Como na altura afirmei e não querendo ser polémico ou provocador, não é de todo a intenção, um contacto regular próximo e acessível e com alguma disponibilidade para “ouvir” será talvez mais importante que o cumprimento rigoroso dos RTP/PEI/PIT.
No entanto e como é evidente cada situação sugerirá a melhor abordagem.
Parece bem provável que o Setembro de 2020 não será igual ao Setembro de 2019, as inquietações e as dúvidas são muitas e o tempo já não é muito.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

AVÔ, JÁ VAI HAVER ESCOLA DA OUTRA?


Este fim-de-semana numa conversa casual e falando em estar de férias, o Simão, o neto grande, perguntou se a seguir às férias já havia escola da outra ou se ainda era a do ipad.
O Simão frequentou o 1.º ano e, como a generalidade dos seus colegas passou a ter a escola à distância. Também no caso dele a escola ficou mesmo distante, não gosta, não quer e insiste que a “outra” escola é que é a que ele gosta. E nós percebemos que assim seja e por que razões assim é.
Mas o que me inquietou na questão colocada por ele é que não sabemos que escola teremos em Setembro.
É conhecido que as aulas terão início entre 14 e 17 de Setembro, que se desejam presenciais, mas pode haver um modelo misto de aulas presenciais e à distância.
Também sabemos a grande orientação é “dentro do possível”. As escolas e os docentes vão o que estiver ao seu alcance para “dentro do possível” os miúdos tenham aulas na sala de aula com professores e colegas.
Também percebo que existem variáveis que não são passíveis de acautelar, a evolução da situação pandémica, por exemplo. E também entendo que a dimensão de escolas e agrupamentos não é igual e as exigências em matéria de espaços e recursos para aulas em condições de segurança são diferenciadas. E ainda percebo que os riscos de bem-estar de docentes, técnicos e alunos deve ser acautelado. Mas também entendo que as políticas públicas, de educação neste caso, não podem acabar no “dentro do possível” em modo as escolas hão-de resolver.
Só não sei o que vou responder ao Simão, que escola ele terá em Setembro, se ainda terá a do ipad “com links” que ele odeia ou, mais, a da sala de aula com a Professora e Colegas que ele adora. Bom, temos tempo, é só lá para meados de Setembro. Vamos ver se é possível “dar um jeito”.

domingo, 12 de julho de 2020

DA DIVERSIDADE EM EDUCAÇÃO


O Público refere alguns dos dados do "Perfil Escolar das Comunidades Ciganas" construído pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e Direcção-Geral da Educação relativo a 2018/2019. Os dados, que consideram as respostas e 99% dos agrupamentos, sugerem uma evolução positiva comparando em termos relativos com dados de 2016/2017 com respostas de 70% dos agrupamentos.
Em termos sintéticos, o nível de aproveitamento escolar subiu de forma significativa em todos os níveis de ensino. No 1.º ciclo, de 61.6% para 85,6%, no 2.º ciclo, de 49.1% para 63.7%, no 3.º ciclo, de 49.4% para 73.7% e no secundário, de 64% para 75.4%.
Apesar a evolução positiva que se saúda as taxas de retenção ainda são elevadas e verificam-se assimetrias regionais significativas.
Um outro dado que merece atenção é a continuidade de estudos pois também se verifica uma presença mais prolongada das crianças ciganas no sistema de ensino embora com níveis de abandono ainda preocupantes. Em 2016/2017, 45.4% frequentavam o 1.º ciclo, 23.7% o 2.º ciclo, 13.9% o 3.º ciclo e 2% o secundário. Em 2018/2019, 44.3 % frequentavam o 1.º ciclo, 24,3% o 2.º, 18,6% o 3.º e 2,6% o secundário.
São indicadores positivos, mas também evidenciam o caminho que falta percorrer. Algumas notas.
A presença das crianças das comunidades ciganas nas escolas públicas nem sempre é algo de pacífico e tranquilo como seria desejável que acontecesse. Crianças em idade escolar a frequentar a escola é, deveria ser, obviamente, uma situação normal.
A questão é que os fenómenos de guetização presentes sobretudo no que toca à comunidade cigana e que são complexos, produzem com frequência situações de exclusão e abandono. É conhecido pelos estudos das ciências sociais que as comunidades ciganas constituem uma das minorias com representação mais negativa em muitos países da Europa.
A leitura das caixas de comentários de notícias que envolvam a comunidade cigana é um bom exemplo dessa representação social ainda que, evidentemente, não tenha valor estatístico.
Também sabemos que não chega a retórica, não chega a referência exaustiva aos direitos humanos em particular aos direitos das crianças e à educação inclusiva. Só com estratégias proactivas e reguladas de trabalho global nas comunidades e nas diferentes dimensões, urbanismo e habitação, emprego e apoios sociais, saúde e trabalho e, evidentemente, educação é possível promover mudança.
Como também sabemos, não basta ter as crianças na escola para que tudo corra bem. As experiências mostram que as escolas precisam de ter projectos educativos assentes na sua autonomia, dispositivos e recursos suficientes e competentes para respostas educativas diferenciadas que promovam a presença bem-sucedida destes miúdos, como, aliás, de todos os outros. Questões desta natureza não envolvem, naturalmente, apenas os alunos de etnia cigana, são críticas na acomodação com sucesso da característica mais óbvia de qualquer grupo de alunos, a diversidade.
Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e as famílias e comunidades o que implica recursos humanos qualificados e disponíveis. As iniciativas melhor sucedidas mobilizam frequentemente a intervenção de mediadores que contribuem de forma decisiva para a construção de pontes e comunicação entre culturas, valores, crenças, (prec)conceitos, ...
Caso contrário, temos o que por vezes designo por “entregação” (estão entregues) e não integração, com os problemas conhecidos daí decorrentes ao nível da aprendizagem, comportamento, absentismo e conflitualidade e reacções negativas de alguns pais e professores, ainda que com a concordância de outros.
Por outro lado, as próprias comunidades ciganas devem ser objecto de intervenção e exigências que não pode ficar na atribuição de uma casa num qualquer bairro social (mais um gueto) e na atribuição, por vezes desregulada, de apoios sociais.
Como sempre, pela educação é que vamos.

sábado, 11 de julho de 2020

OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA


Apesar do calor bravo que sente aqui no Alentejo no Público está uma peça que produzirá um calafrio na espinha, em quem a tem, claro.
O teor da notícia sugere que o Ministério Público tem mais que uma “inclinação” relativamente à responsabilidade de Ricardo Salgado na construção de uma rede criminosa no GES e BES dedicada a delitos de forma organizada e continuada. Vamos ver como acaba.
O sobressalto que nos causa esta notícia é mais de indignação que de surpresa, lamentavelmente.
Na verdade, a roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma família alargada que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimentam num tráfego intenso entre cargos, entidades e empresas públicas e entidades privadas, promovendo frequentemente negócios que nos insultam e, frequentemente, empobrecem.
Esta família alargada envolve gente de vários quadrantes sociais e políticos com uma característica comum, os negócios, alguns obscuros, de natureza multifacetada e de escala variável, desde o jeitinho para o emprego para o amigo até aos negócios de muitos milhões.
Acontece ainda e isto tem tido efeitos devastadores que muitos dos negócios que esta família vai realizando envolve com frequência dinheiros públicos e com pesados encargos para os contribuintes.
Esta família conta ainda com a cooperação de um sistema de justiça talhado à sua medida pelo que raramente se assiste a alguma consequência significativa decorrente dos negócios da família. Curiosamente mas sem surpresa, todos os membros desta família, destes grupos, quando questionados sobre os seus negócios ou envolvimento em algo, afirmam, invariavelmente que tudo é feito tudo dentro da lei, nada de incorrecto e, portanto, estão sempre de consciência tranquila.
Alguém poderia explicar a esta gente que, primeiro, não somos parvos e, segundo, o que quer dizer consciência.
No que diz respeito aos deputados, se existe em Portugal uma marca característica da nossa vida política é a baixa confiança que o cidadão comum tem na classe política quando comparada com outros grupos. Se atentarmos em sucessivos e recentes trabalhos percebe-se que a classe é regularmente das que merece menos confiança e credibilidade.
É verdade que a classe, em Portugal mais conhecida pelos “gajos”, bem se esforça para não perder esse privilégio, a mais absoluta falta de confiança dos seus concidadãos, estranhamente, os seus eleitores. De entre os “gajos”, o povo tem especial apreço pelas virtudes dos deputados, trabalhadores, intervenientes, uma vida de sacrifícios, horários arrasadores, artroses e problemas de coluna de tanto levantar e sentar para intervenções e de se dobrar face à orientação do líder e problemas nos dedos de tanto carregar nos botões e nas teclados, problemas das cordas vocais pelas frequentes intervenções que todos fazem, reformas miseráveis, insultos dos colegas de outras bancadas, etc., etc. Existem evidentemente em todas as bancadas alguns “gajos” que são percebidos como não sendo como os outros “gajos” mas … alguém vira sempre dizer, “os gajos” são todos iguais.
A questão inquietante, para além dos custos económicos e sociais, é que tudo isto ameaça seriamente a saúde da nossa democracia e fomenta a emergência de discursos populistas e de perigosas propostas de solução.
Assim vão os dias desta pantanosa pátria nossa amada.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

"EDUCAÇÃO INCLUSIVA É "NÃO DEIXAR NINGUÉM PARA TRÁS""


Gostei de ler e merece reflexão “Educação inclusiva é “não deixar ninguém para trás”” no Portal Educare. Algumas notas.
Ao fim de mais de quarenta anos nesta lida, a educação de crianças e jovens com necessidades especiais, (sim, com necessidades especiais) ou, de forma mais lata, a resposta educativa à dversidade, o cansaço cresce a par de algum desencanto. A idade também já não me permite optimismos ingénuos e aceitar que a realidade é o que me dizem que é e não o que nela vejo, oiço, leio. Acresce que a minha agenda não é de geometria variável, posso estar errado, mas assenta no que entendo ser o melhor para crianças, famílias, professores e técnicos.
E também já não chega saber que também acontecem coisas muito positivas nas escolas e comunidades. Tal facto, que saúdo, ilustra, aliás, a única dimensão em que o sistema é verdadeiramente inclusivo, acomoda de tudo, da excelência ao atropelo de direitos. Sempre em nome da inclusão.
Mas a verdade é que cada vez sinto mais dificuldade em falar sobre educação inclusiva.
É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e instrumentos legislativos e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, a inclusão até se constitui como um nicho de mercado promissor.
O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".
A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
Este é o caderno de encargos que nos convoca, deveria convocar, a todos, todos os anos, todos os dias.
Estas notas não se colam aos dias atípicos que vivemos, mas também envolvem os dias atípicos que vivemos.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

COPY, PASTE. A CULTURA DO "DESENRASCANÇO"


Um dos muitos efeitos e dificuldades acrescidas que a alteração do modelo de aulas presenciais para o trabalho online, não lhe estou a chamar ensino à distância, trouxe foi a questão da avaliação e da forma de regular a seriedade do processo de avaliação realizado online.
Considerando a minha experiência pessoal que creio ser próxima do que passa na generalidade das instituições procurámos da forma possível minimizar o risco de fraude. Certamente teermos conseguido travar alguns episódios, mas, provavelmente, algumas situações poderão ter acontecido.
O DN traz uma peça elucidativa sobre esta questão, muitos professores têm sido solicitados para a troco de pagamento significativo, apoiar alunos na realização de avaliações online. Nado que não antecipássemos e que tentamos evitar através de diferentes expedientes.
A questão da fraude, nas diferentes tipologias mas sobretudo a questão do plágio é
é um fenómeno em alta também no ensino superior, realidade que conheço melhor, mas não só, a título de exemplo já tive textos do blogue plagiados. Considerando o volume crescente de situações muitas instituições têm vindo a adoptar dispositivos de despiste e regulamentos que minimizem o risco de tais práticas.
É verdade que de há uns tempos para cá, felizmente, tem vindo a emergir e entrar na agenda a questão da utilização da informação disponível, designadamente na net, na produção fraudulenta ou nos limites da ética de trabalhos académicos e científicos da mais variada natureza como é o caso dos artigos científicos falsos.
A necessidade de proceder a avaliações em modo online veio promover uma alteração nas práticas de fraude mas a questão de fundo é a mesma. A percepção e representação que parte importante dos alunos tem sobre a sua “naturalidade”
O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra desenvolveu um estudo nacional, creio que divulgado em 2018 sobre a questão da fraude académica cujos dados apontavam no sentido de que de que 37.6 % dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. A estes dados, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho também de há algum tempo referindo que as situações de algum tipo de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Este reconhecido aumento das situações de plágio ou de tentativa de fraude que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, situação hoje bem retratada, elucida o que costumo designar por relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos mais novos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitiam copiar, 90 % afirmavam fazê-lo desde sempre.
O conhecimento será entendido como algo que se deve mostrar para justificar uma nota ou estatuto, não para efectivamente integrar e, ou, acrescentar uma mais-valia científica, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo, muitíssimo competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
É importante termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso. São conhecidos recentes casos em diferentes países da Europa. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de que todos tenhamos uma relação sólida do ponto de vista ético com o conhecimento, a sua produção e divulgação.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o actual contexto ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço, o plágio ou a fraude científica, por vezes, não passam de "peanuts". É a cultura do desenrascanço, não importa como.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

DA RETENÇÃO ESCOLAR


A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou os dados relativos ao desempenho escolar de 2018/2019. Os níveis de retenção continuam a baixar face a anos anteriores em todos os ciclos e anos de escolaridade. No entanto, alguns anos ainda apresentam taxas de retenção elevadas. O 12.º ano é ainda o ano com mais alta taxa de reprovação, 22.6% (cerca de 15 000 alunos) ainda assim bem longe de 52.5% de 2001.
Para além do 12.º, o 2.º e o 7.º continuam a ter as taxas de reprovação mais altas. De registar que no 2.º ano a retenção atinge ainda 4.9%.
Apesar de estar a enfatizar o copo meio cheio importa ainda sublinhar que a tradição se mantém, a forte associação entre os resultados escolares e o estatuto socioeconómico dos alunos. A taxa de conclusão do secundário em três anos nos alunos sem apoios da Acção Social Escolar é 60% em 2017/2018 face a 45% nos alunos integrados no escalão A (o mais vulnerável) da Acção social escolar.
Existem também alguns dados relativos ao ensino secundário no que respeita aos cursos profissionais que merecem reflexão noutras notas.
Para além das habituais afirmações de paternidade relativamente à responsabilidade pela melhoria a única ilação possível é que o trabalho de alunos e professores foi melhor sucedido. Também é de aguardar os eventuais efeitos da forma como decorreu este ano lectivo nos resultados finais dos alunos.
É ainda de realçar que apesar de ter melhorado, o 2.º ano ainda apresenta uma taxa elevada. 4.9%, estamos a falar do “lançamento falhado” de trajectos escolares bem-sucedidos para cerca de 5 000 crianças.
Esta situação merece reflexão e intervenção mais particulares.
Os dados mostram, pois, que o caminho está a ser feito, mas que muito ainda está por fazer. Assim, as políticas educativas caminhem no sentido desejado, apoios atempados e competentes a dificuldades de alunos e docentes, recursos adequados, diferenciação de práticas e formas de organização e funcionamento sustentadas na autonomia de escolas e dos professores, desburocratização, etc.
A questão da retenção escolar e dos seus eventuais efeitos desencadeia sempre alguma disparidade nas análises e discursos que com frequência contêm alguns equívocos. Retomo algumas notas já aqui referidas.
No Relatório “Estado da Educação, 2017” do CNE constavam estes dados analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do Projecto aQeduto incluindo a dimensão económica na questão da retenção escolar cujo impacto era estimado em cerca de 6000 € por aluno em cada ano.
Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.


Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.
Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE também em 2017 se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam …, mas não melhoram. 
De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás, gera mais insucesso conforme de há muito os trabalhos sobre o insucesso escolar mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção, só por si, promove o sucesso escolar.
É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a estruturação oportuna e competente de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
Como nota final a ideia de que é também neste quadro que entendo dever ser considerado o Plano de não Retenção no Ensino Básico anunciado pelo ME, liberto do tsunami de inovações que, por vezes, de novo têm nada, liberto do mantra da flexibilidade que nem sempre chega à sala de aula, liberto dos riscos de uma "municipalização" que fragiliza a autonomia de escolas e agrupamentos, liberto da burocracia platafórmica ou grelhadora que produz desânimo e ineficiência.

terça-feira, 7 de julho de 2020

DEFICIÊNCIA, OS RISCOS ACRESCIDOS DE EXCLUSÃO


Um trabalho desenvolvido por o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos evidencia as dificuldades acrescidas vivenciadas pelas pessoas com deficiência e as suas famílias na educação escolar incluindo o superior e no acesso a diferentes serviços de apoio durante este período de incidência da covid-19.
Foram inquiridas 725 pessoas, 46.2% familiares ou cuidadores e 53.8% pessoas com deficiência. De 217 estudantes ou pais de estudantes 77.9% avaliou de forma negativa as modalidades de ensino à distância disponibilizadas. No ensino superior também a avaliação é negativa, mas menos acentuada, 69.3% de 75 inquiridos. Sublinharam-se dificuldades específicas como as associadas a deficiência visual face aos dispositivos utilizados.
Registaram-se também queixas relativamente à acessibilidade a apoios que incluem terapias, actividades ou assistência pessoal. As pessoas inquiridas que necessitam de apoio de outra pessoa, 449, 33.2% referiu a suspensão de apoios ou redução de horas.
Como há semanas aqui escrevi também sobre esta questão, é reconhecido que em situações de dificuldades ou constrangimentos os grupos sociais minoritários com condições mais vulneráveis sofrem um impacto significativamente maior dessas circunstâncias adversas.
Na altura referia a necessidade de estarmos atentos e procurar minimizar o risco de que as respostas estruturadas no âmbito do “ensino à distância” com o apoio do #EstudoEmCasa não deixassem os alunos com necessidades especiais mais distantes da educação escolar e em circunstâncias muito pesadas para as famílias.
Na segunda quinzena de Março, para além das escolas, encerraram outras estruturas de apoio como centros de actividades ocupacionais, os centros de atendimento, acompanhamento e reabilitação social ou outros serviço de apoio a crianças, jovens e adultos com deficiência, Também acontece que as equipas de Sistema Nacional de Intervenção Precoce não se deslocam às escolas, instituições ou residência dos alunos. Mantêm-se em funcionamento lares, residências autónomas e a prestação de algum serviço domiciliário.
Algumas instituições tentaram encontrar formas de minimizar a situação, mas, como é evidente, é uma tarefa de enorme dificuldade e exigência. As famílias sentem inúmeros receios e lidam com enormes constrangimentos
Também na imprensa foram divulgadas situações de enorme dificuldade por parte de famílias com crianças, jovens ou adultos com deficiência, quer no acesso à educação que ficou mais distante, quer no acesso a apoios de natureza diferenciada que o trabalho agora divulgado sublinha.
Aliás, também não há muito tempo, o representante português no Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência alertava para que no contexto que atravessamos os riscos de pobreza e exclusão são bem mais elevados e exigem atenção e políticas públicas adequadas.
Apesar do registo positivo, sabemos e não podemos esquecer o quanto está por fazer e as dificuldades decorrentes da corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência ameaçando os seus direitos e bem-estar bem como das suas famílias. São por demais evidentes as dificuldades em áreas como, educação, saúde, trabalho e emprego, segurança social, acessibilidades, autonomia, independência ou autodeterminação.
A verdade é que a voz das minorias é sempre muito baixa, ouve-se mal, existem variadíssimas áreas em que são significativas as dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente saúde, acessibilidades, educação, apoio social, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Importa também sublinhar que os direitos fundamentais não podem ser de geometria variável em função de contextos ou hipotecados às oscilações de conjuntura ainda que tenhamos consciência da excepcionalidade destes tempos.
Parece necessário reafirmar mais uma vez que os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com os grupos mais vulneráveis e com as suas problemáticas. Este entendimento é tanto mais importante quanto mais difíceis são os contextos que se vivem.