sexta-feira, 31 de julho de 2020

BY THE BOOK


Li no Público que o ME está a preparar “documentos de apoio” para orientar as escolas no trabalho a realizar nas primeiras cinco semanas de aulas destinado a recuperar e consolidar as aprendizagens comprometidas pela forma como decorreu o final do ano lectivo.
Ao que parece e solicitado pelo jornal o ME afirma que nesses documentos de apoio se definem “os princípios para identificação de aprendizagens que, quando não adquiridas, são impeditivas de progressão, e com exemplos de actividades”.
Leio isto com alguma perplexidade mas sem estranheza. Como ainda não muito escrevi já me cansa sentir estar a fazer com regularidade apreciações críticas, Seria mais tranquilo aplaudir e apoiar as medidas e iniciativas neste meu, nosso mundo, a educação.
Como muitas vezes também tenho dito não me quero sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica. Também já não tenho a idade do miúdo que diz “o Rei vai nu”, mas também não sou tão velho como o do Restelo.
Também reconheço que os tempos são duros e os constrangimentos gigantescos para pessoas e entidades limitando a sua capacidade de resposta. Desde logo importa reconhecer isto.
No entanto e mais uma vez umas notas de inquietação.
Em primeiro lugar e como já escrevi tenho dúvidas sobre a definição de cinco semanas para “recuperar e consolidar aprendizagens”. Parece-me razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação. Em cinco semanas? De acordo com o definido pelo ME com indicação de actividades e tudo? Os professores conhecem os programas sabem definir o encadeamento e precedência das aprendizagens. O que está para além da decisão dos docentes é a existência de recursos adequados, suficientes, competentes e disponíveis em tempo oportuno. Este é o trabalho do ME.
O nosso ensino já é, do meu ponto de vista, marcado por uma excessiva “manualização” ainda que a caminho da desmaterialização dos manuais e saiba que muitos docentes recorrem ao manual como orientação e não como "cartilha". Não me parece que precisemos de mais um manual, “o manual da recuperação e consolidação de aprendizagens”.
Parece não haver dúvidas de que a característica mais evidente de qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Esta é a questão central, com grupos diversos e escolas diversas a resposta deverá ser diferenciada sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos comprometendo a qualidade, o sucesso educativo e uma visão de educação para todos. Há décadas que falamos de diferenciação pedagógica como resposta às diferenças entre os alunos e assenta na autonomia de escolas e professores.
Estranhamente, o DL 54 veio estabelecer diferenciação pedagógica como uma das medidas universais de apoio à aprendizagem, a par, por exemplo, das acomodações curriculares o que, do meu ponto de vista, assenta num equívoco. Entendo que as acomodações curriculares integram o trabalho pedagógico diferenciado e não estão a par num elenco de medidas, ainda que universais.
Neste contexto também é curioso que as orientações produzidas pelo ME para operacionalização do DL 54 surgissem num “Por uma Educação Inclusiva - Manual de Apoio à Prática”, outra vez um manual.
Não estranho, portanto, que agora possa surgir um “Manual de Apoio à recuperação e consolidação de aprendizagens perdidas”.
Não é este o caminho em políticas públicas de educação.

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