sábado, 29 de fevereiro de 2020

OS VERDES CAMPOS DO ALENTEJO


Estão bonitos os campos do Alentejo. Estão verdes os bonitos campos do Alentejo. É verdade que a verdura à vista mascara a secura da terra lá mais fundo, lá onde se garante a água nas nascentes e nos lençóis que são o sustento da Terra.
A manhã começou com uma chuva miúda que refresca a terra e se agradece. No entanto, faziam falta uns dias de chuva bem chuvida como por cá se fala.
E depois seguir-se-ão os dias criadores que trarão todas as outras cores que não o verde aos campos do Alentejo.
Mas estão bonitos, estão sempre bonitos
E são também assim os dias do Alentejo.




sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

DOS MANUAIS DE INSTRUÇÕES PARA EDUCAÇÃO FAMILIAR


No DN tropecei com uma peça dedicada a um livro “Como Não Estragar (completamente) os Filhos – Manual para pais que não acreditam em manuais para pais”, escrito por James Breakwell que é apresentado como “escritor de comédia, pai de comédia, pai de quatro filhas e especialista em parentalidade amadora” sendo um divertidíssimo “influencer” parental. Certamente por ignorância, não entendo o que será um “especialista em parentalidade amadora” e, lamento, também não percebo bem o que será um “influencer” parental que me parece mais um produto dos “tempos líquidos” de que fala Bauman.
Breakwell escreveu um livro anti-manual que pode servir de manual para que os pais “não estraguem (completamente) os filhos. Li o excerto publicado e encontrei um texto bem escrito, com algum humor e muito “engraçadismo” um tipo de discurso e comportamento muito frequente na comunicação social. Felizmente, de manual não tem muito e ainda bem, parece ser a intenção do autor.
No entanto, a verdade é que o universo da educação familiar nos tempos actuais envolve os pais e as mães num conjunto de desafios associados à pressão que sentem, vinda de dentro ou de fora, para que sejam mães (pais) perfeitas de filhos perfeitos.
Nesta “luta” torna-se frequente o cansaço, a reactividade que alimentam culpa e a tentativa de procura ajuda no que está `”mais à mão, net e redes sociais com milhentas páginas, grupos e fóruns onde se encontra a “solução” para todas as inquietações de todas as naturezas.
Também na lida profissional me cruzo frequentemente com estas mais e pais em sobressalto. Algumas notas repescadas.
Muitas das dificuldades percebidas pelos pais, de que não duvido e causam grandes inquietações, associam-se a algo que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levando a que alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos tenham a tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso, ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o ofício de pais e agora chega o manual em versão anti-manual. São consideradas questões como lidar com birras, com os problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana, como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me dúvidas e tem motivado algumas recusas.
Finalmente e como não podia deixar de ser, o mundo sem fim da net e das redes sociais tem um papel enorme nesta busca da solução para os pais perfeitos.
Este frenesim assenta, creio, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias sentem com os filhos em diferentes idades.
Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, alguns são interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira", menos asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que de ajuda.
Parece-me importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais” como também não precisamos de “superfilhos”.
Precisamos de pais confiantes, seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de instruções” e “times they are a-changing’”, também nas famílias.
Precisamos de crianças que cresçam rodeados pela combinação certa de tempo, afecto, regras e limites que as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser excelentes a tudo nem cumprir uma agenda intoxicante de actividades fantásticas.
É pedir muito?

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

EDUCAÇÃO, PROFESSORES E CONFLITUALIDADE


O mundo da educação é um universo particularmente exposto à emergência de conflitos. Parte desta conflitualidade resulta das suas especificidades e desafios diários nas escolas e salas de aulas mas também das opções e mudanças em matéria de políticas públicas, da profissionalidade, da concertação das diferenças dos papéis de múltiplos actores, das agendas individuais ou institucionais, de variáveis de contexto, etc.
Por outro lado, também me parece que uma parte dessa conflitualidade é potencialmente uma ferramenta de desenvolvimento e mudança, emerge da reflexão, da troca, da discussão e desse ponto de vista poderá ter reflexos positivos ao promover mudança no sentido pensado e escolhido.
No entanto e em termos genéricos, o nível de crispação e conflito que nos últimos anos se tem vindo a instalar nas comunidades escolares merece uma séria reflexão. Algumas notas necessariamente breves.
Como não pode deixar de ser uma das áreas mais sensível ao conflito e crispação as relações entre alunos, encarregados de educação, professores, técnicos ou auxiliares. Frequentemente aqui tenho referido esta questão a propósito dos múltiplos episódios de agressões a professores e auxiliares.
Do meu ponto de vista a conflitualidade também radica em aspectos nem sempre considerados, a imagem social dos professores e a sua cultura profissional.
A imagem social dos professores tem vindo a sofrer uma erosão significativa, alguns estudos e a chamada "opinião pública" reflectem-no embora seja interessante registar que os professores continuam a constituir uma das classes profissionais que merece mais confiança expressa em estudos realizados regularmente. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com a abordagem neste espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, uma boa parte dos discursos dos líderes sindicais e os discursos ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo para que, em termos sociais, a imagem dos professores seja afectada. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minimizam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Numa outra linha de abordagem e gostando de estar creio que este clima de crispação e conflitualidade também está associado ao facto de que a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por algum individualismo, expresso em termos "individuais" ou de pequenos grupos mas, de qualquer forma minimizando a coesão. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Acresce ainda a conflitualidade emergente entre os próprios professores resultantes, por exemplo, de políticas públicas inadequadas em termos de questões profissionais (mecanismos de progressão e estatuto salarial, grupos disciplinares, funções desempenhadas na escola/agrupamento, etc) ou agendas decorrentes da partidocracia. São múltiplos os discursos tensos, para ser simpático, entre os fiéis devotos da "revolução" em curso, das poções mágicas, da "inovação" e os que levantam dúvidas ou questionam opções. Dir-me-ão que tudo isto é próprio de sociedades abertas e, como se costuma a afirmar, é "a democracia a funcionar". Será mesmo?
Talvez tudo isto também esteja associado ao clima de desencanto e cansaço que alimenta orisco de "burnout" que ameaça uma classe envelhecida que troca entre si a pergunta "quanto tempo é que te falta?"
As redes sociais e o ambiente em muitas escolas mostram esta crispação que é frequente e, por vezes, intensa. Embora se perceba este cenário também fragiliza os profesores enquanto classe profissional.cia e intensidade. 
Finalizando, independentemente de outras medidas certamente necessárias, urge caminhar no sentido de reconstruir os discursos sociais sobre os professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de cooperação e de apoio aos professores para que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.
Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escola pais, professores e alunos.
Creio que é urgente, é para hoje.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A LER "DEFICIÊNCIA: NÃO HÁ CÁ COITADINHOS"


O texto, diria o manifesto, de Carmen Garcia no Público, “Deficiência: Não há cá coitadinhos” é uma impressiva e inspiradora reflexão sobre a experiência de vida de pais com filhos com algum tipo de deficiência. A ler.
(…)
(…)
Permitam-me que insista em ideias e notas que muitas vezes já aqui deixei.
A verdade, mais uma vez e sempre, é que sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que as pessoas, mais novas ou mais velhas, com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente, seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos ou esperamos, mesmo tão longe como qualquer outra pessoa. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível e níveis de realização significativos.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas, empregadores e toda a restante comunidade.
No entanto, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com e por estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua (nossa) própria representação sobre este grupo de pessoas, isto é, não acreditam(os) que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem e formação, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
Mais uma vez. A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade) e Aprender (como qualquer pessoa para potenciar as suas capacidades adquirindo competências e saberes). Estas dimensões devem ser operacionalizadas assentes em modelos de diferenciação justamente para que acomodem e respondam à diversidade das pessoas.
É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir. Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens, mas também por cá como a que serve de base a este texto, mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

CHEGARAM AS FLORES DAS ESTEVAS


Esta semana, um pouco mais cedo do que o habitual, mas o clima está em mudança, aqui no monte abriram as primeiras flores de esteva deste ano.
A filigrana da forma e as cores tornaram o monte mais bonito. E há o cheiro inconfundível. A estevas, a campo.
São também assim os dias do Alentejo.



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

GOSTEI DE LER, "DEIXEM-NOS VIVER E MORRER COM DIGNIDADE"


O texto de Bárbara Wong de ontem no Público, “Deixem-nos viver e morrer com dignidade”, é um excelente contributo para a discussão em aberto sobre a questão da eutanásia.
“ (…)
(…)

De facto e como já aqui escrevi, não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.
Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.
É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação, autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

O CORSO


Parece que a metereologia preparou um clima amigável e o Corso vai realizar-se. Não pode haver Carnaval sem o Corso e acontece com chuva ou com frio que por cá o Carnaval não é tempo de calor embora muitos dos e das figurantes do Corso se apresentem corajosamente com "equipamento" de Verão.
O Corso tem andado em preparação de há muito e nos últimos dias parece ter atingido o auge da capacidade de animação das gentes que, com ou sem tolerância, não toleram não ver o Corso.
Os personagens e intervenientes no Corso são de uma variedade e riqueza que deixarão a concorrência internacional roída de inveja.
Podem encontrar malabaristas com números que fazem com que estes digam tudo o querem ouvir. Temos ilusionistas que mostram realidade e truques que nos fazem duvidar dos nossos olhos. Temos pantomineiros que contam histórias e lengalengas que nos fazem rir ou chorar conforme a natureza. Temos vendedores de banha da cobra que todos os problemas prometem resolver.
Temos gigantes que se acham omnipotentes e têm pés de barro e figuras pequeninas que usam andas para se tornar visíveis. Temos inquisidores justiceiros e virgens ofendidas na sua falsa virtude.
Também entram os mascarados com a autoridade que não têm e os fingidores de um saber que não possuem. Não faltam oráculos, adivinhadores do futuro e profetas da desgraça.
No meio do Corso não faltam bobos que ainda mais animação procuram promover. Enfim, ainda bem que o Sol vai aparecer para que o Corso prossiga.
Entretanto e com frequência o povo que assiste sente as mãos a doer.
Nem sempre é de aplaudir, às vezes é de inquietação.

Nota - Registo de interesses, não gosto do Carnaval.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

NUNCA MAIS ME SAI O EUROMILHÕES


Um trabalho desenvolvido por Pedro Morgado e Daniela Vilaverde da Escola de Medicina da Universidade do Minho e agora divulgado na The Lancet Psychiatry mostra como a relação de muitos apostadores portugueses com a vulgar “Raspadinha” tem vindo configurar um comportamento aditivo, indutor de sofrimento e mal-estar social e familiar. Dados de 2018 mostram os gastos nestas apostas foram de 1594 milhões de euros, 160€ por ano em média por apostador o que é superior ao que se verifica em muitos países, 14€ por em Espanha por exemplo. A imprensa está a dar alguma cobertura a esta questão o que levou mesmo a uma reacção da santa Casa em defesa do "jogo" sublinhando que é saudável.
A verdade é que para além do caso particular da Raspadinha tem aumentado de forma geral o investimento dos portugueses nos “jogos sociais” da Santa Casa e nas apostas online. Na verdade, o Totobola e depois o Euromilhões, o Totoloto, posteriormente a Raspadinha, fortemente apelativa pela possibilidade de retorno imediato e grande acessibilidade, e mais recentemente as apostas online estabeleceram-se firmemente na vida de muitos de nós e criaram mesmo uma imagem criadora de futuro que nos move, provavelmente e para muitas pessoas, a única imagem criadora de futuro.
Importa reconhecer que as imagens criadoras de futuro são imprescindíveis, tanto mais quando atravessamos tempos duros em que esperança também tem sido revista em baixa e ainda não recuperámos.
Creio que esta questão é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas.
Por outro lado e em termos culturais também encontramos algumas pista para entendimento. Julgo poder afirmar-se que em muitos lares portugueses e em muitas conversas e talvez mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o Euromilhões, para deixar de trabalhar”. Muito provavelmente, cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes que não será usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades.
Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.
Neste contexto sabem qual é a minha inquietação para além dos riscos associados a comportamentos aditivos? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral” e os discursos dos adultos, desatam a pedir, se puderem, um aumento de mesada que lhes permita apostar no Euromilhões para … deixar de ir à escola.
Já estivemos mais longe.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

DESCALÇA NA RELVA?, NÃO. TEM BICHOS, FICAS DOENTE


O Projecto "Limites Invisíveis" iniciado em 2016 em Coimbra desenvolvido pela ESE de Coimbra, pelo Centro de Apoio Social de Pais e Amigos da Escola pelo Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro envolve vários Jardins de Infância de Coimbra e estruturas de ensino superior leva as crianças a brincar no exterior, na mata do Choupal, qualquer que seja o tempo. As poças, as árvores ou os trilhos com lama, são equipamentos educativos.
A avaliação, referida no Público, refere que as crianças desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e  competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a auto-confiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico.
A experiência estendeu-se ao 1º ciclo, com a designação Salto à Mata no passado ano lectivo com a saída semanal e ao longo de todo o ano dos alunos das turmas envolvidas para actividades de exploração nos espaços verdes nas proximidades.
Trata-se de uma iniciativa que me parece de valorizar e promover e a ela me referi aqui em 2017. Está profundamente estabelecida a importância das actividades ao ar livre que deveriam ser uma rotina e não uma excepção na educação formal e não formal dos mais novos.
Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Como regra a área curricular Estudo do Meio, mas não só,  poderia ser também Estudo no Meio.
Tal como se refere na peça do Público as vantagens destas actividades são de diferente natureza e positivas pelo que não vale a pena repetir.
Deixo apenas umas notas a partir de uma cena a que assisti e que se enquadra neste texto.
Há algum tempo, num fim de tarde em que ainda conseguia realizar uma corridinha num espaço verde aqui da zona, o Parque da Paz, passei por um grupo familiar e a minha estonteante velocidade deu para perceber que uma gaiata pequenina vinha descalça ao colo do pai e pedia para que ele a pusesse no chão relvado. Ouvi o pai dizer que “não se pode andar descalço”, “para não ser teimosa porque se quis descalçar” e agora tinha que ir ao colo. Para convencer a criança, falava-lhe, cito dos "bichos que estão no chão”, da “quantidade doenças que apanharia de andar na relva descalça" e mais que entretanto já não ouvi. Reparei ainda que a criança vinha a comer qualquer coisa que ia retirando de um pacote.
É notável, aquele pai revelava uma enorme preocupação com os riscos gravíssimos de andar descalço num relvado bem tratado e, habitualmente, sem a visita dos cães e achava aparentemente, natural a criança comer qualquer coisa hipercalórica certamente muito perto da hora de jantar.
Esta atitude ilustra algo que entre nós está muito presente, um aparente discurso de preocupação que, embora se perceba, eu diria excessiva, com muitas das actividades que as crianças podem, eu diria devem, fazer e, ao mesmo tempo, somos frequentemente negligentes com aspectos verdadeiramente graves de que cito como exemplos o enorme número de acidentes domésticos com crianças ou a obesidade infantil que já é um problema sério de saúde pública.
Muitas vezes, estes pais que protegem tanto as crianças dos riscos de andar descalço, por exemplo, estão também entre os que descansam, no seu entendimento, quando as crianças estão "livres de riscos" no quarto, sós, trancadas num ecrã.
Deixem lá os putos andar descalços e rebolar na relva. E já agora juntem-se a eles. Faz bem a todos.
Finalmente, ainda uma chamada de atenção para duas peças muito interessantes sobre estas questões expressas por dois especialistas também há já algum tempo na comunicação social generalistas.
A primeira, uma entrevista ao pediatra Pedro Oom a propósito do seu novo livro, “Infectário”. A segunda, também uma entrevista ao investigador Brett Finlay, co-autor do livro “Deixe-os Comer Terra”. Em ambas as entrevistas se sublinha a importância de repensar a nossa acção educativa muito marcada pela inibição de experiências e actividades importantes a vários níveis para o desenvolvimento e bem-estar das crianças.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

EUTANÁSIA, O QUE PARECE SIMPLES NO QUE É COMPLEXO


A discussão sobre a problemática da morte assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que se enuncia a questão
Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições claramente reguladas e definidas legalmente.
Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão é entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde das mulheres.
Também da eventual despenalização da morte assistida creio que não virá o caos e o terror anunciados num argumentário que em muitos discursos individuais ou institucionais destila manipulação e hipocrisia e insulta a inteligência e a sensibilidade.
Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.
Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.
É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação, autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.
António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.
Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.
Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e ter no seu fim ou pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.
Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo outro caminho.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

AS VIAS DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR


Leio no Público que o ME estará a preparar para vigorar no próximo ano lectivo o quadro normativo que possibilite aos alunos de cursos profissionais o acesso ao ensino superior incluindo licenciaturas e mestrados integrados sem a realização de exames nacionais. A ideia parece ser a criação de um concurso especial contemplando as especificidades das formações. A alteração envolverá também os alunos de cursos artísticos ou de aprendizagem, (cursos a funcionar nas escolas profissionais e centros de emprego).
Como recorrentemente aqui escrevo sou dos que defende que a importância da promoção do acesso à formação no ensino superior, somos ainda dos países da OCDE com taxas mais baixas de qualificação no superior e não cumpriremos os objectivos estabelecidos para 2020.
Também não creio que a desejável chegada destes alunos em maior número ao ensino superior seja uma “ameaça” à sua qualidade, antes pelo contrário, coloca novas exigências de qualidade nos processos de formação. Trabalho no ensino superior e penso que a sua qualidade depende bem mais de outros factores que do perfil dos alunos que o frequentam.
Em linha com o que também tenho defendido e considerado, entendo que a questão central neste quadro é que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Para minimizar o risco de equívocos defendo a existência de exames nacionais no secundário que considero ferramentas essenciais da imprescindível avaliação externa, aliás, como também entendo que todas as outras modalidades que permitem a equivalência ao secundário deverão ser objecto de avaliação externa.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. O mesmo deverá acontecer nas diversas modalidades de equivalência ao secundário.
Entendo também que o acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela minimizando também os efeitos pouco positivos reconhecidos pela OCDE na relação estabelecida por alunos, escolas e famílias com os exames e os efeitos dessa relação e efeitos perversos como o das escolas, sobretudo privadas, que inflaccionam notas para facilitar o acesso.
Reafirmo que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas. A questão é que os resultados obtidos nesses exames deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Dito isto e partindo do pressuposto de que as instituições de ensino superior apenas estariam envolvidas no concurso a realizar para estes alunos, os não provenientes dos cursos científico-humanistícos, a ideia levanta-me dúvidas.
Existindo ofertas formativas abertas a todos os estudantes porquê estabelecer critérios e mecanismos “próprios” apenas para quem vem dos cursos profissionais e outras modalidades? Que escrutínio deste processo? Temo que, tal como aconteceu com o Programa Novas Oportunidades que partiu de uma boa ideia, possamos cair no equívoco de confundir “certificação” com “qualificação” com efeitos “estatísticos”, mas … de robustez qualitativa duvidosa.
Trabalho numa instituição de ensino superior privada dependente das propinas pagas pelos alunos o que me deixa mais à vontade para afirmar que esta reserva não tem a ver com qualquer espécie de elitismo relativo ao acesso ao ensino superior. Remete exclusivamente para a imperiosa necessidade de termos pessoas qualificadas e não de pessoas com um diploma debaixo do braço onde conste a certificação de uma habilitação e competência que causem alguma sombra de desconfiança com reflexos sérios na empregabilidade e na confiança social.
Os critérios e formas de acesso ao ensino superior devem ser pensados para todos os jovens que estejam em circunstâncias de poder concorrer e não para um grupo particular, os alunos de todas as modalidades menos os dos cursos científico-humanistícos cursos profissionais.
Esta medida, apesar do princípio me parecer ajustado desde que bem regulado e transparente, pode ser um enorme tiro no pé e na credibilidade imprescindível a estas processos.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

O OVO DA SERPENTE


O episódio de ontem em Guimarães envolvendo o jogador Marega, bem como as sucessivas referências a situações de violência associadas a racismo, intolerância e discriminação ou ainda a emergência de uma sinistra figura no Parlamento com o mesmo tipo de discurso mostram como o ovo da serpente foi incubando.
Com mais serenidade que a verificada nestes dias seria bom que percebêssemos como embalados e crentes no mito do país de brandos costumes e tolerante à diferença, de gente boa e hospitaleira, fomos acreditando ou querendo acreditar que “isso” são coisas de outras latitudes, deixámos que se criasse o ambiente que foi preparando a eclosão do ovo.
Agora qualquer “gatilho” fará espoletar comportamentos como os de ontem ou de outras situações recentes. Muitos dos discursos que que ocupam o espaço mediático e algumas iniciativas não passam de exercícios de retórica temperada com hiprocrisia e tentativas de apanhar apressadamente o comboio da História. Já deveriam ter acordado.
Lamentavelmente, acho que nos teremos de preparar para novas “venturas” no seu sentido de perigo e risco.
Onde é que falhámos? E o que estamos a fazer com os mais novos para que não seja este o caminho?

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

GORDINHOS E PARADINHOS. NÃO, A GORDURA NÃO É FORMOSURA


O universo do bem-estar de crianças e adolescentes tem naturalmente múltiplas dimensões. Na imprensa de hoje encontrei uma referência a um estudo realizado pela Universidade de Coimbra com dados que me pareceram curiosos e interessantes. O trabalho envolveu 793 pais e filhos, com idades entre os seis e os dez anos e 30.6% dos pais subestimam o peso dos filhos. Tal “enviesamento” na apreciação do peso das crianças pode associar-se à promoção ou manutenção hábitos alimentares e estilos de vida, um pouco no sentido da velha e perigosa máxima, “gordura é formosura”.
É verdade que os tempos são de excesso, mas o excesso de peso é um problema preocupante nos mais novos.
Dados divulgados em 2019 do projecto em curso realizado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto sugerem que a obesidade infantil continua a aumentar.
Com base na avaliação a mais de oito mil crianças da Área Metropolitana do Porto aos 4, 7 e 10 anos, verifica-se que aos 4 anos, 22% das crianças evidenciam excesso de peso e aos 10 anos é de 26%. Aos 4 anos 10% têm obesidade, aos 7 anos já serão 15% e aos 10 atingem 17%. Dada a natureza do problema, estas crianças serão muito provavelmente adolescentes e adultos com obesidade.
Estes dados estão em linha com estudos anteriores.
Em 2017, dados do Childwood Obesity Surveillance Initiative, que avalia a situação relativa à nutrição infantil, realizado em Portugal pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, mostravam que 42,4% das crianças entre os 6 e os 8 anos ultrapassam o peso recomendado, 30,7% têm excesso de peso e 11,7% são obesas.
No mesmo sentido, temos os dados de um trabalho da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil realizado durante o ano lectivo de 2016/2017 envolvendo 17698 crianças, entre os 2 e os 10 anos, de escolas do continente, Madeira e Açores e realizado no âmbito de um projecto “Heróis da Fruta – Lanche Escolar Saudável, mostrou que 28.5% (mais de uma em cada quatro) têm excesso de peso, 12.7% são obesas. O estudo também mostrou que em algumas semanas de envolvimento no Projecto as alterações positivas foram positivas.
De facto e desde há algum tempo, o excesso de peso e obesidade infantil são já um problema de saúde pública.
Recordo o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” da OCDE, segundo o qual em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos.
A Direcção-Geral de Saúde e o ME têm vindo a determinar que nas escolas alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Um estudo divulgado de 2015 da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colesterol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras como já se verifica com o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
Ainda no que respeita à actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais”, mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão uma escolha individual para a esmagadora maioria dos miúdos e graúdos nessa situação, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.
Eu sei que à escola não compete e não pode fazer tudo. Não pode nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Sei, sabemos, no entanto, que pela educação é que vamos lá. É claro pais?


domingo, 16 de fevereiro de 2020

NOTÍCIAS DA REVISÃO DA PORTARIA QUE REGULA O NÚMERO DE AUXILIARES DE EDUCAÇÃO


Ao que leio no Observador, a revisão da portaria que estabelece o número de auxiliares de educação por escola contemplará como critério de reforço o número de alunos com necessidades especiais que frequentem a escola. No entanto, o ME ainda não esclareceu o peso a atribuir a esta dimensão.
No plano das intenções parece-me um passo positivo, veremos como e se será concretizado. Como escrevi há poucos dias quando foi divulgada a revisão da Portaria até Junho, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento.
No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa.
Neste quadro, vejamos se as intenções expressas não serão cativadas por outros critérios que não a qualidade da educação pública.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

DA DIRECÇÃO DE ESCOLAS E AGRUPAMENTOS

O PS e o PSD mostram-se disponíveis para ajustamentos, “melhorias”, no quadro legislativo da direcção e administração das escolas e agrupamentos desde que não se altere o modelo unipessoal de governação  regressando ao anterior modelo colegial. Seria surpreendente que admitissem a alteração.
Esta posição é expressa face a projectos de lei do BE e do PCP que surgem na sequência de uma petição da Fenprof que recolheu o número de assinaturas que obriga à sua discussão.
Entretanto, aguarda-se a avaliação do Governo ao modelo unipessoal em vigor, ao seu ajustamento ao quadro de municipalização e a algumas mudanças em termos de autonomia e flexibilidade curricular. Creio que não será difícil antecipar a substância dos resultados, algumas alterações em aspectos menos relevantes em nome da inovação e a manutenção da substância do modelo e da visão de municipalização.
O actual modelo de direcção unipessoal das escolas e agrupamentos e forma como é desempenhado volta com regularidade à agenda incluindo o questionar do próprio modelo face a uma direcção colegial. Têm existido estudos de opinião e tomadas de posição individuais ou manifestos que alimentam a discussão ou mesmo a necessidade de alterar o modelo de direcção.
Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do ambiente de fortíssima tensão que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais um exemplo deste cenário.
Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas, mas procura acompanhar de forma atenta o universo da educação, retomo algumas notas.
Conforme tenho dito, sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema.
São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos Conselhos Gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.
Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência de dispositivos de regulação ao longo de décadas, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.
Por outro lado, importa recordar que em muitas circunstâncias também a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.
Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários.
Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser claramente independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal.
Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da anunciada municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia de escolas e agrupamentos.
É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.
Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, ambientes escolares mais amigáveis em termos de educação inclusiva, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos. Como exemplo, em 2019 um estudo realizado pela Universidade do Porto da Universidade do Porto sugeria que o estilo de liderança dos directores das escolas tem um impacto importante na motivação dos professores pois existe uma “correlação significativa entre a forma como são geridos os estabelecimentos de ensino e a relação que os docentes têm com a sua profissão.  
Camões já afirmava que um fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.
Alguns episódios na contratação de docentes, de funcionários ou nos processos que envolvem técnicos e docentes em funções nas AEC, são exemplos em ter em conta pela forma negativa como foram geridos por algumas direcções de escolas de escolas e agrupamentos.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

DIA DE S. VALENTIM. A REVELAÇÃO


A propósito do Dia de S. Valentim, uma das mais antigas e significativas datas da tradição cultural portuguesa, uma pequena história.
Iria ser hoje certamente. Depois do que ultimamente tem acontecido entre eles não passaria de hoje a revelação. A sugestão para um encontro naquele bar a que sempre iam quando queriam o tempo só para eles deixava antecipar que naquela noite se começaria a desenhar o seu futuro, melhor, o futuro deles.
Tinham descoberto tanto encontro e tão pouco desencontro em tão pouco tempo. Ela nunca imaginara que pudesse existir alguém de que se sentisse tão próxima e que essa proximidade sempre assim parecia sido e sempre assim parecia ir ser.
Sempre tinha merecido atenção de muitas pessoas e passara por muitas circunstâncias em que pensava ter encontrado quem procurava. Por uma razão ou por outra as coisas acabavam por tomar um rumo diferente, o caminho continuava.
Desta vez sentia que era a sério, mesmo a sério, quando olhava para os olhos dele lia, achava ela, o mesmo. Tinha nascido o encontro na vida deles.
Foi, pois, sem surpresa, mas como alguma ansiedade que percebeu o pequeno embrulho que ele trazia e que, com certeza, faria parte da revelação.
A conversa daquela noite foi ainda mais bonita e mais envolvente do que sempre era, e, é justo dizer-se, a relação que estavam a construir era muito envolvente. A certa altura, meio embaraçado e com um olhar de bem querer ele estende-lhe o embrulhinho, uma prenda muito bem composta, com papel bonito e laço elegante.
Com a curiosidade dos miúdos pequenos abriu-a com algum nervosismo e ficou nas mãos com um telemóvel de última geração igualzinho ao dele.
Segurando-lhe na mão como se vê nos filmes, ele disse da forma mais apaixonada que ela já alguma vez ouvira, "Está desbloqueado, vamos poder estar sempre juntos".

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

EDUCAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO


A leitura de um texto de hoje no Público, “O livro, o digital e a diferenciação pedagógica”, levou-me a retomar umas notas sobre a agora tão referenciada questão da diferenciação pedagógica.
A temática não é nova, longe disso, mas ganhou visibilidade por ter sido definida no DL 54 como uma das medidas universais de apoio à aprendizagem, a par, por exemplo, das acomodações curriculares o que, do meu ponto de vista, assenta num equívoco. Entendo que as acomodações curriculares integram o trabalho pedagógico diferenciado e não estão a par num elenco de medidas, ainda que universais.
Também me parece que a forma como algumas vezes é abordada corre o risco de perder significado e os discurso entrarem em modo “cada cabeça, sua sentença”, ou seja, “cá para mim, diferenciação é…”.
Não tenho a pretensão do discurso definitivo, do manual que não creio que exista, apenas e mais uma vez, deixo um contributo para a reflexão sobre estas matérias.
Como todos reconhecemos, a característica mais evidente de qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Esta é a questão central, com grupos diversos e escolas diversas a resposta deverá ser diferenciada sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos comprometendo a qualidade, o suceeso educativo e uma visão de educação para todos.
Todo o sistema educativo e as políticas educativas devem servir de suporte a esta visão e às suas múltiplas implicações.
Indo um pouco mais longe nas práticas pedagógicas e como nestas se traduz um princípio de diferenciação umas notas breves sublinhando que alterar alguns aspectos não tem a ver com “inovação” ou com “novos paradigmas”, terminologia cuja utilização demasiado frequente me irrita um bocado. A questão central pode ser alterar e não inovar, são de há muito conhecidas boas práticas que diariamente são mobilizadas em muitas escolas quase sempre com pouca divulgação, até mesmo interna.
Uma primeira nota sobre o equívoco habitual de que diferenciação é sinónimo de trabalho individual. Considerando as dificuldades (e o desajustamento) de fazer assentar o trabalho educativo no trabalho individual, encontra-se assim um suposto “impedimento” à diferenciação. De facto, diferenciar não é igual a trabalho individualizado, pelo contrário, implica muito fortemente a aprendizagem cooperada e a cooperação entre professores. Aliás, verificando-se desejavelmente a aprendizagem individual por parte de cada aluno a sua construção é social pelo que mesmo que fosse possível o recorrer exclusivamente ao trabalho individual, (o que nem com turmas mais pequenas aconteceria) não seria a melhor forma de trabalhar.
Assim, só o desenvolvimento de formas diferenciadas de organizar os processos educativos, de gerir a sala de aula, de avaliar, de gerir a estrutura curricular ela própria com uma concepção e conteúdos que sejam amigáveis desta diferenciação, de comunicar, de cooperar com pais e encarregados de educação, etc., poderá permitir responder tão bem quanto possível à diversidade dos alunos e contextos.
Nesta perspectiva, a organização e funcionamento de uma sala de aula da forma mais ajustada a recursos e necessidades contemplar alguma foram de diferenciação em dimensões como: Planeamento educativo/gestão curricular (aqui entra a “flexibilidade curricular” mas com conteúdos e organização dos currículos adequados); Organização do trabalho dos alunos – as múltiplas formas de organizar o trabalho dos alunos relativamente às situações de aprendizagem; Clima de aprendizagem – a qualidade e nível de interacção e relacionamento social entre alunos e entre professor e alunos; Avaliação – os processos relativos à avaliação e regulação do processo de ensino e aprendizagem; Actividades / Tarefas de aprendizagem – a escolha das diferentes tarefas ou situações de aprendizagem a propor aos alunos e Materiais e Recursos – a definição, utilização e gestão dos materiais e recursos que funcionarão como suporte ao processo de ensino/aprendizagem.
Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação e expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ÉS O QUE TENS. Mesmo que seja a crédito


De acordo com dados do Banco de Portugal em 2019 voltou a subir o crédito ao consumo que ultrapassou o valor máximo registado em 2008 antes da recente crise.
Por outro lado, a DECO alerta para a necessidade de conter os níveis de crédito ao consumo, em 2019 recebeu 2787 pedidos de ajuda de famílias que não conseguiam pagar as contas e créditos no fim do mês.
Estas situações devastadoras para milhares de agregados familiares, decorrem também de constrangimentos como desemprego, precariedade ou baixos salários e constituem, um dos sinais dos tempos, quer no que respeita a valores, quer no que respeita a dificuldades económicas.
Segundo dados já divulgados em anos anteriores, famílias em dificuldade que recorrem à DECO evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir cerca de 8 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre, como muitas vezes ouvimos, de questões económicas, embora na maioria das vezes sejam o gatilho que a despoleta. Radica, do meu ponto de vista, nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora se verifique ainda o recurso ao crédito até para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento.
Esta mudança substantiva só pode acontecer através da educação. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

CRIANÇAS E ADOLESCENTES ONLINE

No calendário das consciências assinala-se hoje o dia o Dia da Internet Mais segura. Como é habitual na imprensa surgem algumas referências e de correm iniciativas diversificadas.
Embora tenhamos referência positivas, os dados de um Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação envolvendo 11 países sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável, a maioria é direccionada para riscos e impactos negativos.
No âmbito do Projecto Kids Online que envolve 30 países e analisa a utilização da net e das redes sociais por crianças e adolescentes os dados de 2018, cerca de 2000 alunos entre os 9 e os 17 anos mostraram comparativamente a 2014 se verifica uma subida da frequência das situações de risco a que parece também estar a associada a maior operacionalidade e o tempo de contacto permitido pela migração da utilização dos pc para os mais “operacionais” smartphones”.
Para além dos dados do EU Kids Online recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECDreview” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.
Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying são inquietantes.
Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. São mais eficientes a promoção da utilização autoregulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.
Em casa, têm durante muitas horas um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de uma televisão.
De há muitos anos que se sabe que não se cresce só, cresce-se na relação com pares e adultos. É por isso que, embora entenda a expressão, ouvir chamar a este tempo, o tempo da comunicação, me faz sorrir, acho mais apropriado considerá-lo o tempo do estar só ou a assistir à solidão dos outros. Recordo a afirmação de um miúdo de 11 anos colocada num desenho, "a minha consola é que me consola".
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” funcionam como “babysitters”.
Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.
A referência final para um indicador que foi considerado pela primeira vez no estudo Kids Online que me parece positivo e encorajador, crianças e adolescentes percebem que a sua “entrada” neste universo pode não ser por sua iniciativa. Foram inquiridos sobre “sharenting”, partilha realizada pelos pais de conteúdos que envolvem os filhos, e revelam algum desconforto, 28% afirmam que os pais publicaram conteúdos (textos, vídeos ou imagens” sobre eles sem lhes perguntarem se estavam de acordo, 13% sentiram-se incomodados com essas partilhas e 14% solicitaram aos pais que retirassem esses conteúdos.
Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.
  

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

EDUCAÇÃO, ESCOLAS E PSICÓLOGOS


Com chamada a primeira página o DN apresenta uma peça em que se aborda a insuficiência do número de profissionais de psicologia nas escolas portuguesas. A situação de carência também já tinha sido referida pelo DN em Janeiro.
De acordo com o Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, o cenário ficará ainda mais complicado pois no âmbito  
do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública alguns profissionais poderão obter lugares de quadro em escolas a que concorrem sem que esteja assegurada a sua substituição na escola em que desempenham funções.
Uma nota prévia. O que escrevi Janeiro a propósito do trabalho do DN e que agora retomo assenta na minha longa ligação profissional ao universo da psicologia da educação e não gostava que fosse visto numa perspectiva corporativa.
É verdade que nos últimos anos tem emergido uma mais nítida afirmação da importância da colaboração dos psicólogos nas comunidades educativas e do enquadramento por parte do ME da sua intervenção.
No entanto, o grande problema é que para além da definição de orientações e da afirmação da importância do seu contributo é necessário que … existam psicólogos que efectivamente integrem as equipas de escolas e agrupamentos. Como é óbvio existem, mas o seu efectivo ainda está longe de corresponder às necessidades.
Para os profissionais parece claro que a partir das orientações estabelecidas em diferentes documentos orientadores, do estado da arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos importa considerar a colaboração com professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação.
No entanto, desde 1991, a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.
Recordo que no V Seminário de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar em 2017 o Secretário de Estado da Educação, João Costa, reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas" sublinhando o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos alunos.
É de facto recorrente a afirmação por parte do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativas. Não é um discurso novo, é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses que presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que boa parte destes técnicos é contratada anualmente e, frequentemente, com atrasos no início de cada ano com consequências negativas. Acontece ainda uma enorme precariedade que a partir deste ano se procurou minimizar e a ausência de uma carreira aberta, estruturada e valorizada.
Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Existem situações, no encontro estavam vários colegas, em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários como também, evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao universo de destinatários.
Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.
Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.
Este último entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselham e o discurso que o ME subscreve. Aliás, Cor Meijer, director da Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os psicólogos escolares são essenciais para a educação inclusiva". As condições de participação de muitos psicólogos no contexto resultante da entrada em vigor do DL 54/2018, sobretudo, mas também do 55/2018 é elucidativa.
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
Estando já perto do final da carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.
Ideal mesmo seria não ser necessário voltar a estas notas.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

GRUPOS TRANSITÓRIOS DE HETEROGENEIDADE MITIGADA

Como é conhecido está em desenvolvimento o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar iniciado em 2016 no âmbito do qual 663 agrupamentos definiram planos de redução do insucesso.
Foi agora divulgado o relatório “Acção Estratégica das 50 escolas que mais diminuíram o insucesso escolar no ensino básico” elaborado pela equipa do Programa.
Como seria de esperar de um programa de promoção do sucesso escolar o insucesso está em queda nos agrupamentos envolvidos e este relatório analisa as 50 escolas com melhores resultados.
Antes de mais registo esse abaixamento do insucesso.
Por outro lado, acho que o relatório merece uma leitura atenta por várias razões.
Um desses aspectos e que o Público destaca é a análise do facto de que a maioria das escolas que mais reduziram o insucesso recorre à criação de Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada o que parecendo significar “grupos de nível” não significa, é mesmo um Grupo Transitório de Heterogeneidade Mitigada, a sério. 
Aliás, acho até interessante a defesa que já vi fazer deste novo enunciado assentando num estranho entendimento de que a “heterogeneidade mitigada” promove e defende a heterogeneidade natural e óbvia e que é uma ferramenta de educação inclusiva.  
Por outro lado, o recurso a esta “modalidade” parece ser apresentado como variável explicativa para o maior sucesso o que não consegui encontrar no Relatório.
De uma forma breve, temos que escolas que mais reduziram o insucesso foram também as que entre outras medidas mais recorreram aos Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada. Isto parece-me claro, já não me parece que o que consta no relatório sustente a existência de uma relação de causa efeito entre uma coisa e outra.
Aliás, creio até ser bastante improvável que a variável “homogeneidade” de um grupo de alunos (ainda que mitigada) possa ser a “explicação” dos bons resultados pois é algo que não existe pois não se conhecem dois alunos iguais.
Na verdade, se a homogeneidade fosse uma ferramenta de sucesso, todas as turmas que existem em muitas escolas constituídas por alunos “descamisados”, maus alunos, repetentes, mal comportados, desmotivados, etc., teriam de imediato sucesso, seriam homogéneas. Eu próprio, entre o 1º ano do liceu e o 7º ano, frequentei quase sempre turmas de "heterogeneidade mitigada", também conhecidas por "turmas de repetentes e indisciplinados" porque ainda ainda não tinha sido inventada a inovação. Já agora, fazia parte daquelas turmas não por insucesso escolar, cumpria os também ainda não inventados "serviços mínimos" mas era excelente na indisciplina. Agora não me orgulho ... na altura dava-me gozo, desculpem "setôres".
A verdade é que os alunos não têm sucesso significativo só por estar juntos. Esta medida já existiu em tempos com as turmas de nível ou com outras designações e quem conhece a realidade sabe que os resultados dos alunos "maus" continuaram, genericamente maus, o povo diz junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior do que eles.
O que fomenta o sucesso não é estar ao lado de alunos menos bons.
O que fomenta o sucesso é mais e melhor apoio a alunos e a professores.
O que fomenta o sucesso é um grupo de alunos com uma dimensão razoável que permita mais e melhor diferenciação da intervenção em sala de aula tal como a evidência sustenta.
O que fomenta o sucesso é o recurso a dispositivos como o "par pedagógico" ou outras medidas da mesma natureza que, aliás, constam do elenco de metodologias no Programa e que algumas escolas acederam a recursos que lhes permitem ter mais docentes,
Generalizem medidas desta natureza e teremos melhor trabalho de alunos e professores.
Não é sustentável afirmar que a variável que contribuiu para os bons resultados atingidos é a homogeneidade (mitigada ainda assim) das turmas.
É ainda perigoso que esta leitura possa legitimar decisões na constituição das turmas, guetizando alunos sem resultados se as outras variáveis não forem consideradas. Como muitas vezes não são. Aliás a aia de comentários à notícia no Público é elucidativa.
Quanto ao impacto, parece óbvio que a diversidade é sempre preferível a uma falsa homogeneidade. As atitudes de discriminação negativa não apresentam nenhuma espécie de vantagem pessoal ou social, guetizam, estigmatizam e promovem quer nos bons, quer nos maus, uma relação desconfiada e tensa facilitadora de problemas.
As dificuldades escolares gerem-se com apoios e recursos que terão certamente de ser diferenciados mas não podem, não devem, implicar a criação de “guetos” para os “maus” ou de "condomínios" para os "bons".
Fico satisfeito com a melhoria de resultados, mas incomodam-me algumas leituras e a agenda que carregam.
Uma nota final.
Na Conclusão do Relatório na pg 41 enunciam-se algumas fragilidades. Com enorme perplexidade li que uma das fragilidades será:
Constrangimentos decorrentes da heterogeneidade do público escolar decorrente do alargamento da escolaridade obrigatória para 18 anos e da aplicação de medidas promotoras de equidade e inclusão e educativas;
De facto, ter os alunos na escola até aos 18 anos, promover equidade e igualdade de oportunidades e uma educação escolar que acomode a diversidade dos alunos só atrapalha.
Mas é mesmo isto que se diz. É mau, muito mau.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

E DE REPENTE O MUNDO FICOU EM PAZ


E de repente o mundo ficou em paz.
Este fim-de-semana o Monte tem visitas especiais, os netos, o neto grande, o Simão, e o neto pequeno, o Tomás.
Ontem ao fim do dia, já a noite e o frio não permitiam estar na rua a brincar com os gatos ou a passear de tractor, recolhemos todos para a beira da salamandra.
O Simão frequenta o 1º ano e cumpre uma semana sem aulas após o fim do semestre. Achou que era altura de dar mais um avanço nos TPC e tirou da mochila os cadernos de actividades.
Começou com uma ficha de português em que escrevia umas frases criadas a partir de palavras que ia lendo.
Quando o vi concentrado e motivado para lidar com as letras e com a escrita sentado na mesma carteira que o meu pai construiu para mim há cerca de 60 anos para … fazer os trabalhos de casa o mundo ficou em paz.
E fui para para a beira do Simão ler com ele as frases que inventou e escreveu com o encanto da descoberta do mundo das letras, lidas e escritas. E rimo-nos.
São também assim os dias do Alentejo.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

A HISTÓRIA DO VIAJANTE


Era uma vez um rapaz chamado Viajante. A todo o tempo contava as inúmeras viagens que, dizia ele, realizava com frequência. Os colegas ficavam atentos a ouvir o Viajante falar das suas andanças.
Contava coisas extraordinárias e mirabolantes sobre os sítios e terras para e por onde as viagens o levavam. Explicava com muitos pormenores as pessoas estranhas que encontrava. Tinham, por exemplo, uma linguagem diferente que muitas vezes não percebia e também, às vezes, se comportavam de uma forma a que ele e os colegas não estavam habituados.
Passava por terras que não eram nada parecidas com a terra onde viviam e o Viajante descrevia de forma minuciosa e ilustrada como eram essas terras.
Tinha quase sempre viagens novas para relatar e os colegas até sentiam uma pontinha de inveja por tantas viagens que o Viajante fazia.
Curiosamente, não percebiam que a quase totalidade das viagens que o Viajante lhes contava eram realizadas quando estava sentado na sala de aula a olhar para a janela. Distraído ou na Lua, como diziam os professores que não apreciavam assim muito as viagens.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

SERÁ QUE AUMENTA O NÚMERO DE AUXILIARES DE EDUCAÇÃO?


Entre as inúmeras alterações introduzidas na discussão na especialidade do OGE para 2020, uma medida parece-me importante, o Governo terá de rever até Junho a portaria que estabelece o rácio de pessoal não docente nas escolas, os auxiliares de acção educativa. A intenção é criar um quadro que possibilite o aumento de funcionários.
Desculpem a insistência mas é uma questão importante numa perspectiva de qualidade da educação e escola públicas.
Têm sido recorrentes as referências a escolas fechadas ou a funcionar com dificuldades por falta de auxiliares de educação ou ainda a agrupamentos com escolas a funcionar em regime de rotatividade pelo mesmo motivo.
A falta de auxiliares resulta da insuficiência de recursos e da elevada taxa de baixas médicas decorrente (também) das exigências acrescidas pela ... falta de recursos.
Como já aqui escrevi ainda não há muito tempo não consigo perceber que isto possa ser uma questão de finanças, é mesmo uma questão de incompetência e insensibilidade em matéria de políticas públicas. Tiago Rodrigues não tem porta-moedas e Mário Centeno não consegue perceber que um Excel com contas certas não garante qualidade na educação o que, prazo, … compromete as contas certas por comprometer o desenvolvimento e António Costa não lida com pormenores irritantes.
Espero bem que a oportunidade criada pela obrigatoriedade de revisão do rácio não venha a esbarrar com as habilidosas “cativações”. Mesmo no quadro da “municipalização” em curso, sendo o pessoal auxiliar da responsabilidade dos municípios, a definição dos rácios será da competência do ME
Vou repetir-me, mas nunca é demais enfatizar o papel essencial que estes profissionais desempenham nas escolas e a necessidade de rácios adequados, qualificação, segurança e carreira que minimizem problemas que têm vindo a ser regularmente colocados por pais, professores e directores.
Seria desejável que a gestão desta matéria considerasse as especificidades das comunidades educativas e não se seguissem critérios cegos de natureza administrativa que são parte do problema e não parte da solução. É, por isto, importante que se reveja a portaria. Para além da variável óbvia, número de alunos, é necessário que se contemplem critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.
Mais uma vez, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação.
Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto parece essencial o contributo dos auxiliares de educação para a qualidade dos processos educativos. Assim, é imprescindível a sua presença em número suficiente, que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam formados, orientados e valorizados na sua importante acção educativa.
Qual será a parte que não se compreende?
A falta de auxiliares de educação, evidentemente.