quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

AS VIAS DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR


Leio no Público que o ME estará a preparar para vigorar no próximo ano lectivo o quadro normativo que possibilite aos alunos de cursos profissionais o acesso ao ensino superior incluindo licenciaturas e mestrados integrados sem a realização de exames nacionais. A ideia parece ser a criação de um concurso especial contemplando as especificidades das formações. A alteração envolverá também os alunos de cursos artísticos ou de aprendizagem, (cursos a funcionar nas escolas profissionais e centros de emprego).
Como recorrentemente aqui escrevo sou dos que defende que a importância da promoção do acesso à formação no ensino superior, somos ainda dos países da OCDE com taxas mais baixas de qualificação no superior e não cumpriremos os objectivos estabelecidos para 2020.
Também não creio que a desejável chegada destes alunos em maior número ao ensino superior seja uma “ameaça” à sua qualidade, antes pelo contrário, coloca novas exigências de qualidade nos processos de formação. Trabalho no ensino superior e penso que a sua qualidade depende bem mais de outros factores que do perfil dos alunos que o frequentam.
Em linha com o que também tenho defendido e considerado, entendo que a questão central neste quadro é que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Para minimizar o risco de equívocos defendo a existência de exames nacionais no secundário que considero ferramentas essenciais da imprescindível avaliação externa, aliás, como também entendo que todas as outras modalidades que permitem a equivalência ao secundário deverão ser objecto de avaliação externa.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. O mesmo deverá acontecer nas diversas modalidades de equivalência ao secundário.
Entendo também que o acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela minimizando também os efeitos pouco positivos reconhecidos pela OCDE na relação estabelecida por alunos, escolas e famílias com os exames e os efeitos dessa relação e efeitos perversos como o das escolas, sobretudo privadas, que inflaccionam notas para facilitar o acesso.
Reafirmo que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas. A questão é que os resultados obtidos nesses exames deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Dito isto e partindo do pressuposto de que as instituições de ensino superior apenas estariam envolvidas no concurso a realizar para estes alunos, os não provenientes dos cursos científico-humanistícos, a ideia levanta-me dúvidas.
Existindo ofertas formativas abertas a todos os estudantes porquê estabelecer critérios e mecanismos “próprios” apenas para quem vem dos cursos profissionais e outras modalidades? Que escrutínio deste processo? Temo que, tal como aconteceu com o Programa Novas Oportunidades que partiu de uma boa ideia, possamos cair no equívoco de confundir “certificação” com “qualificação” com efeitos “estatísticos”, mas … de robustez qualitativa duvidosa.
Trabalho numa instituição de ensino superior privada dependente das propinas pagas pelos alunos o que me deixa mais à vontade para afirmar que esta reserva não tem a ver com qualquer espécie de elitismo relativo ao acesso ao ensino superior. Remete exclusivamente para a imperiosa necessidade de termos pessoas qualificadas e não de pessoas com um diploma debaixo do braço onde conste a certificação de uma habilitação e competência que causem alguma sombra de desconfiança com reflexos sérios na empregabilidade e na confiança social.
Os critérios e formas de acesso ao ensino superior devem ser pensados para todos os jovens que estejam em circunstâncias de poder concorrer e não para um grupo particular, os alunos de todas as modalidades menos os dos cursos científico-humanistícos cursos profissionais.
Esta medida, apesar do princípio me parecer ajustado desde que bem regulado e transparente, pode ser um enorme tiro no pé e na credibilidade imprescindível a estas processos.

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