domingo, 30 de setembro de 2018

QUEM PARTE E REPARTE E NÃO FICA COM A MELHOR PARTE ...


Como diz o povo “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte”.
Na verdade esta gente de tolo tem nada, mas são uns verdadeiros artistas.


DEFICIÊNCIA E SEXUALIDADE


No âmbito da realização no Museu da Farmácia de um ciclo de conferências sobre a sexualidade que se iniciou sobre a questão da sexualidade na vida das pessoas com deficiência no DN encontra-se uma entrevista muito interessante com Diana Santos, psicóloga clínica, pertence à direcção do Centro de Vida Independente, associação criada em 2015 para promover a autonomia de pessoas com deficiência. A Diana tem 34 anos, uma deficiência motora, desloca-se em cadeira de rodas.
Trata-se de uma questão muito importante, respeitante a direitos, qualidade de vida e felicidade de muitos milhares de pessoas.
É fundamental o conhecimento e a reflexão sobre estas matérias apesar da sua enorme complexidade, que, aliás, as pessoas mais próximas dos problemas, pais, técnicos e as próprias pessoas, reconhecem.
É certo que para muitos de nós os problemas que afectam as minorias são … problemas minoritários pelo que não nos afectam. No entanto, como tantas vezes afirmo, os níveis de desenvolvimento de uma sociedade também se aferem pela forma como lida com os problemas de grupos sociais minoritários.
Assim, a reflexão e conhecimento mais alargado sobre estas questões são desde logo um contributo para combater um enorme equívoco instalado, sexualidade na deficiência não é a mesma coisa que deficiência na sexualidade.
A experiência e alguns estudos dizem-me que este equívoco está também presente em discursos e atitudes de famílias e técnicos para além da comunidade em geral.
É uma questão complexa, no caso das pessoas com deficiência cognitiva mais severa pode colocar-se a questão da autodeterminação e do risco de abuso, por exemplo, sendo muito contaminada pelos valores dos indivíduos, dos técnicos e das famílias incluindo, naturalmente, as das pessoas com deficiência, quer relativos à sexualidade, quer relativos à vida e direitos das pessoas com deficiência. Aliás, com demasiada frequência parece esquecer-se que muitos dos problemas que as pessoas com deficiência e as suas famílias sentem, não são matérias de opção, são matéria de direitos.
Uma das questões levantadas na entrevista, a existência de “assistentes sexuais” é um exemplo da complexidade deste universo.
Acresce ainda que em muitas circunstâncias é uma matéria da qual "se foge" pois subsistem as dúvidas sobre o que pensar, como agir ou atitudes a adoptar.
Neste contexto, a iniciativa referida no DN e a própria entrevista são mais um importante contributo para reflectir e caminhar num sentido de protecção dos direitos das pessoas e do seu bem-estar em múltiplas circunstâncias.

sábado, 29 de setembro de 2018

DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


O Público de hoje apresenta várias peças dedicadas à questão da chamada “educação inclusiva” em particular aos efeitos da entrada em vigor do Regime Jurídico da Educação Inclusiva. Algumas notas que provavelmente vos parecerão amargas mas na verdade é assim que me sinto, não apenas pelo que li mas por muito do que me vai chegando e vou conhecendo apesar, como sempre, das boas práticas que também existem.
Em vários textos aqui no Atenta Inquietude me referi à urgência desde do aparecimento do DL3/2008 de instituir um outro enquadramento normativo para a resposta educativa à diversidade dos alunos, incluindo alunos com necessidades educativas especiais, sim, alunos com necessidades educativas especiais.
Acompanhei com esperança e algum optimismo o processo de construção e discussão pública do actual Decreto-Lei nº 54/2018, o Regime jurídico da Educação Inclusiva.
Em Junho passado, aquando da sua promulgação pelo PR escrevi:
"Insisto em quero muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas, professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência."
Como tenho dito não me quero sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica mas a verdade é que julgo que só mudar mesmo que num caminho ajustado não significa … mudar.
Tenho vindo a conhecer por vias diferentes múltiplas situações em que um novo “paradigma”, a eliminação da categorização, o fim das “necessidades educativas especiais”, educação inclusiva x.0 têm produzido situações inquietantes de exclusão e sofrimento.
Como tantas vezes tenho dito, nos últimos anos, na generalidade dos nossos territórios educativos, mesmo em cada comunidade, tivemos, temos e é o meu receio, teremos, crianças excluídas da escola, excluídas na escola, crianças integradas na escola e também, felizmente, crianças incluídas na escola e na comunidade. Aqui sim, como digo, o sistema é verdadeiramente inclusivo.
Continuo a entender que um melhor quadro normativo é necessário e uma boa base de trabalho e nesse sentido o DL54/2018 é mais adequado que o DL3/2008 mas uma boa base de trabalho mas mais recursos e apoios de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido são aspectos críticos.
Por outro lado, as alterações em educação, mesmo quando são justificadas e sugerem alguma urgência exigem que se considere de forma prudente e competente o seu processo e calendário de operacionalização.
Estamos todos cansados de inúmeras “reformas”, “orientações”, “alterações”, “inovações”, “projectos”, etc. que são postos em prática sem acautelar tanto quanto possível as condições de sucesso. Isto pode acontecer por excesso de voluntarismo, por incompetência, por imperativos de agenda ou por qualquer outra razão, como a falta de meios e recursos para operacionalizar de forma eficaz o que está disposto.
Os resultados podem ser seriamente comprometedores do sucesso das mudanças e, assim, o que deveria ser um contributo para a solução gera mais problemas e ruído.
Queria muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me a repetição, o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
Tenho afirmado que o grande risco é que apesar de uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas, professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos perdidos na mudança de paradigma, perdidos nas orientações e na inadequação dos recursos, nas medidas voluntaristas que quase parecem querer “normalizar” e “incluir” alunos, “entregando-os” nas salas de ensino regular, remetendo-os para "espaços outros" (agora já não se chamam "unidades") ou mesmo aconselhando a sua permanência em casa  provocando exclusão e sofrimento, incumprimento de direitos, desespero nas famílias e também em professores e técnicos.
As peças do Público contribuem para ilustrar este cenário que, de certa forma antecipei sem que disso me orgulhe, antes pelo contrário, sinto uma enorme amargura.

GOSTEI DE LER

Já por aqui tenho falado de como são estimulantes os encontros que felizmente a vida me vai proporcionando com Laborinho Lúcio. Dialogar com ele ou lê-lo é sempre um gosto e um desafio, mesmo nas discordâncias.
A entrevista ao Sapo24 é mais um bom exemplo. Aqui fica.


sexta-feira, 28 de setembro de 2018

QUE SE SEPAREM OS PAIS MAS QUE NÃO SE SEPAREM DOS FILHOS


A Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos lançou há uns meses uma petição no sentido de que se defina como princípio a residência alternada para as crianças de pais e mães após separação ou divórcio. Lançou também um inquérito há dias divulgado segundo o qual 68,6% dos portugueses com filhos defenderá que as crianças devem ficar com os dois progenitores, alternadamente, após a separação de um casal, 30,6% considera que devem ficar com a mãe e 0,8% com o pai. De uma forma mais fina, considerando inquiridos casados ou separados, nas duas situações a residência alternada é maioritária, 78% para os casais e 59% para quem não vive em casal ou é separado e, por géneros, 79% dos homens e 61% das mulheres inquiridas defendem esta opção.
É de não esquecer que residência alternada não é o mesmo que guarda partilhada, em residência alternada, existe um exercício conjunto das responsabilidades parentais e uma situação de convívio da criança com ambos os pais em tempos equilibrados, dito de outra forma, a criança vive “com os dois”.
A petição apresentada defende que seja este o princípio a adoptar.
Por outro lado, foi divulgada uma carta aberta contra esta ideia, subscrita por 23 associações que entendem que o estabelecimento do princípio da residência partilhada poderá levar a um aumento de conflitualidade. Do que conheço, quer da argumentação, quer do que se passa em muitas situações de separação não entendo muito bem esta posição. A ideia não é “obrigar” à residência partilhada mas tê-la como primeira opção.
Também creio que em caso de separação dos pais a melhor situação para a(s) criança(s) é a residência alternada, ou seja, passar tanto quanto possível tempo igual com o pai e com a mãe.
Esta decisão, a não ser em situações particulares que devem ser consideradas em Tribunal como negligência, abuso ou violência doméstica ou manifesta incapacidade de um dos progenitores parece ser a que melhor defende o bem-estar e o sempre afirmado superior interesse da criança.
Em 2015 o Conselho da Europa solicitou aos estados-membros que inscrevessem o princípio da residência alternada nos seus quadros jurídicos pois “Separar um pai/mãe do seu filho tem efeitos irremediáveis na sua relação. Esta separação só deve ser ordenada por um tribunal em circunstâncias excepcionais.”
Em Portugal são altamente maioritárias as decisões de residência única. Um estudo da Universidade de Coimbra que analisou cerca de 500 sentenças de 2012 apenas encontrou duas de residência partilhada sendo 78% a residência entregue à mãe, 14% a familiares e 8% ao pai.
No entanto, a tarefa não é fácil considerando a cultura que tem predominado nas decisões dos Tribunais.
São numerosos os testemunhos e os estudos que mostram que em princípio é mais vantajoso para a criança viver em casa do pai e em casa da mãe por períodos alternados do que a situação que tem sido mais habitual nos casos de regulação parental, a entrega da criança à mãe e visitas ao pai. Como referi a cultura dos Tribunais de Família tem alimentado decisões desta natureza subvalorizando por preconceito e representação a capacidade cuidadora e educadora dos pais entendo-o sobretudo como “financiador” e parceiro para brincadeiras. Este modelo gera potenciais assimetrias e afastamento entre as crianças e os pais mas, quer na visão dos adultos e envolvidos, quer na decisão das instituições parece verificar-se alguma mudança o que se saúda.
É evidente que ao defender o princípio da residência alternada estamos a falar num princípio geral que deverá ser considerado caso a caso, aliás, como recomenda o Conselho da Europa.
Importa ainda sublinhar que as crianças gerem muito bem a dimensão logística e emocional da residência alternada. Na verdade, desde muito novas as crianças lidam tranquilamente com progenitores separados que as amem e delas cuidem e com quem convivam alternadamente.
É sempre preferível uma boa separação a uma má família, as crianças percebem muito bem quando têm pais casados por fora e “descasados” por dentro. Compete aos adultos o esforço, por vezes pesado, de construir uma boa separação. Aliás, só assim poderão voltar a construir uma boa família.
Importante mesmo é que também todos os que de nós lidamos com crianças e com os seus problemas possamos ajudar os pais neste entendimento, poupando sofrimento a adultos e crianças e mesmo decisões de guarda parental pouco amigáveis para o superior interesse da criança.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

EDUCAÇÃO EM ALERTA VERMELHO


É conhecido o relatório “Perfil do Docente”, produzido pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo ao ano 2016/2017. Com o inexorável passar do tempo acentua-se o envelhecimento dos professores portugueses.
No universo da educação pré-escolar apenas 13 profissionais da rede pública têm menos de 30 anos, 0.1%, enquanto 6034 educadores de infância, 74% têm 50 ou mais anos. No 1º ciclo no sistema público, entre 24 435 docentes apenas 16 têm menos de 30 anos, 0.1% do total. Do outro lado, 38%, 9298 têm 50 ou mais anos.
No 2º ciclo, temos 19 398 docentes dos quais 872 têm menos de 30 anos, 4.5% e 10271 com 50 anos ou mais, 53%.
No 3º ciclo e secundário, em 63473 professores temos 290 com menos de 30 anos, 0.5%, e 30242 com 50 anos ou mais, 48%.
Um outro indicador, a idade média, mostra que na educação pré-escolar é de 52 anos, no 1º ciclo 47 anos, no 2º ciclo 50 anos e no 3º ciclo e secundário 49 anos.
Se considerarmos o grupo de professores com 40 anos ou mais, temos 96% na educação pré-escolar, 78% no 1º ciclo, 87% no 2º ciclo e 86% no 3º ciclo e secundário.
No ensino privado o perfil de docentes no que respeita à idade é menos envelhecido.
São dados verdadeiramente preocupantes. Como escrevi há algum tempo, num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente e altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional. Numa classe envelhecida o risco é, obviamente, mais elevado.
Dados já conhecidos do estudo realizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova em parceria com a Fenprof sobre as condições pessoais dos professores considerando dimensões relativas ao “desgaste emocional, “burnout” incluído”, e sobre as condições em que estes trabalham - se há cansaço, desânimo, desmotivação ou, pelo contrário, alegria” em que responderam perto de 16000 docentes e os resultados são elucidativos e inquietantes. Quase metade dos docentes que responderam revela sinais preocupantes de “exaustão emocional”, (20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% apresentam “sinais críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento) e mais de 40% não se sentem profissionalmente realizado.
Foram identificados alguns factores explicativos dos resultados, a idade dos docentes, as questões relativas à carreira, organização (burocracia na escola e gestão hierarquizada das escolas) e o comportamento indisciplinado dos alunos.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada e pouco apoiada que muitas vezes pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
A relativamente curto prazo corremos o sério risco de dada a aposentação de milhares de docentes sentirmos falta de professores.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

DO APOIO TUTORIAL ESPECÍFICO


Em 2016/2017 foi lançado o programa Apoio Tutorial Específico em substituição de um indefensável percurso precoce conhecido por "cursos vocacionais" e também destinado a alunos com pelo menos duas retenções.
Foi conhecida a avaliação realizada pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência ao primeiro ano de funcionamento. Em síntese, 77.4,% dos alunos abrangidos registou progressos moderados ou fortes no comportamento, 67.4% também evidenciou progressos moderados a fortes na assiduidade e 58.2% registou progressos nos resultados escolares. Interessantes também os dados relativos ao grau de satisfação dos alunos. No entanto, 40.7% dos alunos mostrou progressos fracos ou muito fracos.
Algumas notas face a resultados que não surpreendem, sejam os mais positivos sejam os menos positivos.
Em primeiro lugar e até pelos resultados positivos importa sublinhar algo que as boas práticas já existentes em muitas escolas e os estudos nacionais e internacionais sustentam, os programas de natureza tutorial são ferramentas sólidas e eficazes para acomodar e responder a dificuldades de alunos e professores nos processos de ensino e aprendizagem.
De há muito que defendo dispositivos desta natureza até como forma de gerir de forma adequada os recurso docentes já integrados no sistema e que manifestamente podem ser utilizados em programas de tutoria ou coadjuvação. Aliás, é também interessante o recurso a alunos para programas de tutoria com vantagens recíprocas, para tutores e para tutorandos.
No entanto e talvez ajude a perceber alguns dos resultados menos positivos, o Programa de Tutoria em desenvolvimento, da forma como está desenhado, quatro horas semanais por professor tutor para 10 alunos e considerando o perfil de intervenção definido e que julgo adequado, tem evidentes constrangimentos. No entanto, também já estamos habituados a que o empenho, competência e profissionalismo da generalidade dos professores minimizem insuficiências que ninguém estranhará.
Recordemos as funções atribuídas.
a) Reunir nas horas atribuídas com os alunos que acompanha;
b) Acompanhar e apoiar o processo educativo de cada aluno do grupo tutorial;
c) Facilitar a integração do aluno na turma e na escola;
d) Apoiar o aluno no processo de aprendizagem, nomeadamente na criação de hábitos de estudo e de rotinas de trabalho;
e) Proporcionar ao aluno uma orientação educativa adequada a nível pessoal, escolar e profissional, de acordo com as aptidões, necessidades e interesses que manifeste;
f) Promover um ambiente de aprendizagem que permita o desenvolvimento de competências pessoais e sociais;
g) Envolver a família no processo educativo do aluno;
h) Reunir com os docentes do conselho de turma para analisar as dificuldades e os planos de trabalho destes alunos
Quem conhece a realidade das escolas e as problemáticas complexas dos alunos em insucesso, com desmotivação, desregulação de comportamento, ausência de projecto de vida, falta de enquadramento e suporte familiar, lacunas graves nos conhecimentos escolares de anos anteriores, etc., quase sempre presentes e só para referir dimensões relativas aos alunos, percebe a dificuldade de reverter, para usar um termo em voga, o seu trajecto escolar.
À luz do que me parece ser um trajecto de defesa da efectiva autonomia das escolas, preferia que, dando o ME orientação e a possibilidade de gerir e alocar recursos a estes programas, que fossem as escolas a organizar os seus programas de tutoria, definindo destinatários, professores e técnicos envolvidos, tempos de realização e objectivos a atingir.
Caberia, evidentemente, às escolas e ao ME a regulação e acompanhamento dos programas e a sua avaliação.
Sabemos, é uma referência comum, a existência de “constrangimentos” que pesam nos recursos disponíveis.
No entanto, mais uma vez e não esquecendo a necessidade de combater desperdício e ineficácia, é bom recordar que a qualidade da educação e a promoção do sucesso para todos os alunos não representam despesa, são investimento.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

LICENCIADOS E MESTRES, PRÉ-BOLONHA E PÓS-BOLONHA


Contrariamente ao que tinha sido anunciado, já não se estranha, o Ministério da Ciência, Ensino Superior e Tecnologia decidiu não equiparar as licenciaturas (incluindo as de cinco anos) concluídas antes da reforma de Bolonha a mestrados para efeitos de concursos ou de prosseguimentos de estudos.
Uma pequena nota. Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas, o financiamento do ensino superior, que de natureza científica, curricular ou de mobilidade envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar o 2º ciclo com custos elevadíssimos em muitos estabelecimentos de ensino superior.
Tal decisão, sobretudo a atribuição do grau de licenciatura a uma formação de três anos, gerou, como não podia deixar de ser um enorme equívoco que só por má-fé ou incompetência não foi antecipado aquando da decisão. O equívoco foi criar a situação em que pessoas com formações de natureza superior com a mesma duração, cinco anos, realizadas na mesma instituição, possam ter grau de licenciado ou de mestrado consoante a data em que finalizam os estudos.
De facto, passei a ter alunos que com um currículo com conteúdos essências da mesma natureza e com cinco anos de duração terminavam licenciados e os alunos pós-Bolonha que com os mesmos cinco anos e com o mesmo conjunto de competências são mestres.
Para além disso, ainda temos os detentores do grau de mestre obtido antes da bolonhesa ideia que pedalaram cinco anos de licenciatura e mais dois ou três anos de trabalho de um programa de mestrado para acederem ao grau de mestre. Para ruído não está mal.
O anúncio de que aquelas licenciaturas seriam para efeitos de concursos ou prosseguimento de estudos equiparadas aos actuais mestrados parecia resolver uma situação de iniquidade que afectava muitos milhares de licenciados embora, por exemplo, na minha área já muita gente desencadeou, com os respectivos custos, o processo de equivalência através de procedimentos definidos pelas instituições.
Não sei qual a justificação para o recuo, a situação de outros países, não serve bem, mas, mais uma vez temo que sejam questões de natureza económica e tenham pouco a ver com graus e competências académicas.
A verdade é que mais cambalhota, menos cambalhota, não se estranha.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A QUALIFICAÇÃO DE NÍVEL SUPERIOR, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE MAS MUITO CARO


Lê-se no JN que segundo o estudo “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, no ano lectivo de 2015/2016 cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos. Algumas notas repescadas.
Um estudo elaborado e divulgado já este ano pelo Projecto  Eurostudent “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.
Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior.
Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.
São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem trabalham.
Por outro lado, talvez seja de recordar no que respeita aos custo de frequência do ensino superior que muitos jovens portugueses têm emigrado para realizar os seus estudos superiores em países em que as propinas são mais baratas que em Portugal, não existem de todo ou são financiadas, casos da Dinamarca, Reino Unido ou o Canadá e a Austrália fora da Europa.
Lembrando ainda o episódio das disparatadas afirmações de Angela Merkel sobre os licenciados a mais que Portugal apresentará, vale a pena recordar algo que nem todos saberão também. Na Alemanha não existem propinas nas universidades. Em 2015 a Baixa Saxónia foi o último estado alemão a abolir as propinas, a Ministra da Ciência e da Cultura desse estado justificou a decisão de tornar gratuito a frequência do ensino superior afirmando, “Livramo-nos das propinas porque não queremos que o Ensino Superior dependa da riqueza dos pais”. Elucidativo da forma como é vista a qualificação de nível superior.
Mais algumas notas. Segundo o Relatório "Sistemas Nacionais de Propinas no Ensino Superior Europeu", divulgado em Outubro de 2014 pela Comissão Europeia, Portugal é um dos cinco países, entre os 28 Estados membros da União Europeia, que cobram propinas a todos os alunos do ensino superior. Integra também o grupo de países em que menos de metade acede a bolsas de estudo.
Recordo que também em 2014 um estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de prosseguir estudos mas não tem meios para os pagar.
Importa ainda acrescentar que estamos desde há anos com um abaixamento significativo da procura de ensino superior apesar recentemente se ter registado uma pequena subida. As dificuldades económicas são a principal razão para não continuar.
De acordo com o Relatório da OCDE, Education at a Glance 2015, os custos da frequência de ensino superior em Portugal suportados pelo universo privado, sobretudo as famílias, era o mais alto da União Europeia, 45.7%. 
Segundo o relatório "Sistemas Nacionais de Propinas e Sistemas de Apoio no Ensino Superior 2015-16", da rede Eurydice da União Europeia apenas Portugal e a Holanda cobram propinas a todos os alunos do ensino superior, sendo também Portugal um dos países com valores de propina mais altos. Já em 2011/2012 dados também da rede Eurydice mostravam que Portugal tinha o 10º valor mais alto de propinas na Europa, mas se se considerassem as excepções criadas em cada país, tem efectivamente o terceiro valor mais alto de propinas.
Recordo que no início de 2014 um estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de prosseguir estudos mas não tem meios para os pagar. É também preocupante o abaixamento que se tem vindo a verificar de procura de ensino superior apesar deste ano se ter registado uma pequena subida. As dificuldades económicas são a principal razão para não continuar.
Ainda neste contexto, em 2012 foi divulgado um estudo realizado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa que contribui para desmontar um equívoco que creio instalado na sociedade portuguesa. Comparativamente a muitos outros países da Europa, Portugal tem um dos mais altos custos para as famílias para um filho a estudar no ensino superior, ou seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se considerarmos a frequência de ensino superior particular o esforço é ainda maior o que se repercute na maior taxa de abandono. Percebe-se assim a taxa altíssima de jovens que exprimem a dificuldade de prosseguir estudos.
As dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, considerados frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Como a atribuição de apoios sociais a estudantes em dificuldades aos estudos tem sido revista em baixa é fácil perceber a opção de muito jovens portugueses que, dificilmente, voltarão a Portugal de depois de terminada a sua formação inicial pois as possibilidades de formação pós-graduada são também, como sabemos, bastante mais acessíveis e diversificados na diversidade e na qualidade.
A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.
O abandono e a insuficiente procura por formação superior são comprometedores do futuro e dos objectivos estabelecidos para qualificação de nível superior em 2020.

O LUXO DO DESPERDÍCIO


O Expresso faz referência a um trabalho de Iva Pires, “Desperdício Alimentar”, a ser lançado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos durante a semana.
De acordo com o trabalho estima-se que cada família portuguesa desperdice 80 quilos de alimentos por ano, 1,5 Kg por semana.
A questão do desperdício alimentar, por cá e no mundo mais desenvolvido, não tem o destaque que se justificaria e, sobretudo, não parece abrandar.
Num trabalho citado no The Guardian em 2016 lia-se que metade de toda a comida produzida nos EUA é deitada ao lixo.
Mais alguns dados. A Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, o suficiente para alimentar 925 milhões de pessoas. Vivemos num mundo estranho. Na Europa, até chegar ao consumidor perde-se entre 30 e 40% da comida, qualquer coisa como 179 quilos por habitante, 42% dos quais em casa.
O Projecto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), desenvolvido pela Universidade Nova de Lisboa conhecido em 2014, sugere que “no campo e no armazenamento, no sector da pecuária e nas pescas, todos os anos são desperdiçadas 332 mil toneladas de alimentos em Portugal, valor que ultrapassa o desperdício que é feito pelos próprios consumidores (324 mil toneladas de comida deitadas fora).
Somando as 77 mil toneladas perdidas na indústria que processa os alimentos, entre o campo e as fábricas, desperdiçam-se no total 409 mil toneladas por ano.”
Esta escala de valores no que respeita ao desperdício de alimentos é devastadora e, como por vezes se quer acreditar, não é coisa de gente rica, é coisa de toda a gente e mostra o quase tudo que está por fazer embora actualmente tenhamos em Portugal algumas iniciativas importantes no sentido de atenuar desperdícios.
Na verdade, o desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção.
Há algum tempo, creio que em 2013, o Parlamento Europeu aprovou um relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro. Aliás, o Parlamento Europeu estabeleceu como objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025.
Neste quadro releva a necessidade urgente de ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, questionar o quadro de valores com que nos organizamos em comunidade, designadamente no que respeita ao consumo e aos excessos e combater desperdícios que também são consequência desses modelos. Veja-se o caso da quantidade de fruta de excelente qualidade rejeitada pelo aspecto ou pela dimensão.
Escrever sobre estas questões em espaços desta natureza terá alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis de desperdício dão um forte contributo.

domingo, 23 de setembro de 2018

EVIDÊNCIA


Durante este fim-de-semana parte do qual dedicado à leitura de evidência fiquei com algumas dúvidas, o que fazemos com a evidência é uma delas.
É muito frequente ouvir sustentar aquilo que se afirma com a evidência, ou seja, a evidência torna as coisas evidentes.
Nesta perspectiva algumas evidências assim simples, sem grande sofisticação.
Não é por gritar muito com as crianças que elas falam mais baixo ou se calam. É evidente.
Não é por lhes bater com regularidade que as crianças aprenderão comportamentos adequados. É evidente.
Não é por passarem mais tempo na escola que as crianças aprenderão mais. É evidente.
Se quase sempre dissermos “sim” às crianças é bastante mais difícil que elas aprendam e integrem o imprescindível “não”. É evidente.
Não é por trabalharem muito e muito tempo que as crianças trabalham melhor. É evidente.
As crianças não estão sempre distraídas, às vezes estão concentradas noutra coisa. É evidente.
As crianças, como toda a gente, precisam de sentir que os outros confiam nelas e acreditam nas suas capacidades. É evidente.
Não existem duas crianças iguais, são todas diferentes. É evidente.
A qualidade da educação não se avalia apenas pelos resultados escolares. É evidente.
No nosso tempo, o insucesso na escola vai ser muito provavelmente o primeiro insucesso da vida. É evidente.
Se tudo isto e o que mais aqui poderia estar é tão evidente por que razão tantas vezes isto parece esquecido?

sábado, 22 de setembro de 2018

DISNEYFICAÇÃO E GAMIFICAÇÃO


Como disse Camões o mundo é composto de mudança tomando sempre novas qualidades. Ainda bem que se assim é embora nem sempre as novas qualidades tenham só qualidade.
A propósito de umas leituras que estou a fazer na preparação de um trabalho da próxima semana comecei a pensar em duas das “qualidades” que o mundo parece ir tomando. São de natureza diferente mas acho que estão próximas nas concepções que as informam e nas suas implicações no nosso viver diário.
Começam a ser familiares as referências aos movimentos de disneyficação dos espaços urbanos, onde se concentra a maioria da população, e à gamificação do ensino, desde o básico ao superior.
Como é óbvio parece-me claro que aos espaços e equipamentos urbanos se modernizam mas não me parece interessante correr o risco de viver num parque de diversões com alterações nos estilos de vida, no acesso e consumo de cultura, na continuação do enfraquecimento das relações de vizinhança e comunidade, etc.
No que respeita ao ensino temo os efeitos de algum deslumbramento com dispositivos que, mais do que ferramentas, passem a ser os gestores dos processos de aprendizagem. Muitas vezes tenho defendido por aqui a enorme importância do jogo e do brincar na vida dos miúdos em casa, na escola ou nos espaços das comunidades.
Mas a vida em casa, na sala de aula ou na comunidade é mais do que um jogo e não tem sempre a natureza de um jogo.
Este caminho de disneyficação dos espaços e estilos de vida urbana e a gamificação do ensino em que a sala de aula se poderá transformar numa permanente sala de jogos requerem alguma prudência. O deslumbramento e alguns efeitos imediatos podem não ser bons conselheiros.
Talvez isto seja conversa resultante de uma tarde áspera de calor aqui no monte que nos deixa um pouco “amagados” como se fala aqui no Alentejo.
No entanto, sou optimista, bem vistas as coisas, não sou assim tão Velho e também não sou do Restelo. Ah, e os meus netos e os outros netos vão saber lidar com isto.
Voltemos ao trabalho.

OS CONSTRUTORES DE BRINQUEDOS

Não pude deixar de me comover com a peça do JN com um dos últimos construtores de brinquedos chamados tradicionais, os da minha infância e os que poderiam e deveriam ser de todas as infâncias pois são de todos os tempos.
Ainda existem, ainda resistem e cada fala é um acto de paixão pelo brinquedo e pelos miúdos que, provavelmente, não deixaram de ser.
Os poucos que ainda existem sabem que brincar é actividade mais séria que os miúdos fazem.
Gente menos competente não sabe ou esquece.
Obrigado ao Sr. Júlio Penela a mais alguns heróis.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

POR ONDE ANDA O JUÍZO DE ALGUNS JUÍZES?


O Tribunal da Relação do Porto do Porto ataca de novo. É impossível conhecer sem um sobressalto pela gravidade e pela regularidade da falta de juízo de alguns juízes algumas decisões que ofendem os valores, a ética e a cidadania.
Desta vez os doutos juízes face a uma situação de condenação a pena suspensa em primeira instância e após recurso do Ministério Público mantêm a decisão num caso escabroso.
Os factos, dois funcionários de um bar encontram na casa de banho já sem ninguém no estabelecimento uma jovem completamente alcoolizada que violam. Foi provado em julgamento que a vítima estava “incapaz de resistência” situação que, aliás, um dos agressores referiu.
Os doutos juízes confirmam a pena suspensa com um acórdão onde consta esta aberração ofensiva, “A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]." Extraordinário.
A questão mais inquietante é que este atentado à justiça é apenas mais um oriundo do Tribunal da Relação do Porto. Vejamos.
Em 2017 o Tribunal de Felgueiras condenou dois homens a penas suspensas num caso de violência doméstica. O marido e um outro individuo com quem a vítima teve uma relação extraconjugal que interrompeu juntaram-se e sequestraram a mulher agredindo-a usando uma “moca” com pregos.
O Ministério Público recorreu e o Tribunal da Relação do Porto manteve a pena suspensa com base num acórdão que é uma peça antológica e inspiradora e que fica na história dos crimes contra a justiça. A justificar a manutenção da pena suspensa lê-se que "O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".
Assim sendo, “O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.”
Confesso que é difícil entender, trata-se uma decisão criminosa.
Também num outro caso de violência doméstica as agressões à mulher foram desvalorizadas por ela “trair o marido”. Diz o acórdão que “Uma mulher adúltera é uma pessoa dissimulada, falsa, hipócrita, desleal, que mente, engana, finge. Enfim, carece de probidade moral”, pelo que “Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos”. Notável.
Deixem-me ainda recuperar mais dois crimes da Relação do Porto.
Em 2015, um funcionário da REFER praticou fraudes que prejudicaram a empresa beneficiando o empresário condenado no Processo face Oculta. Foi condenado em Tribunal por ter sido comprovado o seu comportamento lesivo da empresa que, aliás, era recorrente.
A REFER, numa estranha quanto injusta decisão face a tão competente e leal funcionário, instaurou-lhe um processo que acabou com o despedimento por justa causa.
O íntegro empregado sentiu-se injustiçado foi para Tribunal e ... ganhou, não havia justa causa para despedimento. A REFER recorreu e o Tribunal da Relação do Porto, tinha de ser, voltou a considerar a não existência de justa causa condenando a REFER numa indemnização de 80 000 € ao seu ex-diligente e honesto funcionário.
Um outro caso de notória gravidade.
Em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar.
A decisão do Tribunal da Relação do Porto ao recurso de condenação que o casal tinha sofrido não surpreendeu. “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
Finalmente nesta série negra, em 2011 o Tribunal da Relação do Porto 2011 absolveu um psiquiatra que, comprovadamente, sublinho comprovadamente, violou uma paciente que acompanhava num quadro de depressão. A justificação para a absolvição foi que o psiquiatra criminoso violou a paciente mas não usou de violência. Notável e criminosa esta decisão.
Por onde anda o juízo de alguns juízes?
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Como podemos lidar com esta forma de administrar a justiça?

UMAS REGUADAS SÓ FAZEM É BEM. SERÁ?


Depois de ouvir os pais, uma escola nos EUA decidiu introduzir o castigo físico como forma de disciplinar os alunos. O castigo é realizado com uma palmatória que, lê-se no DN citando as regras definidas, “não poderá ter mais de 60 centímetros de comprimento, 15 centímetros de largura e 19,05 milímetros de espessura. Além disso, o uso da palmatória tem o limite máximo de três palmadas. O estudante será levado para um escritório de porta fechada. O estudante vai colocar as mãos sobre os joelhos ou uma mobília e será atingido com a palmatória nas nádegas”.
Algumas notas retomando um texto que escrevi para a Visão.
Se bem estão recordados, no âmbito da polémica relativa ao programa “Supernanny” e sempre que na imprensa se refere comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.
As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis  mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do bater parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.
Aliás, gostava de recorrer a um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Child Development em 2017 que acomodando diferentes variáveis seguiu 1482 alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Considerando agora de forma mais particular o recurso regular ao “bater” como ferramenta educativa, importa sublinhar que desde 2007 o Código Penal Português estabelece no Artº 152 a proibição dos “castigos corporais” como também acontece em muitos outros países.
Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação educativa com os filhos.
Aliás, com base no peso cultural deste comportamento a França ainda não seguiu a recomendação do Conselho da Europa de proibir os castigos corporais a crianças. A então Secretária de Estado da Família do Governo Francês afirmou há algum tempo em entrevista à AFP e ao Le Monde que não pretendia proceder a alterações pois uma parte da população é favorável aos castigos corporais e não quer "dividir o país em dois campos: os que são pela palmada e os que são contra.”
A Senhora Secretária entendia ainda que "persiste uma tolerância baseada no costume, a do direito de correcção, que é aceite desde que seja ligeira e tenha um fim educativo"
Na verdade e como dizia, os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a questão é complexa.
Recordo a título de exemplo que em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar. Cito do Público, “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
A ver se nos entendemos, bater em crianças não é uma actividade educativa, o comportamento gera comportamento, aliás, também se sabe que crianças que foram batidas são frequentemente pais que batem.
A este propósito recordo que o Papa Francisco declarou numa intervenção pública em 2015 que entende que quando um pai bate num filho e não lhe bate na cara está a agir com dignidade, respeita a criança e educa-a. Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de violência dirigido a uma criança possa ser algo de digno.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e para utilizar uma expressão actual.
No entanto, em contextos escolares importa considerar que os técnicos têm como mediador na relação com os comportamentos das crianças conhecimentos e balizas éticas e deontológicas que colocam a questão dos castigos físicos num outro plano.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora", quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos em várias matérias é bom não esquecer que estamos a falar de direitos, não de opiniões.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

E DEPOIS DOS 18 ANOS


As declarações públicas de amor e apreço aos professores por parte de figuras de topo no universo político, sobretudo em épocas de alguma perturbação, deixam-me sempre como o menino do quadro à venda nas feiras, com uma lágrima no canto do olho. Por outro lado, sinto uma inquietação a crescer nos dentes com a situação ilustrada num peça do DN, o que acontece aos alunos com necessidades educativas especiais, sim, como necessidades educativas especiais que aos 18 anos terminam a escolaridade obrigatória e têm … nada à sua frente.
De acordo com a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no ano lectivo 2016/2017 havia 87.039 alunos com necessidades especiais inscritos nas escolas portuguesas. Muitos destes alunos têm passado por alunos passam por experiências de sucesso independentemente do seu perfil de competências, felizmente que assim é.
No entanto, para muitos o período que se segue é um enorme túnel no qual poucas vezes se vislumbra uma luz, sobretudo em situações com problemáticas mais severas como ilustra a peça do DN.
Começando pela continuidade no trajecto escolar, no ano lectivo 2017/2018 frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes apenas 14% foram ocupadas.
Se a estes dados acrescentarmos que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com NEE a frequentar as escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como tantas vezes tenho dito, aqui e nos espaços de contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário, e existe muita matéria para reflectir e sobre as mudanças necessárias. Também neste aspecto a peça do DN ajuda a perceber as dificuldades percebidas e sentidas pelas famílias.
Por outro lado, é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda e após a escolaridade obrigatória os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade que pode ter uma dimensão ocupacional).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão. Muitos deles ficam entregados (não integrados) às famílias ou encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências muito positivas interessantes, se recicla a exclusão.
Desculpem a enésima repetição mas um processo de inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer até aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições ou voltar para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações e expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades e apoios ou, aspecto fundamental, promover melhor articulação com o ensino secundário
As questões mais complexas decorrem, os estudos e a experiência sugerem-no, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial", técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias.
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva.
No entanto, como tantas vezes digo, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se quiserem, da minha utopia.
Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Eu já disse e escrevi isto várias vezes. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

DOS MANUAIS ESCOLARES. DE NOVO


A questão dos manuais escolares reentra regularmente na agenda em particular no início de cada ano lectivo. Ora se refere o preço dos manuais e materiais que os acompanham apesar da extensão da gratuitidade, ora se fala de sobressaltos e atrasos no acesso aos materiais por parte de alunos e famílias envolvendo a distribuição dos "vouchers" ou o próprio circuito de distribuição dos manuais, ora se fala da insuficiência da pretendida reutilização dos manuais por parte das escolas, muitas vezes por opção das famílias e também pela própria natureza dos manuais e da sua utilização que inibem a reutilização.
Não estando em causa a evidente pertinência destas questões seria desejável, do meu ponto de vista, o alargamento da reflexão sobre o próprio recurso aos manuais. Como regularmente tenho afirmado e insisto, o nosso ensino parece ainda manter-se excessivamente "manualizado" o que tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e das respectivas fichas e instrumentos como materiais de apoio às aprendizagens e à “ensinagem” e que agravam substantivamente os custos das famílias.
Para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares.
Em muitas salas de aula, dada a natureza da estrutura e conteúdos curriculares, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor será, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
É verdade que a minimização da dependência dos manuais envolve um conjunto de variáveis que devem ser consideradas.
Passará por uma reorganização e flexibilização curricular, diminuindo a extensão de algumas conteúdos, por exemplo, o que permita a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando, por exemplo, a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
Passará pelo ajustamento no número de alunos por turma de modo a permitir melhores níveis de diferenciação pedagógica e, assim, acomodar outros suportes ao processo de ensino e aprendizagem.
Passará ainda por maior autonomia de escolas e professores e recursos que acomodem dispositivos de apoio, tutorias por exemplo, que diversifiquem e diferenciam as formas e materiais de trabalho bem como respondam mais eficazmente à diversidade entre os alunos.
Creio que seria importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula instalada que de forma simplista se pode enunciar, o manual formata operacionalmente o currículo, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
É possível caminhar numa perspectiva de “desmanualização” do nosso trabalho escolar, existem já experiências em diferentes escolas e agrupamentos, da rede pública e privada, que sustenta a sua possibilidade.
Não esqueço, no entanto, o peso das decisões em matéria de política educativa bem como o peso económico deste mercado.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

(IN)DIFERENÇA


Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

Este texto, “Indiferença”, de Martin Niemöller, vem a propósito de uma notícia no JN, “Inquérito nas escolas para saber quem é filho de ciganos ou africanos”. Em algumas escolas do Porto e de Lisboa foi solicitado aos pais a resposta a um inquérito envolvendo questões sobre a ascendência dos alunos. Deveriam responder se a origem do pai ou mãe é "portuguesa, cigana, chinesa, africana, Europa de Leste, indiana, brasileira" ou outra.
Esta notícia não é lá de longe, de muito longe, estas questões estão aqui perto, muito perto e com múltiplas variações.
Será que ficamos indiferentes?

PS - A Direcção Geral de Educação terá mandado suspender a utilização deste inquérito. Andou bem.

ÀS VEZES O SOL BRILHA

Às vezes, mas só às vezes, o Sol brilha. O mundo visto a partir dos olhos dos miúdos fica mais estimulante. Não, não tenho uma visão idealizada ou romântica dos mais novos. Apenas olho à volta.



segunda-feira, 17 de setembro de 2018

AOS VOSSOS LUGARES, A ESCOLA VAI COMEÇAR


A partir de hoje é a sério. Esperemos que as aulas comecem para todos os alunos, com todos os professores, técnicos e funcionários, em instalações adequadas e com os materiais necessários. Será? Não, ainda não é este ano.
Algumas notas pensando fundamentalmente nos que vão iniciar a escolaridade obrigatória.
Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo com sucesso.
Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser melhor sucedido. Todos nós experimentámos episódios deste tipo.
Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.
É fundamental não esquecer que os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, pelas mais variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos.
Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.
Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.
E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.
Vão, parte deles, desaprender de rir, de se sentir bem e de brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram.
Vão ouvir cada vez mais frequentemente qualquer coisa como "não podes fazer isso, já és uma mulherzinha, ou um homenzinho", como se as mulherzinhas e os homenzinhos já crescidos não fizessem asneiras.
Vão conhecer tempos em que se sentem sós e perdidos com um mundo demasiado grande pela frente.
Mais cedo ou mais tarde, alguns deles, vão sentir uma dor branda que faz parte do crescer mas que, às vezes, não passa com o crescer.
Também sei, felizmente que a grande maioria vai continuar a sentir-se bem, por dentro e para fora.
Pode parecer-vos um pouco estranho, mas gostava que a estes miúdos que agora vão começar "a escola", tal como aos outros que já a cumprem, lhes apetecesse "fugir para a escola" e que nós possamos ser capazes de lhes dizer "Cresçam devagarinho, não tenham pressa".
É que depressa e bem, não há quem, como se costuma dizer.
Boa sorte e bom trabalho para alunos, professores, técnicos, funcionários e pais.


domingo, 16 de setembro de 2018

DAS COMPETÊNCIAS FOFAS


Parece claro de há uns anos para cá que a educação escolar envolve o desenvolvimento e aquisição de um conjunto de saberes, comportamentos, competências, etc, nas suas diferentes derivações, que está para além da lógica de aquisição de saberes de natureza disciplinar.
Daqui tem decorrido uma permanente discussão em torno do currículo que oscila entre a definição estreita e normativa de saberes de natureza disciplinar e a ”obesidade curricular”, em que tudo o que pode ser importante a escola pode “ensinar”.
Mais recentemente, com a definição de Perfil dos Alunos à saída da escolaridade obrigatória pretende-se regular o que deve ser o resultante para cada aluno do seu percurso escolar obrigatório.
Parece-me positivo este caminho.
No entanto, começam a emergir alguns discursos e orientações que partindo da ideia antiga das “soft skills”, para além dos saberes instrumentais de natureza disciplinar, inventariam longas listas de competências a promover nos alunos.
Quando atento nalgumas dessas orientações lembro-me do meu amigo João que fala das “competências fofas” numa tradução curiosa das “soft skills”, é um lista imensa.
Julgo, mais uma vez, que é preciso bom senso. Tão desajustado é um currículo normativo, prescritivo, fechado em disciplinas, como um currículo que integra como matéria de trabalho uma infinidade de “competências fofas” que podendo, algumas delas, ser de facto importantes, não têm que se constituir como “objecto” de trabalho escolar. Decorrem da qualidade desse trabalho, da autonomia dos professores, escolas e alunos e, naturalmente, da educação familiar.

sábado, 15 de setembro de 2018

JOSÉ PACHECO, UM CONSTRUTOR DE PONTES


O Professor José Pacheco tem uma entrevista no JN que merece ser lida, reflectida, divulgada e , eventualmente, também discordada em alguns aspectos. 
Foi há 42 anos a alma da escola da Ponte, uma fonte de inspiração de muita gente por cá e por fora e que se desenvolveu em contraciclo com as orientações do ME. Como se depreende da entrevista o José Pacheco continua, felizmente, em contraciclo com muitos dos discursos e ideias em educação. Poderão ser utopias de visionário, podem ser fruto da paixão, podemos não concordar sempre, mas são desafiantes as suas reflexões.
Na verdade sob a orientação de José Pacheco e apesar das vicissitudes e constrangimentos, da pressão da tutela sobre a escola da Ponte e sobre o Director, das inspecções e avaliações que procuravam concluir que seria uma experiência falhada, a comunidade mostrou que era, é, possível ter um outro tipo de escola. Não, não é uma escola perfeita, é apenas uma escola de pessoas.
Aliás, a escola da Ponte tem sido de há anos um objecto de estudo e visita recorrentes por parte de investigadores e professores nacionais e estrangeiros que reconhecem o que de qualidade por ali acontece. Deve ainda sublinhar-se que a visão da escola da Ponte é de uma escola onde verdadeiramente cabem todos, alunos, professores, funcionários e pais.
Há quem lhe chame escola inclusiva.
Para que conste.
Leiam a entrevista, por favor. Não temos que concordar com tudo mas talvez encontremos que pensar. José Pacheco continua, agora no Brasil, a construir pontes … com o futuro. Chama-se Projecto Âncora.

PS - O José Pacheco tem uma colaboração regular no site Educare com um espaço, "O aprendiz de utopias", que é sempre uma leitura estimulante, mesmo que de utopias vindas de um eterno aprendiz.

TEREMOS ALGO DE NOVO NAS VELHAS PRAXES?


A partir de agora e muitas vezes por um período prolongado, tal como nos movimentos migratórios, as cidades com ensino superior começam a ser invadidas por uma população curiosa, os caloiros, também conhecidos pelo acolhedor e simpático nome de "bestas". Andam aos bandos pelas ruas, com um ar patético, mascarado de divertido, às vezes mesmo divertido, enquadrados por um pessoal jovem vestido de negro, trajados, como gostam de dizer que mostram quem manda, tradição ainda é o que era. É o tempo das praxes aos que chegam ao ensino superior.
Não sei se em resultado de alguns episódios lamentáveis, até com consequências graves do ponto de vista físico o que levou a tutela e as instituições a "desencorajar" ou mesmo proibir as praxes, recordo o Programa Praxe +, se em resultado das escolhas dos próprios estudantes ou em resultado dos esforços do MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), registo que as “actividades” de praxe têm vindo a ser mais brandas apesar de alguns excessos que sempre se verificam. No entanto, ao que se vê na imprensa, já se observa o que não pode acontecer, humilhar não rima com integrar.
Fico satisfeito com esta alteração, sobretudo se corresponder a decisões assumidas pelos estudantes no seu conjunto e não fruto de ameaças ou determinações da tutela ou da direcção das diferentes escolas, estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada.
De facto, como regularmente aqui afirmo partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos comportamentos nas praxes tem-me parecido indispensável. Parece-me ainda importante que os dispositivos de regulação das praxes integrem o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas para a sua participação na vida académica que, frequentemente, não sendo "enunciadas", são, evidentemente, praticadas.
Os repetidamente referidos "Códigos de Praxe", nas suas diferentes designações, não parecem suficientes para inibir abusos dos comportamentos e as consequências negativas sobre os não aderentes às praxes.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e integração na vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro, a “besta” como elegantemente é designado. Tenho assistido e todos temos conhecimento de cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo uma anunciada iniciativa de regulação envolvendo diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto e conheço.
A minha experiência universitária, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Provavelmente, advém daí a minha reserva.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

OS CARREGOS DOS MIÚDOS


Ao que a imprensa referia nos últimos dias sublinhando a preocupação e frustração da DECO, nenhuma das medidas contidas na recomendação feita em 2017 pela Assembleia da República de 2017 relativa ao peso das mochilas escolares terá sido levada em consideração.
Medidas como o estabelecimento de dispositivo de homologação das mochilas e das condições ergonómicas mais adequadas, a definição de salas fixas para cada turma, para evitar que as crianças tenham de carregar as mochilas durante os intervalos, a instalação de cacifos, a possibilidade dos materiais escritos, manuais, por exemplo, livros serem produzidos com um papel com uma gramagem mais leve ou a utilização gradual dos recursos digitais incluíam-se na recomendação.
Como é sabido e há pouco tempo escrevi, o Parlamento é melhor a recomendar que a legislar por isso expressei na altura o meu pouco optimismo que sem surpresa se confirma.
Mas vale a pena insistir.
Diferentes estudos sugerem que cerca de sete em cada dez crianças transportam às costas um peso superior ao aconselhado pela OMS, 10% do seu peso corporal.
Como já escrevi existem muitas matérias que não deveriam ser objecto de legislação, o bom senso deveria bastar mas assim não é, aguardemos que as campanhas e recomendações contribuam para minimizar a situação que para algumas crianças é mesmo pesada.
Como é óbvio, pelas suas implicações e riscos, imediatos e a prazo, para a saúde dos miúdos, esta questão deve merecer a atenção de pais e educadores no sentido de a minimizar, embora, por outro lado, o seu transporte configure um exercício físico que disfarça a ausência de espaços e equipamentos adequados em muitas das nossas escolas e combata uma infância sedentarizada, a troco, é certo, de uma coluna castigada.
No entanto, aproveitando o espaço e o tempo de reflexão criados com início de mais um ano talvez também fosse útil olhar de uma forma mais alargada para o peso excessivo que muitas crianças carregam nas suas costas.
As mochilas escolares serão apenas um dos carregos, por assim dizer, mas existem outros que temo ficarem fora deste conjunto de recomendações e nos quais insisto.
Estou a pensar no peso da pressão para que sejam excelentes.
Estou a pensar no peso da pressão para que sejam o que não são e da pressão para que não sejam o que são.
Estou a pensar no peso da pressão de viver demasiado só.
Estou a pensar no peso da pressão que leva a que, por vezes, só gritando e agitando-se se façam ouvir.
Estou a pensar no peso da pressão de não conhecer o caminho e sentir-se perdido.
Estou a pensar no peso da exclusão que muitos sofrem.
Estou a pensar no peso da pressão de actividades sem fim e, às vezes, sem sentido. Estou a pensar no peso da pressão do depressa e bem.
Estou a pensar no peso da pressão para sejam diferentes e na pressão para que sejam iguais.
Estou a pensar na pressão da exclusão e do insucesso.
Estou a pensar na pressão dos que são vitimizados por outros que também sendo vítimas se escondem na agressão.
Estou a pensar no peso da pressão causada por famílias demasiado distantes ou por famílias demasiado próximas ou ainda por famílias ausentes.
Na verdade, há miúdos que carregam o mundo às costas. Entende-se as preocupações dos professores, pediatras, psicólogos, ortopedistas, outros especialistas e de muitos de nós com a coluna dos miúdos.
Não, não é uma visão romântica ou eduquesa, trata-se do bem-estar de crianças e adolescentes. Estes carregos vão pesar mais a partir de agora.