sábado, 30 de setembro de 2017

A FINALIZAÇÃO DO SECUNDÁRIO E O ACESSO AO SUPERIOR. De novo

O Público divulga a existência de uma proposta em estudo por parte do ME relativa a alterações no acesso ao ensino superior nas quais se inclui que os alunos do ensino artístico e profissional apenas realizem o exame exigido na prova de ingresso na curso/escola que escolherem sendo que essa nota não contará para média final do secundário.
O Conselho de Escolas elaborou um parecer negativo no qual afirma “estarão criadas condições de manifesta desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior” sublinhando o peso que as notas do exames têm na definição da média final e a conhecida e reconhecida situação das discrepâncias entre os resultados dos exames e da avaliação interna. Como se sabe esta discrepância é particularmente significativa num também conhecido conjunto de escolas, maioritariamente privadas, que com elevada simpatia e generosidade inflacionam as notas internas e enviesam assim o processo de acesso ao superior.
Não conheço a natureza das alterações em estudo mas do meu ponto de vista, afirmo-o de há muito, os problemas desta natureza, independentemente de ajustamentos, radicam numa questão central que carece de mudança substantiva, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades incluindo o ensino profissional e artístico.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não estará interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o critério quase exclusivo para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias ou da necessidade de outros expedientes como o que agora é referido e que levantam, evidentemente, problemas de equidade.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
Será que se chegará a algum consenso sobre esta questão?

O DIA DE REFLEXÃO

Manda a liturgia dos processos eleitorais que o dia anterior se dedique à reflexão. Como em outras ocasiões tenho afirmado não estou muito de acordo com a sua existência e a existir, ainda que pareça estranho deveria ser o dia seguinte às eleições.
Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção continua a crescer deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos e circunstâncias, alimentando a alternância de poder no chamado centrão apesar da experiência inédita que agora vivemos com entendimento à esquerda. No caso particular das autárquicas existe ainda a variável pessoal e proximidade que informa de cisões que não serão tomadas na véspera. 
Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se verificarem. Aliás, a estafada discussão em torno das “leituras nacionais” dos resultados das autárquicas mostra isso mesmo, a existir o dia seguinte deveria ser o dia seguinte.
No entanto, aproveito o dia de reflexão para deixar um apelo muito sentido.
Apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política que a propósito das eleições de amanhã se inibam de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento?
Então não é de esperar que participar num acto eleitoral, das diferentes formas possíveis, seja algo de normal e tranquilo?
Lembro-me daqueles pais e professores que ao falarem de miúdos acrescentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.
Já agora, nós, os cidadãos que votamos ou não, mas com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate sério, etc.
A campanha que ontem terminou constituiu um autêntico manual, não destoou das anteriores.
A actividade política da generalidade das lideranças é que não decorre com normalidade e tranquilidade democráticas. Não tratem os cidadãos como gente incapaz e de quem sempre se espera o pior.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

PROFESSORES, UMA CLASSE ENVELHECIDA

Segundo o Relatório “Perfil do Docente”, dados de 15/16, divulgado pela Direcção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência, apenas 399 docentes que leccionam em escolas públicas da Educ. Pré-escolar ao Ens. Secundário têm menos de 30 anos de idade.
À excepção do 1º ciclo o grupo etário mais representado é que fica acima dos 50 anos.
Em termos globais no grupo de 40 anos para cima temos na Educ. Pre-escolar 75.5%, no 1º ciclo 70.8, no 2º ciclo 82.6 e no 3º ciclo e Ens. Secundário 81.9%.
Como escrevi há algum tempo, num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente e altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional.
Recordo um estudo recente realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA-IU) segundo o qual cerca de 30% dos perto de 1000 professores inquiridos revela risco de burnout.
Os professores mais velhos, do ensino secundário ou os que lidam com alunos com necessidades educativas especiais apresentam níveis mais elevados de burnout e sentem mais a falta de reconhecimento profissional.
Como causas mais contributivas para este cenário de stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada e pouco apoiada que muitas vezes pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A HISTÓRIA DO MUITO VIVO

Era uma vez um rapaz chamado Muito Vivo, nome que caiu em desuso e que eu achava engraçado. Pois o Muito Vivo era um miúdo que não conseguia estar quieto muito tempo, era capaz de se envolver em várias tarefas. Os pais achavam que ele não era muito organizado, as roupas não ficavam arrumadas como as do irmão e os seus brinquedos espalhavam-se sem ordem aparente pelo espaço onde brincava.
Na escola, adorava conversar e estava sempre pronto para uma discussão na sala de aula, defendia até ao limite os seus pontos de vista e dificilmente se convencia de coisas diferentes do que pensava, até, diziam, era um bocado teimoso. Quem olhasse para o Muito Vivo no recreio notava que ele nunca estava quieto, participava em tudo quanto era jogo sem aparente cansaço e sempre motivado. Os seus trabalhos escolares eram, como não podia deixar de ser, feitos à pressa mas, apesar disso, com um nível satisfatório.
Nas reuniões entre pais e professores o Muito Vivo era sempre objecto de bastante conversa, não que as questões sentidas fossem, ou parecessem, muito graves mas porque ele era Muito Vivo. No entanto, acharam que seria melhor o Muito Vivo ser observado em consultas especializadas.
Quando voltou das consultas especializadas e as pessoas leram os resultados e as opiniões, decidiram que o Muito Vivo afinal tinha um problema muito grande e deveria até mudar de nome. A partir dessa altura chamar-se-ia Hiperactivo e as pessoas começaram então a achar que também tinham um problema muito grande.
O Muito Vivo nunca mais se sentiu bem, sentia-se um miúdo com um problema muito grande que causava às pessoas um problema muito grande.
Na verdade, é preciso uma enorme prudência nos nomes que se dão aos miúdos.

MIÚDOS COM SONO. De novo.

O Público faz referência a um estudo da Universidade Estadual do Iowa mostrando com a presença no quarto das crianças de dispositivos como computadores, tv, smartphones ou tablets têm potenciais impactos no desempenho escolar, maior risco de obesidade e dependência das novas tecnologias.
Os dados não sugerem nada de novo mas sublinham a necessidade de dar atenção a esta questão que frequente é abordada em muitos encontros com pais. Daí a insistência retomando algumas notas.
Também em Portugal, um estudo de 2016 da Universidade do Minho indiciava que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva mostram isso mesmo.
Para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto.
Um estudo recente realizado nos EUA acompanhando durante seis anos 11 000 crianças encontrou fortes indícios de relação entre perturbações ou pouca qualidade do sono e o desenvolvimento de problemas de natureza diferenciada no comportamento e funcionamento das crianças.
O que me inquieta é que esta matéria, os padrões e hábitos de sono de crianças e adolescentes, é muito importante e reconhecida mas nem sempre parece devidamente considerada, seja por desatenção, negligência ou impotência, é muito mais fácil ter um pc ou um smartphone no quarto dos filhos que retirá-los depois de já fazerem parte do “mobiliário”.
A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar mas não só. Todos nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.
Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
As situações de stresse familiar serão importantes mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas tecnologias. Durante o dia, as crianças e adolescentes passam boa parte do seu tempo saltitando de actividade para actividade, passam tempos infindos na escola e, muitos deles, são pressionados para resultados de excelência.
Com a presença dos diferentes dispositivos no quarto durante o período que seria dedicado ao sono e sem regulação familiar, muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.
Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes
A experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

PORTUGUESES, UMA ESPÉCIE AMEAÇADA

Apesar da recuperação que se tinha verificado em 2015 e 2016, este ano tem vindo a decrescer o número de nascimentos em Portugal, menos 5 por dia, em média.
Nós, portugueses, somos uma espécie ameaçada e fico deveras inquieto com a aparente despreocupação que as autoridades na matéria e do universo da ecologia revelam e a ausência de medidas de protecção espécie o que não acontece com outras também ameaçadas.
Na verdade, de há alguns anos para cá os portugueses têm sofrido com alterações a vários níveis que se traduzem na sua diminuição.
As alterações climáticas e das condições de vida no território têm sido de alguma severidade criando um clima tenso, inseguro, que gera desconfiança e desesperança e aumentado as dificuldades da sobrevivência.
De uma forma geral, exceptuando alguns exemplares mais preparados, os portugueses têm sido vítimas de predadores, mais conhecidos por mercados, que têm criado uma enorme pressão no nosso habitat instalando situações de carência e pobreza que dificultam a construção de projectos de vida que incluam filhos o que acentua o declínio da espécie.
É também sabido que nas espécies mais evoluídas assume especial relevância na sua sobrevivência e evolução o papel e a qualidade das lideranças. Também nesta dimensão se verifica uma enorme fragilidade criando uma deriva inconsequente e dispersão de esforços e ideias. Esta situação é ainda um contributo para as alterações climáticas que referi acima.
Os membros mais novos da espécie têm sido particularmente afectados pelas alterações no seu ecossistema pelo que população adulta tende a abster-se de aumentar o número de indivíduos, condição imprescindível à manutenção da espécie.
Acontece ainda que muitos milhares de portugueses, válidos e qualificados, sem que se sintam capazes da sobrevivência no seu habitat se sentem empurrados e têm partido para outros territórios onde muito provavelmente se adaptarão e a prazo abandonam, na prática, a sua espécie embora possamos beneficiar da presença de indivíduos de outras espécies que vêm para o nosso território.
Neste quadro, parece urgente que se exijam medidas de protecção aos portugueses. Urge diminuir a actividade predatória sobre boa parte da população.
Urge aumentar os níveis de protecção e incentivo à natalidade mas de forma séria e não medidas inconsequentes e mais retórica.
Urge aumentar o bem-estar da população no seu todo e não de uma pequena minoria que é insuficiente para a manutenção da espécie.
Urge construir um caminho que possibilite a recuperação e proliferação da espécie.
Não somos uma espécie em extinção.
Somos, é verdade, uma espécie ameaçada.
Mas vamos sobreviver.
E para isso é preciso mudar.
Já.

A CARTA DE MARINHEIRO NO FINAL DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA

As campanhas eleitorais são sempre uma enorme fonte de ideias, projectos, promessas, etc. que nos enchem de esperança e fazem sonhar.
Li no DN que Assunção Cristas quer promover em Lisboa no âmbito do desporto escolar uma “geração oceânica”. Isso mesmo, uma geração oceânica.
A ideia passa pelo envolvimento dos alunos das escolas da capital na prática de desportos náuticos e pela obtenção da carta de marinheiro no final da escolaridade obrigatória.
E que vão fazer com a carta de marinheiro? Irão “encontrar no mar uma área interessante para desenvolver as suas actividades”. Muito bem.
Foi pena a ideia só surgir agora. Teria sido oportuno introduzi-la quando foi discutido o Perfil do Aluno do Séc. XXI. Agora está fechado e não consta do conjunto de competências a adquirir pelos alunos no final da escolaridade obrigatória a “carta de marinheiro”. É lamentável que assim seja, sobretudo num país de marinheiros e onde tanta gente mete água. Claro que a escola pode continuar a engordar as suas competência, depois de conquistar o mar iremos conquistar o ar, segue-se o "brevet", começando nos papagaios e nos "drones" e acabando na aviação comercial ou, porque não,. nos "Canadair" e nos "Kamov" de combate aos incêndios.
Não é o caso de Assunção Cristas que, evidentemente, não mete água. É uma visionária que nos imagina de novo por esses mares fora a dar novos mundos ao mundo e a ultrapassar o Cabo das Tormentas.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

UM RAPAZ CHAMADO RUFIA

Era uma vez um rapaz chamado Rufia, o mais novo, porque havia outro rapaz chamado Rufia, o mais velho, que também faz parte da história. O Rufia, o mais novo, entrou para uma escola onde tinha andado o seu irmão Rufia, o mais velho. Este Rufia, o mais velho, tinha tido uma passagem, por assim dizer, agitada naquela escola, passou por algumas atribulações, não foi um aluno muito bem-sucedido e criou alguns problemas com o comportamento. Este foi o contributo do Rufia, o mais velho, para a história.
Bom, quando o Rufia, o mais novo, entrou para a escola, alguns professores, lembraram-se do outro irmão Rufia, o mais velho, e pensaram que iria ter, de novo, uma série de problemas, é que tinha chegado mais um Rufia.
Na verdade a coisa foi-se tornando complicada e todos os problemas, quase todos, que começaram a acontecer na escola eram atribuídos ao Rufia. Deve dizer-se que raramente o rapaz era, efectivamente, “apanhado” a fazer qualquer coisa de menos positivo. Isso devia-se, diziam os professores, à esperteza do Rufia. É que o rapaz era muito esperto e conseguia realizar muitas asneiras sem ser descoberto. O Rufia, de início, protestava a sua inocência mas as pessoas não acreditavam muito no que dizia. É que ele, achavam, era muito mentiroso. Aos poucos, o Rufia deixou de se queixar do que dele diziam ou achavam, não ligava e andava, como dizem os miúdos, na dele.
Quem se divertia com tudo isto era um outro miúdo lá da escola, um chamado Certinho, que era o grande produtor das asneiras de que acusavam o Rufia.
Existem muitos miúdos com os nomes errados.

DA PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS. Enésimo episódio

Desta vez na Guarda. A tragédia envolveu uma criança de sete anos que não soubemos proteger. O Ministério público tinha arquivado por falta de provas uma queixa de maus-tratos apresentada por alguém a família. Agora, segundo a imprensa, os testemunhos são sólidos embora a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens não tivesse a situação referenciada.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança, parece não existir o que julgo ser mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos Tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões ou demoras em casos de regulação do poder parental, etc.
Temos também em funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz mas em difíceis circunstâncias, para além da falta de agilidade processual na articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é frequente entre nós.
É verdade que existem situações que se desenvolvem por vezes de forma extremamente rápida e imprevisível o que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e atenção.
No entanto, boa parte das Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem boa parte dos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, era conhecida a situação, a(s) criança(s) estava(m) “sinalizada(s)” ou “referenciada(s)” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus-tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas e surgimento de tragédias como a de ontem.
O que me dói ainda mais é que não é a primeira vez que escrevo sobre acontecimentos desta natureza e, provavelmente, não será a última.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

DOS ESPAÇOS DE RECREIO NAS ESCOLAS

A imprensa refere hoje um trabalho interessante realizado por um investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro sobre o espaço de recreio das escolas.
No universo estudado e de uma forma breve os espaços de recreio são insuficientes na dimensão, insuficientes no equipamento que possuem para o desenvolvimento de actividades por parte dos alunos e de baixa qualidade, com poucos espaços verdes.
Eu acrescentaria que também carecem de supervisão mais eficiente considerando o número de alunos que a reordenação da rede escolar, designadamente nos mega-agrupamentos, implicou em muitas escolas e os riscos em matéria de bullying e insegurança.
Muitas vezes tenho referido que os espaços de recreio são importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Esta importância é reforçada pelo tempo sem fim que muitos alunos passam na escola e, naturalmente, nos espaços de recreio.
Sabemos também do baixo nível de actividade de boa parte das nossas crianças e jovens e os riscos do sedentarismo pelo que espaços qualificados e equipados com materiais e equipamentos convidativos motivariam certamente a actividade dos utilizadores.
Neste sentido, a qualificação destes espaços nas várias dimensões e a existência de pessoal deveriam ser também uma matéria com alguma prioridade. Talvez alguns dos recursos que foram gastos de forma pouco justificada na “festa” da Parque Escolar pudessem ter melhor uso na qualificação dos espaços de recreio.

DA DISCUSSÃO PÚBLICA DO REGIME LEGAL DA INCLUSÃO ESCOLAR (ainda a decorrer)

A Direcção-geral de Educação promove hoje e sexta-feira, dia 29, em Gaia, Coimbra e Lisboa três encontros no âmbito da consulta pública da proposta do Regime Legal da Inclusão Escolar que substituirá o DL 3/2008.
Para além da presença do Secretário de Estado da Educação e da Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência que encerram e abrem os eventos, o programa dos Encontros tem três momentos, Apresentação do Projecto de Diploma, Apresentação da Estrutura do Manual de Apoio (previsto no artº 31º da proposta em discussão) e um Painel de Especialistas, (também os mesmos nos três encontros).
Apesar de registar a iniciativa da realização destes encontros umas notas a propósito.
Quem tem acompanhado de alguma forma o que tem sido reflectido no âmbito da proposta do Regime Legal da Inclusão Escolar sabe das muitas dúvidas e questões que se têm colocado.
Teria todo o sentido que estes encontros de “apresentação do projecto de diploma” se tivessem realizado no período inicial da discussão pública para que eventuais esclarecimentos e discussão contribuíssem em tempo útil para a reflexão e maior profundidade das análises. Que se espera do impacto da realização deste encontro a 29 de Setembro em Lisboa quando o prazo de discussão termina a 30?
Por outro lado e considerando a “apresentação da estrutura do “manual de apoio à prática inclusiva”, duas notas.
Em primeiro lugar e de natureza mais pessoal não gosto de um “manual” que se destine a um trabalho que tem como maior característica e desafio justamente … a diversidade, de alunos, professores, pais, escolas, contextos, etc. Acho difícil promover uma “prática inclusiva” “by the book”. No entanto julgo pertinente a definição de orientações o que não é de todo o mesmo que um “manual”. Em segundo lugar, parece-me desejável que a “estrutura” agora a apresentada possa ainda acomodar, termo em moda nestas matérias, o que de importante foi sendo reflectido durante este período de discussão pública.
Finalmente e tal como acabei de referir relativamente ao "manual", o desejo de que o texto final possa incorporar ajustamentos necessários e que estes encontros não se constituam como liturgia de sagração do que já foi definido. 

domingo, 24 de setembro de 2017

"O MENINO QUE TINHA MEDO DE CRESCER"

Uma história na Visão online, "O menino que tinha medo de crescer".

BOTAS DE MARCA PENEU

Como já referi realiza-se este fim-de-semana a Festa da Senhora d’Aires uma das maiores do Alentejo. Há uns dois anos, creio, precisava de renovar o calçado de trabalho e fui feirar. A oferta nas bancas de calçado era variada e procurava umas botas como as do costume, sola de pneu.
Um dos feirantes ia sugerindo tudo o que lá tinha e às tantas pareceu perceber o que eu queria mesmo, botas com sola de pneu que já não se encontram muito facilmente. Foi à ponta da banca e surgiu com ar de vendedor satisfeito e com o produto que eu queria. Olhei para as botas um pouco desconfiado pois não pareciam ser as velhas botas com sola de pneu.
O vendedor mostrou-me então que eram, sim senhor, o que eu queria. As botas tinham inscrito na sola, feita com borracha vulgaríssima, nem parecida com pneu mas eram de marca "PENEU". Fiquei perplexo a olhar para as botas que, lá num cantinho, tinham ainda um discreto "made in China".
Arranjei uma desculpa e desandei esmagado pelo empreendedorismo de uma economia global. Botas com sola "PENEU", ainda não digeri, é demais para mim numa feira do Alentejo.
A tradição já não é o que era.

sábado, 23 de setembro de 2017

DA DISCUSSÃO PÚBLICA DO REGIME LEGAL DA INCLUSÃO ESCOLAR

Vamos entrar na última semana de discussão pública do Regime Legal da Inclusão Escolar, o enquadramento normativo para a resposta educativa à diversidade dos alunos. Irá substituir o DL 3/2008 que como tantas vezes escrevi carece de alterações significativas.
Não tenho dados objectivos mas creio que como é habitual neste universo, a discussão se tem circunscrito fundamentalmente aos docentes, técnicos e pais, estruturas e entidades mais ligadas ao universo de crianças, adolescentes e jovens com necessidades especiais, a tribo como costumo designar. Gostava de estar enganado.
No início do período de discussão pública expressei o desejo de que envolvesse toda a comunidade educativa e outras instituições que de alguma forma contactam com a educação, assim teríamos uma discussão ela própria inclusiva e certamente mais rica. Disse ainda e continuo convencido que a menor participação de toda a comunidade nestas matérias constitui, aliás, uma das dificuldades para o desenvolvimento mais sólido e partilhado dos princípios e práticas de educação inclusiva.
Repito, não tenho informação sobre a amplitude do debate mas temo que tenha sido circunscrito ao habitual circuito ainda que tenha sido animado e participado o que também se deve registar.
Tenho ainda a esperança que a discussão pública possa sustentar ajustamentos na proposta que me parecem  necessários, alguns muito necessários, como também já aqui escrevi. A ver vamos
Ainda a nota de mais um contributo para esta discussão. Trata-se da posição da Pró-Inclusão, Associação Nacional dos Docentes de Educação Especial ontem divulgada.

AS ARRUADAS

Estamos em plena campanha eleitoral para as autárquicas. Por um qualquer conjunto de razões que eu próprio não consigo entender muito bem acho muito estimulantes e interessantes um fenómeno típico das campanhas eleitorais que dá pelo nome de “arruadas”, o passeio de um qualquer candidato pela via pública, sobretudo as mais frequentadas. Este fim-de-semana vai ser um fartote, as reportagens televisivas das arruadas vão-nos entrar pela casa dentro como acabei de ver no jornal da RTP.
É certo que em qualquer altura a deslocação de uma figura política ao que gostam de chamar o “país real” é já uma amostra, mas em campanha pela conquista de mais um voto o espectáculo é deveras estimulante. Sim, eu sei que é estranho mas mesmo assim acho piada.
Tentem entender o meu ponto de vista e reparem, por exemplo, no comportamento e atitude das figuras de segunda linha que aparecem sempre coladas aos “importantes”. Normalmente, seguem um passo atrás de qualquer entidade que leve uma câmara de televisão a segui-la. Os figurantes constituem um grupo numeroso. Por este facto, nem sempre cabem no ecrã e então, assiste-se, por vezes de forma pouco discreta ao esforço para aparecerem. Compõem um sorriso circunspecto e enquanto a entidade é entrevistada é ver os figurantes a inclinar a cabeça em sinal de aprovação ao mesmo tempo que procuram compor um ar inteligente e condescendente para com a comunicação social. Têm a secreta esperança de merecer um primeiro plano que constitua prova de vida.
Acho também muito estimulante o papel dos “operacionais”, quase sempre os elementos das “juventudes partidárias” os que fazem o alarido, agitam as bandeiras e gritam as palavras de ordem e que, numa preventiva iniciativa para que não fiquem tão à rasca mais tarde, vão fazendo a sua formação que lhes permita uma carreira aparelhística ou, pelo menos, a esperança de um empurrãozinho na vida profissional.
Uma outra parte do espectáculo é o comportamento dos anónimos que se cruzam com a arruada e expressam o que lhes vai na alma face às cores do desfile fazendo com que a arruada pare ou acelere o passo em busca de melhor ambiente. Outra gente anónima que entra na arruada é a que se bate pelos brindes que obrigatoriamente são distribuídos pelas segundas figuras da comitiva. A luta e o melhor posicionamento pela conquista de um boné, saco ou esferográfica é um exemplo de empreendimento e esforço que se esperam recompensados.
Mas o que eu gosto mesmo, é de ver o entusiasmo com que a generalidade dos candidatos é abraçado e abraça muitíssimas vezes, distribui beijinhos pelas criancinhas e velhinhas com um carinho e de uma forma tão genuína que enternece. Então nestes dias que tema estado ainda alguma quentura a coisa é ainda mais agradável e o ar fresco e disponível dos candidatos é de uma autenticidade convincente. Acho mesmo que as eleições nunca deveriam realizar-se no tempo quente, as arruadas fazem-se melhor com tempo fresco.
Não sei se vos convenci, mas como diz o povo, “cá p´ra mim” as arruadas são mesmo o que de melhor as eleições têm. O resto é conhecido e quase sempre pouco interessante.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

OUTONO E SECURA

O saber dos velhos diz por aqui que quando não chove pela Feira de Ferreira do Alentejo chove na Festa da Senhora d’Aires que se realiza este fim-de-semana neste canto do Alentejo. Coincide com o início do Outono.
No entanto, também o tempo parece importar-se pouco com o que os velhos dizem, não creio que vá chover apesar de algumas nuvens altas que se vêem lá muito ao longe.
Estava a olhar para a terra gretada pela secura que parece chorar lágrimas secas pela chegada da chuva, as lágrimas molhadas. Não sei se é pelo facto de a minha história me ter proporcionado um constante, próximo e apaixonado contacto com as coisas da terra o meu ano novo não começa em Janeiro, começa nas primeiras chuvas de Outono. A terra foi perdendo o verde, acaba seca o Verão e só as primeiras águas começam a devolver a cor à terra, tudo renasce.
Certamente por coincidência, embora eu não goste de admitir coincidências, também o meu trabalho obedece a este calendário, cada ano começa no fim do Verão. Daí a ideia de que o meu ano novo não seja em Janeiro.
O Velho Marrafa garantiu-me que a próxima semana trará água com a mudança de lua, também aqui ao meu Alentejo, vamos a ver se o saber dos velhos agora se manifesta.
Como dizia o Mestre Almada Negreiros, o cheiro da terra molhada vai fazer sentir-me melhor.
E começa um novo ano. Mais bonito, espero.

ESTÃO A DAR CABO DESSA COISA LINDA, O FUTEBOL

O presidente da Federação Portuguesa de Futebol alerta hoje em artigo no Público para os enormes riscos do ambiente que tem vindo a ser criado em torno do futebol. Já vem tarde e as estruturas directivas e reguladoras são parte do problema embora, evidentemente se espere que façam parte da solução.
Na verdade, também no desporto, em particular no futebol, os tempos andam feios, por cá e por fora. Estranho seria se assim não fosse.
A minha paixão pelo futebol vai resistindo mal aos maus tratos que vai recebendo. São recorrentes e progressivamente mais radicalizados e violentos os comportamentos e discursos que o envolvem para além da componente negócio que também desempenha um papel importante no clima criado.
Não será improvável, antes pelo contrário, que tenhamos um dia destes mais episódios de natureza grave fruto da irracionalidade e do ambiente de hostilidade e ódio instalados.
Os mais recentes episódios envolvendo as claques do Benfica, Porto e Sporting mostram quão próximo podemos estar de alguma tragédia.
Há algum tempo a imprensa referia (desejava) que os clubes, leia-se as suas direcções, pudessem tomar medidas face ao comportamento de alguns, muitos, energúmenos que fazem parte das suas claques.
É no mínimo ingénuo acreditar nisto. As direcções e os seus empregados e porta vozes, os seus discursos, comportamentos e decisões são também parte substantiva do problema, não podem ser parte da decisão.
A mediocridade da generalidade dos dirigentes produz discursos e comportamento que inflamam muitos dos apoiantes, apoiam e organizam as suas actividades. Servem-se deles para os jogos de poder e devem-lhes isso.
É um mundo, escrevia isto há dias, onde não existem santos e pecadores. Talvez a bola seja o elemento mais são deste universo apesar de tantas vezes também ser maltratada.
Já dificilmente me mobilizo para ir a um estádio, não consigo assistir aos milhentos programas televisivos onde opinadores avençados, salvo algumas raras excepções, vão papagueando agendas encomendadas e se envolvem em obscenas trocas de mimos e boçalidades que são mais um alimento para o clima instalado de ódio , hostilidade e agressividade.
O problema é que não consigo não continuar fascinado com esse jogo estranho chamado futebol. Por isso me inquieta tudo isto.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

OS PAIS E A ESCOLA

Ontem ao fim da tarde participei numa estimulante reunião de trabalho com os directores de turma do 2º e 3º ciclo, de técnicos e da direcção de um agrupamento do concelho de Sintra. O tema da conversa foi o envolvimento parental, a participação de pais e encarregados de educação na vida escolar dos filhos, questão inesgotável, difícil e imprescindível.
Um grupo empenhado, motivado, competente e participativo tornou leve a conversa que ia desandando no tempo. Algumas notas a propósito.
A questão de partida, como habitualmente parte da pouca presença dos pais nas reuniões com a escola e forma como exercem a parentalidade. Para ajudar a explicar a baixa presença recorre-se quase sempre aos constrangimentos decorrentes da legislação e horários laborais e da desmotivação ou negligência por parte dos pais.
Também me parece claro ser necessário, por exemplo em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa e, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais. Existem exemplos de diferentes países que se revelam mais positivos
No entanto julgo de considerar outros aspectos. Para além dos pais negligentes que existem e requerem outra abordagem creio que os pais e encarregados de educação que apesar de poderem vão pouco à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança. Os primeiros são os que entendem consciente, ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos e deve resolver os seus problemas. Os outros, são os pais a quem o discurso produzido com alguma frequência pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar e 1º ciclo, os pais aparecem e começando afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo.
Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento, autonomia real e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos no sentido que algumas boas práticas sustentam.
 Redefinição urgente do papel dos Directores de Turma e das condições de exercício da função pois são peças nucleares nos processos educativos e estão muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, criação de dispositivos com professores motivados, existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança. Talvez da carga burocrática que rouba tantas horas de professores se pudessem recuperar algumas para outro tipo de trabalho não docente, mais útil e mais motivador. Mudança nas formas e suporte do contacto, relação, comunicação entre a escola e a família, por exemplo, repensar a tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Recurso concertado às Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações.
O espaço é curto mas creio que no actual quadro é possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O MIÚDO QUE NÃO SABIA SURFAR

Um dia destes, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, estava na sala de professores com o seu inevitável chá quando apareceu a Professora Maria.
Olá Maria, queres partilhar o chá?
Olha Velho, tenho uns minutos, aproveito e falo-te do Mário, tu conheces. Ando preocupada com ele. Parece-me assustado, desassossegado, está pouco atento. Ele é esperto mas como está com pouca atenção, fala muito com os colegas, acaba por não aprender em condições, umas vezes até parece que sabe e um dia depois já se varreu o que parecia saber.
Que mais sabes dele?
A vida lá em casa parece complicada, o Mário não fala muito disso, o pai está desempregado e a mãe também está com problemas, disse-me a mãe da Sara. O Mário é também uma criança muito inquieta com o que está à volta dele.
Ele vai ter que aprender a fazer surf.
Surf?! Estás a brincar Velho.
Não Maria. O mundo à volta do Mário anda muito agitado e ele é apanhado pelas ondas dessa agitação. Como ainda não sabe apanhá-las acaba por ser enrolados no meio delas e daí o desassossego. Ajuda-o a saber surfar.
Eu não sei surfar.
Sabes, os bons professores como tu são capazes de perceber as ondas que se formam nos mares dos miúdos. E entendendo as ondas fica mais fácil pensar como ajudá-los a lidar com elas sem se afundarem, ou seja, tu podes ser a prancha na qual ele surfa as ondas até se aguentar melhor sozinho.

Tantos miúdos que precisam da ajuda dos professores para lidar com as ondas que têm nos mares em que se movem.

A SAGA DOS "DRS. DA MULA RUÇA"

Continua a narrativa das figuras menores que compõem os seus relevantes currículos com licenciaturas obtidas de forma enviesada, por assim dizer, recorrendo a manhosices frequentes no Portugal dos Pequeninos em que ser doutor ou engenheiro é frequentemente visto como uma condição necessária e importante para usar colada ao nome e passar a fazer parte da identidade.
Quando era miúdo ouvia com frequência uma expressão que era dirigida a quem se queria “armar” no que não era, chamavam-lhe “doutor da mula ruça”. É o caso destes “doutores da mula ruça”.
No ãmbito das mudanças verificadas no ensino superior e com base num princípio que me parece positivo estabeleceu-se a possibilidade do reconhecimento académico de competências profissionais. Provavelmente, não se imaginaria o recurso manhoso a este expediente e a cobertura dada a estes processos por muitas instituições de ensino superior. No entanto, é justo referir que também muitas delas e ainda antes da lei ser alterada fixaram máximos de unidades curriculares que poderiam ser feitas através da creditação de experiência profissional.
Como docente do ensino superior lamentei e lamento toda esta narrativa que retira credibilidade a um processo que não deveria levantar dúvidas e faz duvidar de um princípio que por si é importante, o reconhecimento pela academia de que existem saberes e competências que podem ser adquiridas fora da universidade/ensino poliécnico, mas trabalhando mesmo e fazendo prova desses saberes e competências.
Fico triste com esta situação mas não surpreendido, no fundo, como diria Miguel Torga, “a natureza humana é fraca”.

LADO A, LADO B

Mesmo para um cidadão razoavelmente informado e com uma qualificação acima da média, falo de mim, torna-se difícil compreender o grau de desenvolvimento e conhecimento que sustentam muitos dos grandes feitos científicos actuais. Um exemplo recente foi o da sonda Cassini lançada em 1997 em direcção a Saturno de onde após chegar em 2004 enviou para a Terra uma quantidade extraordinária de dados que demorarão anos a estudar. Terminou a sua missão há alguns dias. 
No mesmo sentido, para um cidadão razoavelmente informado e com uma qualificação acima da média, falo de mim, torna-se difícil compreender que seja a mesma humanidade, com o mesmo grau de conhecimento e desenvolvimento, a constatar sem grandes sobressaltos que segundo um Relatório da Organização Internacional do Trabalho e da Fundação Walk Free existirão perto de 25 milhões de pessoas em regime que se pode considerar de escravatura laboral e 15,4 milhões forçadas a casar contra vontade. Do total, cerca de 10 milhões serão crianças. As duas entidades ainda entendem que os números pecarão por defeito por ausência de dados relativos a Estados árabes e às regiões das Américas.
São apenas mais dois exemplos do que costumo designar por lado e lado B dos nossos dias.
O problema é que as histórias dos humanos, com lado A e com lado B são, com demasiada frequência, histórias pouco edificantes para uma espécie “superior”.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

DA GORDURA QUE JÁ NÃO É FORMOSURA

Um estudo da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil realizado durante o ano lectivo de 2016/2017 envolvendo 17698 crianças, entre os 2 e os 10 anos, de escolas do continente, Madeira e Açores e realizado no âmbito de um projecto “Heróis da Fruta – Lanche Escolar Saudável, mostrou que 28.5% (mais de uma em cada quatro) têm excesso de peso, 12.7% são obesas. O estudo também mostra em algumas semanas de envolvimento no Projecto as alterações positivas foram positivas.
De facto e desde há algum tempo a o excesso de peso e obesidade infantil é já um problema de saúde pública.
Recordo o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” da OCDE, segundo o qual em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos.
Recordo um trabalho, creio ser 2014, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto sugerindo que aos 4 anos mais 87% das crianças ultrapassa já “os valores toleráveis de sal” para a sua idade. Crianças com dois e “têm consumos alimentares nada saudáveis”, aos dois anos, por exemplo
O “EPACI Portugal 2012 – Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento na Infância”, mostrou que 31.4% das crianças portuguesas entre os 12 e os 36 meses apresentam excesso de peso e 6.5% situações de obesidade.
A Direcção-Geral de Saúde e o ME têm vindo a determinar que nas escolas alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Ainda um estudo divulgado de 2015 da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colesterol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras como já se verifica com o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
No que respeita à actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos que evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.
Eu sei que à escola não compete tudo. Não pode, nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Sei, sabemos, no entanto, que pela educação é que vamos lá.

"NÃO ME LIMITEM!"

O texto de Laurinda Alves no Observador, “Não me limitem!”, as experiência de vida nele divulgadas e a inspiração de que se revestem  justificam que de novo e sempre retome algumas questões sobre o universo das pessoas com necessidades especiais.
É verdade.
Sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que as pessoas, mais novas ou mais velhas, com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente, seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos ou esperamos, mesmo tão longe como qualquer outra pessoa. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível e níveis de realização significativos. Trata-se do efeito de representações e expectativas que de há muito é estudado também no campo da educação.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas, empregadores e toda a restante comunidade.
No entanto, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com e por estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua (nossa) própria representação sobre este grupo de pessoas, isto é, não acreditam(os) que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem e formação, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
Mais uma vez. A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade) e, finalmente e  por vezes também negligenciado, Aprender (sempre tendo como referência o que todas as pessoas na sua idade aprendem). Estas dimensões devem ser operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação justamente para que acomodem a diversidade das pessoas.
É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir. Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências como as que servem de base a este texto, realizadas por cá e noutras paragens, mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O MANUAL DE INSTRUÇÕES

A propósito do início do ano lectivo surgiram na generalidade da imprensa diversas peças com orientações, conselhos, dicas, para que os pais fizessem o seu trabalho com os seus filhos.
A este propósito recupero um texto que divulguei na Visão há já alguns meses a que chamei “Manual de instruções”.

“Um dia destes, um bom amigo cá de casa entusiasmado com a ideia de em breve integrar a comunidade dos avós e sabendo da minha ligação ao universo dos miúdos pedia, meio a brincar meio a sério, que lhe sugerisse alguma leitura. Também meio a brincar, meio a sério achei que uma boa e primeira opção seria ele estar disponível para ler atentamente e para compreender os gaiatos. Na maioria das situações é suficiente estar atento para os compreender. Eles também nos compreendem e a estrada faz-se com não mais do que os sobressaltos que todas as estradas apresentam.
Fiquei no entanto a pensar na solicitação do meu amigo e na frequência crescente com que estes pedidos surgem.
É verdade que, contrariamente ao que acontece com todos os bens até por imposição comunitária, as crianças continuam a ser “fornecidas” aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções de preferência em várias línguas.
Algum excesso nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam, levam a que os pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muitos técnicos entendam providenciar um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita.
Nos últimos anos tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais". Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, alguns parecem-me interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes. Mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e o caminho cumpre-se sem grandes problemas. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de inquietação que de ajuda.
Parece-me sobretudo importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem receio de que os julguem maus pais. Importa inda que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, alguns, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Paradoxalmente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.”

São estes os meus conselhos, orientações, dicas.

domingo, 17 de setembro de 2017

DO REGIME LEGAL DA INCLUSÃO ESCOLAR

Quase de saída para participar num debate sobre o Regime Legal da Inclusão Escolar, ainda em discussão pública até ao fim do mês. O debate integra-se num ciclo promovido pela Contramão e o de hoje é em Lisboa.
Antecipo uma tarde estimulante. O conteúdo, a necessidade, o contexto, e todos os que participam e assistem são uma garantia de que assim seja.
O meu caderno de encargos é relativamente simples de enunciar. Defender a existência de um quadro legal que no respeito pela diversidade assegure, promova e regule o direito à educação de qualidade de todas as crianças, a sua presença nas salas de aula, a sua participação nas actividades comuns, a sua pertença à comunidade educativa e que aprendam mobilizando e acreditando em todas as suas capacidades.
Por outro lado e sabendo que pelo menos numa dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem sobressalto práticas educativas de excelência com intervenções que atropelam os direitos de alunos, famílias e também dos profissionais, defender a existência de dispositivos de regulação que não devem estar sediados na Inspecção pois não são da mesma natureza.
Vamos ver como corre.

sábado, 16 de setembro de 2017

DEFICIÊNCIA E EMPREGO

Também nas Grandes Opções do Plano para 2018, a que já fiz referência em texto anterior, o Governo identifica a inclusão de pessoas com deficiência ou incapacidade uma prioridade central. Nesta perspectiva pretende desenvolver políticas que sustentam igualdade de oportunidades definindo medidas como o estabelecimento de quotas no mercado de emprego destinadas a pessoas com deficiência ou incapacidade ou acções de formação profissional no sistema regular de formação e o incremento de estágios profissionais em empresas e organizações do sector público e social.
Merece registo a intenção e espera-se que se concretizem. Não deixo de referir que, por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.
No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas possa ser um passo e um contributo para minimizar a discriminação.
E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão crítica. O desemprego ou a dificuldade em aceder ao emprego constituem um dos mais significativos problemas das nossas comunidades. As pessoas com deficiência são ainda mais vulneráveis a este enorme conjunto de dificuldades.
Um Relatório de 2014, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciava que existem empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
As pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência e o desemprego neste grupo social terá aumentado cerca de 70 % face a 2011 estimando-se actualmente que ronde os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis. Veremos como as intenções agora anunciadas se concretizarão … ou não.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

DA ESCOLA INCLUSIVA DE SEGUNDA GERAÇÃO

O Governo tem com alguma frequência afirmado a intenção de promover escolas inclusivas de segunda geração. Aliás, já no programa do PS constava tal objectivo. Ontem, com referência discreta na comunicação social, foi divulgada a aprovação em Conselho de Ministros das Grandes Opções do Plano para 2018 e lá aparece a referência à promoção de uma escola inclusiva de segunda geração.
Como já afirmei, os problemas e dificuldades existentes nas escolas de primeira geração criam-me alguma curiosidade e expectativa sobre escolas inclusivas de segunda geração.
Como muitas vezes afirmo não acredito numa escola inclusiva, nada do que diga respeito a humanos é verdadeiramente inclusivo pelo que a escola também não o pode ser, a sociologia e a experiência demonstram-no desde que existe escola.
Acredito, isso sim, e é um trajecto em que estou envolvido há décadas, que possamos ir construindo contextos educativos assentes em princípios de educação inclusiva. Dito de outra forma, estando todas as crianças jovens em idade escolar na escola que todos frequentam, acredito e defendo que temos em cada momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma delas.
Este caminho tem como base ser, estar, aprender, participar e pertencer.
Este caminho, é fundamentalmente matéria de direitos e não exclusivamente de opções políticas ou científicas.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

OBRIGADO SENHORES

Obrigado senhores da Standard & Poor’s, já não nos chamam lixo. É generosidade e compreensão a mais e da qual não somos merecedores. É verdade que ainda somos quase lixo, mas não somos lixo o que é muito importante.
Não é que não nos lixem na mesma.

PODE A ESCOLA CONTINUAR A ENGORDAR?

Foi apresentada hoje a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Neste âmbito os temas direitos humanos, igualdade de género e interculturalidade com conteúdos relacionados com o racismo, vão ser abordados obrigatoriamente em todos os ciclos de ensino mas apenas nas escolas que integram o projecto-piloto da flexibilidade curricular. Para os restantes alunos a educação para a Cidadania ficará em modo de espera.
Não está, evidentemente, em discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as grandes questões das comunidades, antes pelo contrário, é importante. No entanto, umas notas breves.
Por diversas ocasiões tenho aqui manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que possa de alguma forma dizer envolver os mais novos e a sua formação deva ser ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares, projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder.
Por outro lado, foi-se instalando em Portugal, não só em Portugal mas também em Portugal, a ideia de uma educação, de uma escola, fundamentalmente centrada em competências instrumentais, em saberes “úteis”, "essenciais" como lhes chamava Nuno Crato, destinada sobretudo a formar “técnicos” e não “cidadãos” qualificados. Os currículos são progressivamente aliviados de conteúdos que não sejam “práticos”, promotores de “produtividade”, “domínio de técnicas” como seja toda a área da formação cívica, da educação para a saúde, dos valores, das expressões e conteúdos artísticos, etc.
A escola deve formar empresários, poucos, e técnicos qualificados e de formação estreita, muitos. Estas ideias traduziram-se, traduzem-se apesar de algumas mudanças indiciadas e afirmadas, nos conteúdos curriculares, nos modelos de avaliação, nas concepções do que deve ser o trabalho dos professores, na organização do sistema educativo, selectivo, prescritivo e incapaz de acomodar diferenças entre os alunos, etc.
Entretanto, com a mudança no ME e a definição do Perfil do Aluno para o Séc. XXI reabriu-se a mudanças em matéria de currículo, agora em modo flexibilidade mas ainda em período experimental e para 235 escolas, públicas e privadas.
Sabemos que, independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo a educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.
Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica, literacia financeira, educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem integrar os currículos escolares.
Em princípio, independentemente dos conteúdos poderem ser mais ou menos pertinente, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação de professores, como se a escola, o currículo escolar, os conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda que seja de considerar.
Como é evidente, pode dizer-se sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.
A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de competências instrumentais, etc.
Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.
Na verdade, nem tudo o pode ser interessante saber terá de caber numa disciplina da escola ou num conteúdo escolar formal e nem tudo o que se pode saber se aprende na escola. A dificuldade é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia, a escola que faça.

TEREMOS ALGO DE NOVO NAS "VELHAS" PRAXES?

A partir de agora e muitas vezes por um período prolongado, tal como nos movimentos migratórios, as cidades com ensino superior começam a ser invadidas por uma população curiosa, os caloiros. Andam aos bandos pelas ruas, com um ar patético, mascarado de divertido, enquadrados por um pessoal jovem vestido de negro, trajados, como gostam de dizer. É o tempo das praxes aos que chegam ao ensino superior.
Não sei se em resultado de alguns episódios lamentáveis, até com consequências graves do ponto de vista físico o que levou a tutela e as instituições a "desencorajar" ou mesmo proibir as praxes, recordo o Programa Praxe +, se em resultado das escolhas dos próprios estudantes ou em resultado dos esforços do MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), registo que as “actividades” de praxe têm vindo a ser mais brandas apesar de alguns excessos que sempre se verificam. No entanto, ao que se vê na imprensa, já se observa o que ão pode acontecer, humilhar não rima com integrar.
Fico satisfeito com esta alteração, sobretudo se corresponder a decisões assumidas pelos estudantes no seu conjunto e não fruto de ameaças ou determinações da tutela ou da direcção das diferentes escolas, estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada.
De facto, como regularmente aqui afirmo partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos comportamentos nas praxes tem-me parecido indispensável. Parece-me ainda importante que os dispositivos de regulação das praxes integrem o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas para a sua participação na vida académica que, frequentemente, não sendo "enunciadas", são, evidentemente, praticadas.
Os repetidamente referidos "Códigos de Praxe", nas suas diferentes designações, não parecem suficientes para inibir abusos dos comportamentos e as consequências negativas sobre os não aderentes às praxes.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e integração na vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro, a “besta” como elegantemente é designado. Tenho assistido e todos temos conhecimento de cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo uma anunciada iniciativa de regulação envolvendo diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto e conheço.
A minha experiência universitária, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Provavelmente, advém daí a minha reserva.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

COPY, PASTE

A imprensa de hoje está repleta de referências ao alegado, gosto desta terminologia, plágio realizado por Tony Carreira.
Não me parece nada de surpreendente pois de há uns tempos para cá tem vindo a entrar na agenda a preocupação com o “Copy e Paste”, a cópia, o plágio, designadamente em trabalhos de natureza académica, nas mais das vezes através da consulta na net e recorrendo às ferramentas “copy” e “paste”. Esta preocupação afecta quem lida com alunos mais novos, básico, secundário ou no superior e mesmo na produção científica como tem sido referido com frequência.
Devo dizer que me parece importante a inquietação com o que poderemos classificar de síndrome de “Copy e Paste”. Com demasiada frequência os mais novos ou adultos, não investigam, não produzem pensamentos, discursos, textos ou obras originais limitando-se a copiar, tal e qual, o que encontram já feito, bem ou mal, disponível na net ou noutras fontes sobre a temática em que estão interessados. Para além do atropelo evidente à ética, da tolerância à fraude, esbate-se sobretudo nos casos em contexto escolar a aprendizagem, quem se limita a copiar baixa significativamente a probabilidade de ficar a saber. Concordo genericamente com este entendimento e na necessidade de prevenir e punir situações desta natureza.,
Por outro lado, acho curioso que a condenação do “Copy e Paste” seja feita paralelamente à intolerância face à diferença, à divergência, à criatividade. De facto, vivemos numa era de normalização, vivemos sob uma fortíssima pressão para a semelhança, para a convergência.  A divergência, a criatividade, o “fora da caixa”, são pouco tolerados desde logo nos processos educativos incluindo o ensino superior.
A pressão educativa é no sentido de se ser igual, não de se ser diferente. Copia-se, replica-se, imita-se, ficamos iguais, normalizados e, espera-se, felizes.
O “Copy e Paste” é, assim, apenas uma ferramenta de normalização, não percebo de que se queixam muitas das pessoas que oiço.

INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ, UMA LEI BEM SUCEDIDA

O Director-geral de Saúde, Francisco George, refere que Portugal é neste momento o país da Europa com menos abortos por cada mil nascimentos vivos o que evidencia o “grande sucesso” da lei sobre Interrupção Voluntária da Gravidez aprovada na sequência do referendo realizado há 10 anos.
De facto, desde a publicação da lei tem diminuído significativamente o número de casos de IVG. Os dados disponíveis sobre o perfil das pessoas que recorrem à IVG continua a registar a situação económica vulnerável e mulheres jovens, sublinham a ausência desde 2012 de qualquer morte materna por esta causa, o aumento do uso de dispositivos de contracepção, uma média de realização de IVG abaixo da média da UE e a maioria das mulheres que realizaram IVG fizeram-na por uma única vez
Todo este cenário não confirma as teses catastrofistas que antecipavam o exponencial crescimento de situações. No entanto e do meu ponto de vista, importa não esquecer que muitas das situações que levam à interrupção voluntária da gravidez, situação que, creio, ninguém deseja, decorrem de gravidezes indesejadas, mães adolescentes, por exemplo, felizmente em abaixamento, ou de questões que se prendem com as condições de vida que dificultam projectos de maternidade.
Assim sendo, mais do que a insistência em teses assentes em juízos morais, legítimos, mas, frequentemente, inconsequentes que se continuam a ouvir, parece desejável que se considerem duas vias de análise e desenvolvimento de políticas nesta matéria, a maternidade e a família.
Em primeiro lugar sublinhar a importância da informação e acção educativa preventiva de gravidezes indesejadas, sobretudo entre as mulheres muito novas. Sobre esta questão veja-se a polémica de há meses a propósito do Referencial da Educação para a Saúde a utilizar nas escolas com a retoma de discursos e argumentação absolutamente deploráveis ainda que possam ser legítimos os pontos de vista que defendem.
Por outro lado, é imprescindível considerar a posição da mulher e as dificuldades das famílias nas nossas comunidades. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa os projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que, por vezes estão dramaticamente na base do recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Como é óbvio este cenário não será alheio a muitas decisões de interromper uma gravidez.
Tudo isto torna necessária e urgente a definição de verdadeiras políticas de apoio à família e à maternidade o que seguramente contribuiria para baixar o recurso a uma situação, que, insisto, a esmagadora maioria das mulheres que a ela recorrem não desejam mas a isso, por várias razões, se sentem "obrigadas".

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O CISNE

Há muitos anos, quando comecei a minha vida profissional, ao confessar as hesitações e insegurança naturais, um dos Mestres dizia-me que deveria seguir o exemplo do cisne. Na altura nunca de tal ouvira falar pelo que se seguiu a explicação, quando olhamos para um cisne num lago, a forma serena e tranquila como ele desliza na água transmite essa mesma serenidade e tranquilidade. No entanto, não percebemos que são fruto da agitação das patas do cisne que se passa debaixo de água pelo que não vemos. Finalizou o Mestre que quando temos alguém ou algum grupo à nossa frente, muitas vezes a precisar de ajuda ou a esperar algo, é importante que sigamos o cisne, mostrar serenidade e tranquilidade porque isso é bom para as pessoas, fá-las sentir melhor, mesmo que por “debaixo de água” estejamos agitados e inquietos.
Não me esqueci do conselho que, aliás, tenho passado juntos dos mais novos que comigo se cruzam nestes já longos anos de formação, atrevimento de velho.
Actualmente penso como tão precisados estamos de cisnes. As pessoas andam tensas, crispadas, inquietas e isto contagia. No caso dos miúdos é muito evidente. Muitos pais, muitos professores, muitos adultos em geral, não andam tranquilos e serenos, pelas mais variadas razões. Como é natural, os miúdos sentem esse clima e também se sentem inseguros, inquietos, faltam-lhes referências tranquilizadoras, que promovam serenidade nos comportamentos e nas ideias.
Mas no mundo dos adultos passa-se o mesmo. Se bem repararmos também não sentimos a existência dessas referências tranquilizadoras. Os discursos e os comportamentos das lideranças, nas mais variadas dimensões, são também instáveis, crispados, agressivos, contaminadas por interesses que nem sempre entendemos e tudo isto resulta em insegurança e desconfiança.
É verdade, cisnes precisam-se com urgência.

DA EDUCAÇÃO PARA TODOS

Através do Comissário Europeu para os Direitos Humanos, Nils Muiznieks, o Conselho da Europa divulgou um documento, “Fighting school segregation in Europe through inclusive education: a position paper” de leitura obrigatória.
Os atropelos ao direito à educação que milhares de crianças sofrem em muitos países europeus são por demais importantes para que passe despercebido este verdadeiro caderno de encargos. A exclusão e a segregação escolar através de escolas especiais afecta sobretudo e sem surpresa crianças pertencentes a minorias étnicas, designadamente ciganas, migrantes ou refugiadas, crianças de famílias em situação de pobreza e crianças com deficiência.
Considerando o impacto da exclusão e segregação nos projectos de vida  das crianças importa promover e manter uma pressão constante no sentido de estruturar uma educação que acomode a diversidade e as necessidades de todos os alunos e o impacto da exclusão nos projectos de vida.
Na verdade, a educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos pelo que devem ser assumidas através das políticas e discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar. Aliás, poderá afirmar-se, citando Biesta, que a história da inclusão é a história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.
Nesta perspectiva, os tempos que vivemos, apesar de alguns avanços e muita retórica, ainda são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, como é o caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.
Como dizia o Presidente da República há algum tempo num encontro sobre educação inclusiva, “a luta continua”.