terça-feira, 26 de setembro de 2017

DA PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS. Enésimo episódio

Desta vez na Guarda. A tragédia envolveu uma criança de sete anos que não soubemos proteger. O Ministério público tinha arquivado por falta de provas uma queixa de maus-tratos apresentada por alguém a família. Agora, segundo a imprensa, os testemunhos são sólidos embora a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens não tivesse a situação referenciada.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança, parece não existir o que julgo ser mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos Tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões ou demoras em casos de regulação do poder parental, etc.
Temos também em funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz mas em difíceis circunstâncias, para além da falta de agilidade processual na articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é frequente entre nós.
É verdade que existem situações que se desenvolvem por vezes de forma extremamente rápida e imprevisível o que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e atenção.
No entanto, boa parte das Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem boa parte dos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, era conhecida a situação, a(s) criança(s) estava(m) “sinalizada(s)” ou “referenciada(s)” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus-tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas e surgimento de tragédias como a de ontem.
O que me dói ainda mais é que não é a primeira vez que escrevo sobre acontecimentos desta natureza e, provavelmente, não será a última.

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