terça-feira, 31 de julho de 2012

A SAÚDE A FUGIR

Segundo estudo hoje divulgado no Público, cerca de 42% dos inquiridos refere que o orçamento familiar começa a ser insuficiente para despesas com a saúde, sendo que 35.8% deixaram nos últimos seis meses de comprar medicamentos prescritos.
A situação sendo grave não é propriamente estranha. Em Junho, o Relatório de Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, apesar de conter algumas apreciações positivas a alguns aspectos das políticas de saúde, alertava para dificuldades no acesso da população aos cuidados de saúde, “não se atende suficientemente às dificuldades e necessidades crescentes de uma população em empobrecimento”, afirmava-se.
Tal como no estudo hoje conhecido, também o Relatório continha algumas preocupações com os efeitos das taxas moderadoras, com as consequências de um risco de "racionamentos implícito" nos serviços públicos de saúde que inibam a “prestação de cuidados de saúde necessários” e também afirmava que "existem claros sinais relativos à diminuição da acessibilidade aos medicamentos por parte dos doentes, associada ao seu empobrecimento”.
Este quadro, não pode ser surpreendente. Aliás, há ainda mais tempo, creio que em 2011, o Director da Escola Nacional de Saúde Pública já referia o risco de se verificarem situações de ausência de consulta ou tratamento por falta de condições financeiras, quer no que respeita aos serviços, quer por dificuldades das próprias pessoas.
Os indicadores que sucessivamente vão sendo conhecidos mostram um abaixamento significativo das consultas e de tratamentos providenciados devido às dificuldades económicas de muitas pessoas conjugadas com o aumento dos custos dos serviços e das taxas moderadoras.
Por outro lado, quando tanto se fala no estado social, nos limites desse estado, a privatização de serviços, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos, criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde são ameaçadores. Como afirmou Michael Marmot, que recentemente esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" seja de repensar, pela nossa saúde.

DO MEIO DAS HORTÊNSIAS

Continuando a usar dos bons préstimos do ponto de Wi-Fi da Junta de Freguesia da Fajã Grande é possível dar notícias dos momentos de paraíso da Ilha das Flores.
O vício e a necessidade das caminhadas levou-nos hoje para uma viagem não muito extensa, 10 kms, mas dura com subidas empinadas e descidas que doem, com um piso que nem sempre é fácil, longe disso. Mas o cansaço que se carrega é, por assim dizer, um cansaço manso, um cansaço que o corpo sente mas que a alma recusa e goza.
Viemos do Lagedo para a Fajã Grande, subindo primeiro para o Mosteiro e depois para Fajãzinha.
Estas caminhadas pelas Flores, e não só, mas é que por aqui que agora ando, mostram algo que sempre me surpreende, a capacidade da gente inscrever uma marca humana numa criação natural.
Andando por estes trilhos parece-nos espantoso o que a engenharia humana fez com a terra em locais aparentemente inacessíveis, com as rochas, com as hortênsias, como aproveita a água. Como se consegue ter as incontornáveis vacas em lugares que quando passamos nos interrogamos como é possível que gente se desloque por ali com frequência. É notável.
Eu sei que estas apreciações produzidas por alguém de fora que só vem por pouco tempo e volta para algures, sofrem sempre do que chamo o efeito postal, ou seja, a vida para muitas destas pessoas que sempre estão nas Flores, não será fácil, antes pelo contrário, é dura e, por isso, assumo o lado lúdico destas notas em que tudo parece perfeito e pode ficar excessivo. As minhas desculpas.
No entanto, é impossível ficar indiferente ao que de bonito os olhos olham, o estômago prova, o corpo goza e o afecto guarda. São momentos de paraíso.

OS CUSTOS DO FUTURO

Mais de metade dos estabelecimentos de ensino superior decidiu não aumentar as propinas para o próximo lectivo, ainda que cinco universidades e um politécnico cobrem a propina máxima. A decisão de congelar, por assim dizer, as propinas procura, naturalmente, a minimizar o risco de abandono por dificuldades económicas que famílias e estudantes atravessam.
Sobre esta matéria, algumas notas repescadas. Um estudo há pouco tempo divulgado, realizado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa contribui para desmontar um equívoco que creio instalado na sociedade portuguesa. Comparativamente a muitos outros países da Europa Portugal, tem um dos mais altos custos para as famílias para um filho a estudar no ensino superior, ou seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se considerarmos a frequência de ensino superior particular o esforço é ainda maior.
Tem vindo a ser regularmente noticiada a desistência da frequência dos cursos por muitos alunos que, por si, ou os respectivos agregados familiares não suportam os encargos com o estudo. Sabe-se também dos constrangimentos na atribuição de bolsas de estudo.
As dificuldades pelas quais passam muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, considerados frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas que de natureza científica, curricular ou de mobilidade, envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar significativamente o 2º ciclo que em muitas instituições têm custos elevados, entrando num cenário a que alguns chamam o funcionamento do mercado.
Seria ingenuidade excessiva não perceber que as leis do mercado, sempre o mercado, teriam de chegar também ao ensino superior público, aliás o estudo hoje divulgado mostra o abaixamento sucessivo do investimento do estado em cada aluno. No entanto, também entendo que compete a estudantes e famílias uma parte importante no investimento na formação e qualificação profissional.
Acontece que conhecendo o tecido social, económico e cultural português, longe obviamente dos modelos americanos que alguns defendem, temo que esta entrega às leis do mercado e às capacidades das famílias, alimentem algo que é, ainda, uma característica do sistema educativo português e que os relatórios internacionais reconhecem, o baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, a redução significativa das bolsas e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar os estudos, a que acrescem as elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e que se traduz, por exemplo, no aumento das desistências.
Quando se espera e entende que a minimização das assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço e as dificuldades actuais, longe de as combater, alimenta-as.
É preocupante.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A HISTÓRIA DO ALPINISTA

Era uma vez um homem chamado Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele não acederia, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas universidades em que a exigência em certos cursos, sobretudo para figuras de algum relevo público, não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista. O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante, valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.
Alguns anos depois, poucos naturalmente, o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à escrita.
O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista”.

NOUTRAS PARAGENS, NOUTRAS ARAGENS

Segundo o Público, mais de 1000 portugueses por mês procuram o futuro, que por aqui lhes parece improvável, por terras da Suíça. Este movimento parece retomar o êxodo de algumas décadas atrás em que também Portugal nos parecia um país sem futuro e um presente triste e fechado.
Várias intervenções de alguns governantes, do meu ponto de vista lamentáveis, têm contribuído para a ideia de que lá por fora se encontrará o que aqui parece inacessível, sobretudo para os mais novos, a possibilidade de um projecto de vida viável, tangível.
No entanto, este movimento contém riscos. De há algum tempo desencadeou-se, não só para a Suíça, a partida de milhares de pessoas ou de famílias para países que desconhecem, com uma língua que desconhecem, muitas vezes envolvidos em processos não devidamente acautelados em matéria de segurança, condições de vida e trabalho, acabando expostos a situações de risco e vulnerabilidade.
Há algum tempo, se bem se recordam, o Sindicato da Construção de Portugal alertava para a existência de "redes mafiosas" que contratam trabalhadores portugueses para trabalho no estrangeiro onde são sujeitos a condições de trabalho que configuram escravatura. Numa altura e que, por razões óbvias aumentam os fluxos de emigração esta questão é importante. Sublinha-se ainda que entre os países referidos no alerta do sindicato se incluem países como Inglaterra ou Holanda.
É também conhecida a recorrente situação de trabalhadores portugueses explorados como escravos em trabalho agrícola realizado em Espanha.
A exploração e o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis negócios em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na distribuição da riqueza.
As circunstâncias que atravessamos potenciam o risco e a vulnerabilidade, aliás, há poucos dias referia-se na imprensa o aumento da prostituição envolvendo mulheres em extrema dificuldade para assegurar meios de subsistência familiar.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

ANDAR NO PARAÍSO

Como vos disse, estamos a sentir o privilégio de gozar largos momentos de paraíso na Ilha das Flores.
Para hoje, estabelecemos como programa andar no paraíso, ou seja, arranjar uma boleia até ao Farol de Ponta Delgada, lá para a ponta das Flores, e voltar por um trilho com 12 kms que corre pelo alto da ilha e depois vem pela falésia até à Fajã Grande.
Coisa linda de morrer, duas vezes, da lindeza e do cansaço. O trilho, nas mais das vezes sobe, muito, ou desce, muito, cercado pelos muros de hortênsias, atravessando algumas ribeiras e sempre com uma vista absolutamente notável para a ilha do Corvo e para a costa das Flores e os seus ilhéus.
Na parte mais dura, vai descendo pela falésia com algum sobressalto pela estreiteza e pela altura que impressiona até lá em baixo, muito em baixo onde está o mar de uma azul que parece resultar de efeitos especiais.
Para ajudar, o caminho, apresenta com frequência uma inclinação que só a ajuda dos bastões de marcha evita que se experimente a dureza das pedras que o compõem.
Tem ainda uma outra característica, vai passando por sucessivas quedas de água que além de nos refrescarem, tornam o piso muito escorregadio levando a que a progressão seja lenta. É certo que se fica com mais tempo para apreciar a paisagem mas com mil cuidados, para que não nos estatelemos nela. Nós não ficaríamos bem e a paisagem também não.
Em algumas partes, a paisagem esconde-se, caminhamos por túneis de vegetação o que, ajudando a encobrir a altura da falésia, redobra o prazer de voltar a ver o mar numa curva seguinte.
Três horas e meia depois, a Fajã Grande estava para nos receber com um belo banho de mar, retemperador, que nos permitia estar dentro da água a olhar para a falésia e a pensar como cansa andar, mesmo no paraíso.
O dia acabou como sempre têm acabado estes dias do paraíso, jantar no bar do Jorge, excelente cozinheiro, a assistir ao pôr do Sol.

domingo, 29 de julho de 2012

CRÓNICA DE UM PARAÍSO

A banda larga, felizmente ou infelizmente, ainda não está suficientemente larga. Assim, não digam a ninguém porque não me parece muito bonito, estou a piratear um ponto de Wi-Fi da Junta de Freguesia da Fajã Grande para deixar esta crónica do paraíso.
Eu sei que isto é um abuso, o paraíso não existe, ou por outra, cada um de nós, de mil maneiras, vai conseguindo uns minutos de paraíso, mais ou menos frequentes, em diferentes locais e em diferentes circunstâncias.
Nestes dias tenho, sorte a minha, passado por muitos minutos de paraíso, estou na Ilha das Flores, instalado, como deu para perceber, na Fajã Grande. A Ilha das Flores é um assombro de bonita e o tempo tem ajudado.
É complicado dizer o que qualquer guia turístico já diz mas, por outro lado, andar pelas Flores é mais bonito do que qualquer guia é capaz de descrever.
Parece magia como tanto de diferente se pode encontrar numa área relativamente pequena.
A água ouve-se e vê-se por todo o lado, em cascatas altíssimas, que mesmo no final de Julho continuam em força, ao que nos disseram, ajudadas por umas chuvas tardias. Onde os olhos poisam encontram-se hortênsias de um azul ainda vivo que desenham muros, estradas e paisagens.
A costa tem recortes em que o basalto negro, contrastando com o pôr do Sol lá para o fim do mal, criam um efeito que enquanto dura atraem os olhos sem que possamos resistir, é um encantamento.
Um pequeno segredo que é público, a Poça da Alagoinha e a vereda que lhe dá acesso são de outra dimensão e fazem-nos sentir de outra dimensão, muito grandes por ali estarmos e muito pequenos quando nos comparamos.
Este paraíso, é na verdade, um dos mais bonitos paraíso em que já estive, merece que dele falemos. E é nosso.

ESTAMOS CONTRAFEITOS

Devo dizer que fiquei preocupado. A que parece, devido a dificuldades orçamentais, também conhecidas por “cortes”, a ASAE confirmou que a Direcção-geral de Veterinária deixou de pedir amostras para controlar a qualidade dos alimentos antes de chegarem ao consumidor.
Como é habitual, os responsáveis afirmam que a segurança do consumidor não está ameaçada. Este tipo de discursos é estranho porque se sem o controlo a nossa segurança não fica ameaçada, então como e para quê, se faz o controlo.
De qualquer forma a minha maior preocupação, para além de eventuais riscos associados à diminuição real dos dispositivos controlo na segurança alimentar é as consequências trágicas que pode ter noutras áreas eventuais “cortes” na acção da ASAE.
Nos últimos anos, as economias de muitos países têm sofrido um ataque pesadíssimo através das práticas de contrafacção que envolvem muitos bilhões de euros em muitíssimas áreas, incluindo os fármacos.
Em Portugal temos também, como não podia deixar de ser, um florescente mercado de produtos contrafeitos que, através das populares "feiras" ou da mais sofisticada net, disponibilizam tudo o que se pretender, de qualquer marca, perdão "griffe". Ainda há pouco tempo me ofereceram com insistência uns óculos Armani, mesmo Armani, por 5€ que, obviamente, recusei, eram caríssimos apesar da excelência da qualidade.
As organizações de defesa do consumidor, em particular a DECO, bem como a ASAE têm-se destacado na forma como, em acções, algumas com forte cobertura mediática, procuram combater a contrafacção em diversas áreas, sempre no supremo interesse da “defesa do consumidor”. Assumindo, como qualquer de nós, esta condição de consumidor, não posso estar mais de acordo com esta atitude, embora possa discutir a mediatização e aparato de que se revestem muitas das acções desenvolvidas, apesar de, reconheça-se, ter aumentado a discrição.
Nesta perspectiva preocupa-me o abrandamento da actividade da ASAE até porque têm estado a aumentar nos últimos anos de forma extremamente preocupante a óbvia presença de produtos de contrafacção na nossa vida política o que, obviamente, compromete a sua qualidade. Assim, espero que elementos da classe política, de diferentes quadrantes, que são obviamente produtos contrafeitos e de uma falta de qualidade ameaçadora, sejam detectados e recolhidos pela ASAE para que os eleitores, quando procuram “adquirir”, através do voto, representantes de qualidade certificada e de boas marcas, não tomem gato por lebre.
Mesmo que sejam licenciados em Ciência Política e Relações Internacionais e tentem parecer políticos a sério. Não que sejam sérios, evidentemente.

sábado, 28 de julho de 2012

A REALIDADE ESTÁ ENGANADA, EU É QUE ESTOU CERTO. Tudo vai bem no reino da educação

O Ministro da Educação afirma hoje que a "contestação dos professores não é assim tão grande". No seu entendimento, a pouca constatação existente é um resultado normal de processos negociais que envolvem, digo eu, uma também normal conflitualidade de interesses, entre os vários actores do universo educativo.
O Ministro afirma também que está a resolver, paulatina e tranquilamente os problemas, citando vários exemplos, todos aplicados aos problemas dos professores que, diz o Ministro, estão na sua totalidade em vias de se resolver.
Como é evidente, tenho a maior das dúvidas sobre o ajustamento das conclusões retiradas pelo Ministro Nuno Crato, mas imagino que um ministro tenha que fazer este tipo de discursos, transforma a realidade na projecção dos seus desejos.
A minha questão é de outra natureza. Remete para os problemas que as crianças, os alunos podem sentir e perante os quais não vão, certamente, contestar.
O aumento do número de alunos por turma e a concentração excessiva de alunos, mudanças curriculares que parecem servir mais a economia de recursos que as necessidades de ajustamento na extensão e organização dos conteúdos curriculares, a constituição de turmas de nível que nas circunstâncias em que o Ministro as entende e tem defendido, correm o risco de certificar o insucesso, um Estatuto do Aluno e da Ética Escolar que assenta em bandeiras a multa aos pais e castigos, que podendo ser necessários, nunca não são suficientes para além de uma retórica sobre a autoridade dos professores que não se percebe muito bem como este Estatuto constrói, o corte nos recursos ao dispor da escola em áreas não docentes, a “normalização” do tratamento dos alunos com necessidades especiais, a anunciada “via profissional” para miúdos com 10 anos, etc., são exemplos, entre outras decisões, que levantam de facto inquietações.
Estas inquietações não serão susceptíveis de produzir contestação, os miúdos não costumam contestar.
Por outro lado, com a contestação dos professores, o Ministro, como aluno diligente, vai aprendendo a lidar, discurso habilidoso para cativar a opinião pública, ziguezagueando quanto baste, dá com uma mão, retira com a outra e tudo corre dentro da normalidade. Entende Nuno Crato.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

OS "ZERO": OS DESCARTÁVEIS RECICLADOS

Escreveu-se mais um capítulo da narrativa da definição do quadro de docentes as escolas e agrupamentos para o próximo ano lectivo, afinal alguns descartáveis são mesmo recicláveis. Muitos “zeros”, como já se usa designar gente, professores, obtêm colocação em tarefas diversificadas nas escolas.
Os últimos tempos foram particularmente elucidativos da deriva que se apoderou da equipa do MEC. Em síntese, o Ministro Nuno Crato afirma há semanas na AR que não estava em condições de quantificar mas que haveria professores sem lugar no sistema. Depois, pede aos directores de escola e agrupamentos, num tempo em que era manifestamente possível satisfazer tal pedido, a indicação de necessidades, traduzidas na dispensa de docentes contratados e na passagem de milhares de professores para horários zero. Acresce que este pedido era acompanhado de uma ameaça de responsabilização dos directores pelo que estes, numa estratégia defensiva, "aumentam" o número de "descartáveis". No entanto, os descartáveis não estavam ainda descartados, poderiam ser repescados para as necessidades transitórias das escolas. Este processo produziu nas escolas um clima de dramatismo, indignação e revolta como de há muito não se percebia. Gente com muitos anos de serviço, efectivos ou contratados, viam de um momento para o outro o mundo fugir debaixo dos seus pés.
Em nova chamada à AR, o Ministro e o Secretário de Estado, provavelmente assustados com a reacção indignada de muita gente ou, simplesmente porque resolveram pensar, afirmam que afinal nenhum professor com horário zero vai ser dispensado e que, vejam lá, haverá professores contratados que continuarão, "todos fazem falta", disseram numa pérola de demagogia e hipocrisia. Toda esta gente vai ter um lugar no sistema.
Provavelmente como nos tempos antigos do Meu Alentejo, no largo da vila os moirais, os feitores, escolherão os "activos" que fazem falta em cada herdade para mais umas jornadas sazonais, os outros ficam à espera, sem trabalho e com a vida adiada.
Como é hábito, o Ministro não referiu qualquer indicador sobre o número de situações o que fica estranho num homem que se tem apresentado como o campeão do rigor e das contas, sem máquina de calcular, evidentemente. Na verdade, já não se estranha tal ambiguidade manhosa, o Ministro é bom aluno e aprendeu depressa o jogo de cintura dos políticos incompetentes.
Hoje, fica-se a saber, com “alívio” por parte dos directores de escolas e agrupamentos, que muitos dos “zero”, estamos a falar de pessoas, já lhes conseguimos chamar “zeros” o que é notável, sempre vão ter alguma ocupação nas escolas. Para estes privilegiados a história teve, por agora, um final positivo. No entanto, como alguns docentes premiados com trabalho afirmam, apenas se adia a questão mais um ano. Todo este processo, tal como decorreu implicou custos para o ambiente das escolas e para o clima de trabalho que me parecem difíceis de recuperar.
No mundo da educação pública e no que respeita aos recursos humanos não estamos a falar de uma empresa de serviços ou da indústria que por má gestão ou mudanças no mercado deixa de ser viável e cujo desempenho deixa de ser necessário pelo que os seus activos são descartáveis.
Todas as grandes decisões do MEC em termos de organização do sistema, têm como visão reduzir o número de docentes, veja-se o que foi feito em matéria de revisão curricular, no aumento de alunos por turma e nos agrupamentos e mega-agrupamentos.
Todo este universo constitui, do meu ponto de vista uma séria ameaça à escola pública em Portugal, talvez a mais séria das últimas décadas, curiosa e perigosamente disfarçada de rigor, exigência e qualidade, estas referências vendem sempre bem, mas na verdade, olhando para as decisões, são produtos contrafeitos, falsos.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O DISCURSO

...
É pois possível afirmar que, graças ao ímpeto reformista que este Governo tem colocado ao serviço de Portugal e dos portugueses, estamos no caminho certo para ultrapassar as grandes dificuldades que enfrentámos.
...
Quero também registar perante vós, o orgulho que este Governo sente na avaliação extremamente positiva que os nossos parceiros europeus e as instituições internacionais têm vindo a fazer das políticas que desenvolvemos e que começam a dar os frutos que todos desejamos.
Na verdade, depois de décadas de incompetência política que conduziram o país ao estado que todos conhecemos, à beira da bancarrota, só o rumo que traçámos e que cumprimos e cumpriremos, sem vacilar, custe o que custar, nos conduzirá ao progresso que tornará possível recuperar a confiança dos mercados, o grande objectivo a atingir.
...
Quero ainda sublinhar que, graças ao empenho, à persistência  no caminho estabelecido, à justa e equitativa distribuição dos sacrifícios e das dificuldades, conseguimos dar passos seguros e significativas no sentido de controlar as nossas contas públicas. Este era um ponto de honra e uma necessidade que não poderíamos deixar de cumprir, remediando o que outros de tão mal fizeram.
...
Eu sei, não queremos negá-lo, que alguns dos nossos compatriotas atravessam dificuldades. Por isso, desenvolvemos políticas e medidas de apoio que têm contribuído eficazmente para atenuar essas dificuldades. É verdade que alguns clamam contra, estão sempre contra e sendo os responsáveis pela situação grave do país, contestam agora, sem apresentar qualquer alternativa, diga-se, as políticas que com coragem, rigor e qualidade, temos vindo a prosseguir. Mas ...
...
Sr. Ministro ... Sr. Ministro, desculpe estar a interromper o seu discurso que até é muito bonito, mas a sala já está vazia, saiu toda a gente, preciso de a fechar, amanhã tenho que começar o trabalho cedo e a Câmara já não paga horas extraordinárias, parece que por causa dos cortes. Cortam tudo, os gajos.

O INFERNO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

Num altura fortemente marcada por medidas com impacto muito significativo na qualidade de vida da maioria dos cidadãos, com aumento de impostos, corte nos vencimentos, pensões e reformas, aumento brutal do desemprego, cortes nos apoios sociais, etc., assume ainda mais relevância a dimensão e responsabilidade ética de quem gere e decide nas diferentes áreas do nosso funcionamento.
Vem esta introdução a propósito do escandaloso, mas não surpreendente, lote de nomeações pelo Ministério da Saúde para a direcção executiva de agrupamentos de Centros de Saúde sob proposta da ARS-Norte, como frisou o Ministro na AR. Como é evidente, isto não o desresponsabiliza, antes pelo contrário. Uma análise à informação disponível, ver o Público, sobre a experiência e currículo de boa parte dos nomeados seria algo de anedótico se não fosse trágico nos efeitos. Vai na linha do que estamos habituados de há décadas, um cartão partidário faz milagres curriculares e abre portas profissionais, desde uma licenciatura a um tachozinho na administração da Saúde, arranja-se sempre qualquer coisinha, os amigos e as fidelidades são para as ocasiões.
Quando o Primeiro-ministro afirma que o Governo não está a "exigir de mais" ao País, não pode ser levado a sério, tal como não pode ser levado a sério quando afirmou na campanha eleitoral e no início do seu Governo que "Não se admitirão "jobs for the boys"".
Afinal, aconteceram as nomeações para a aumentada administração da CGD, em anunciado emagrecimento, e em que está claramente em causa um conflito de interesses em alguns dos novos administradores a que se têm vindo a juntar várias situações como a referida acima.
Quando afirmou que a "actuação do estado será transparente". Afinal, o negócio com o BIC sobre o BPN não foi propriamente um modelo de transparência.
“A ser necessário um aumento de impostos incidirá sobre o consumo e não sobre o trabalho”, disse o Primeiro-ministro. Afinal, cerca de metade do subsídio de Natal foi, por assim dizer, cativado pelo Estado e este ano são dois os vencimentos cativados a trabalhadores da administração e pensionistas, medida inconstitucional conforme decisão do Tribunal Constitucional.
"Os gabinetes ministeriais terão de ser exemplos de contenção e austeridade", disse-se. Afinal, aconteceram centenas de nomeações. Em alguns casos, a informação disponibilizada, designadamente no que se refere a vencimentos, mostra situações curiosíssimas com disparidades, no mínimo estranhas. Acontece ainda que muitas das nomeações têm sido de "especialistas", um processo que mais não passa de uma habilidade para fugir à impossibilidade de contratação por parte dos gabinetes e tem sido condenado pelo Tribunal de Contas.
Afinal, os administradores hospitalares ligados ao PS foram substituídos por administradores hospitalares ligados ao PSD e CDS-PP numa dança a que estamos habituados.
Afinal para a Águas de Portugal são nomeados dois autarcas, um do PSD e outro do CDS-PP. Estranhamente o rapaz do PSD, Manuel Frexes, da Câmara do Fundão está em litígio com a AdP por causa de uma enorme dívida.
Afinal, soube-se hoje que o Ministério dos Estrangeiros, o do Dr. Portas, contratou um funcionário do CDS-PP obviamente por concurso público transparente e mérito curricular. Aliás o novo adjunto é arguido no caso Portucale o que ainda mais engrandece o seu currículo.
Afinal …
Hoje está instalada uma "praia do descontentamento", uma forma de protesto, em frente ao Ministério das Finanças. No entanto, mais do que uma praia, tudo isto constitui o inferno do nosso descontentamento.

O DIREITO AOS AVÓS

Como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude em cada 26 de Julho, dia que a agenda das consciências manda dedicar aos Avós, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer simplesmente dizer que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos estão sós e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, de solidão, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um dois em um.
Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários. Aliás, noticia-se no JN a realização de um estudo por uma equipa do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas sobre o impacto na economia familiar do envolvimento dos avós no cuidar dos miúdos que pode se significativo, conforme a experiência relatada por algumas famílias e a experiência de muitos de nós. Como é evidente e reconhecido, muitos destes benefícios não são sequer tangíveis, não se podem quantificar, quase sempre só se podem sentir e gozar.
Na verdade, um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.

CANTA COM AQUILO QUE ÉS, SÓ PODES DAR O QUE É TEU

Em muitos textos  e conversas com gente interessada nas circunstâncias de vida dos miúdos, são frequentes as referências à importância do tempo na forma e qualidade como a vivem.
Quase sempre os discursos entendem que os miúdos não estão a ter o tempo que precisam para crescer. Desde miúdos, começa com os pais, experimentam uma enorme pressão pra crescer depressa, para fazer tudo bem, para fazerem muitas coisas e sempre, sempre com pressa para chegar ao tudo, tudo é importante, tudo faz falta.
A entrada na escola, em diferentes idades, nas mais das vezes reproduz esta questão do tempo que os miúdos cada vez têm menos, para si.
Todo o tempo é gasto na escola, sempre a aprender o tudo que têm de saber para chegar a adultos excelentes, empreendedores, sábios e produtivos. Mesmo o tempo outro que não o da escola, é ainda gasto a aprender mais coisas, a realizar mais actividades sempre à custa do tempo que os miúdos não têm.
A minha questão é que o problema essencial não é o tempo que os miúdos não têm, é o tempo que nós, mais crescidos, não temos. Na verdade nós já não temos tempo.
José Mário Branco, no lindíssimo Fado da Tristeza, diz, "canta com aquilo que és, só podes dar o que é teu".
Só podemos dar o que é nosso, o tempo já não é nosso, não temos tempo, não poderemos, pois, dá-lo aos miúdos. Eles têm mesmo que crescer sem tempo, como nós vivemos sem tempo.
Tenho que acabar, preciso mesmo de terminar a preparação de  um trabalho para amanhã e não posso perder mais tempo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

1,8 MILHÕES DE PORTUGUESES EM RISCO DE POBREZA TALVEZ NÃO CONCORDEM

Passos Coelho afirmou hoje que não é o Governo que está a "exigir demais" ao País, a questão é que o tempo "é muito exigente". Esta afirmação destina-se a contrariar as vozes, pouquíssimas, aliás, que entendem que estamos esmagados com as medidas de austeridade, em algumas dimensões mais pesadas do que as impostas pela troika e diligentemente operadas por quem nos governa.
Quando o Primeiro-ministro fala em não estar a exigir demais ao País, deveria corrigir, não está a exigir demais a uma parte, pequena, do País. Esta pequena parte não sofre exigências excessivas.
Por outro lado e na verdade, à maior parte do país está a exigir demais. Relembro um estudo de há meses divulgado pela Comissão Europeia que analisou a distribuição dos efeitos dos programas de austeridade os países que experimentam maiores dificuldades, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Estónia e Reino Unido, conclui que Portugal "é o único país com uma distribuição claramente regressiva", traduzindo, os pobres estão a pagar mais do que os ricos quando se aplica a austeridade. Pode ainda ler-se que nos escalões mais pobres, o orçamento de uma família com crianças sofreu um corte de 9%, ao passo que uma família rica nas mesmas condições perdeu 3% do rendimento disponível.
Portugal é ainda de acordo com o relatório, o único país analisado em que "a percentagem do corte (devido às medidas de austeridade) é maior nos dois escalões mais pobres da sociedade do que nos restantes". A Grécia, que tem tido repetidos pacotes de austeridade, apresenta uma maior equidade nos sacrifícios implementados.
Este dado parece-me extremamente relevante nesta discussão sobre a eventual necessidade de mais "austeridade" e mostra, de acordo com a percepção comum, que não existe equidade na repartição dos sacrifícios.
O relatório recente do INE sobre Condições de Vida mostra também o aumento das assimetrias e o acentuar do risco de pobreza, afecta 1,8 milhões de cidadãos.
Tal quadro contraria o discurso oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade Evidencia também, o que é verdadeiramente insustentável, que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza.
Também preocupante, parece ser a insensibilidade da persistência na defesa deste caminho, como ainda hoje ficou patente nas palavras de Passos Coelho.

ESTARÁ O MERCADO DOS VEADOS EM RECESSÃO?

Nunca tinha dado por isso mas começo a perceber que o mercado dos veados é sazonal.
De facto, no ano passado, também em Julho a Câmara da Nazaré colocou à venda os veados que vai criando no seu território. Retoma agora a iniciativa comercial, lançando no mercado cinco machos e duas fêmeas.
Nessa altura tentou um negócio em hasta pública que, incompreensivelmente, ficou deserto, sem propostas, o me pareceu lamentável. No pleno uso das suas competências, anda uma autarquia laboriosamente a criar veados para que a sua venda possa contribuir para as depauperadas finanças e, afinal de contas, as contas ficam a zero, ninguém se interessa por veados.
Tal situação causou a maior perplexidade pois, ao que parece, a criação de veados pelas autarquias tem sido um sucesso nos últimos tempos pelo que se torna ainda mais difícil entender a inexistência de interessados nos veados criados na Nazaré.
Entretanto a Câmara da Nazaré, persistentemente, criou uma segunda oportunidade e lá conseguiu despachar os seus veados, vendeu-os aos lotes, é outra coisa, claro.
Este ano, já avisada e sabendo de que com a crise o mercado dos veados também estará em recessão, resolveu mudar a estratégia de negócio. Assim decidiu optar por uma “oferta pública de alienação” esperando assim que os seus veados encontrem mercado e ao longo do ano.
Aliás, a eficácia e qualidade da autarquia são visíveis no aviso público de que estando sujeitos a “alienação” cinco machos e duas fêmeas, existem no cercado autárquico muitas fêmeas prenhas que garantem um abastecimento sem rupturas aos muitos interessados nesta “oferta pública de alienação”.
Ficam portanto notificados os potenciais compradores que podem ir a jogo, os veados da Nazaré esperam por vós, para conhecerem novas paragens, novas aragens.
Nos tempos que correm é bom ter uma notícia destas, uma notícia típica do país feliz. 

ESTA REDE DE ENSINO SUPERIOR É SUSTENTÁVEL?

Na política de cortes orçamentais, custe o que custar, também o Ensino Superior público, universitário e politécnico, está e vai enfrentar dificuldades de funcionamento e sustentação financeira conforme referem o Conselho e Reitores das Universidades Portuguesas e o Conselho Coordenador dos Institutos Públicos Politécnicos.
A questão é complexa e envolve múltiplas variáveis de natureza económica, política, científica, cultural e social, ou seja, as áreas em que se inscreve a missão do ensino superior, havendo ainda que considerar todo o subsistema de ensino superior privado.
No entanto, como repetidamente tenho afirmado uma das questões que mais influencia este universo é o sobredimensionamento da rede, quer pública, quer privada.
Em relatório recente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), considerando dados de 2011, verifica-se uma taxa de 69.79% de preenchimento de vagas e da análise a 71 áreas de estudo conclui-se que em 80% existe excesso de oferta. O Relatório da A3ES, encomendado pelo Conselho de Reitores, aponta a óbvia necessidade de racionalização da rede. De há muito que defendo este entendimento. Na verdade, o ensino superior em Portugal tem como questão estrutural o sobredimensionamento da rede de ensino superior em Portugal. Há algum tempo, o Professor António Nóvoa, reitor da U. de Lisboa, afirmava, "Portugal não deveria termais do que sete ou oito universidades públicas. E estou a ser benevolente" afirmou.
O problema é que o ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria ter impedido o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica. Esta demissão é, aliás, afirmada no relatório da A3ES.
A pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do sistema instalado, associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade. Portugal contará, segundo a informação disponível, com cerca de 160 instituições de ensino superior e como indicador relativo pode referir-se um rácio de 14,7 estabelecimentos por milhão de habitantes, enquanto a Espanha apresenta 7,4, um dado extraordinário.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior se revele um forte incentivo, seja eficaz e não desenvolvido de uma forma cega. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego, existem sempre áreas ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica, de que o processo de fusão entre a Clássica de Lisboa e a Técnica pode constituir um exemplo que se deseja de sucesso.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.

terça-feira, 24 de julho de 2012

AS FÉRIAS. Outro diálogo improvável

Vá lá Tiago, despacha-te, já te chamei tantas vezes, olha que fica tarde.
Pai, estou de férias, porque é vou para a escola?
Tiago, sabes bem que não vais para a escola para ficar lá. Vais logo para a praia.
Mas pai, já estou cansado de ir para a praia, o autocarro vai muito cheio, apanha-se filas grandes, demora muito tempo, faz muito calor e o autocarro fica longe da praia. É preciso andar um grande bocado a pé e depois é preciso voltar e é a mesma coisa.
Mas Tiago, depois descansas um bocado quando voltam da praia, depois de almoço.
Mas pai, a seguir ao almoço vamos para as salas fazer trabalhos, todos dias são os mesmos trabalhos, já estou cansado, estou de férias.
É verdade que estás de férias mas não podes ficar sozinho em casa e, por isso, vais para a tua escola.
Eu sei pai, mas tu quando estás de férias não vais para o teu trabalho.
Tens razão, mas acho que podes divertir-te com os teus amigos, fazer jogos.
A gente não tem tempo para fazer jogos, temos sempre muitas actividades para fazer e as monitoras querem que a gente faça todas, estou cansado.
Bom, acaba de te vestires, senão chegamos e os autocarros já foram embora para a praia, sabes que eles não esperam.
Pai.
Sim Tiago.
Quando é que começam as férias?

MANIFESTAÇÃO DE PREFERÊNCIAS: DEIXEM-NOS TRABALHAR.

Como é evidente, qualquer processo em que intervenha a mão humana é susceptível de erro, trata-se simplesmente da falibilidade de qualquer de nós.
Dito isto, existem, no entanto, circunstâncias em que erros ou dificuldades acabam por espelhar, também, pecados estruturais nos processos que estão envolvidos. Serve esta introdução para uma nota sobre o mais recente episódio da novela trágica que envolve, tem envolvido e vai envolver a definição do quadro docente das escolas e agrupamentos para o próximo ano lectivo. O MEC anunciou o prolongamento do prazo para que os descartáveis recicláveis, os professores contratados, façam a sua "manifestação de preferências", que raio de nome!
Esta gente, os descartáveis recicláveis, são, boa parte dela, gente com muitos anos de serviço, que de um momento para o outro viram o mundo fugir debaixo dos seus pés, tem passado os últimos dias sentada com ansiedade e angústia em frente a um computador para proceder à sua "manifestação de preferências", que em muitos casos resumirá a um simples e famoso enunciado cavaquista, "deixem-nos trabalhar".  O processo tem sido caótico, lento, e impossível de completar para muita gente como, aliás, já tinha vindo a ser referido nos últimos dias.
Todo esta matéria tem sido "conduzida" completamente à deriva, de forma reactiva e ziguezagueante que se não entende num Ministro que tem sido de há muitos anos um fundamentalista defensor do rigor.
No mundo da educação pública e no que respeita aos recursos humanos não estamos a falar de uma empresa de serviços ou da indústria que por má gestão ou mudanças no mercado deixa de ser viável e cujo desempenho deixa de ser necessário.
Todas as grandes decisões do MEC em termos de organização do sistema, têm como visão reduzir o número de docentes, veja-se o que foi feito em matéria de revisão curricular, no aumento de alunos por turma e nos agrupamentos e mega-agrupamentos, essa é a grande questão.
Aguardam-se novos desenvolvimentos desta narrativa, pois relembro que na AR o Ministro e o Secretário de Estado, provavelmente assustados com a reacção indignada de muita gente ou, simplesmente porque resolveram pensar, afirmam que afinal nenhum professor com horário zero iria dispensado e que, vejam lá, haverá professores contratados que continuarão, "todos fazem falta", disseram numa pérola de demagogia e hipocrisia. Toda esta gente vai ter um lugar no sistema.
Para já, têm mais dois dias para a sua "manifestação de preferências".

UM CAMPEÃO DE MUITAS PROVAS

Trata-se de uma notícia verdadeiramente histórica e que mereceria o destaque que, provavelmente, não vai ter. Ao que parece, pela primeira vez nas história dos Jogos, um atleta com deficiência intelectual estará presente nos Jogos Olímpicos, Pedro Isidro de seu nome. O atleta vai participar na prova de 50 Km marcha, uma prova de uma extraordinária exigência, para cuja preparação se exigem requisitos de perseverança, empenho e motivação extraordinários, para além, naturalmente de condições físicas adequadas.
A vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e a funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, pode implicar. Como é evidente, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Aliás, na peça do Público sobre esta figura notável, são evidenciados muitos desses obstáculos e dificuldades. Do meu ponto de vista, esta notícia não deveria estar na secção de desporto, deveria ser título primeiro na secção política.
Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.
Provavelmente o feito desportivo de Pedro Isidro não terá o relevo que merecia. As primeiras páginas, mesmo no desporto, não são para estes indivíduos, as pessoas com deficiência não têm "glamour", não enchem estádios e fazem gastar milhões, não são colunáveis, são apenas, simplesmente, campeões, a sério.

OS CUSTOS DE UM ENSINO EXCESSIVAMENTE "MANUALIZADO"


O Público de hoje dedica um espaço significativo a uma iniciativa que tem vindo a espalhar-se pelo país, a criação de bancos de troca de manuais escolares. Este movimento iniciado por  Henrique Cunha com o objectivo de reutilizar os manuais escolares tem vindo a ser replicado em dezena de locais envolvendo autarquias, associações de pais, escolas, etc. e procura naturalmente contribuir para atenuar os gastos enormes que muitas família têm no início de cada ano com esta importante parte do "material escolar".
Já tenho abordado por diversas vezes a questão dos manuais escolares que considero bastane relevante. Em primeiro lugar relembro que  Constituição da República estabelece no Artigo 74º que “Compete ao Estado assegurar o Ensino Básico universal, obrigatório e gratuito”.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros os manuais obrigatórios representam um encargo superior a 80 milhões de euros para as famílias de 1,4 milhões de alunos. São conhecidos os ajustamentos nas regras e destinatários dos apoios sociais escolares, temos cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza e um terço das famílias a viver mesmo encostadas a esse limiar. Acresce ainda que, ao custo com os manuais se deve adicionar o encargo com material escolar e livros de apoio sempre “sugeridos” pelas escolas e que determinam, de acordo com o INE, que as famílias portuguesas gastem mais que a média europeia em educação.
A questão dos manuais escolares é complexa e muito importante, é um nicho de mercado no valor de muitos milhões como referimos e depois da proliferação de manuais parece ter-se entrado numa fase de alguma estabilidade e, sobretudo, da necessária qualidade, ainda que insuficientemente regulada.
No entanto, do meu ponto de vista, importa questionar não só o papel dos manuais mas, fundamentalmente, da quantidade enorme de outros materiais que os acompanham e que contribuem de forma muito significativa para o aumento da factura dos custos familiares com a educação potenciando injustiça e desigualdade de oportunidades. De facto, para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares. Em muitas salas de aula verifica-se a tentação de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização”ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor é, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta questão, que não me parece suficientemente reflectida nas suas implicações acaba por baixar a qualidade das aprendizagens e apesar de se promover algum controlo da qualidade dos manuais, o mesmo não se verifica com os chamados materiais de apoio o que envolve custos pesados de natureza diversa.
Neste quadro, e apesar das reservas, naturais, dos editores, contribuir para a acessibilidade dos manuais num contexto de enormes dificuldades para muitas famílias parece-me algo de positivo como também me pareceu muito positiva a ideia, divulgada em Maio, de uma equipa da Universidade de Coimbra que vai lançar um manual de Matemática para o 12º ano gratuito, algo de que os editores não irão certamente gostar. Ao que foi dito na altura, no site deste projecto poderão ainda encontrar-se tarefas de apoio à aprendizagem. Ainda assim, este manual pode ser carregado em PDF com um custo equivalente a metade do preço máximo estabelecido para os manuais.
Apesar deste tipo de iniciativas, continuo a pensar que seria de considerar a possibilidade dos manuais escolares serem disponibilizados pelas escolas e devolvidos pelos alunos no final do ano lectivo ou da sua utilização, ficando as famílias com "folga" para aquisição de outros materiais, livros por exemplo. Não esqueço, no entanto, o peso económico deste mercado.

QUE SE LIXEM AS ELEIÇÕES. A SÉRIO?

"Que se lixem as eleições o que importa é Portugal". Esta frase foi proferida ontem por Passos Coelho num jantar com deputados e faz as manchetes da imprensa.
Também acho interessante e devo dizer que me surpreendeu um pouco, pois o ar "certinho" de Passos Coelho não parece compatível com a "vulgaridade" da expressão. Creio, no entanto, que os homens que aconselham a "comunicação e imagem"  do Primeiro-ministro andaram bem, a mensagem é clara e ao gosto do povo, embora o povo ande em desgosto.
A questão é que nada do que se tem passado em Portugal nas últimas décadas de prática política e na gestão do poder político, autoriza que se acredite que essa gestão não obedeça aos ciclos eleitorais e à luta pelo poder político que, naturalmente, se conquista através de eleições. Donde, a afirmação de Passo Coelho não passa de retórica popularucha porque, se o PSD, como qualquer partido do chamado arco do poder, tem uma visão para Portugal, só a pode "praticar" ganhando eleições pelo que afirmar e impor um caminho que de forma clara e antecipada faça correr de forma muito séria o risco de perder eleições, seria uma espécie de suicídio político que, obviamente, nenhum líder partidário, muito menos estando no poder, conscientemente, aceita assumir. Ficam os títulos e a aproximação ao discurso do povo.
De qualquer forma em termos de mensagem política de índole mais popular e considerando os últimos tempos, seria mais apelativo algo como, "Que se lixe a troika e o negócio que nos impôs", "Pagamos, mas pagamos conforme podemos", "Que se lixem os mercados que andam nervosos,  primeiro as pessoas", "Que se lixem as agências de rating que nos colocam no lixo", etc.
O efeito era o mesmo e também soava bem.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS, A ABERTURA DE ALGUNS PROBLEMAS

O MEC divulgou hoje uma nota informando sobre o encerramento de mais 239 escolas do 1º ciclo. Retomo algumas notas sobre esta questão que é multidimensionada e nem sequer é apenas do foro educativo.
Durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com a escolaridade obrigatória implantada, o princípio era “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura de horizontes sempre a evitar. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, foi criando um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, com pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo. Parece pois ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede de que hoje se escreve mais um capítulo.
É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social possam começar a matar as aldeias e, em consequência, liquidam os equipamentos sociais, e não afirmar sem dúvidas o contrário.
Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios cegos e generalizados, esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político, local ou nacional.
Este processo de reorganização da rede, de construção dos centros escolares e da constituição dos mega agrupamentos, com números completamente comprometedores da qualidade e, portanto, inaceitáveis, não ocorre sem riscos sérios.
De há muito que se sabe que um dos factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina escolar é o efectivo de escola. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e agora os Estados Unidos ou o Reino Unido na luta pela requalificação da sua educação, optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito, que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes, dentro, obviamente dodos limites razoáveis. É certo que o MEC faz o pleno, aumenta o número de alunos por escola e o número de alunos por turma, como é hábito o Ministro Nuno Crato cita ou ignora estudos, experiências e especialistas, nacionais ou internacionais, conforme a agenda que lhe é favorável.
As escolas muito grandes, com a presença de alunos com idades muito díspares, são autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores, alunos, pais e funcionários.
Por outro lado, a experiência já conhecida mostra casos de distâncias grandes entre a residência dos miúdos e os centros escolares, levando que devido à difícil  gestão dos transportes escolares, os miúdos passem tempos sem fim nos centros escolares, experiência que não é fácil, sobretudo para os miúdos mais pequenos.
Em síntese, aprece-me razoável que algumas escolas do 1º ciclo sejam encerradas mas com critérios não exclusivamente burocratizados e administrativos, como a análise simples do número de alunos.

UMA REUNIÃO CONJUNTA É IGUAL A UM CONJUNTO DE REUNIÕES

A coisa é simples de enunciar. Algumas entidades com responsabilidades de representação de vários actores importantes do universo da educação, professores, directores de escola e agrupamento, inspectores, funcionários e pais, pedem uma reunião conjunta com o Ministro Nuno Crato para analisar a complexa situação que se vive no mundo da educação.
O Ministro acede e marca a reunião. Por contacto entre as diversas organizações proponentes do encontro, estas percebem que a reunião conjunta de conjunto tem um par, ou seja, são recebidas à vez pelo MEC pois têm agendadas horas diferentes.
Ao que parece os representantes de pais, professores e directores recusam participar no conjunto de reuniões que substitui a reunião de conjunto.
Não sei, neste momento, como vai acabar o episódio. Parece-me, lamento dizê-lo mais um exemplo da deriva e da manha política de que o MEC vai dando contínuas provas. Parece óbvio que do ponto de vista de gestão política corrente é mais fácil reinar sobre a divisão. Tal procedimento, a confirmar-se, vai também no sentido da procura e estabelecimento de amplo diálogos e consensos que o MEC sempre afirma existirem quando, na verdade, as decisões são unilaterais, à revelia da auscultação dos intervenientes. Recordo, como exemplos, a constituição dos agrupamentos e mega-agrupamentos e o desenvolvimento daquilo a que o MEC chama reforma curricular.
Neste episodio em particular, a reunião solicitada pelas Confederações representativas dos pais e encarregados de educação, dos sindicatos de professores e das associações de directores pode ser considerada, provavelmente, uma questão de matemática, mais precisamente no âmbito da teoria dos conjuntos, ou seja, no entendimento de Nuno Crato, um especialista, um conjunto de N é igual a N conjuntos de dois elementos.
Transformar uma reunião conjunta num conjunto de reuniões é mais uma decisão genial, rigorosa, defensora da excelência e da qualidade.
Nota - De facto, não se realizou a reunião conjunta solicitada, as entidades que a solicitaram não aceitaram encontros isolados. Esta situação configura algo que se começa a instalar, uma espécie de "frentismo" que parece esbater a habitual e natural conflitualidade de interesses entre os diferentes actores representados. É com alguma curiosidade que aguardo os desenvolvimentos e a consistência desta "unidade", que só uma política educativa com decisões insustentáveis e incompetentes parece promover e sustentar.

ENSINO PÚBLICO E ENSINO PRIVADO

Um estudo realizado pela Universidade do Porto vem confirmar que os estudantes do ensino secundário oriundos do sub-sistema privado, para igual padrão de resultados nas provas nacionais, tendem a apresentar classificações internas mais elevadas.
Tal facto acaba por beneficiar este grupo de alunos sobretudo no acesso ao ensino superior em cursos com exigência de média de entrada mais alta. A situação não traz nada de novo, creio que quem conhece razoavelmente o sistema educativo português conhece circunstâncias em que a frequência de alguns estabelecimentos de ensino privado é "premiada" com classificações internas mais "generosas", por assim dizer.
O mesmo estudo levanta também sérias reserva ao modo habitual de construção dos rankings assente nas classificações, esquecendo variáveis tão importantes como o percurso escolar dos alunos ou variáveis sócio-demográficas. Como muitas vezes aqui tenho referido a forma como nos colocamos perante a questão estruturante, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos" contamina tudo  que se possa fazer em termos de medida e classificação em política educativa. 
É evidente que não existe a forma perfeita de entender os dados e a sua interpretação, tal como refere na peça do Público sobre esta questão o director executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo que, expressando algumas reservas, sugere estudos com outros modelos ou a consideração de diferentes variáveis.
Nesta matéria é ainda relevante um estudo também citado e realizado igualmente pela Universidade do Porto mostrando que as diferenças que se encontram no acesso ao superior por parte de alunos do ensino secundário privado se esbatem pois, nos 10% de alunos que terminam a formação com notas mais altas, predominam os alunos oriundos do secundário público o que é interessante e não surpreendente.
Entre nós é frequente, e do meu ponto de vista desajustado, dicotomizar de forma excessiva a questão educativa entre privado vs público. Na verdade, entendo a existência de um subsistema educativo de ensino privado como absolutamente necessária para, por um lado permitir alguma liberdade de escolha, ainda que condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do ensino público.
No entanto, mais uma vez, refiro algo que é bem conhecido de todos os que de alguma forma lidam com o universo da educação. Muitas instituições de ensino privado não receberão nunca alguns alunos independentemente de os pais terem no fim de cada mês apoio económico estatal para a sua frequência. Não é uma questão económica, é uma questão de defender a instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de excelência ou a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam os do "capital social" que detêm.
A cultura mais generalizada na opinião pública entende os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e alguns deles são, na verdade, profundamente selectivos na população que acolhem. São conhecidos, o recurso ao “pedigree”, às notas, aos testes de conhecimento e até, a discutível utilização de testes de desenvolvimento pelos respectivos serviços de psicologia. Por outro lado, conhecem-se também estabelecimentos de ensino privado de onde, com baixíssima tolerância, alunos com algum insucesso e ou problemas do comportamento são "convidados" a sair para que se não comprometa a imagem e o estatuto da escola.
Por outro lado, é também conhecido que mesmo entre escolas públicas se verificam cada vez mais práticas de selecção dos alunos de forma mais ou menos discreta e que já foram referidas por alguma imprensa mais atenta.
Reafirmando a necessidade de existência de um subsistema privado, insisto de há muito, que a melhor forma de proteger a liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade, rigor e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna.

domingo, 22 de julho de 2012

HORÁRIOS ZERO E CONTRATADOS, OS DESCARTÁVEIS EVENTUALMENTE RECICLÁVEIS

Os últimos tempos foram particularmente elucidativos da deriva que se apoderou da equipa do MEC. Ocaso absolutamente extraordinário da definição das necessidades de docentes é um exemplo paradigmático dessa deriva.
Em síntese, o Ministro Nuno Crato afirma há semanas na AR que não estava em condições de quantificar mas que haveria professores sem lugar no sistema. Depois, pede aos directores de escola e agrupamentos, num tempo em que era manifestamente possível satisfazer tal pedido, a indicação de necessidades, traduzidas na dispensa de docentes contratados e na passagem de milhares de professores para horários zero. Acresce que este pedido era acompanhado de uma ameaça de responsabilização dos directores pelo que estes, numa estratégia defensiva, "aumentam" o número de "descartáveis".  No entanto, os descartáveis não estavam ainda descartados, poderiam ser repescados para as necessidades transitórias das escolas. Este processo produziu nas escolas um clima de dramatismo, indignação e revolta como de há muito não se percebia. Gente com muitos anos de serviço, efectivos ou contratados, viam de um momento para o outro o mundo fugir debaixo dos seus pés.
Em nova chamada à AR, o Ministro e o Secretário de Estado, provavelmente assustados com a reacção indignada de muita gente ou, simplesmente porque resolveram pensar, afirmam que afinal nenhum professor com horário zero vai ser dispensado e que, vejam lá, haverá professores contratados que continuarão, "todos fazem falta", disseram numa pérola de demagogia e hipocrisia. Toda esta gente vai ter um lugar no sistema.
Provavelmente como nos tempos antigos do Meu Alentejo, no largo da vila os moirais, os feitores, escolherão os "activos" que fazem falta em cada herdade para mais umas jornadas sazonais, os outros ficam à espera, sem trabalho e com a vida adiada.
Como é hábito, o Ministro não referiu qualquer indicador sobre o  número de situações o que fica estranho num homem que se tem apresentado como o campeão do rigor e das contas, sem máquina de calcular, evidentemente. Na verdade, já não se estranha tal ambiguidade manhosa, o Ministro é bom aluno e aprendeu depressa o jogo de cintura dos políticos incompetentes.
No mundo da educação pública e no que respeita aos recursos humanos não estamos a falar de uma empresa de serviços ou da indústria que por má gestão ou mudanças no mercado deixa de ser viável e cujo desempenho deixa de ser necessário pelo que os seus activos são descartáveis.
Todas grandes decisões do MEC em termos de organização do sistema, têm como visão reduzir o número de docentes, veja-se o que foi feito em matéria de revisão curricular, no aumento de alunos por turma e nos agrupamentos e mega-agrupamentos.
Todo este universo constitui, do meu ponto de vista uma séria ameaça à escola pública em Portugal, talvez a mais séria das últimas décadas, curiosa e perigosamente disfarçada de rigor, exigência e qualidade, estas referências vendem sempre bem, mas na verdade, olhando para as decisões, são produtos contrafeitos, falsos.

sábado, 21 de julho de 2012

MAIS MULTAS AOS PAIS, AGORAM CHAMAM-SE TAXAS MODERADORAS

Um grupo de peritos propõe que as crianças que recorrem às urgências hospitalares paguem taxas moderadoras mais elevadas, quando não se tratar de situações verdadeiramente urgentes e não venham através dos Centros de Saúde ou por indicação da Linha Saúde 24. O objectivo é, obviamente, “moderar” o recurso às urgências.
Todos nós reconhecemos sem grandes dúvidas que às urgências hospitalares acorrem muitos casos das chamadas “falsas urgências” o que, obviamente, complica a vários níveis o funcionamento e eficácia dos serviços e o atendimento a situações verdadeiramente urgentes. Esta situação é clara para mim mas, por outro lado, a experiência de vida e o conhecimento do que é por cá viver, sugerem algumas notas.
Em primeiro lugar, tendo o maior respeito pelos peritos, os seus saberes e as suas opiniões, não deixo de recordar, por exemplo, como os peritos estudaram, previram e geriram eficazmente a crise económica em que mergulhámos e como os peritos têm visões claras, coerentes e consensuais sobre como sair dela. Na verdade, como o povo diz, quase temos “cada perito cada sentença”. Donde, sendo imprescindível a sua opinião, importa outras análises.
Muitos de nós têm experiência de recorrer a consultas de urgência nos Centros de Saúde e também sabemos da dificuldade ou quase impossibilidade de, em muitas circunstâncias, conseguir a consulta dentro de um tempo razoável de espera. Dizerem-nos para esperarmos no Centro de Saúde, acontecendo que ainda poderemos ter que esperar depois no hospital, a tentação, óbvia, é a deslocação directa para a urgência hospitalar, encurtando a espera. Esperar que assim não façamos é ingenuidade ou incompetência, pois sem respostas eficazes na generalidade dos Centros de Saúde bem podem os peritos clamar pelo recurso a estes antes do hospital.
Se este quadro envolver crianças a coisa complica-se. A esmagadora maioria de nós não tem conhecimentos que lhe permitam avaliar a maior ou menor gravidade dos problemas que podem afectar os miúdos pelo que a reacção mais natural dos pais é dirigirem-se com a rapidez possível ao local onde sabem encontrar a resposta ajustada para o que quer que seja. Mais uma vez coloca-se a questão, levo o meu filho para o Centro de Saúde, espero horas para a consulta e corro ainda o risco de ter de seguir para o hospital, pelo que o mais fácil será seguir directamente para o hospital.
Os peritos propõem então que se eu tomar esta decisão seja multado, ou seja, que me apliquem uma taxa moderadora elevada que é para aprender a não correr logo para uma urgência cuidar da saúde do meu filho. Claro que os peritos, como peritos, não têm destas inquietações.
O enunciado das propostas dos peritos é muito interessante do ponto de vista processual e logístico. O problema, o pequeno problema, é que nestes processos o que está em causa são pessoas, em particular pais a decidir sobre o que fazer com os miúdos que sentem doentes e não sabem se muito se pouco pelo que correm onde pensam estar a melhor resposta.
De qualquer forma vamo-nos habituando a multas aos pais que decidem mal, aqui chamam-se taxas moderadoras.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

DINHEIRO DE PLÁSTICO TAMBÉM É DINHEIRO. O mercado aproveita tudo

Na edição on-line do Público lê-se que em Portugal já existem tantos cartões de crédito como portugueses, 10,1 milhões. De facto, o cartão, os cartões, de crédito e o telemóvel, os telemóveis, parecem fazer parte do equipamento básico de qualquer de nós. Curiosamente, de acordo com a notícia e de forma um pouco estranha para mim do aumento de pedido de cartões de crédito decorre da crise e das dificuldades sérias que muita gente atravessa pois são usados para pagar despesas básicas. Na verdade, sendo os juros da utilização do crédito bastante mais altos e sabendo-se do aumento brutal de crédito malparado e insolvência das famílias, acho estranho que as instituições bancárias tenham emitido mais 811 000 cartões, obviamente solicitados pelos seus clientes, um número superior ao do ano anterior.
Dados recentes da DECO, em 2012 e até Junho, mais de 10 000 famílias solicitaram ajuda para situações de sobreendividamento.
As famílias em dificuldade que a esta instituição recorrem evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
O Público colocou a notícia sobre o aumento da emissão de cartões de crédito na secção de Economia. Do meu ponto de vista deveria ser inserida na secção sociedade. Na verdade, este cenário, o aumento do uso de cartões de crédito e o crédito malparado não decorre, como muitas vezes ouvimos, exclusivamente da situação de crise económica que atravessamos, sobretudo do nível devastador do desemprego. Do meu ponto de vista, radica também nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora também se conheçam situações de recurso ao crédito para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem, fomentando e incentivando créditos manifestamente pouco sustentados e com uma ligeireza inaceitável. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas, em algumas áreas, crédito à habitação por exemplo, devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento, mas continuam a alimentar o cartão de crédito. É o mercado a funcionar, certamente.
Este tipo de matérias é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

VIAS PROFISSIONAIS E ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA

O Ministério da Economia e o Ministério da Educação e da Ciência anunciaram um programa conjunto de aumento em 50% das vagas para as vias profissionais do ensino secundário e destinadas a jovens dos 15 aos 24 anos, sendo que estes cursos profissionais darão equivalência ao 12º ano. Mais anunciaram que os jovens que optem por esta via, acedendo a formação dual, envolvendo as escolas e as empresas, poderão candidatar-se a “bolsas profissionalizantes” no valor de 180 € que suportarão alimentação e deslocações. Algumas notas.
Nota um. Desde há muito que defendo que é absolutamente central que os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados. Assim, tenho registado os avanços realizados na diversificação da ofertam formativa verificada nos últimos anos apesar de alguns equívocos que geraram a percepção de uma formação de “segunda” dirigida aos “maus” alunos. Estes equívocos decorreram também dos discursos e procedimentos adoptados em muitas escolas e envolveram alunos e famílias. Aliás, não se compreendeu as dificuldades de financiamento e organização desta oferta levantadas pelo MEC às escolas para este ano lectivo, anunciando agora o aumento das vagas. Mais um exemplo da deriva. Registo ainda que estas vias são para jovens depois dos 15 anos e não aos 10 como foi sugerido pelo MEC há semanas, tal como o Expresso noticiou, algo de incompreensível e inaceitável.
Nota dois. Embora perceba o intervalo etário destinatário do programa, 15 – 24, creio que os alunos em período de escolaridade obrigatória deveriam ter um tratamento claro nesse sentido, as vias profissionais são mais uma forma de a cumprir. Esta perspectiva não colide com a possibilidade dos jovens dos 19 aos 24, fora da escolaridade obrigatória, portanto, terem acesso a este tipo de programa, mas num contexto conceptual e operacional separado. Por um lado, temos ainda a segunda mais alta taxa de abandono escolar precoce da EU pelo que importa combater esse abandono. Por outro lado, temos mais de 300 000 jovens em situação, nem nem, isto é, nem estudam nem trabalham e, por isso, devem ter acesso a programas de qualificação mas num contexto separado do cumprimento da escolaridade obrigatória, até aos 18 anos. Acresce que apesar do modelo dual, escola e empresa, parece-me que deve ser ponderado a existência de grupos a funcionar nas escolas constituídos por alunos com 15 anos e 24 anos, por exemplo.
Nota três. O acesso à bolsa profissionalizante. Não possuo ainda dados que permitam perceber os critérios de atribuição e não a entendendo como uma forma encapotada de apoio social, não deveria, do meu ponto de vista, envolver os jovens em cumprimento de escolaridade obrigatória, mas apenas os jovens já fora da escolaridade. A razão para este entendimento radica no facto de que quando se inquirem adolescentes sobre os motivos que os levam a abandonar a escola e a entrar clandestinamente no mercado de trabalho, ouve-se com alguma frequência a vontade de ter dinheiro para comprar os bens que entendem como desejáveis.
Neste contexto, não me parece desejável que, insisto, no período de escolaridade obrigatória, podendo os jovens optar por vias profissionais, essa opção possa ser contaminada pelo acesso a um qualquer rendimento económico. Nos jovens fora da escolaridade obrigatória a questão assume, creio, contornos diferentes.
Nota final e síntese. É de saudar o aumento da diversificação e da oferta educativa nas vias profissionais depois do 3º ciclo e sérias reservas ao envolvimento conjunto de jovens entre os 15 e os 24 e ainda mais reservas face ao eventual pagamento de bolsas profissionalizantes (não estamos a falar de apoios sociais) a alunos dentro da escolaridade obrigatória.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A TRAGÉDIA DO FOGO, COMO SEMPRE. SERÁ DESTINO?

Apesar de alguma aparente evolução, quando chegam os primeiros dias de calor a sério surge a tragédia dos fogos, sempre.
Este ano, ao que parece os meios disponíveis diminuíram e as condições climatéricas têm sido genericamente favoráveis, não tem havido calor em excesso apesar de muitos dias ventosos mas nos últimos três dias a situação mudou, para pior, manteve-se o vento e o calor subiu.
As imagens da Madeira são particularmente devastadores e dramáticas, mas muitos outros locais em Portugal estão mergulhados no inferno do fogo.
Todos os anos somos informados de melhorias nos dispositivos de prevenção e combate, no aumento de meios à disposição, na racionalização da gestão dos recursos, etc. etc.
Entretanto, quando a comunicação social, sobretudo a televisiva, de forma frequentemente desajeitada, começa a mostrar o "terreno", o "cenário dantesco", a ouvir "moradores que passaram uma noite em branco", a ouvir o "senhor comandante dos bombeiros", a referir os "meios aéreos, dois Canadairs e um Kamov", a ouvir os "responsáveis locais ou regionais da protecção civil", a gravar despudoradamente imagens de dor, sofrimento e perda de gente anónima que tendo quase nada, vê arder o quase tudo, parece um filme sempre visto e sem surpresas. É evidente que temperaturas muito altas e vento são condições desfavoráveis e que a negligência e delinquência dão um contributo fortíssimo ao inferno que sobressalta cada Verão.
Sem nenhuma espécie de conhecimento destas matérias, para além do interesse e preocupação de um cidadão atento e preocupado com os custos enormes destes cenários de destruição, tenho alguma dificuldade, considerando a dimensão do nosso país, em compreender a inevitabilidade destes cenários. Os espanhóis têm por uso afirmar que os incêndios se combatem no inverno, nós combatemo-los no inferno.
Trata-se de um destino que não pode ser evitado? Trata-se de uma área de negócios, a fileira do fogo, que, pelos muitos milhões que envolve, importa manter e fazer funcionar sazonalmente? Trata-se "só" de incompetência na decisão política e técnica em termos de resposta e prevenção? Trata-se da falência de modelos de desenvolvimento facilitadores de desertificação e abandono, designadamente das área rurais?
O poeta falava de um fogo que arde sem se ver, é bonita a imagem. Mas quando um fogo arde e se vêem os seus efeitos devastadores e dramáticos, dói mais e não se perdoa.
Acresce que em Portugal passamos o ano todo a apagar fogos de diferentes naturezas e implicações.

QUALIFICAÇÃO A MAIS OU DESENVOLVIMENTO E REGULAÇÃO A MENOS?

No nosso mercado de trabalho parece instalada a circunstância, no mínimo perversa, de jovens que indicam habilitações inferiores às que possuem para que não sejam excluídos do acesso a empregos menos qualificados por possuírem "habilitações a mais". A forma como isto é referido e a análise que por vezes é feita, promovem, ainda que não intencionalmente, alguns equívocos que me inquietam e que retomo de notas já aqui deixadas.
Em primeiro lugar lembrar que os mais novos ocupam uma fatia muito significativa do desemprego em Portugal, actualmente está acima dos 36%.
No caso dos jovens, a referência à situação de desemprego surge regularmente associada à  sua qualificação académica, ensino superior sobretudo, que não "lhes serve para nada" e aqui reside a minha preocupação.
Primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e muitos estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, esta importante variável raramente é associada a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência da mensagem demasiado frequente de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores, continuamos com uma enorme probabilidade não cumprir a meta europeia para 2020 de 40% de licenciados no escalão etário 30-34 anos. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.