domingo, 8 de julho de 2012

PERVERSIDADE E SOBREVIVÊNCIA

No mesmo dia em que na capa do JN se lê que existem 147 mil trabalhadores a receber menos de 310 €, relembro que o salário mínimo é 485 €, encontra-se também uma referência a uma afirmação do Primeiro-ministro considerando "perverso" o recurso a trabalho temporário, reportando-se ao caso da contratação de diferentes técnicos, enfermeiros e médicos, para desempenho de funções no SNS. Como é conhecido esta é uma situação que não existe apenas o âmbito da Saúde. Existem, por exemplo, muitos professores a trabalhar nas chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular pagos pelas Câmaras Municipais por valores semelhantes.
É curiosa esta afirmação de Passos Coelho, obviamente não estranha no despudorado cenário político português, pois estamos a assistir às consequências da sua visão ao serviço da troika, dos mercados, assente no empobrecimento como via para o desenvolvimento, custe o que custar.
Importa contextualizar as relações laborais num universo com cerca de 16% de desemprego, 36,2% de desemprego jovem e a segunda mais alta taxa de precariedade da Europa.
A estabilidade no mundo laboral é espelhada num léxico que só de ouvir embaraça. São frequentes as referências a excedentários, as pessoas são excedentárias, não fazem falta, há que libertar o mercado desse peso, o das pessoas excedentárias.
Um outro termo é o trabalho precário, flexível, dizem, que torna precária uma vida sem a confiança no amanhã.
Também me parece curiosa a ideia de rescisão amigável que, amigavelmente é claro, manda milhares para o desemprego. No fundo, as pessoas deixam de ser pessoas, são activos que como tal devem ser geridos em função do mercado, adquirem-se, dispensam-se, descartam-se, gerem-se e, finalmente, abandonam-se.
Neste cenário, os desequilíbrios fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas.
Alguns dos vencimentos que se conhecem, referidos no título do JN, ou o de alguns técnicos com formação superior, não é um vencimento, é um subsídio de sobrevivência. É exactamente a luta pela sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do trabalho sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis que entre o nada e a migalha "escolhem amigavelmente" a migalha".
E um escândalo. Grave e dramático é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são descartáveis.

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