domingo, 30 de setembro de 2012

O TRABALHO DE CASA. Outro diálogo improvável

Bom vamos começar. Alguém não fez o trabalho de casa?
...
É bom, só vocês os três é que não. Tu Pedro, porque não fizeste o trabalho de casa?
Setôra, eu comecei a fazer, a sério, mas não sabia fazê-lo e perguntei à minha mãe mas ela também não sabia e o meu pai não estava em casa. Assim não fui capaz de fazê-lo.
E tu Carolina?
Setôra, ainda não tenho o caderno de exercícios, o meu pai diz que não consegue comprar os livros todos de uma vez e este ainda não comprou.
Estou a ver. Miguel, faltas tu, porque não fizeste o trabalho?
Setôra, adormeci. Já fui da escola às seis e meia  e depois estive um bocado a brincar com o meu irmão. Quando a gente jantou fui fazer o trabalho mas estava mesmo cansado e cheio de sono, adormeci mesmo, não era capaz de fazer o trabalho.
Não vos percebo, vocês não querem aprender?
Setôra, a gente quer aprender mas não é na escola que se ensina?

REMODELAÇÃO? NÃO, ALTERNATIVAS

Não me quero intrometer no novo ofício de politólogo, os profissionais que estudam e analisam a ciência política, mas na qualidade de cidadão minimamente atento ao que nos rodeia, umas notas sobre um fenómeno que me parece interessante e curioso, as remodelações.
Sempre que os governos, independentemente da sua natureza partidária, começam a sofrer alguma contestação, natural, devida, por um lado às opções políticas demonstradas e por outro lado à incessante luta entre quem tem o poder e quem a ele aspira, surgem referências e cenários sobre  remodelação, numa espécie de relação mágica, se as caras mudarem a realidade também muda. Sempre assim foi, sempre assim será, se não se alterarem os modelos e culturas de organização política, sendo que os efeitos são habitualmente pouco consistentes porque o acessório raramente substitui o essencial.
Os tempos que atravessamos não fogem a este processo. Começam a ser insistentes as vozes, mesmo de entre os partidos integrantes da coligação, que reclamam pela remodelação com a curiosidade semântica de alguns lhe chamarem "refrescamento", o que não deixa de ser interessante. Aliás, os discursos já se direccionam mais para o calendário e oportunidade da remodelação que para a sua inevitabilidade que é dada por adquirida.
No entanto, creio que os últimos tempos nos obrigam a pensar e a exigir mais do que uma remodelação, um refrescamento. A questão de fundo não é a composição o Governo, é a mudança nas suas políticas.
O Governo tem feito, todos o fazem, a defesa das suas opções políticas, com a única alternativa possível e séria. A utilização deste argumento, intimidatório, é velha, tem uma longa tradição, ou é assim ou é o caos. Pretende criar e induzir o medo e a convicção de que não existe qualquer outro rumo que não o por si traçado.
Como ontem sobre isto bem escrevia no Público o insuspeito Pacheco Pereira, no início do seu mandato o Governo, dadas as circunstâncias em que o país estava, encontrou um clima adequado para que as suas políticas fossem entendidas como o único caminho. Muitos dos portugueses interiorizaram a necessidade de sacrifícios e austeridade, numa perspectiva transitória e que devolvesse o equilíbrio perdido. O que tem acontecido é conhecido, têm vindo a ser produzidos sucessivos pacotes de austeridade e sacrifício que resultam em desemprego, exclusão, recessão, cortes fortíssimos em áreas chave com saúde, educação e segurança social e com uma percepção cada vez mais nítida e indesmentível de que são pacotes profundamente injustos, desiguais, massacrando sobretudo rendimentos do trabalho ou de pensões e reformas, o consumo, que penaliza os mais baixos rendimentos e deixando de fora rendimentos muito altos de outra natureza, aceitando incompreensíveis e sucessivas excepções aos sacrifícios e mantendo mordomias e despesa pública inaceitáveis.
Neste quadro de sofrimento e descontentamento que as últimas manifestações têm evidenciado, creio, que como diz Pacheco Pereira, o Governo já não lhe basta remodelar, refrescar caras e ideias, como lhe chamou o incontornável Marques Mendes, o Governo tem mesmo de encarar as alternativas, ou seja, outras caras, com outras palavras para realizar as mesmas obras é o fim, ou melhor, o princípio do fim.
Existem alternativas, sabemos todos que existem alternativas, que são exequíveis, que são respeitadoras dos compromissos internacionais e da necessidade de equilíbrios orçamentais mas sobretudo, é essa a questão essencial, respeitadoras da dignidade das pessoas.
Não acredito que o Governo, este Governo, considere eventuais alternativas, o seu discurso e praxis não autorizam que se pense em mudança significativa, pelo que uma "simples" remodelação será, como já referi, o princípio do fim, do Governo ou da nossa capacidade de aceitação do inaceitável.

A REFORMA ADMINISTRATIVA. Quintas, quintais e quintalinhos

Nos últimos tempos, também por imposição dos termos do negócio que assinámos com a chamada “troika”, entrou na agenda a reorganização administrativa do país, implicando, entre outros aspectos, a diminuição de freguesias e concelhos.
A reforma da organização administrativa do país que data do século XIX é uma necessidade óbvia há décadas. Só a incompetência, a necessidade de alimentar os aparelhos partidários com lugares na administração autárquica e nas empresas municipais tem impedido a imprescindível reforma.
No cenário político que temos entende-se a reacção, natural, de alguns autarcas defendendo a manutenção do quadro actual como também é conhecida a dívida imensa e a desregulação em que vive muito do mundo autárquico.
Sabe-se também como as autarquias e as empresas municipais, na maioria ineficazes e fonte de enormes prejuízos, são frequentemente privilegiadas extensões dos aparelhos partidários e pagamento de fidelidades, transformando-se em sorvedouros de dinheiro sem que sirvam de forma eficaz o bem comum, justificação primeira e última da sua existência. Em muitas autarquias, facto também conhecido, os negócios em torno do imobiliário são outro mundo pouco transparente.
Por outro lado, ninguém duvida do papel essencial que administração local tem na gestão e resolução dos problemas dos cidadãos, pela proximidade, pelo conhecimento, pela natureza da relação. Importa, pois, aprofundar um caminho de descentralização e municipalização de competências que potenciem ainda mais o papel e funções das autarquias.
Acontece que este caminho, exige, do meu ponto de vista uma alteração significativa na organização administrativa do país reduzindo concelhos e freguesias com critérios claros e diferenciados. As grandes áreas metropolitanas, o litoral e o interior do país têm características obviamente diferentes o que terá de ser considerado.
As posições conhecidas no Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses são importantes e significativos. No entanto, apesar de entender muitos dos discursos produzidos como reacção a uma reforma administrativa que se percebe como inoportuna, indesejada, imposta ou sem critérios de diferenciação, alguns desses discursos apenas assentam num natural bairrismo e emoção. O trajecto tem mesmo de assentar em dois eixos, reordenar e municipalizar. A dificuldade é gerir esta matéria no quadro da partidocracia e a sua repercussão no mundo autárquico.
A seguir talvez entre na agenda a discussão do modelo político de governo das autarquias. Mas isso é uma outra questão.

sábado, 29 de setembro de 2012

A DIGNIDADE, UM BEM SEM PREÇO

Este fim-de-semana está, naturalmente, marcado pela realização da manifestação promovida pela CGTP que se antecipa participada, considerando a adesão aos protestos do dia 15 de Setembro.
Para além das razões óbvias que sustentam a contestação às políticas de austeridade cega, assimétrica por porque é desigual e injusta e que, contrariamente, ao que o Governo afirma, não são a ÚNICA alternativa, hoje surgem na imprensa dois excelentes exemplos do que também deve ser contestado, agora, ontem e sempre, o despudor e  a arrogância que insulta os portugueses.
O Ministro Miguel Relvas consegue, em público, referir-se ao problema que pode constituir a falta de confiança dos europeus nas lideranças políticas. De facto, ainda me consigo surpreender, um homem com o trajecto cheio de habilidades, sem currículo decente em termos profissionais, uma ascensão à custa do amiguismo e do aparelho partidário, envolvido em esquemas que são um lodaçal, lembrando ainda a forma como adquiriu um título académico que ofende quem estuda, consegue ainda assumir o despudor de apelar à confiança nas lideranças políticas. Nem humor chega ser e se o fosse, seria de profundo mau gosto.
A segunda nota para o super-ministro sombra António Borges, que além das sucessivas declarações insultuosas sobre, por exemplo, o salário dos portugueses, consegue ofender toda a gente que não concorda com a genial mexida na TSU da forma pretendida pelo Governo. Disse António Borges que os empresários que contestaram a medida são uns ignorantes. Não ouvi que se tenha referido às razões pelas quais os trabalhadores se opuseram, mas presumo que o Dr. Borges entenda que a escumalha que trabalha e que o sustenta não tem mesmo capacidade para entender a inteligentíssima medida que nos tornaria a nós mais pobres e aos mercados, a ele mais rico. Estranhamente, para além do Governo, poucas vozes para além do abutre António Borges se ouviram na dfesa da proposta.
É também por razões e comportamentos deste tipo que as pessoas, que não são estúpidas e sabem que, apesar de entender um esforço de contenção e sacrifício, não podem aceitar sem um sobressalto limites já ultrapassados e discursos ofensivos pela insensibilidade, o despudor e a arrogância.
É uma questão de dignidade, um bem sem preço.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

TENS QUE SER UM CRISTIANO RONALDO

A RTP1 passou ontem do Telejornal uma peça interessante sobre o acesso dos miúdos, logo de muito novos, a mundos como a moda e publicidade, teatro ou o desporto, muitas vezes por pressão dos pais e com resultados nem sempre positivos. A questão merece umas notas a que voltarei um dia destes. No entanto e a este propósito, gostava de vos deixar uma cena testemunhada aqui pelo escriba
Actores principais - Pai e filho com uns 5 ou 6 anos
Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos.
Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta parte.
O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, pensas que o Cristiano Ronaldo não treinou, (Será que o miúdo quer mesmo? Será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho? Será que vê ali um abono familiar?).
O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão.

TEMOS QUE SER AMIGUINHOS

O Dr. Marques Mendes, uma daquelas pessoas que tendo um longo passado político em funções de relevo, se colocam agora numa espécie de cátedra donde emanam infalíveis ideias e modelos que nunca mobilizaram quando assumiram responsabilidades importantes, defendeu que o Governo deverá construir uma "nova relação com o portugueses", para além de outras considerações como a necessidade de uma "refrescadela de caras, ideias e estruturas". Achei ainda particularmente interessantes as suas afirmações sobre o Parlamento, os "vícios" e "hipocrisia" que o tornam "cada vez menos importante e cada vez tem menos prestígio".
Acho sempre profundamente estimulantes e profundas estas análises dos "senadores" (seja lá isso o que for) sobre um quotidiano de que, aparentemente, desconhecem o essencial, as dramáticas condições de vida de milhões de portugueses e, pior, a desesperança em dias melhores.
Diz então o Dr. Marques Mendes que uma nova relação, com diálogo e pedagogia, é o caminho. Este caminho até será mais fácil com uma "refrescadela" de caras e ideias porque os portugueses vão compreender, são muito compreensivos os portugueses, quando lhes explicam bem explicadinho tudo o que lhes está e vai acontecer e quando lhes dizem que temos de ser amiguinhos.
Não consigo entender porque mistério o Dr. Marques Mendes não compreende que o problema não é de relação, o problema é de razão e o Governo vai perdendo a razão com as sucessivas falhas nos objectivos e políticas que subscreve. O problema não é de pedagogia, os portugueses não são tontos e percebem muito bem o que são políticas que persistentemente lhes levam rendimento e apoios e produzem desemprego, pobreza e exclusão. O problema não é de uma "refrescadela" de caras e ideias, o problema é de mudança substantiva de políticas.
Na verdade, pensando melhor, entendo as afirmações do Dr. Marques Mendes, temos mesmo de ser "amiguinhos" dos nossos amigos, e as suas ideias não refrescaram assim tanto, inscrevem-se na partidocracia em que vivemos e que criou o Parlamento com as características por ele descritas mas que assim é preciso que seja, para tudo continue como está.
Pois é Dr. Marques Mendes, sendo amiguinhos tudo se torna mais fácil.

OS VELHOS PROBLEMAS DAS VELHAS PRAXES

A questão das praxes académicas será um dos temas a que mais vezes me refiro neste espaço. Embora não o considere particularmente estimulante, os discursos e comportamentos a que assisto e de que tenho conhecimento todos os anos, levam-me a retornar ao assunto.
Desta vez, já não é inédito, aconteceu em Beja, ao que parece, as circunstâncias não são claras, uma aluna encontra-se em situação grave de saúde, alegadamente em consequência de episódios de praxe. O Público, na peça sobre este incidente revela ter assistido a situações de praxes muito exigentes do ponto de vista físico para os caloiros envolvidos. Sabemos todos que de há alguns anos para cá estas situações são comuns bem como são comuns comportamentos de outra natureza mas, do meu ponto vista, igualmente violentos.
Recordo que há semanas, as estruturas que regulam as praxes de nove universidades e institutos acordaram na elaboração de um documento comum que estabeleça um conjunto de princípios que permita regular os comportamentos de praxe e tentar pôr fim aos abusos que regularmente têm vindo a acontecer, alguns com consequências particularmente graves que, aliás, já motivaram a tomada de posições proibitivas por parte de algumas reitorias e direcções de escola. Esta iniciativa revela por parte dos próprios estudantes a aceitação de situações que devem ser evitadas, daí o esforço de regulação pois os códigos já existentes não parecem ser suficientes para assegurar o equilíbrio desejável.
Como várias vezes já aqui afirmei partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos comportamento nas praxes parece-me absolutamente indispensável. Parece-me ainda importante que este movimento de regulação integre o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, auto-determinada, seja numa posição favorável ou desfavorável.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo a anunciada iniciativa de regulação que envolverá diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto.
A minha experiência universitária, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar.
Talvez as minhas reservas venham dessa nódoa curricular.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A NORMALIDADE DO ANO LECTIVO E OS PROFESSORES QUE NUNCA MAIS CHEGAM

No dia 19 de Setembro, o Ministro Nuno Crato afirmou no Parlamento que o ano lectivo abriu com toda a normalidade sendo que as aulas apenas não se iniciaram em cinco escolas.
O Ministro vai revelando uma inesperada dificuldade em acertar  com os números, todos os dias se conhecem exemplos de escolas em que, devido à enorme trapalhada, morosa, cheia de erros e habilidades que tem sido a colocação dos professores, existem alunos sem as aulas com os professores que ficarão durante o ano ou mesmo sem aulas. Há pouco relatava-se num jornal televisivo mais duas situações em que alunos do 1º ano estavam "entretidos" à espera que um dia destes chegasse a professora.
Creio que seria desejável que alguém conseguisse explicar ao Professor Crato que "normalidade" talvez não seja a melhor forma de caracterizar o clima e as circunstâncias em que se está a iniciar o ano escolar. Como sempre digo, a realidade não é exactamente a projecção dos nosso desejos.
Estes atrasos são como é óbvio extremamente inquietantes em qualquer circunstância, mas a situação de perturbações no 1º ano de escolaridade merecem uma nota mais particular.
Apesar da maioria das crianças ao entrar para o primeiro ano de escolaridade já ter passado, felizmente, pela educação pré-escolar, a entrada na escola, ou melhor, o processo de entrada, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso com sucesso.
Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem é possível recomeçar e tentar de novo com a expectativa de se ser melhor sucedido. A maioria de nós, para não dizer todos, já experimentou episódios desta natureza, seja com companheiras ou companheiros, curso, emprego, casa, etc. Sempre que recomeçamos esperamos que vá ser mais positivo.
O processo de entrada na escola é dos poucos que quando corre mal já não é possível voltar atrás e entrar de novo com a esperança de que a coisa vá correr melhor.
Torna-se, pois, essencial que este processo de entrada na escola seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais, indispensáveis à aprendizagem bem sucedida.
Os atrasos no começo, uns dias com um professor que os "ocupa" enquanto esperam pelo professor que será de ser o seu, a instabilidade sentida na escola e nos pais, não constitui, longe disso, a melhor forma de começar a sua vida de aluno.

SEM TRATAMENTO ERA AINDA MAIS BARATO

Conforme o Secretário de Estado já tinha anunciado há tempos, o Ministério da Saúde prepara-se para cortar o financiamento a opções terapêuticas mais caras em doenças graves como o cancro, sida ou reumáticas. Na altura, Leal da Costa referiu que terapias para o cancro de "eficácia duvidosa” poderiam deixar de ser financiadas o que me deixou curioso pois pensei na actividade dos curandeiros mas tinha a convicção de que estas abordagens “terapêuticas” não são financiadas pelo SNS. O Secretário de Estado precisou que se tratava de considerar se se devem realizar actos médicos, cirurgias por exemplo, que apenas prolonguem a vida dos doentes por pouco tempo.
Esta afirmação recordou-me a famosa intervenção de Manuela Ferreira Leite sustentando que as pessoas com mais de 70 anos deveriam suportar elas os custos da hemodiálise, os velhos são uma carga inútil para o SNS, uma outra pérola do mais fino recorte científico, moral e ético.
A afirmação do Secretário de Estado foi fortemente contestada quer pelo Bastonário da Ordem dos Médicos quer por elementos de Associações de doentes como não podia deixar de ser.
Hoje, com base num parecer do Conselho Nacional da Ética para Ciências da Vida noticia-se que o Governo "recebeu luz verde" para cortar nos tratamentos mais caros para cancro, sida e doenças reumáticas.
Não sou especialista na matéria, mas da leitura do Parecer não é tão claro que "autorize" cortes nos tratamentos. No que me parece mais relevante cito três pontos da conclusão do CNECV com sublinhados meus.
"2. O CNECV recomenda que, nas decisões sobre racionalização de custos, esteja patente que as op-ções fundamentais serão entre os “mais baratos dos melhores” (fármacos de comprovada efectividade) e não sobre os “melhores dos mais baratos”.
10. Nos fármacos comparticipados pelo SNS, o CNECV considera premente reavaliar gastos correntes em termos de custo-oportunidade e custo-efetividade, com possíveis substituições, desinvestimentos ou suspensões. Com efeito, o debate não pode restringir-se à contenção de custos adicionais, mas à melhor utilização dos recursos já existentes e ao combate contra o desperdício e ineficiência na Saúde.
11. O CNECV considera importante enfatizar a redução dos custos de prestação em áreas como intervenções e meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica, se mal justificadas e/ou desnecessárias. Estas devem ser objeto de criteriosa reflexão, sendo necessário estabelecer modelos éticos para fundamentar as decisões."
Parece-me um pouco abusivo e ligeiro o entendimento de que isto cauciona uma decisão administrativa do Ministério da Saúde de cortar financiamento a estas terapêuticas. Aliás, o Bastonário dos Médicos já manifestou a sua preocupação.
Sabemos que os tempos não estão fáceis e que exigem contenção. Mas sabemos, sentimos, que boa parte das políticas, sendo amigas do défice, ainda assim sem grande resultado ao que se conhece, sendo amigas dos mercados, são inimigas das pessoas, fazem mal às pessoas, mesmo algumas das políticas de saúde.
Não me parece que nós possamos escolher as doenças de que iremos padecer para prevenir gastos excessivos com terapêuticas. Por mim, vou tentar ficar só velho, mais nada. É mais barato.

A VIA VOCACIONAL E A VIA INTELECTUAL

Conforme já tinha sido anunciado, o MEC avança com a criação do ensino vocacional, aprendizagem de profissões concretas, obrigatório para o ensino básico. Esta via terá como linhas de força; no final do 6º ano os alunos podem escolher entre a via vocacional ou a via regular (reparem que só uma é "regular", a outra é "especial"), a frequência da via vocacional é obrigatória para qualquer aluno que chumbe duas vezes no mesmo ano no 1º ou 2º ciclos e para quem chumbe três anos interpolados, as famílias ou qualquer aluno podem escolher esta via e no final do 9º ou do 12º os alunos podem, fazendo os respectivos exames, retornar ao ensino "regular" uma vez que manterão na via vocacional o mesmo currículo em Português, Matemática e Inglês, curiosamente as disciplinas com mais "chumbos".
Em primeiro lugar quero deixar claro, tenho-o escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão.
A questão que considero fortemente discutível num plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação ao 6º ano e nos termos propostos pelo MEC, obrigatória para os que chumbam. Poucos sistemas educativos assumem este entendimento.
Os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão obrigatoriamente para o ensino vocacional. Voltamos ao meu tempo, não tens jeito para escola vais para o campo, não tens jeito para os trabalhos "intelectuais" vais para os trabalhos "manuais", "vocacionais" como lhe chama o MEC. Sabe-se que o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual. Assim é que está certo.
Por outro lado, afirmar que um aluno no 6º ano "opta" é um disparate, uma criança de 12 ou 13 anos, não "opta", como sabem se forem sérios. Aliás, nem a lei nem a sua maturidade lhe permitem "optar", o aluno não é o seu encarregado de educação, por alguma razão isto acontece. Claro que a escola poderá sempre "optar" por ele, canalizando os que "atrapalham" os bons alunos para o ensino vocacional.
O MEC diz que os pais devem autorizar ou eles próprios optar, demagogia manhosa mais uma vez. Quem conhece as nossas escolas sabe bem da margem de negociação e do nível de envolvimento dos pais dos alunos candidatos a esta via, os de insucesso, e que esta "autorização" é uma questão burocrática. Seja sério Professor Nuno Crato.
Afirma-se ainda que o aluno pode retornar ao ensino "regular" fazendo os exames nacionais de ciclo. O desvario ignorante, demagógico e mal intencionado continua. Qualquer pessoa que conheça o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno que tenha frequentado uma via mais "prática" durante o 3º ciclo mesmo que tendo o mesmo currículo a Português, Matemática e Inglês, apresentar-se a exame nacional do 9º ou do 12º e ser bem sucedido é residual, mais uma vez haverá excepções, mas serão isso mesmo.
Sejamos sérios, a esmagadora maioria destes miúdos não voltará ao percurso normal sendo "empurrados" aos 12 anos para a via vocacional.
Pena terem acabado os tempos do meu sogro e do mestre Marrafa que, como milhares de outros, começaram a trabalhar aos dez anos. Não atrapalharam ninguém na escola e é sempre necessário quem faça o trabalho "prático".
Não me surpreende que esta decisão do MEC suscite a adesão de alguns, professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas, outros os seus filhos mais afastados dessa gente fracassada que só serve para trabalhos manuais "práticos", "vocacionais". É claro que se a medida tocar aos seus filhos a questão é outra, aí exigirão apoios ou procuram-nos fora da escola, porque sabem, todos sabemos, que aos doze anos os miúdos devem aprender o que TODOS aprendem, da forma que conseguem aprender e com os recursos adequados, aqui sim, deveria residir a verdadeira aposta.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos.

A MENINA CHAMADA SÓ

Era uma vez uma menina chamada Só, tinha sete anos e andava numa escola. A Só quase nunca brincava com ninguém e ninguém quase nunca brincava com a Só.
Na sala tinha uma mesa onde não estava nenhum colega e de onde a Só, à espera de vontade de fazer os trabalhos, via a janela, a única coisa que parecia chamar a sua atenção.
No recreio a Só procurava sempre um cantinho, uma espécie de cantinho encantado e por ali ficava a brincar com as suas ideias.
Num destes dias, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, ao passar no recreio viu a Só lá no seu cantinho encantado e sentou-se ao pé dela.
Em que pensas Só?
Em histórias.
Também penso muito em histórias e já tenho um monte delas guardadas lá na biblioteca.
Velho, tu sabes inventá-las e contá-las?
Claro, queres ouvir alguma?
Velho, como sou Só nunca tenho uma história em que eu entre. Podias inventar uma onde entrasse uma pessoa Só.
E ficou inventada uma história onde já não entrava uma pessoa Só, uma menina. Um dia conto-a.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

VENTOS FAVORÁVEIS OU O CABO DAS TORMENTAS

Hoje, Passos Coelho entendeu por bem citar Camões referindo-se aos "ventos" que nos impelem para a frente.
Acho interessante e patriótica a referência à Camões, sobretudo para sublinhar um optimismo que a realidade em que milhões de portugueses estão mergulhados desmente.
Na verdade, para nos mantermos no universo camoniano dos Lusíadas, seria talvez mis ajustado falarmos do Gigante Adamastor que nos assombra e que dificulta a dobragem de um Cabo das Tormentas que não parece poder tornar-se um Cabo da Boa Esperança.
Por outro lado, numa visão mais simpática e  estimulante, poderia o Primeiro-ministro remeter-nos para uma Ilha dos Amores onde tudo seria bem mais agradável.

AS ESPECIAIS DIFICULDADES DOS ALUNOS ESPECIAIS. Nada de novo, estão habituados

Há uns tempos atrás, aquando do processo que levou ao actual modelo de parceria entre o MEC e os criados Centros de Recursos para a Inclusão, estruturas dependentes, por exemplo, das Instituições de Educação Especial, cujo espaço de intervenção estava em profunda alteração mercê de uma orientação política de colocar, não lhe quero chamar integrar, nas estruturas de ensino regular as crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais, referi publicamente as minhas reservas face a este modelo e entendi-o como um enorme equívoco que, seria uma questão de tempo, se perceberia.
Este meu entendimento mereceu alguma discordância incluindo de pessoas ligadas às estruturas envolvidas.
Os tempos de aperto financeiro e os contornos da PEC - Política Educativa em Curso, em que o esforço é de normalização e cortes nos dispositivos de apoio a alunos com dificuldades sérias vieram acelerar a evidência do equívoco. Várias das instituições que na área de Lisboa enquadram os Centros de Recursos para a Inclusão, viram-se obrigados a suspender o seu funcionamento devido aos cortes das verbas por parte do MEC. Esta suspensão implica a não prestação de apoios especializados, terapias por exemplo, à população de alunos com necessidades educativas especiais colocadas nas escolas regulares.
Estas crianças e jovens, as suas famílias, professores e técnicos, especializados ou do ensino regular não vão estranhar, conhecem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação de qualidade e, tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária.
No fundo, é apenas mais uma vez que vêem os seus direitos atropelados por quem deveria ser o garante do seu cumprimento.
Por outro lado, a situação agora criada mostra como o modelo de parceria decidido é desajustado e carece de reforma.

CAMPANHAS ELEITORAIS LOWCOST. Sim, mas não exagerem

Inspirados pelos tempos de austeridade PSD e CDS-PP propõem-se desenvolver até 2016 campanhas eleitorais menos onerosas. Trata-se sem duvida de um decisão interessante e oportuna mas, devo confessar, levanta-me algumas inquietações como há tempos aqui dizia.
Considerando o que se vai conhecendo, parece-me positiva não utilização de outdoors, são caros e em termos estéticos alguns, valha-nos Deus, mas, por outro lado, custa-me ver milhares de rotundas sem as promessas que em todas as campanhas são feitas, quase sempre, com as mesmas caras e chavões.
Também me parece que se poderia economizar utilizando, tanto quanto possível os tempos de antena de campanhas passadas. Em muitos discursos de muita gente, não há novidades, é o que se convencionou designar por cassete.
No entanto, embora simpatize com campanhas eleitorais low cost acho que é preciso ter alguma cautela e não exagerar.
Por favor, peço encarecidamente aos responsáveis partidários pelas campanhas que não cortem na distribuição das esferográficas, sacos e bonés que tanto nos atraem e pelos quais somos capazes de criar conflitos.
Agradeço ainda que não cortem aqueles megacomícios em que é preciso trazer gente de fora. Nós portugueses apreciamos uma viagenzinha de borla mesmo que tenhamos que dar vivas a um partido e agitar uma bandeira. Sempre espairecemos um bocado das agruras da vida.
Finalmente, solicito encarecidamente que não deixem de organizar uns almocinhos ou jantares de campanha que são deliciosos e baratos. É certo que variam entre o bacalhau com natas, a carne assada e os bifinhos com cogumelos e ainda levamos com os discursos. Bom, mas também temos que fazer algum sacrifício, o preço compensa.
Vamos ver como correm então as campanhas eleitorais low cost. E, sobretudo, como acabam.

E PORQUE NÃO POLÍTICOS E POLÍTICAS DE MARCA BRANCA?

A imprensa de hoje divulga um extenso trabalho da DECO sobre os preços praticados pelos diversos supermercados, envolvendo um conjunto variado de produtos que constituem os habituais cabazes de compras dos portugueses.
Nesta nota quero registar a opção crescente dos consumidores pelos produtos de marca branca que têm preços entre 28 a 40 % mais baratos que os produtos de marca, sem que a sua qualidade seja comprometida.
Face a esta constatação e com a mesma lógica, estava a pensar se  não seria desejável e uma boa opção que nos virássemos para o consumo de políticas e de políticos de marca branca.
Os políticos e as políticas das diferentes marcas, partidos, sobretudo os que apresentam maior quota de mercado têm vindo a revelar-se extraordinariamente caros e de uma qualidade desastrosa que conduziu à situação dramática que atravessamos.
É certo que as grandes marcas de política, secam o mercado e com leis proteccionistas têm conseguido impedir a produção e acesso a políticas e políticos de marca branca que coloquem em perigo a sua hegemonia no mercado.
Os mais recentes acontecimentos, em que muitos milhares de pessoas, de consumidores, se mobilizaram contra as políticas de marca que têm inundado o mercado, reagindo ao apelo de políticas e políticos de marca branca, exteriores aos produtos de marcas, os partidos, mostra que começa na verdade a existir um mercado disponível e com apetência por outros produtos.
Estes produtos sendo mais baratos e com qualidade podem a revelar-se uma opção séria a curto e médio prazo, com a vantagem acrescida de obrigarem as grandes marcas do mercado político a reverem a qualidade dos seus produtos e dos seus produtores.
A ver vamos.

TEIP - TERRITÓRIOS EDUCATIVOS DE INTERVENÇÃO PESSOAL

Não, não é confusão, vou tentar explicar, mas antes, uma pequena nota introdutória.
Há uns anos instalou-se no nosso sistema educativo a definição dos chamados Territórios Educativos de Intervenção Prioritária que remete para contextos escolares marcados por dificuldades de natureza variada que comprometem o sucesso e o bem-estar educativo dos alunos e justificavam, continuam a justificar, dispositivos de apoio e recursos acrescidos.
Desde essa altura tenho afirmado regularmente, para surpresa de alguns ouvintes, que do meu ponto de vista, o país educativo é todo ele um conjunto de TEIPs, ou seja, alguns são os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e os outros, a imensa maioria, são Territórios Educativos com a Intervenção Possível. Este ano, creio que a situação se agudizará, ou seja, o Possível, parece-me um pouco menos Possível, mas gostava de me enganar.
Agora a variação do título. Neste início de ano e considerando um contexto mais particular e delimitado, a sala de aula, vamos assistir durante as primeiras semanas à tentativa de definição dos Territórios Educativos de Intervenção Pessoal.
O Professor terá necessariamente de definir o seu território, espaço, relação, regras, limites, tarefas, rotinas, etc., no fundo, tudo o que a função lhe solicita para que seja operada de forma positiva, tranquila e tão bem sucedida quanto possível. Os miúdos, independentemente da idade, mas sobretudo a partir do 2º ciclo estarão bastante atentos a esta definição do TEIP do Professor e ajustarão, em princípio, o seu comportamento e processo de trabalho a essa definição.
Por outro lado, muitos alunos, durante o mesmo período, vão também tentar proceder à definição do seu Território de Intervenção Pessoal. Desafiarão colegas e professores para que a partir do confronto definam o seu território que poderá ser mais largo, mais estreito ou coabitável, em função do que vá resultando deste confronto ou conflito que procurarão desencadear.
Neste processo difícil e que por vezes assume contornos graves, é fundamental que se definam territórios coabitáveis mas, e aqui reside a grande dificuldade, que cada um se sinta responsável quer pelo seu território quer por manter a sua coabitação bem sucedida.
É um dos maiores desafios que se colocam em cada ano escolar que começa. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O PRIVILÉGIO DA PROFISSÃO MAIS LINDA DO MUNDO. O romantismo em modo Crato

O Ministro Nuno Crato afirmou hoje que os professores “têm a profissão mais linda do mundo”. Entusiasmado, disse ainda que ser professor “é um privilégio”, assente na possibilidade de transmitir saber às crianças.
Desta vez estou de acordo com o Professor Nuno Crato e acrescentaria que, se ser professor “é um privilégio”, ter acesso à educação de qualidade é um direito.
Na verdade, a “profissão mais linda do mundo” que tem o enorme “privilégio” de contribuir fortemente para que os miúdos sejam gente deve ser exercida num contexto que a defenda e que defenda a qualidade do seu exercício envolvendo os professores, os alunos e as famílias.
Nesta perspectiva, apesar do romântico enunciado do Ministro, diria até se ele não se incomodasse, salpicado de algum eduquês que certamente desagradará a José Manuel Fernandes e Guilherme Valente, ficam mais incompreensíveis algumas medidas da PEC – Política Educativa em Curso de que Nuno Crato é responsável.
Não vou falar da questão do desemprego a que muitas pessoas que queriam aceder ao “privilégio” de ter a “profissão mais linda do mundo” foram e vão ser votadas. Como já tenho dito é uma matéria complexa e que não cabe aqui.
Mas refiro, o aumento do número de alunos por turma que em muitos territórios educativas transformarão potencialmente a sala de aula num inferno, a deriva das colocações, a espécie de reforma curricular operada, os mega-agrupamentos com dimensões insustentáveis, os apoios educativos, que surgem como tapa buracos de professores sem horário e não como uma resposta estrutural do sistema, etc., etc.
Muitos professores não vão sentir o “privilégio” da profissão “mais linda do mundo”, vão ter um clima infernal nas escolas e nas salas de aula que deriva em boa parte do entendimento do Professor Nuno Crato sobre o que deve ser um sistema público de educação
Ainda assim, são palavras bonitas, ficam sempre bem, mas fazem-nos duvidar.

DINHEIRO DE PLÁSTICO TAMBÉM É DINHEIRO

A propósito da iniciativa que hoje decorre em alguns restaurantes de recusar o pagamento com cartões, algumas notas.
Segundo alguns estudos, em Portugal já existem tantos cartões de crédito como portugueses, 10,1 milhões. De facto, o cartão, os cartões, de crédito ou de débito e o telemóvel, os telemóveis, parecem fazer parte do equipamento básico de qualquer de nós. Curiosamente, apesar da situação de crise as instituições bancárias terão emitido mais 811 000 cartões, obviamente solicitados pelos seus clientes, um número superior ao do ano anterior. Muitos de nós usamos uma carteira repleta de cartões. É claro que  proliferação dos cartões se tonou um excelente negócio para as entidades gestoras e daí o protesto da restauração.
Dados recentes da DECO, em 2012 e até Junho, mais de 10 000 famílias solicitaram ajuda para situações de sobreendividamento.
As famílias em dificuldade que a esta instituição recorrem evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Muitas vezes tenho afirmado que estas matérias, sobreendividamento e o uso excessivo e desregulado dos cartões, apesar dos seus contornos e implicações de natureza económica para as famílias, radica nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora também se conheçam situações de recurso ao crédito para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem, fomentando e incentivando créditos manifestamente pouco sustentados e com uma ligeireza inaceitável. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas, em algumas áreas, crédito à habitação por exemplo, devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento, mas continuam a alimentar o cartão de crédito. É o mercado a funcionar, certamente.
Este tipo de matérias é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.
Talvez não fosse descabido instituirmos nós, de vez em quando, um dia sem cartões.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

E DE QUE SERVE O LIVRO E A CIÊNCIA ...

...
E de que serve o livro e a ciência
se a experiência da vida
é que faz compreender a ciência e o livro?
...  

(In  A Cena do Ódio de Almada Negreiros) 

Lembrei-me deste pequeno excerto da enorme obra de Mestre Almada, ao reflectir sobre a forma como meia dúzia de cientistas da economia conseguem produzir um conjunto de modelos e políticas que clara e assumidamente conduzem ao empobrecimento e à exclusão de boa parte da gente.
As políticas são decididas recorrendo a infalíveis "modelos econométricos",  pensadas numa redoma asséptica e virtual, fora da realidade.
As pessoas são liofilizadas e encerradas nas folhas de Excel que traduzem nos ecrãs os modelos sofisticadíssimos que geram e gerem a agonia em que a vida de milhões se tornou, devido às experimentações que alguns poucos cientistas com uma fé cega e mágica nos seus modelos teóricos que enchem manuais e artigos que circulam entre o restrito grupo dos iniciados e eleitos e os levam, numa espécie de circuito fechado, à produção de mais modelos e mais teorias sempre com a mesma orientação.
As teorias e os modelos estão sempre certos, como não, a ciência não erra, por isso é ciência.
As pessoas, a vida das pessoas é que é desconforme, não cabe nos modelos mas não tem problema, muda-se a vida das pessoas, os modelos estão certos.
Esta gente não vai ser capaz de compreender a vida das pessoas, não vai compreender o desespero do desemprego e do roubo à dignidade. Não vai perceber como a sobrevivência de mão estendida insulta e envergonha.
Esta gente não é gente, não tem alma nem coração. Já morreram mas ainda não deram por isso.

A BLOGOSFERA E A DISCUSSÃO DAS POLÍTICAS EDUCATIVAS EM PORTUGAL

Programa do Debate a realizar no dia 6 de Outubro de 2012, no Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha

9.45 - Abertura
10:00 - 11:15 - O Modelo de Gestão

Moderador: Paulo Prudêncio (Correntes)
Participantes confirmados: Mário Carneiro (O Estado da Educação e do Resto); Ricardo Silva (APEDE)

11:15 - 11:30 - Intervalo

11:30 - 12:45 - Vinculação: Ordinária ou Extraordinária?

Moderador: Arlindo Ferreira (Blog DeAr Lindo)

Participantes confirmados: César Israel Paulo - Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), Jorge Costa (Peticionário ao Parlamento Europeu) e Miguel Reis do MEP, Grupo de Protesto dos Professores Contratados e Desempregados.

Intervalo para Almoço

14:30 - 15:45 – Gestão de expectativas no seio da classe docente e Da burocracia à desinformação na Educação 

Moderadores/Participantes confirmados: Nuno Rolo/Abel Martins (Ad Duo) e Ricardo Montes/Nuno Coelho (Professores Lusos) e Luís Braga (Visto da Província)

15:45 - 16:00 - Intervalo 

16:00 - 17:15 – Autonomia/Centralismo 

Moderador: Paulo Guinote (A Educação do meu Umbigo)

Participantes confirmados: José Alberto Rodrigues (APEVT), José Morgado (Atenta Inquietude) Rui Correia (Postal – Um Verbário) 

17.30 - Encerramento

AS CIGARRAS E AS FORMIGAS. As palavras (mal) ditas

Há uns anos largos atrás envolvi-me numa pequena e amistosa troca de opiniões com a pessoa que chefiava o serviço do Ministério da Educação onde na altura trabalhava. A discussão centrava-se no facto de a responsável ter proferido numa intervenção pública um conjunto de afirmações que, percebendo-se o sentido, eu entendia que não poderiam ser feitas por uma responsável, ou seja e como eu dizia na altura, "eu posso dizer isso por uma razão muito simples, não tenho responsabilidades de chefia, a ti está vedado esse tipo de afirmações". Como pessoa inteligente e competente que era, concordou com a apreciação.
Serve esta introdução para abordar as palavras do Ministro Miguel Macedo ao afirmar que "Portugal não pode ser um país de muitas cigarras e poucas formigas". Creio que é razoavelmente claro aceitar que o Ministro não pretendia destratar os portugueses mas sendo Ministro as suas palavras não têm o mesmo peso que as do cidadão comum ainda que, como sempre, esclarecimentos posteriores de interpretação não ajudam, antes pelo contrário.
Numa circunstância em que o país conta com bem perto de um milhão de desempregados, de cigarras, que estão impedidos de trabalhar  e quando sobre muitos outros milhares a espada do desemprego está dramaticamente por cima, um Ministro não pode falar de um país de preguiçosos que não querem trabalhar.
Quando uma parte da classe política que lidera ou pretende liderar, tem para apresentar como currículo profissional uma mão cheia de nada, seria prudente um Ministro não falar de formigas e cigarras.
Quando o desemprego jovem anda nos 36 % e se assiste a uma luta pela sobrevivência diária em muitas famílias com a diminuição de apoios, um Ministro não pode falar de cigarras e formigas.
Quando mais de metade dos desempregados não têm subsídio de desemprego, um Ministro não pode falar de cigarras e formigas.
Quando relatórios da União Europeia mostram que a duração do trabalho em Portugal é a terceira mais elevada da Europa, repito, a terceira mais elevada da Europa, um Ministro não pode falar de cigrras e formigas.
Sim, eu sei, os Ministros são pessoas e como tal podem ser mais ou menos felizes e cuidadosos nas suas afirmações e comportamentos. No entanto e pela mesma razão, aos que lideram exige-se a responsabilidade e a competência para o desempenho adequado da sua função.
Por isso, nem todos são capazes de fazer tudo, cigarras ou formigas.

domingo, 23 de setembro de 2012

A TERRA MOLHADA. Cumpriu-se a tradição, choveu na Feira d'Aires

Acho mais sinceros os dias de chuva. Nos dias que em chove ponho-me a pensar que não sou só eu que vivo arreliado. Depois, o cheiro da terra molhada é que me faz de novo animar.
(Almada Negreiros)
Já chove no Meu Alentejo. A terra gretada pela secura que parecia chorar lágrimas secas pela chegada da chuva, as lágrimas molhadas, já liberta o inconfundível cheiro de que falava Mestre Almada e que me deixa mais animado.
E cumpriu-se a tradição. Dizem os Velhos, como o Mestre Zé Marrafa, que quando não chove pela Feira de Ferreira do Alentejo que decorreu no fim-de-semana passado, chove com certeza pela Feira d'Aires, aqui no Meu Alentejo, que se realiza na semana seguinte, este fim-de-semana. E choveu bem.
Creio que já não vai complicar muito as vindimas e permite que as azeitonas, poucas este ano, fiquem mais gradas, estão pequenas da secura.
Esta chuva vai também lavar o pó e tudo fica mais bonito.
Vai começa a aparecer algum verde na terra, que ficando mais branda da água que a amolece já pode ser fabricada e daqui a poucas semanas podem iniciar-se as sementeiras. Virá rapidamente o tempo das favas, dos alhos ou dos cereais, por exemplo.
Por outro lado, creio que a secura não tem estado a afectar só a terra. Sinto que as pessoas também se sentem secas, já com pouco ou nada para dar, cansadas, ansiosas porque alguma coisa mude, às vezes nem sabendo exactamente o quê, que a desesperança mata o sonho. Creio que cada um de nós gostaria que mudassem coisas diferentes, mas que mudassem. Um problema sério é que também a confiança no futuro parece seca como a terra.
A terra vai ficar melhor, já chove no Meu Alentejo. E nós, as pessoas?

SENTES-TE BEM FRANCISCO?

O Público apresenta um trabalho muito interessante e pertinente sobre as consequências em termos de dinâmicas familiares que a situação de desemprego dos pais pode implicar. No trabalho aborda-se questão mais particular da relação com os filhos que, embora com mais tempo disponível, pode ser ameaçada na sua qualidade e clima afectivo.
A este propósito, uma pequena história. 

Francisco, não saias ainda, deixa-me falar contigo só dois minutos. Nas últimas aulas tenho achado que não andas muito bem, distraído, sempre com ar aborrecido. Sentes-te bem?
Setora, o meu pai sente-se muito preocupado porque diz que na empresa onde ele trabalha dizem que vão despedir mais gente e ele sente-se com medo. A minha mãe sente-se muito mal porque está desempregada e as coisas ainda podem ficar pior se o meu pai também ficar desempregado. O meu pai e a minha mãe, embora não falem disso ao pé da gente, sentem-se bastante aflitos porque o dinheiro já não chega para tudo e sentem-se com medo que, como eu a minha irmã andamos a estudar, as coisas fiquem tão difíceis que a gente fique mal. Como eu estava a dizer, eles fingem que está tudo bem, mas a gente sente que não. No outro dia quando cheguei ao pé deles estavam a falar em ter que pedir ajuda, não percebi a quem, porque eles mudaram a conversa e o meu pai começou a inventar histórias. Tirando isto Setora, eu sinto-me muito bem, até mesmo bué da bem.
Nem sei o que te dizer Francisco.
Pois é Setora, parece que ninguém sabe.

ALUNOS INTEGRADOS OU "ENTREGADOS" À HORA

As crianças com necessidades especiais, as famílias, professores e técnicos, especializados ou do ensino regular conhecem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária.
Com o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos, as escolas secundárias passam a receber uma população que até aqui "não conheciam", o que se constituiu uma preocupação natural a que o Público há meses dedicou um trabalho. Na altura, questionada sobre as dificuldades das escolas, a responsável do MEC por esta matéria, admitindo com lucidez que as escolas possam não estar preparadas afirmou "quando um pai e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem".
Sobre isto escrevi, "Notável e perto do desrespeito pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve "pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas, antecipado o seu impacto, para atempadamente se garantir, tanto quanto possível, o bom andamento dos processos educativos".
Na verdade, as escolas "reagiram" e em algumas que conheço, a preocupação inicial deu lugar a ideias e projectos que estão em curso e são verdadeiramente interessantes.
No entanto, o MEC também reagiu e fez publicar uma Portaria (275-A/2012 de 1/9) absolutamente extraordinária. Dada a falta de espaço, algumas notas telegráficas.
Sendo o trabalho escolar nas escolas públicas da responsabilidade das respectivas equipas, o MEC distribui "responsabilidades" com estruturas privadas, os Centros de Recursos para a Inclusão, ainda uma resultante dos equívocos com serviços em "outsourcing" prestados por instituições e técnicos que não fazem parte da escola mas sobrevivem, mal, numa zona híbrida e estranha do sistema educativo. Como é evidente isto não questiona a competência e empenhos dos técnicos, mas o modelo escolhido.
Para alunos com Currículo Específico Individual (CEI), uma população altamente diversificada, determina-se uma matriz lectiva com cargas horárias fechadas esquecendo tudo o que é autonomia e diferenciação.
O trabalho cuja "responsabilidade" é da escola ocupa 5, sublinho, 5 horas de uma matriz semanal de 25 h sendo as restantes da "responsabilidade" dos técnicos dos CRIS exteriores à escola.
Na definição das componentes curriculares encontram-se pérolas como "Matemática para a Vida" da responsabilidade da escola ou "Actividades Socialmente Úteis" da responsabilidade dos técnicos externos, cujos conteúdos serão certamente estimulantes.
A Portaria coloca fora da "responsabilidade" da escola tudo o que não seja Língua Portuguesa, Matemática (para a Vida, é certo) e Tecnologias de Informação e Comunicação que cabem na enormidade de 5 horas (!!!!). Claro, são tontos, não precisam de mais. Na verdade muito do que aqui se contempla é matéria da óbvia responsabilidade da escola, Desenvolvimento Pessoal e Social, por exemplo.
Finalmente, um dos critérios de aferição da educação assente em princípios de inclusão é, justamente, a participação. Toda a portaria é perigosamente omissa em matéria de promoção da participação dos alunos "especiais" na vida da escola e na relação, e também em sala de aula, pois claro, com os seus colegas "normais".
Esta Portaria abre a porta para a que os alunos com necessidades especiais estejam "entregados" nas escolas, agora até poderá ser a tempo parcial, em vez de integrados e envolvidos da forma possível na vida escolar da escola que, por direito, frequentam.
Tenho a maior convicção que muitas escolas, direcções e professores, não permitirão que tal aconteça, apesar da Portaria e do MEC.
Outras escolas, direcções e professores, vão sentir-se confortáveis com a Portaria. Afinal, que estão estes miúdos a fazer nestas escolas?

SUSPENSA A FORMAÇÃO DE ADULTOS. A qualificação só dá trabalho e despesa

Depois de apresentar uma proposta no sentido de enviar obrigatoriamente os miúdos que chumbem duas vezes seguidas ou três interpoladas até ao 2º ciclo para o ensino profissional, o  MEC decidiu suspender o funcionamento das turmas dos Cursos de Educação Formação, justamente cursos com uma componente profissional. Estes cursos são direccionados para gente que com mais de 18 anos, que não tendo concluído o ensino básico ou secundário o possam fazer numa modalidade que concilia ensino escolar com uma componente em contexto de trabalho.
O MEC afirma que a medida de suspensão se verificará até ao estabelecimento de protocolos com o IEFP.
Ao que parece, com a deriva do MEC, a informação disponibilizada às escolas das diferentes DREs nem sempre é coincidente, algumas escolas foram informadas de que os "cursos criados para este ano deveriam ser suspensos até novas orientações" enquanto outras escolas (da área da DREL) desconhecem oficialmente a decisão.
As turmas criadas e agora com o trabalho suspenso, já tinham sido aprovadas pelo MEC que condicionara a sua abertura à existência de financiamento.
Em 2010/2011 frequentaram estes cursos cerca de 56 000 alunos que provavelmente os têm como única alternativa de qualificação, algo de imprescindível nos tempos que correm.
O processo é simples, diz o MEC, "não podem abrir cursos para os quais não exista financiamento", (se não houver financiamento esse pessoal vai polir esquinas e aumenta o risco de exclusão e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho),  diz o MEC, "está certo, consideram-se aprovados estes cursos nestas escolas",  (as escolas organizam o ano lectivo nessa premissa), diz o MEC, "alto, está tudo suspenso, é preciso fazer protocolos com o IEFP", (umas escolas sabem disto outras não) e entretanto pára-se tudo.
Estranho? Não, apenas mais um exemplo elucidativo de uma política de rigor, qualidade e excelência e de um ano lectivo que arrancou com toda a normalidade.

A AUSTERIDADE NÃO FOI REVISTA EM BAIXA, SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

No meio do pó e da indignação levantadas pelo anúncio do último pacote de austeridade por parte de Passos Coelho, as análises e discursos centraram-se na insustentável mexida na TSU. A contestação envolveu mesmo áreas da coligação, o CDS-PP, e muitíssimas figuras do próprio PSD, para além, num estranho entendimento, de vozes representativas das organizações empresariais e empregadoras e dos trabalhadores, duramente atingidos nos seus rendimentos.
A pressão da rua e a realização do Conselho de Estado, onde as teses do Governo parece terem merecido acolhimento minoritário, a imprensa faz manchetes com o recuo de Passos Coelho e o "funeral" da mexida na TSU da forma proposta pelo Governo. Algumas vozes na oposição falam de vitória.
Talvez umas décadas de vida no caldo político português me tenham criado uma incómoda desconfiança, da qual não me orgulho, e uma reserva, eventualmente injusta, que obrigam a reflectir nestes processos.
Será que Passos Coelho e a pequena equipa que o apoiou na proposta sobre a TSU não anteciparam a reacção que a inviabilizaria sob pena de desencadear uma situação política e social potencialmente incontrolável? Tenho dificuldade em acreditar que tenham sido "surpreendidos" com as reacções.
E se envolvido no restante pacote de austeridade, esse sim, a ser imposto, a mexida na TSU apenas fosse um instrumento de gestão política destinado, através de uma posição de recuo posterior, a legitimar todo o restante pacote com a vantagem de tal recuo poder ser envolvido num processo de "concertação social" e "diálogo" com os parceiros sociais, num clima de "humildade" e "sensatez"?
É rebuscado e delirante? É injusto? Está errado?
Pode ser que sim, mas não tenhamos dúvidas, a austeridade não foi revista em baixa, segue dentro de momentos.

sábado, 22 de setembro de 2012

O COPO MEIO CHEIO OU O COPO MEIO VAZIO

O Público de hoje, a propósito das manifestações dos últimos dias, aborda de forma aprofundada e interessante uma questão que sempre me faz reflectir quando se realizam manifestações ou greves, o número real de participantes.
Na verdade, um dos aspectos invariavelmente envolvidos na realização de manifestações ou greves, independentemente da sua natureza, comemorativa ou de protesto e reivindicativa, é a contabilidade em torno dos níveis de participação e o seu significado.
O trabalho jornalístico refere exactamente essas dificuldades e a tentativa dos especialistas em encontrar metodologias diversificadas que possam, de forma fiável, avaliar o número de pessoas que participaram neste tipo de iniciativas.
Do meu ponto de vista e tal como se verifica em muitíssimas áreas em que, supostamente, os números seriam como o “algodão, não mentem”, não haverá forma de proporcionar informação objectiva, não porque seja impossível obtê-la, mas porque as fontes da informação e a tentação de manipulação proporcionarão leituras sempre diferentes.
Quero dizer com esta introdução que ainda que a partir de um mesmo número, para uns o copo estará meio cheio e para outros estará meio vazio, consoante as fontes de informação e os interesses em jogo.
Lembrar-se-ão alguns de uma manifestação de trabalhadores da administração pública em 6 de Novembro de 2010, em que a organização estimou em 100 000 o número de participantes e um especialista americano que se encontrava em Lisboa avaliou a participação entre 8 000 e 10 000. Na altura lembro-me de ter escrito que não tendo estado presente e não tendo outras fontes de informação validada, só podia depreender que uma das avaliações estaria "ligeiramente" enganada.
A mesma questão se coloca com os níveis de adesão a greves quer no âmbito da administração pública quer no âmbito privado. As estruturas representantes da administração e dos empregadores afirmam habitualmente que a iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada, pelo que fica evidente a aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas seguidas e a bondade dos seus pontos de vista, etc. Aliás, como se sabe, o Governo decidiu há tempos não revelar o número de pessoas envolvidas em greves o que é, obviamente, significativo.
Por outro lado, as estruturas representativas dos trabalhadores ou outros organizadores informam-nos que a adesão correspondeu às expectativas, que os trabalhadores, os cidadãos, mostraram o seu descontentamento, que o movimento sindical e a condenação das políticas obtiveram mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepâncias, do meu ponto de vista, acabam por desvalorizar os efeitos das próprias iniciativas, pois, é reconhecido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura política, participação cívica, precariedade laboral, custos económicos, etc., levam a que exista sempre uma percentagem muito significativa de pessoas que embora estando de acordo com a justificação das acções não participam nelas. Há circunstâncias em que quando todos afirmam que ganham, todos estão a perder.
Para já estamos a perder o presente, as dificuldades que estão na origem do descontentamento das pessoas, das que aderem às manifestações de protesto e de muitas que não aderem, são graves e sérias. E o risco de perdermos o futuro é também uma ameaça, os tempos estão difíceis e a desesperança é muita. Creio que nesta altura a maioria de nós, presente ou não na manifestação, achará que o copo está meio vazio. Vão muito difíceis os tempos.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A HISTÓRIA DO INCOMPREENDIDO

Era uma vez um homem, chamava-se Incompreendido, um nome assim um bocado estranho. Tratava-se de um indivíduo que se achava mais conhecedor sobre qualquer matéria que a generalidade das pessoas, mas quase ninguém parecia compreender a imensidade do seu saber.
As suas decisões sobre o que quer que fosse, eram, obviamente, as mais acertadas. Estranhamente, havia pessoas que não compreendiam a excelência do seu julgamento. As suas opiniões eram, naturalmente, as opiniões que se deveriam ter em conta. No entanto, algumas pessoas não compreendiam tamanha competência. Estas circunstâncias levavam a que o Incompreendido, ao verificar a inexplicável falta de compreensão revelada por muita gente, se sentisse, claro, mais incompreendido.
Assim, muitas vezes se exasperava com as pessoas que não o compreendiam, manifestava o seu enorme desagrado com isso tornando-se ainda mais insistente no seu comportamento de incompreendido e injustiçado na sua imensa sabedoria, competência e visão.
A partir de certa altura, devagarinho, as vozes dos que não compreendiam foram-se calando, por cansaço, habituação ou desistência. Finalmente, chegou um dia em que o Incompreendido não teve quem não parecesse compreendê-lo na sua inatingível condição. Quando olhou à sua volta, percebeu e descansou. As pessoas estavam exactamente iguais a si, pareciam fotocópias perfeitas.
Nessa noite, pela primeira vez desde há muito, adormeceu com um pensamento tranquilo e num mundo perfeito, “agora compreendem-me”.

PAI, COMPRA LÁ

A Comissão Europeia aprovou um parecer no sentido dos diferentes países adoptarem medidas legislativas que protejam os mais novos da influência da publicidade. Entre os riscos de uma exposição excessiva a mensagens publicitárias extremamente agressivas e eficazes por parte de um público particularmente vulnerável, contam-se a instalação ou manutenção de comportamentos alimentares pouco saudáveis ou a promoção indirecta do designado “bullying de marca”, a discriminação de miúdos que não usam “aquela” marca e que, por isso, sofrem alguma forma de bullying.
Por outro lado, parece-me relevante referir uma outra dimensão desta questão, a influência dos mais novos nas decisões de compras da família, que já aqui tenho referido e a que, por vezes, os pais não estão suficientemente atentos, mas que não passa despercebido aos especialistas em marketing.
Alguns estudos nesta matéria, sugerem, surpreendentemente, que as crianças até aos 7 anos podem influenciar até 70% das decisões de compra da família, mesmo quando se trata de produtos que não lhes são directamente dirigidos. Esta influência mantém-se ao longo da infância e juventude.
Esta questão, a publicidade que tem por alvo os miúdos e forma como nós adultos lidamos com isso, é complexa, envolvendo aspectos legais, considerando leis e direitos, educativos, culturais, sociais, etc. pelo que não é fácil a sua abordagem e gestão.
Será ingénuo pensar que quem produz bens destinados aos miúdos ou que cuja aquisição possa ser pressionada pelos miúdos, não tenha a tentação de que a mensagem publicitária seja o mais eficaz possível, ou seja, venda, não importa o quê, desde um alimento hipercalórico à última versão do videojogo ou as férias dos pais em locais atractivos para os miúdos.
Apesar das dificuldades que atravessamos, estamos num tempo de “és o que tens e se não tens … não és”, o que afectando os adultos, veja-se as situações de crédito malparado familiar por compras compulsivas e sem base económica sustentada, não pode deixar de influenciar os mais novos.
No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” e das “compras” nas dinâmicas e relações familiares, isto é, mais prendas e mais compras não é necessariamente melhor ou ainda sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs” ou as mensagens publicitárias.
Na verdade, apesar da sua complexidade é uma matéria a que por muitas razões vale a pena dedicar atenção.

HÁ UMA LINHA QUE SEPARA

Há uma linha que separa sacrifícios e contenção de despesas, da transformação da vida de muita gente numa luta pela sobrevivência.
Há uma linha que separa princípios éticos e transparência política, do despudor e arrogância.
Há uma linha que separa a persistência e a necessária definição de um rumo, da insensata teimosia num caminho de empobrecimento.
Há uma linha que separa a independência e soberania, da subserviência bacoca dos acríticos que abanam a cabeça à voz de quem consideram o dono.
Há uma linha que separa uma justiça para todos, de uma justiça para alguns.
Há uma linha que separa a educação como direito, da educação como privilégio.
Há uma linha que separa coesão social e solidariedade, da manutenção de mordomias e desigualdades sociais.
Há uma linha que separa uma política para as pessoas, de uma política para os mercados.
Há uma linha que separa a aceitação e entendimento de dificuldades, da indignação revoltante.
Há uma linha que separa …

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O MÁRTIR CRESPO

O mítico Mário Crespo não se conforma, as saudades dos Estados Unidos atormentam-no e não há governo ou administração da RTP que o mande para lá. Ele bem se agita, se insinua, de acordo com a agenda e com os ventos, mas nada.
Zanga-se e depois atira contra tudo o que mexe.
Há tempos desancou o Expresso, jornal em que escrevia, por causa da discussão entre Sousa Tavares e Luís Marinho da RDP sobre alegadas atitudes de censura.
O Expresso não gostou, disse que o Mário se esticou com erros e falsidades e dispensou-o de escrever mais umas crónicas em mais um episódio de “dispensa de cronista” a que nos vamos habituando.
Calou-se assim o Mário. Não é bonito o Expresso ter calado o Mário É certo que nas mais das vezes o Mário não se pode ouvir. Ele gosta, é evidente, "ai de mim se não for eu" como dizia o meu amigo curiosamente também Mário, o Mário Sénico, um homem bom que já partiu.
Por estes dias, depois de mais uma nega da nova administração ao seu oferecimento para com espírito de missão ir gastar dinheiro público para Washington, vai continuando a disparar contra os gastos dos dinheiros públicos da RTP de que, aliás, se alimentou, diz o Mártir Crespo durante 22 anos.
Deixem lá o Mário Crespo ir para os Estados Unidos, deixem o Mário Crespo emigrar, sempre era mais um que emigrava e ia ser feliz. O ideal para o Mário seria levar o Dr. Medina Carreira, fariam um "talkshow" que seria um estoiro mediático mas isso seria pedir de mais, seria o "impossible dream".
Assim, é uma alma atormentada, meio silenciada e infeliz.

A GENTE PELOS FILHOS FAZ TUDO, NÃO É SENHOR?

Segundo dados do Barómetro Europeu do Observador Cetelem hoje conhecidos, 64% dos portugueses inquiridos expressavam, no final de 2011, que a sua maior preocupação era o futuro dos filhos e a disponibilidade para sustentar a sua educação.
Apenas os romenos exprimem maior preocupação e a média nos doze países considerados  é de 55%, mas os portugueses são os que afirmam fazer mais sacrifícios pessoais para não minimizar o apoio aos filhos, 81 % assumem-no, sendo que a média é de 70%.
Se bem se recordam, ontem a imprensa relatava o significativo abaixamento da natalidade em Portugal salientando que nos primeiros meses deste ano tinham nascido bem menos crianças que em igual período de 2011, que já tinha sido o ano com menor número de crianças nascidas.
Estes dados, mais uns, mostram algo de extremamente preocupante, falta de confiança no futuro e a desesperança.
A falta de confiança que promova nascimentos e o receio de não conseguir proporcionar aos filhos um projecto de vida positivo, viável, com potencial de realização, é um indicador muito significativo do clima que se instalou em nós pesar de nos sentirmos mais ou menos resignados, mais ou menos indignados, dependendo das perspectivas.
Do meu ponto de vista, é fortemente revelador o deslizar das preocupações dos portugueses para o futuro dos filhos e a sua dificuldade em ajudá-los, ou seja, não se questiona o que vai ser o nosso futuro, mas como vamos nós assegurar o seu futuro, a gente lá vamos vivendo.
O título deste texto ficou-me de uma mãe que no meio de uma vida miserável, sem parança e sem esperança, fazia milagres no dia a dia com três crianças com deficiência e afirmava convicta, "a gente pelos filhos faz tudo, não é senhor?". É D. Maria, fazemos tudo pelos nossos filhos.
Temos cada vez menos filhos e temos como maior preocupação assegurar o seu caminho. O que fazer como o nosso presente e com o nosso futuro para que o deles não seja ameaçado?