sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

BOM ANO NOVO

 É o dia em que todas as falas acabam num desejo de Bom Ano Novo.

Nunca como agora precisámos de um Ano Novo que seja mesmo … Novo e Bom. Mais regularmente os Anos Novos nascem envelhecidos em muitos aspectos o que no seu final nos leva a renovar as promessas e os desejos de mudança. Os últimos dois têm sido particularmente duros. Ainda assim insistimos, não nos tiram a esperança e repito a mensagem.

Nunca como agora precisámos de construir pontes sobre as águas turbulentas que são os nossos dias e que não podem ser o novo normal.

Nós, os nossos filhos, os filhos dos nossos filhos, os filhos dos … têm direito a um futuro que começa agora. Também depende de nós, das pontes que construirmos e dos muros que derrubarmos.

Assim, Bom Ano Novo. Tão Bom quanto possível no que de nós não depende, tão Novo quanto conseguirmos naquilo que podemos e queremos.



quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

UMA BOA NOTÍCIA, MAS ...

 Leio no Público que este ano se matricularam no ensino superior mais de 50 000 estudantes. Trata-se de uma boa notícia e como precisamos de boas notícias e importante para as nossas comunidades, a qualificação é um bem de primeira necessidade. É ainda de sublinhar que o ano passado foi o que registou o  número mais alto. Espero que este número também traduza o aumento significativo de alunos com necessidades especiais a frequentar o superior. 

Precisamos agora de tentar que o trajecto agora iniciado sustente, de facto, um projecto de vida e associado à formação que se vai iniciar.

A questão é que não será um trajecto fácil.

Em primeiro lugar porque não é um trajecto fácil num tempo que parece ser o do “desenrascanço”.

O conhecimento parece ser entendido como algo que se deve mostrar para justificar uma nota ou estatuto, não para efectivamente integrar e, ou, acrescentar uma mais-valia no conhecimento ou na ciência, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo, muitíssimo competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, parecem ser minudências com as quais não podemos perder tempo.

É importante termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso. São conhecidos recentes casos em diferentes países da Europa. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de que todos tenhamos uma relação sólida do ponto de vista ético com o conhecimento, a sua produção e divulgação.

Em segundo lugar é um trajecto caro.

Há poucos dias soubemos que no final do primeiro semestre cerca de 60 000 alunos tinham a bolsa de estudo atribuída um universo de candidatos que ultrapassa os 100 000. Trata-se do número mais elevado de sempre a que também não será alheio o aumento do número global de estudantes a perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Recordo um trabalho conhecido em 2018 realizado pelo Projecto Eurostudent, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” que mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.

Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem trabalham.

Finalmente, importa que o trajecto após a formação inicial tenha um seguimento compatível em termos profissionais.

Vai ser operacionalizado o Plano de Recuperação e Resiliência e esperamos que conjugadamente com políticas públicas adequadas se promova o desenvolvimento económico, científico, cultural, que absorva as gerações qualificadas que estão em formação e não as empurre para fora ou proletarize e subaproveite as suas competências com um marcado de trabalho desajustado.

Como tantas vezes digo, não somos um país de “doutores”, não temos qualificação a mais, temos desenvolvimento a menos que não nos permite aproveitar e potenciar cá o conhecimento adquirido pêlos mais novos.

Não podemos falhar, é o futuro que está em jogo.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

OUTRO LEMBRETE

 A situação de saúde pública que continuamos a viver com proporções alarmantes podem levar a que o início do segundo período escolar seja comprometido prolongando a interrupção lectiva ou retomando ensino não presencial. Esperemos que assim não seja.

No entanto, caso se verifique o retorno a modelos de ensino não presencial importa não esquecer que boa parte dos 600 000 computadores que estariam a caminho das escolas para sustentar a anunciada transição digital ainda está por chegar.

Também sabemos que ainda existem alunos que não têm equipamentos e famílias sem meios para os adquirir, existem famílias com mais exigências de equipamentos, mais filhos e teletrabalho dos pais, por exemplo. Existem professores sem equipamentos ou indisponíveis para utilizar os seus próprios recursos porque a isso não obriga o enquadramento legal do teletrabalho, existem escolas que têm equipamentos obsoletos que não permitem a realização de trabalho não presencial a partir dos espaços da escola, existem…

A minha maior inquietação é que no contexto absolutamente excepcional que vivemos desde há quase dois anos a questão dos equipamentos teria de ser a que deveria estar resolvida e a que talvez tenha menor impacto ao nível dos custos que, aliás, seriam um investimento numa educação mais preparada para os tempos que vivemos e para o futuro.

A situação seria diferente se tivessem sido desencadeados oportunamente os mecanismos que executassem a promessas feitas em Abril de 2020 que em 20/21 se verificaria o “acesso universal à Internet e aos equipamentos a todos os alunos do ensino básico e secundário”, Se se concretizassem as decisões contidas no Programa de Estabilização Económica e Social apresentado em Junho de 2020 prevendo uma dotação de 400 milhões de euros destinados à aquisição de computadores e ligação à Internet para as escolas públicas.

Sendo, finalmente, que em 16 de Julho anda de 2020 o Conselho de Ministros aprovou a aquisição prevista na iniciativa Escola Digital integrada no PEES e referida atrás, destinada, para além “da compra de computadores e de serviços de ligação à internet para escolas e alunos, reforçar a cobertura de rede, a aquisição de software e para dois outros programas: um destinado a desenvolver a “capacitação digital dos docentes” e outro para a desmaterialização dos manuais escolares.”

Insisto que tudo isto foi decidido até Julho de 2020.

Não deveríamos, pois, estar a ainda com sérias dúvidas sobre os meios informáticos prometidos às escolas.

Uma das questões emergentes dos últimos tempos é a necessidade de utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem, independentemente, do mais recente quadro pandémico.

A proclamada transição digital é também uma das bandeiras do Plano de Recuperação e Resiliência. Percebemos com clareza o impacto das desigualdades entre alunos e escolas em matéria de recursos de natureza digital e acesso eficaz à net.

Mesmo em modo presencial é fundamental que escolas, professores e alunos tenham acesso aos recursos necessários para promover literacia digital e a utilização das ferramentas imprescindíveis nas sociedades actuais.

A questão é que parece manter-se este pequeno e quase irrelevante problema. Conforme a imprensa de hoje continua fortemente atrasado o processo de chegada dos  600 000 computadores. Nada de novo.

É só mais um lembrete.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

OS VERDES CAMPOS DO ALENTEJO

 Desde o início da semana anterior que tem chovido com regularidade nos campos do Alentejo. Estão agora mais bonitos os campos do Alentejo. Não estou a falar dos campos do Alentejo que a irresponsabilidade e incompetência dos responsáveis pelas políticas públicas estão a entregar às culturas superintensivas do amendoal e da oliveira. A prazo ficarão sem vida na terra, a flora e fauna que tornam bonitos os campos do Alentejo vão sofrer, estão a sofrer. E os que cá viverem também.

Ainda assim, por agora e por aqui, estão verdes os bonitos campos do Alentejo. O azevém que há-de alimentar as ovelhas do Valter, deu um pulo. É verdade que a verdura à vista ainda mascara a secura da terra lá mais fundo, lá onde se garante a água nas nascentes e nos lençóis que são o sustento da Terra. Esperemos que lá chegue.

Têm sido dias de chuva bem chovida, como aqui se fala, não faz enxurrada e entra certinha na terra que já está bem carregada. Hoje não foi muito fácil abrir covas para dois pessegueiros e duas amendoeiras, mas ficaram bonitas e bem entregues à terra que as fará crescer. Valeu a ajuda do Valter, companheiro mais novo e vontadeiro no trabalho.

E depois seguir-se-ão, esperamos, os dias criadores que trarão todas as outras cores que não o verde aos campos do Alentejo.

Mas estão bonitos, estão sempre bonitos

E são também assim os dias do Alentejo.



segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

A NET. UM MUNDO DE OPORTUNIDADES, UM MUNDO DE ALÇAPÕES

 No Público encontra-se desde ontem um extenso dossier dediado aos 30 anos decorridos da ligação de Portugal à Internet.

Creio que para as gerações mais novas não fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando por vezes converso com os meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao contrário.

Como costumo afirmar, sou um utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma operação qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com oito anos e um nativo digital, me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me” para corresponder a alguma necessidade profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.

E não é raro que ainda me sinta “maravilhado” com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos longe de esgotar.

No entanto, a net, se abriu um mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net. Algumas notas.

Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.

Temos vivido tempos em que aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em frente do ecrã, a escola chegava através da net. Naturalmente os riscos também aumentaram como o cyberbullying, chantagem e roubo, exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

É importante sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos são, de facto, geradores de preocupação.

No âmbito do Projecto Kids Online que envolve 30 países e analisa a utilização da net e das redes sociais por crianças e adolescentes os dados de 2018, cerca de 2000 alunos entre os 9 e os 17 anos mostraram comparativamente a 2014 se verifica uma subida da frequência das situações de risco a que parece também estar a associada a maior operacionalidade e o tempo de contacto permitido pela migração da utilização dos pc para os mais “operacionais” smartphones”.

Para além dos dados do EU Kids Online recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECDreview” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona.

São mais eficientes a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.

Mesmo em tempos “normais”, seja lá isso o que for, a que desejamos voltar, em casa, muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

domingo, 26 de dezembro de 2021

ALDEIA DE UM HOMEM SÓ

 Tem estado um dia cabaneiro, entre o nevoeiro e a chuva miúda, que nos mantém mais por casa do que gostamos aqui no Monte. Precisava de plantar dois pessegueiros e duas amendoeiras, mas a terra está demasiado carregada da chuva e ainda bem que assim é. A meteorologia prevê menos água para os próximos e ainda dará para as plantar, estão de raízes aconchegadas, aguentam-se bem.

Na vista de olhos pela imprensa tropecei com um trabalho muito interessante no DN sobre a vida do Sr. José, o único habitante de uma aldeia da Serra do Barroso, Casas da Serra.

Vive sozinho na aldeia desde 2007, a luz chegou em 2009 e a água ainda é da fonte.

Sim, estamos em 2021 a virar para 2022. Como se sabe o tempo tem muitas velocidades e o Sr. José está bem habituado às velocidades do tempo, agora já ouve rádio, uma oferta de 2020.

Creio que olhamos para estas vidas com um sentimento entre a admiração pela coragem e resistência, admiração pelas assimetrias que ainda existem, e também com tristeza. Teria de ser assim, tão assim?

As oscilações da demografia não explicam tudo. Décadas de políticas públicas que desertificaram o interior, que mantiveram a pobreza e o desinvestimento no desenvolvimento do interior que empurram as pessoas para o estrangeiro ou para o litoral deixando poucos que envelhecem e partem. O Sr. José, também afirmou “Ainda pensei sair, mas fiquei. Estou arrependido, se tivesse saído a vida teria sido muito melhor... é nisso que penso muitas vezes."

O encerramento de escolas e outros serviços públicos, muitas vezes com critérios apenas administrativos têm dado um forte contributo. Reconheço a necessidade de ajustamentos que o tempo torna necessário, para dar um exemplo, não podemos ter uma escola onde existe uma criança, nem sequer cumpriria a sua função, mas não podemos promover abandono contribuir, neste caso, para deixar o Sr. José sozinho em Casas da Serra.

Por falar em políticas públicas, registei que na entrevista o Sr.  José afirmou que vota sempre, “é uma obrigação escolher".

É daquelas histórias de vida que nos deixam pequeninos.

Bom Ano Sr. José.

sábado, 25 de dezembro de 2021

O PAI NATAL NÃO EXISTE. OU EXISTE?

 Na quinta-feira, à saída lá de casa, o meu neto Pequeno, o Tomás, cinco anos de sabedoria e descoberta, quando lhe perguntei algo sobre os presentes que esperava ter afirmou da forma convicta que nele é habitual.

O Pai Natal não existe.

Pensei para comigo, acabou-se a magia, mas procurei certificar-me.

Então achas que o Pai Natal não existe?

Não, é um homem que anda numa camioneta com uma escada a entregar as prendas nas casas.

Ficámos por aqui, a magia ainda existe. E eu sei que a magia do Natal ainda existe. Ontem o Mestre Zé Marrafa apareceu por cá no Monte para umas lérias. Decidimos não trabalhar na véspera de Natal até porque a terra está muito carregada, felizmente, depois da chuva bem chuvida dos últimos dias.

Quando chegou e depois dos cumprimentos foi à motorizada buscar um presente, aliás, dois presentes. Duas miniaturas em madeira feitas por ele, um chambril, dispositivo que se usa na época da matança para pendurar o porco para desmanchar e uma bota de ceifeira alentejana.

Tens razão Tomás, o Pai Natal pode não existir, mas a magia do Natal sim, existe, aqui na forma de um velho alentejano que faz duas peças em madeira para oferecer a dois quase alentejanos.



sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

BOM NATAL. DOS SIMPLES

 Bom Natal.

Que seja, mais do que nunca, um Natal Simples e dos Simples. Com o tempo possível e com afecto.

O afecto também se associa e alimenta da proximidade, mas não depende sempre da proximidade. Bem sabemos que estar perto nem sempre significa estar próximo.

Que tenhamos um Natal de proximidade ainda que não estejamos tão perto quanto desejaríamos ... de quem desejaríamos.



quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

OUTRO LEMBRETE

 O decreto-lei 163/2006 estabelece o quadro legal regulador da questão das acessibilidades a edifícios de utilização pública por parte de pessoas com mobilidade reduzida.

Esta legislação carece de revisão há muito tempo e em 2019 deveria ter sido constituído um grupo de trabalho anunciado pelo Governo para promover a sua revisão. Acontece que não se concretizou pelo que, apesar de algumas iniciativas, as dificuldades mantêm-se e teremos de aguardar por nova legislatura e desejar que os novos, ou velhos, responsáveis pelas políticas públicas com competência neste universo realizem o que precisa de ser realizado.

Recordo que o relatório do Instituto Nacional para a Reabilitação relativo a 2019 no envolvendo situações que de discriminação de pessoas com deficiência mostrou que o número de queixas aumentou 30% face a 2018, ano em que se tinha verificado uma descida e que, das queixas recolhidas, mais de 44% referiram-se a questões de acessibilidade e 30% a queixas de violação de direitos. Por curiosidade, o relatório referia também que apenas uma contra-ordenação originou uma coima o que é elucidativo e preocupante.

Lamentavelmente nada de novo, como de novo nada têm estas notas dirigidas em particular para a questão das acessibilidades.

Também em 2020 o relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Importa ainda referir que, para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhosa prova de obstáculos em múltiplas áreas, acessibilidades, educação, trabalho, saúde, segurança social, habitação, etc., muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas ou económicas, por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas. Os problemas das minorias, não podem ser percebidos, como problemas minoritários.

Dado que vamos ter uma após as eleições de Janeiro um nova legislatura, é só mais um lembrete.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

DUAS DÚVIDAS

 Os alunos a frequentar o ensino secundário em escolas com planos de inovação, sempre a inovação, aprovados pelo Ministério da Educação poderão proceder à escolha de disciplinas de cursos diferentes dentro de algumas condicionantes.

A possibilidade permitirá, através da conjugação das motivações dos alunos e consequente escolha, abrir o leque de possibilidades no acesso ao ensino superior.

Em abstracto, decisão parece-me positiva, sendo aliás, algo que em muitos sistemas educativos acontece, quer no ensino secundário, quer no ensino superior, salvaguardando-se sempre a exigência relativa aos conhecimentos e competências definidos para cada disciplina e ciclo de estudos.

No entanto, a decisão agora tomada levanta-me duas dúvidas.

Em primeiro lugar, que impacto terá esta possibilidade no processo de acesso ao ensino superior nos moldes em que está organizado, pensando sobretudo no que parece um aumento potencial de opções de candidatura dos alunos oriundos de escolas inovadoras relativamente aos seus colegas das escolas que não inovam?

Uma outra dúvida prende-se com a actual oferta da rede de escolas do ensino secundário.

Em Agosto foi divulgado que relativamente à oferta dos quatro cursos científico-humanísticos do ensino secundário, Ciências e Tecnologias, Línguas e Humanidades, Ciências Socioeconómicas e Artes Visuais, apenas 214 das 594 escolas públicas e privadas disponibilizam os quatro cursos. Só em 45.7% dos concelhos (127) existe essa oferta, em 49 existem dois cursos e em 8 concelhos apenas 1 sendo que 33 concelhos não têm ensino secundário.

Neste cenário, tenho alguma dificuldade em perceber como o alargamento de opções agora anunciado se operacionaliza sem oferta suficiente na maioria das escolas secundárias.

Talvez exista algo que me escapa e que tentarei perceber, mas parece-me discutível a não ser que nas escolas inovadoras a oferta seja completa tendo os alunos das restantes que aguardar a possibilidade de escolha.

Como escrevi a propósito da oferta existente, admito que em situações muito particulares possa não chegar na sua globalidade a todos os concelhos (com a configuração actual) o que exigirá apoios ajustados a deslocação e estadia de adolescentes e jovens da sua zona de conforto familiar e de residência, sempre, recordo, em situações de excepção.

Por outro lado, parece-me imprescindível que se repensem os critérios relativos ao efectivo de mínimo exigido para abertura de turmas e fazer um esforço para alargamento da oferta.

A sua inexistência pode implicar a desistência do prosseguimento de estudos ou, eventualmente, uma segunda escolha o que em qualquer das situações compromete a construção de projectos de vida pessoal mais sólidos, por maior qualificação e na área que se pretende e fomenta o abandono das famílias criando uma dificilmente ultrapassável circunstância, não procuram porque não há e não há porque não procuram.

Mais uma vez, as políticas públicas exigem opções, os recursos são finitos, mas com regulação e competência, sem desperdício, também sabemos que, simplificando, em educação não há despesa, há investimento.

A ver vamos.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

É SÓ UM LEMBRETE

 É reconhecido que em situações de maior dificuldade global os grupos mais vulneráveis são, naturalmente, mais fortemente afectados por essas dificuldades.

Os dois últimos anos têm evidenciado o quanto assim é. Vejamos três recentes referências na imprensa três referências que merecem toda a atenção.

No Público e com base em dados do INE relativos a 2020, lê-se que subiu significativamente o número de portugueses em situação de pobreza (rendimento até 554€), 1,9 milhões, mais 2.2% que no ano anterior. Nos grupos sociais mais atingidos integram-se as mulheres, pessoas desempregadas, famílias monoparentais registando-se também a subida dos indicadores de pobreza infantil.

No I encontra-se uma peça, “A pandemia no ensino especial. "Um pai sente-se muitas vezes impotente"”, que evidencia dificuldades de natureza diversa que famílias e profissionais sentiram, sentem, para garantir os apoios adequados a alunos com necessidades especiais. Tal situação, que muitas vezes aqui abordei, é reconhecida apesar do esforço significativo que muitas e, professores e técnicos e continua a ser uma forte preocupação.

Finalmente, no último número da Visão, encontrava-se um extenso trabalho que, aliás, é tema de capa com o título, “Ansiedade, depressão, fobias: a epidemia escondida na saúde mental”. De uma forma geral aumentaram as situações de mal-estar, mas, também neste âmbito, é particularmente preocupante a situação dos mais novos. Apesar de algumas iniciativas e do anúncio de outras ainda muito está por realizar.

Dado que vamos entrar em campanha eleitoral seria desejável que, com alguma clareza e sem a habitual retórica conhecêssemos o que pensam as candidaturas sobre as políticas públicas com impacto nestas matérias, pobreza e exclusão, qualidade, equidade e inclusão educativa e saúde mental.

Também estará em fase de operacionalização o Plano de Recuperação e Resiliência que, do meu ponto de vista, deve considerar seriamente medidas que promovam a diminuição das condições de vulnerabilidade ainda excessivamente presentes nas nossas comunidades.

Deixem lá ver, como dizemos no Alentejo, mas é só um lembrete.

domingo, 19 de dezembro de 2021

ENTENDIMENTOS

 Alguns alunos entendem que os alguns professores não sabem ensinar. Alguns professores entendem que alguns alunos não sabem aprender.

Alguns pais entendem que alguns professores não são bons professores. Alguns professores entendem que alguns pais não sabem educar.

Alguns alunos entendem que o que estão a aprender não tem sentido. Alguns professores entendem que alguns alunos são desmotivados.

Alguns professores entendem que alguns alunos não são capazes de cumprir regras. Alguns alunos entendem que alguns professores não têm autoridade. Alguns professores entendem que alguns pais não sabem impor regras. Alguns pais também entendem que alguns professores não têm autoridade.

Alguns professores entendem que alguns pais são negligentes com os filhos. Alguns pais entendem que alguns professores não se preocupam com os alunos. Alguns alunos entendem que alguns professores não gostam de si. Alguns pais entendem que alguns professores não gostam dos seus alunos.

Alguns professores entendem que alguns alunos não sabem. Alguns alunos entendem que alguns professores não ensinam. Alguns pais também entendem que alguns professores não ensinam.

Alguns professores entendem que alguns alunos não são capazes de aprender. Alguns alunos entendem que alguns professores não capazes de ensinar. Alguns pais entendem que alguns professores não são capazes de ensinar. Alguns pais entendem que alguns alunos não são capazes de aprender.

Alguns pais entendem que alguns filhos dos outros pais prejudicam os seus filhos.

Algumas pessoas não entendem os professores, nem entendem os alunos.

Eu entendo que se toda esta gente se entendesse conversando, os entendimentos poderiam ser outros.

sábado, 18 de dezembro de 2021

TEMPO DE NATAL, UMA SUGESTÃO PARA PRESENTE

 O tempo do Natal está a chegar e, apesar dos dias estranhos que vivemos, traz dentro de si um outro tempo, o dos presentes de Natal. O tempo de Natal é habitualmente um tempo de frio, a que as dificuldades de muita gente ainda retiram calor.

No entanto, Natal é Natal e as pessoas ainda sentem, desejam, precisam, de dar presentes pensando sobretudo nos miúdos que, em particular os mais pequenos, ainda mantêm uma relação quase mágica com este tempo. Sorte a deles.

A escolha dos presentes nem sempre é uma tarefa fácil e os constrangimentos económicos poderão limitar a disponibilidade e dificultar a escolha.

Quando os destinatários dos presentes são os miúdos a coisa complica-se pois, para além dos eventuais custos, acontece com frequência pensarmos que as crianças já têm tudo o que nem sequer é ajustado, porque na verdade, muitas crianças a que nada parece faltar, sentem muitas precisões de que nem sempre nos damos conta.

Nos últimos anos parece notar-se nos discursos das pessoas alguma preocupação com a utilidade das prendas, minimizando a compra de coisas ou bens mais supérfluos e escolher o que possa ser de maior utilidade.

Neste contexto e conhecendo o que se vai passando no universo dos miúdos, gostava de sugerir, perdoem o atrevimento, um presente de Natal pensando neles, mas que me parece também interessante para muitos dos mais velhos.

Trata-se de algo que parecendo não ser muito fácil de encontrar, também não é assim tão difícil, se quisermos encontramos.

É um bem que pode assumir diversos tamanhos, podemos oferecer a quantidade que acharmos por bem e não carece de manual de instruções, pois não é muito sofisticado o seu uso. Creio que é um presente que, para além de ser bonito, é bastante útil podendo ser usado das mais variadas formas, em diferentes ocasiões e sempre com agrado.

Apresenta também a vantagem de corresponder a uma enorme necessidade, raramente se encontra alguém que não se queixe da sua falta pelo que oferecendo este presente estamos, para além de expressar o afecto que sentimos pelas pessoas a quem oferecemos, a contribuir com algo de verdadeiramente necessário e, como já disse, útil.

Creio que os mais pequenos vão gostar mais deste presente do que de muitos dos jogos e brinquedos com que frequentemente são submersos, justamente a mascarar alguma falta de tempo que temos para lhes dar e que, às vezes, sem nos darmos conta compensamos com presentes.

Por outro lado, os mais crescidos que receberem tempo também se sentirão bem, todos nós gostamos de um "tempinho" para nós vindo que quem anda à nossa beira.

Na verdade, acho que poderia ser mesmo uma boa ideia oferecer tempo às pessoas. É isso, este Natal podíamos poupar nos euros e oferecer tempo, tenho quase a certeza de que as pessoas vão gostar.

Bom Natal. Com tempo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O PENSAMENTO MÁGICO

 O Ministro da Educação afirmou que os números relativos à falta de docentes são “alarmistas”, são casos normais, pois sempre temos professores que adoecem, se reformam ou estão ausentes por qualquer outra razão. 

No mesmo órgão de imprensa, DN, lê-se que cerca de 10000 alunos ainda não têm professores em todas as disciplinas, estão por preencher 196 horários, 1933 horas.

Escapa-me qual o patamar a partir do qual a situação já não é normal. É verdade que o Ministro tem alguma propensão para evidenciar uma visão mágica da realidade, ou seja, a realidade é a projecção dos meus desejos. Mas não, não é.

O ministro tem razão quando afirma que a falta de docentes não é de agora, embora, por razões óbvias se agudize. Os governos de José Sócrates e de Passos Coelho deram forte contributo para a actual falta de docentes e para o êxodo de muitos professores alicerçada na narrativa “manhosa” dos professores a mais e sem um pensamento do que seria o curto e médio prazo. Está a está a ver-se agora.

Mas a verdade é que o Ministro Tiago Rodrigues é o actual responsável, sublinho, responsável pelas políticas públicas em educação.

O que se espera de um responsável, não é a negação da realidade. Espera-se que promova a discussão, as propostas, as decisões e os caminhos para a minimização dos problemas.

A sobreutilização das horas extraordinárias por uma população envelhecida, em situação de cansaço profissional, esmagada por uma carga burocrática sem fim, enredada em dispositivos de avaliação pouco transparentes e frequentemente injustos, com uma carreira pouco valorizada e valorizadora ou o recurso a pessoas com qualificação académica mais sem habilitação para a docência, podem minimizar dificuldades, mas acabam por fazer parte do problema.

Mais uma vez Senhor Ministro, a primeira etapa para a resolução de um problema é reconhecer a sua existência, não é negá-lo e também sei que não fácil e não se resolve imediatamente, mas temos de encontrar um caminho e o Senhor é o responsável. Ou não?

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

"NO MAR NÃO TENHO OBSTÁCULOS, AO CONTRÁRIO DA RUA E EM TODO O LADO"

A surfista Marta Paço sagrou-se na última semana nos EUA campeã mundial de surf adaptado na categoria de competidores com deficiência visual. Este feito ocorre dois anos depois de ter sido campeão europeia.

Marta Paço tem dezasseis anos, é cega, e dá uma impressiva entrevista ao DN que, aliás, terá sido dos raros órgãos de comunicação social que deram algum relevo ao título alcançado.

Da sua entrevista, a afirmação, “Sem dúvida. No mar não tenho obstáculos, ao contrário da rua e em todo o lado. Sou só eu, a prancha e a água.” Como resposta à pergunta “É no mar que se sente melhor e mais livre?”, é esmagadora e também inspiradora.

Como a propósito de realizações notáveis de atletas com algum tipo de deficiência noutras modalidades tenho afirmado, a vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e a funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, pode implicar. Como é evidente, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

Como é habitual o feito desportivo de Marta Paço não terá o relevo que merecia. As primeiras páginas, mesmo no desporto, não são para estes indivíduos, as pessoas com deficiência não têm "glamour", não enchem estádios e não fazem movimentar milhões, não são colunáveis, são apenas, simplesmente, campeões, a sério.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

DO PRECISAR E DO GOSTAR

 Estamos a aproximarmo-nos do Natal. Ainda será um Natal estranho, mas apesar disso … é Natal.

De uma forma geral, as crianças, independentemente das suas capacidades de comunicação, dizem-nos e mostram mais facilmente o que gostam do que aquilo que precisam. Parece claro, embora, se estivermos atentos, as crianças também mostrem o que precisam, às vezes até de formas menos positivas. Por outro lado, também acontece que gostem do que precisam, mas ... nem sempre é assim, muitas vezes não é assim.

Muitos adultos sabem do que elas precisam, mas dão-lhes o que elas gostam acreditando que elas são capazes de construir por si o que precisam. Às vezes, muitas vezes, não é assim e é arriscado acreditar.

Muitos adultos, sabendo o que elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.

Quando assim acontece fica tudo bem mais fácil, em casa e na escola, no comportar ou no aprender.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

POR ONDE É O CAMINHO?

Gostava de ouvir as eventuais respostas que, por cá ou por fora, as elites políticas, no governo ou na oposição, e as elites económicas dariam a uma criança que lhes chegasse à beira e perguntasse, “Senhor(a), pode dizer-me por favor, por onde é o caminho para o futuro?”.

Imagino que alguns ficariam atarantados com a pergunta e outros venderiam ilusões. É o que continuamos a assistir quando estamos mergulhados num mundo mal frequentado, mal gerido, numa Terra maltratada potenciando pobreza e exclusão, e procuramos vislumbrar o que espera por nós e pelo que conseguirmos fazer por um caminho melhor.

Vivemos dias muito complicados, muitas situações graves, grandes assimetrias e parece clara a exigência de intervenções pesadas e a curto prazo.

No entanto, sem que queira usar de um saber que não possuo, a questão essencial tem mais a ver com os modelos de desenvolvimento e os sistemas éticos e de valores do que com medidas económicas imediatas que sendo necessárias não resolvem as grandes questões.

Repensar os modelos económicos e de desenvolvimento, repensar os modelos éticos em política e em economia e na vivência em sociedades diversas, será, creio, o caminho para o futuro.

Para isso, precisamos mesmo de contar contigo. Ouviste Miúdo?

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

DOS PROGRAMAS ELEITORAIS

 Em 16 de Janeiro inicia-se a campanha eleitoral para as legislativas de 30 de Janeiro. Apesar de termos a pandemia a pairar sobre nós e da conhecida premissa condicionante, “agora mete-se o Natal e o Ano Novo” aguardo com alguma curiosidade os programas eleitorais.

É importante o conhecimento das propostas em relação à generalidade das políticas públicas, mas, por razões profissionais, estou particularmente atento ao universo da educação.

A situação actual é deveras preocupante, apesar de, para usar um termo em voga, algum negacionismo, e importa que os candidatos ao poder legislativo e ao Governo expressem com clareza as suas propostas.

No entanto e sem que disso me orgulhe, antes pelo contrário, não sou um optimista irritante, vejo com muita prudência a possibilidade de mudanças significativas, mas são fundamentais

São conhecidas dimensões que são e serão críticas no tempo da próxima legislatura em matéria de educação.

Temos uma questão central, a falta de docentes, que sendo já um problema severo sê-lo-á ainda mais a curto prazo com a aposentação de largos milhares de professores. Como se propõem as diversas candidaturas lidar com esta questão?

Por outro lado, existem outras questões que solicitam uma robusta intervenção de que sem ordenar ou esgotar deixo alguns exemplos.

Que caminhos são apresentados em matéria de regionalização ou municipalização da educação?

Que se propõe em matéria de autonomia das escolas e teremos alguma iniciativa no que respeita ao modelo de governança das escolas e agrupamentos?

Que caminhos para a valorização dos docentes, da carreira e da avaliação? O actual processo não parece competente, justo e transparente.

Que investimento se realizará em termos de recursos materiais de forma a ultrapassar, de facto, os constrangimentos que a pandemia mostrou e que a anunciada transição digital exige?

Alguma intenção de minimizar a esmagadora carga burocrática sobre professores e escolas?

Algum ajustamento no número de alunos por turma?

Alguma proposta na reorganização dos grupos disciplinares?

Alguma intenção de minimizar o outsourcing em educação e investimento nos recursos internos?

Que ideias sobre os dispositivos de apoio e de recurso das escolas para uma resposta adequada à diversidade dos alunos e dos contextos?

Alguma ideia sobre dispositivos de regulação que apoiem escolas e agrupamentos, fora do âmbito das competências da inspecção?

Que propostas relativas a ...

É desejável que conheçamos algo de substantivo para além retórica habitual.

Como dizemos no Alentejo, deixem lá ver.

domingo, 12 de dezembro de 2021

PAI, COMPRA LÁ.

 No Expresso encontra-se um trabalho interessante sobre a apetência consumista de crianças e adolescentes que, obviamente, será justificado pelo aproximar da época de Natal, o tempo de todas as compras.

No entanto, mais do que falar do consumismo dos mais novos, importa falar do consumismo, como fenómeno comportamental e instalado em boa parte de nós, adultos. Não será, portanto, estranho que também o comportamento dos mais novos seja da mesma natureza.

Umas notas sobre a forma como crianças e adolescentes estão associados às compras dos adultos incluindo as que não lhes são destinadas e a gestão do seu comportamento "consumista" logo de muito novos.

Um trabalho, “European Consumer Payment Report 2017, realizado pela Intrum Justitia em 24 países europeus mostrou que os pais portugueses inquiridos são altamente permeáveis à pressão exercida pelos filhos para a realização de compras lavando a gastos superiores ao ajustado.

Os pais mais novos, até aos 34 anos são os que mais assumem, 88%, gastar prendas que não deveriam e fazem-no por pressão, designadamente, a que associam às redes sociais.

A questão não é nova e todos os que lidamos com os mais novos conhecemos os seus efeitos. Recordo também que em 2015 a Direcção-Geral do Consumidor referiu o excesso da utilização de crianças em publicidade mesmo em produtos que lhes não são dirigidos. Está utilização não é recente embora muitos pais não estejam suficientemente atentos. Como é evidente a estratégia é eficiente e, portanto, tentadora para os especialistas em marketing e publicidade.

Na verdade, alguns estudos nesta matéria, sugerem, surpreendentemente, que as crianças até aos 7 anos podem influenciar até 70% das decisões de compra da família, mesmo quando se trata de produtos que não lhes são directamente destinados. Esta influência mantém-se ao longo da infância e juventude.

Este universo, a publicidade que tem por actores e suporte os miúdos e forma como nós adultos lidamos com isso, é complexa, envolvendo aspectos legais, considerando leis e direitos, educativos, culturais, sociais, etc., pelo que não é fácil a sua abordagem e gestão.

Será ingénuo pensar que quem produz bens destinados aos miúdos ou que cuja aquisição possa ser pressionada pelos miúdos, não tenha a tentação de que a mensagem publicitária seja o mais eficaz possível, ou seja, venda, não importa o quê, desde um alimento hipercalórico à última versão do videojogo ou as férias dos pais em locais atractivos para os miúdos.

Por outro lado e apesar das dificuldades, os miúdos também são aos sensíveis ao “és o que tens e se não tens … não és”, o que afectando os adultos, veja-se as situações de crédito malparado familiar por compras compulsivas e sem base económica sustentada, não pode deixar de influenciar os mais novos. É esta a questão central do texto do Expresso.

No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. No quadro da formação global familiar e escolar é importante o debater com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” e das “compras” nas dinâmicas e relações familiares, isto é, mais prendas e mais compras não é necessariamente melhor ou ainda sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs” ou as mensagens publicitárias.

Muitos pais acreditam ser imunes a esta “pressão” e não assumem essa influência que, no entanto, é comprovada. Em períodos como o que atravessamos, submersos em espírito natalício, este efeito é potenciado no âmbito das compras de Natal.

No já referido quadro de valores que de mansinho se instalou, “és o que tens” os miúdos, através de eficazes estratégias de marketing, são bombardeados com ofertas sobre o que “todos têm” pelo que todos querem ter para poder ser, porque, como disse, “não tens não és”. Por outro lado, os pais, muitos pais, devido aos estilos de vida sentem-se desconfortáveis na relação com os filhos e são vulneráveis a esta “pressão” dos miúdos assumindo com dificuldade o Não, aspecto que também aqui tenho referido.

Neste quadro, se por um lado a educação escolar, no âmbito da formação alargada, pode incorporar reflexão sobre consumo e comportamentos, é fundamental que os pais se sintam à vontade e com firmeza para contrariar o que muitas vezes não passa de uma estratégia de consumo habilmente promovida por campanhas de marketing cuja regulação ética é ligeira, para ser simpático.

Neste sentido os pais devem sentir que um NÃO que pode desencadear uma birra poupará no futuro várias outras birras e alguns outros dissabores. Aliás, os miúdos embora não gostem, como provavelmente qualquer de nós, precisam do NÃO.

Na verdade, apesar da sua complexidade é uma matéria a que por muitas razões vale a pena dedicar atenção.

sábado, 11 de dezembro de 2021

JÁ NÃO HÁ SACO

 

Um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE,  Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020, referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Um outro trabalho,“Automedicação na comunidade: Um problema de saúde pública”, publicado em 2019 e desenvolvido pela Escola Superior de Saúde de Viseu -IPV, mostrou que nos participantes, zona norte e centro de Portugal, a prevalência de automedicação ao longo da vida foi de 74,1% e nos seis meses anteriores, de 59,9%.

Como se percebe por estes indicadores, Portugal tem seguramente uma das mais altas taxas de literacia em saúde, apesar de alguns estudos não o confirmarem, certamente por falha metodológica.

Tenho mesmo a convicção que nos últimos dois anos os níveis de literacia em saúde subiram ainda mais, exponencialmente.

Diariamente, em qualquer canto da comunicação social ou nas redes sociais, a toda a hora, não é possível acompanhar intervenção de muitos milhares de especialistas em saúde e com áreas de especialização extremamente diversificadas. Entre estas, cabe também a tudologia que alberga os tudólogos, especialistas em tudo e de uma convicção no que dizem que só pode advir do vasto conhecimento.

Compreende-se, assim, a onda de exigência que se tem levantado para conhecer ao detalhe as recomendações técnicas dos especialistas que informam o parecer da Comissão Técnica de Vacinação da DGS sobre a vacinação de crianças dos 5 aos 11.

Ainda bem que assim é e se verifica com qualquer procedimento médico ou toma de medicação, só com toda a informação científica é que cada um de nós, os poucos que, como eu, não especialistas nestas coisas, poderá decidir.

É importante ainda sublinhar que a excelência da literacia em saúde que a generalidade de nós possui nos protege de múltiplos discursos que se vão ouvindo que parecem ter a ver com tudo menos com reais preocupações de saúde pública, em particular dos mais novos.

No entanto, a isto estamos habituados, mas já cansa. Será certamente um erro meu e se assim for as minhas desculpas, mas não vi qualquer exigência do Bastonário da Ordem dos Médicos relativamente à decisão do Governo Regional da Madeira de vacinar as crianças imediatamente depois da aprovação EMA, mas exige o conhecimento de todos os pareceres científicos no que respeita ao Continente. Porque será, não acredito que seja por afinidade partidária? Já não há saco para tantas agendas e hipocrisia misturadas com sérias e atendíveis necessidades de informação fiável que sustentem e apoiem a decisão, neste caso e em primeira linha, dos pais. E também dos avós que gostam de aconselhar com segurança os mais novos.

Os pareceres dos especialistas já estão disponíveis. Ainda bem.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

DO ABANDONO ESCOLAR

 

Leio no Público que, conforme já acontece em boa parte dos países europeus, a Direcção-Geral de Estatística da Educação está a desenvolver uma ferramenta com o objectivo de avaliar e construir uma informação mais robusta sobre o abandono escolar.

Pretende-se construir informação que permita o acompanhamento próximo do aluno e das escolas, identificando perfis de risco ou preditores de abandono que possibilitarão o desenvolvimento de intervenções oportunas prevenido e combatendo o abandono escolar. Já agora é de desejar que o dispositivo a estruturar não seja mais um contributo para a burocracia platafórmica. Se assim for não ficará do lado da solução, mas do problema. 

Manter-se-á ainda o actual modelo que envolve o INE e a construção de dados sobre abandono no quadro do Eurostat.

Assim enunciado parece-me um passo positivo.

Sabemos que os dados do abandono escolar construídos pelo INE têm vindo a mostrar um abaixamento que se regista, mas importa não esquecer o caderno de encargos que ainda continuamos a ter pela frente, pois sendo importante que os alunos não abandonem, ainda precisamos de assegurar que a sua continuidade tem sucesso. 

Temos indicadores que mostram que muitos alunos, estando “ligados” à máquina educativa, ainda lutam, por razões diversas, por uma trajectória bem-sucedida e importa que cumprir a escolaridade signifique mesmo percursos escolares promotores de competências e capacidades.

Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis, que proporcionem realização pessoal e sejam base do desenvolvimento das comunidades.

Neste caminho é fundamental que a qualidade dos processos educativos e que a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores na generalidade das comunidades educativas seja uma opção clara pois é uma ferramenta imprescindível à minimização do insucesso e abandono.

Por outro lado, importa não perder de vista a população que abandona e que está em alto risco de que tal aconteça. Neste sentido é fundamental que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou as iniciativas anunciadas no âmbito do ensino superior tenham os meios necessários e se resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

Como há pouco escrevia, apesar dos indicadores de progresso é necessário insistir, merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

A ferramenta agora anunciada pode ser um contributo.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A HISTÓRIA DO RAPAZ PARECIDO COM OS PÁSSAROS

 Esta história tem um título estranho, mas é mesmo assim. Era uma vez um Rapaz parecido com os pássaros.

Sempre que se falava neste Rapaz mais cedo ou mais tarde aparecia a comparação com os pássaros.

O Rapaz era muito falador e adorava contar histórias com um ar muito sério. As histórias tinham conteúdos mirabolantes e fins imprevisíveis. As pessoas que ouviam diziam que quando a imaginação do Rapaz se soltava, voava, voava sem parar, como os pássaros já se vê.

Os professores achavam que ele estava quase sempre na Lua. Ora à Lua ó se pode ir voando como os pássaros. Também diziam que a atenção do Rapaz voava de umas coisas para as outras sem se fixar muito tempo em coisa alguma. Também assim fazem os pássaros.

Pode parece estranho, mas a sua forma de andar, era um Rapaz pequeno, dando assim como que saltos ligeirinhos. Fazia lembrar os pardais.

O Rapaz não era muito amigo de estar muito tempo num sítio fechado, precisava de sair e apanhar ar, a mãe dizia que não era pássaro de gaiola.

Não é, pois, de estranhar que quando a professora pediu para que os miúdos da turma escrevessem um texto sobre o que gostariam de ser quando crescessem, o Rapaz elaborou uma prosa onde descrevia tudo o que poderia fazer quando fosse o queria ser, um Voador.

Conheci e conheço algumas crianças e jovens parecidas com os pássaros, uns voaram e voam, outros … não.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

CRIANÇAS, JOVENS, LIVROS E LEITURA. UMA RELAÇÃO DISTANTE

 Foi divulgado um conjunto de dados no âmbito do estudo “Práticas de Leituras dos estudantes do ensino básico e secundário”, realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE em parceria com o Plano Nacional de Leitura 2017-2027.

Os indicadores são relativos a alunos do 1º ciclo (3º e 4º ano) e do 2º ciclo e devem ser lidos tendo em conta o que foi encontrado numa fase anterior em alunos do 3º ciclo e secundário.

Aos 10 anos verifica-se uma percentagem de 11% de alunos que afirmam só ler quando só obrigados, a partir dos 11 anos a percentagem sobre significativamente até aos 25% sendo que existem diferenças significativas entre rapazes e raparigas com estas a evidenciarem hábitos de leitura mais robustos.

Na fase anterior do estudo envolvendo o 3º ciclo e o secundário a percentagem de alunos que só lêem quando obrigados foi de 32% e de 25%.

A estes dados que merecem profunda reflexão acresce o tempo passado com os ecrãs, a utilização progressiva da escrita digital e a associação dos hábitos de leitura ao contexto familiar também com comportamentos de leitura de baixa frequência.

Em primeiro lugar importa considerar que se vai vivendo um processo de transição na utilização dos dispositivos digitais o que, não explicando tudo, não pode deixar de ser levado em conta.

De qualquer forma, importa que tentemos reverter, recuperar ou instalar hábitos de leitura, independentemente do suporte.

Muitas vezes aqui tenho escrito sobre algo de indiscutível, a importância dos livros e dos Recordo Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos que sublinham o impacto dos livros e da leitura no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também são muitos trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral como, aliás, este estudo evidencia.

Os livros têm, de facto, uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais ou actividades, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.

Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, ainda antes do começo da escolaridade. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, e frequentemente são, estimuladas e para as quais seria de disponibilizar aos pais alguma orientação.

Apesar dos esforços de muitos docentes e de múltiplas iniciativas e projectos, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos de leituras necessárias.

Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade do mundo que tornam acessível. No entanto, felizmente, realizam-se com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, em iniciativas autárquicas ou conjuntas.

Temos de criar leitores, eles irão à procura dos livros.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O INFERNO NA ESCOLA, O DIREITO AO OPTIMISMO

 Li com inquietação que numa escola do distrito de Viana do Castelo com alunos do 2º ciclo ao secundário se iria manter segurança privada e será instalado um sistema de videovigilância. A decisão surge na sequência de um confronto entre alunos que provocou dois feridos entre os alunos e duas funcionárias também feridas. Compreendo a decisão face à gravidade do episódio e também a situações da mesma natureza ocorridas na região.

No entanto é mesmo com alguma inquietação que imagino escolas com segurança privada e videovigilância.

Nos últimos tempos a educação, a escola, tem sido fonte permanente de referências na imprensa na sua maioria de natureza negativa.

Apesar de como aqui tantas vezes tenho referido considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno. Tal entendimento não invalida o saber que para alguns professores, funcionários e alunos a escola será … o inferno.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedida na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Reconheço que o universo da educação tem vindo durante décadas a funcionar de forma associada à deriva política em que os caminhos da educação se transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno privilegiado do funcionamento da partidocracia ao sabor de agendas que, frequentemente, não coincidem com o bem-estar comum e operadas por equipas que, nas mais das vezes, produzem catadupas de legislação e mudanças sucessivas, sem avaliação que as sustente e sem coerência ou competência, a que os fortíssimos interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.

Neste cenário têm-se desenvolvido políticas públicas que não cumprem de forma suficiente o direito constitucional de uma educação de qualidade para todos os indivíduos em idade escolar com consequências devastadoras no clima e funcionamento das escolas.

Sabemos e compreendemos a necessidade de combater o desperdício e conter gastos. Também algumas dimensões das políticas públicas não são valorizadoras social e profissionalmente de docentes, técnicos e funcionários o que tem implicações no clima das escolas.

Num país em que a literacia e a maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos representativos dos encarregados de educação pelo que as minorias mais activas assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.

Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.

É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve, eficaz e desburocratizado, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e responsabilizadas perante as comunidades locais.

No entanto, não posso deixar de registar uma palavra de optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores e alunos têm conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de resultados e competências que apesar das oscilações é relevante.

O meu filho fez toda a formação escolar, do pré-escolar ao superior, no sistema público, com os sobressaltos próprios destes processos, mas também com o sucesso que o trabalho dele e dos professores mereceu.

Os meus netos frequentam também o sistema público de ensino, saem de casa diariamente confiantes. Precisamos imprescindivelmente de confiar numa escola pública que lhes mostre o caminho para o futuro, preparando-os para lidar com os sobressaltos e obstáculos que fazem parte do caminho.

"CONFIDENTES DE ALUNOS E CÚMPLICES DE PROFESSORES: O BRAÇO CONTÍNUO"

 Quando na imprensa surgem referências aos auxiliares de educação, não gosto da designação por “assistentes operacionais”, são quase sempre e sem ordenar porque não existem em número suficiente nas escolas apesar de alguma mudança, porque estão em greve ou por que se verificou mais um episódio de agressão a estes funcionários das escolas.

São bem mais raros os trabalhos centrados na importância da sua função nas escolas.

Desta vez encontrei na SICnotícias um texto de opinião de Rui Correia, “Confidentes de alunos e cúmplices de professores: o braço contínuo”, justamente sobre a relevância do seu trabalho nas escolas.

Já aqui referi em várias circunstâncias essa relevância e retomo algumas notas.

Salvaguardando desde logo a importância acrescida do seu trabalho neste contexto pandémico, nunca é demais sublinhar a importância das funções deste grupo profissional e a necessidade de rácios adequados, qualificação, segurança e carreira que minimizem problemas que têm vindo a ser regularmente colocados por pais, professores e directores.

Seria desejável que a gestão desta matéria considerasse as especificidades das comunidades educativas e não se seguissem critérios cegos de natureza administrativa que são parte do problema e não parte da solução.

Para além da variável óbvia, número de alunos, é necessário que se contemplem critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.

Mais uma vez, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa. A situação que atravessamos e se manterá no próximo ano lectivo potencia a importância do seu trabalho.

A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pela adequação do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.

As alterações de natureza funcional que a segurança em termo de saúde exige reflectem-se, naturalmente na necessidade de auxiliares de educação em número suficiente.

Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação situação de precariedade descontinuidade no exercício profissional.

Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.

Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.

Considerando tudo isto parece essencial o contributo dos auxiliares de educação para a qualidade dos processos educativos. Assim, é imprescindível a sua presença em número suficiente, que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam formados, orientados e valorizados na sua importante acção educativa. Nos tempos que vivemos é ainda mais importante.

Qual será a parte que não se compreende?

A falta de auxiliares de educação e o apoio ao seu trabalho, evidentemente.

domingo, 5 de dezembro de 2021

SÓ AS CRIANÇAS ADOPTADAS SÃO FELIZES

 Na imprensa de hoje encontrei uma referência ao Relatório do Conselho Nacional para a Adopção com os dados relativos aos processos de adopção de crianças durante 2020. A tendência tem sido decrescente e em 2020 registaram-se 180 casos de adopção, o número mais baixo desde 2015 apesar de algumas alterações legais verificadas em 2015 com a intenção de agilizar processos.

Para além dos novos casos de crianças com indicação para adopção, a manutenção das crianças em situação de acolhimento dificulta progressivamente a sua adopção. Das famílias que pretendem adoptar, cerca de 70% preferem crianças até aos três anos.

Os constrangimentos e dificuldades são de natureza variada para além de questões de natureza processual. A existência de fratria, deficiência, etnia ou a idade são variáveis determinantes na maior ou menor dificuldade em entrar num processo de adopção.

De acordo com os dados de 2019, cerca de dois terços das crianças que aguardam por uma família adoptiva têm entre sete e 15 anos sendo que apenas menos de 5% das famílias candidatas as procuram.

Em termos internacionais, dados referidos em 2018 mostravam que em Portugal apenas cerca de 3% das crianças retiradas às famílias estavam em famílias de acolhimento e 97% institucionalizadas. Em países como a Irlanda e a Noruega o acolhimento institucional não ultrapassa 10% das suas crianças retiradas aos pais pelo Estado.  Mesmo em países em que é está mais presente a cultura de institucionalização, a Alemanha ou a Itália por exemplo, a percentagem é de 54% e 50% respectivamente, apesar de tudo bem mais baixa que o indicador português, 97%.

Precisamos de repensar todo o processo relativo ao acolhimento, à adopção, ao funcionamento e calendário dos processos de decisão sobre as crianças que vivem em circunstâncias familiares adversas.

Deixem-me ainda recordar, mais uma vez, uma expressão que ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.

Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.

Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas e, por vezes, mal-tratadas. É, por isso, absolutamente necessário que em tempo útil e com oportunidade se crie a oportunidade para que crianças "desabrigadas" possam ser adoptadas, possam ser felizes.

sábado, 4 de dezembro de 2021

NEM NA SAÍDA

 Em 14/05 deixei este texto no blogue com o título, “Da série mete-me espécie”.

“Devem existir motivos poderosíssimos que me escaparão como a boa parte dos cidadãos, mas “mete-me espécie” que Eduardo Cabrita ainda seja Ministro da Administração Interna.

Devo dizer que não sou particular adepto do coro de vozes que sistemática e facilmente pedem a substituição de Ministros. Entendo que a responsabilidade deve exercer-se até ao fim dos mandatos.

No entanto o Ministro Cabrita já é um “estudo de caso”, funciona em modo “cada cavadela, cada minhoca”. Desde a polémica em torno das golas inflamáveis, do caso trágico passado no SEF, das trapalhadas em torno do SIRESP, da questão de Odemira e da forma como decorreram os festejos dos sportinguistas, para além de outras questões de menor visibilidade, o Ministro Cabrita tem mostrado uma consistente e coerente incompetência que impressiona, para além de intervenções públicas absolutamente desastradas e que nos destratam a inteligência.

Aliás e em termos de intervenções públicas, o Ministro revela aqui sim uma estranha "competência", é das pessoas que mais consegue falar sem dizer nada e quando diz mesmo alguma coisa … seria melhor ter ficado calado. Por outro lado, em algumas circunstâncias em que seria imperativo ouvir o Ministro ... fica calado.

A sua manutenção no executivo ou é teimosia do Primeiro-ministro ou terá outras razões que me escapam. Pensar que será “apenas” o cartão certo parece-me pouco para suportar o apoio e elogio a tanto desacerto. A avaliação de "excelente" produzida pelo Primeiro-ministro o Parlamento entra para a lista das grandes tiradas de humor político.

Numa altura em que estamos à beira de lançar um Plano de Resiliência e Recuperação que tem como um dos eixos críticos o ambiente, julgo que a manutenção de Eduardo Cabrita como Ministro da Administração Interna já coloca também uma questão séria de agressão ambiental.”

Cerca de um mês depois dá-se o trágico acidente na A6 que envolveu o carro em que seguia Eduardo Cabrita. Seis meses passados de um silêncio ensurdecedor o Ministério Público acusa o motorista pela condução a uma velocidade estimada de 163 hm/h e contradiz o Ministro quanto à sinalização da via. Como comentário, o Ministro afirmou ontem de manhã que era “um passageiro”. Quando pensamos que já pouca coisa nos pode surpreender ainda ouvimos esta obscenidade moral, ética e cívica por parte de uma personagem menor a quem, inexplicavelmente, foi atribuída uma responsabilidade maior para a qual, manifestamente, não está preparado.

Como não podia deixar de ser, e já devia ter acontecido há muito, Eduardo Cabrita apresentou a demissão.

Mas mesmo na saída o Ministro, sem um assomo de dignidade e mostrando a matéria gelatinosa de que a sua dimensão ética e cívica é feita ainda afirmou, sair porque não pode “permitir este aproveitamento político”. Notável.

Nem quando finalmente tomou a decisão que há muito tempo devia ter tomado, Eduardo Cabrita mostrou algo de que ninguém pode abdicar, dignidade.

Na despedida fez um estapafúrdio exercício de auto-elogio e de auto-vitimização. Se alguém lhe perguntasse, teria certamente respondido que saía de consciência tranquila e talvez acredite que se trata de uma licença sabática.

Figuras deste calibre não têm consciência e acreditam que somos tolos. Há muitas no Portugal dos Pequeninos.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

DO DIA INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

 Passou mais um ano e a agenda das consciências determina que hoje se cumpra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Como sempre, umas notas que de forma substantiva não se desactualizam, lamentavelmente.

Como tem sido hábito, poderão surgir algumas referências na comunicação social, ouvir-se-á alguma da retórica política aplicável à matéria em apreço com referência a iniciativas ou intenções, eventualmente teremos até alguns testemunhos, positivos e negativos, de pessoas com deficiência ou de entidades que "operam" nesta área. Aliás, a inclusão ou a promoção de um qualquer entendimento de inclusão constitui-se como um nicho de mercado promissor em diversas vertentes.

Apesar do contexto de pandemia em que vivemos poderão ter lugar alguns eventos realizados por instituições e movimentos que operam nesta área, referir-se-ão alguns avanços de natureza tecnológica, como se sabe as tecnologias mudam mais depressa que as pessoas e amanhã o mundo volta-se para outra questão que a agenda das consciências determine. Nos dias que correm será ainda mais rápido.

Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é globalmente positiva, embora a sua operacionalização mereça quase sempre um estudo de caso. Na sua definição é promotora dos direitos das pessoas, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia.

Como exemplo, é notória a falha na fiscalização e cumprimento das disposições legais relativas às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e acessibilidade em geral. As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um obstáculo e um risco.

O resultado é a existência de muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.

Os transportes públicos de diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade reduzida.

Para além deste quadro, suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios, complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes ainda ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita gente.

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.

Na verdade, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Também para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas. Os sobressaltos decorrentes de alterações legislativas são consideráveis apesar da necessidade de alteração.

Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.

Uma referência ainda ao que deve ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das comunidades.

É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe e deve ser sublinhado, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada. A situação dura e já longa que atravessamos veio agudizar a situação.

O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos, todos os anos, todos os dias.