domingo, 30 de abril de 2017

O MANUAL DO ALPINISTA

No Público de hoje está uma reportagem interessante sobre o universo das juventudes partidárias. Apesar das excepções e de alguns discursos a tentar combater a ideia, existe a convicção de que o envolvimento numa juventude partidária pode ser uma das mais eficazes formas de progressão social e profissional existente em Portugal, sobretudo, naturalmente, nos partidos do chamado arco do poder.
Há algum tempo também o Público procedeu a um levantamento da rapaziada mais novinha, sem currículo relevante, académico ou profissional, que enxameia gabinetes ministeriais e os números eram elucidativos. Como característica comum encontrou a pertença à "sua" jota onde desempenharam cargos que os catapultam para assessores ou deputados e são o início de uma bela e promissora carreira, numa despudorada utilização da administração pública, central, local e empresarial para a distribuição de alguns jobs para os promissores boys e girls. A sociedade portuguesa está cheia de exemplos deste tipo de percursos nas suas diferentes fases.
Um deles é a história do meu amigo Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele não acederia rapidamente, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas universidades em que a exigência em certos cursos, sobretudo para figuras de algum relevo público, não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista. O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante, valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.
Alguns anos depois, poucos naturalmente, o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à escrita.
O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista” e consta obrigatoriamente das bibliografias distribuídas nas Universidades de Verão dos diversos partidos.

PODE CONTINUAR A SIMPATIA DE ALGUMAS ESCOLAS

O Ministério da Ciência e do Ensino Superior decidiu não alterar as regras no acesso ao Ensino Superior.
Tendo por base as propostas de alteração elaboradas pelo grupo de trabalho nomeado para o efeito, as posições do CNE e a ausência de consenso sobre toda esta matéria as escolas “simpáticas” poderão continuar a ser simpáticas e beneficiar os seus alunos bem como os seus dividendos.
Ao abordar esta questão, tenho-o feito com regularidade, importa sublinhar que sendo certo que entre as escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam fortemente as escolas privadas, é evidente que no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que alguns apregoam não será tão claro.
De registar ainda que considerando as escolas que mais promovem progressão nos alunos entre o 9º e o 12º também predominam as escolas públicas.
Retomando as notas inflacionadas, de facto, a disponibilização dos dados relativos ao secundário no Infoescolas, uma boa medida do MEC, confirmou a situação que já o CNE e um estudo da Universidade do Porto tinham colocado e é do conhecimento das comunidades. Recordo que foi aberto um inquérito a alguns estabelecimentos de que desconheço os resultados.
Sabe-se também que em muitas zonas as escolas, privadas sobretudo, mas também algumas públicas são "escolhidas" pelas famílias também em função deste conhecimento.
Deve ser a isto que se chama liberdade da educação. Aliás, curiosamente, segundo os dados do estudo da Universidade do Porto é justamente nos colégios sem contrato de associação, os que recebem “apenas” os alunos que entendem, que as notas internas são mais “inflacionadas”, por assim dizer. Aliás, a investigação da Universidade do Porto mostrou como um ou dois valores a mais podem “valer” a entrada na universidade ou no curso que se quer.
Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc. No mesmo sentido, o Director da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, sempre criativo, apresenta há algum tempo uma justificação em torno de "estratégias pedagógicas" que é uma peça de antologia.
Ainda no domínio do que se passa no âmbito das avaliações internas seria interessante verificar o que se passa em muitos estabelecimentos privados nas disciplinas não sujeitas a exame nacional.
No entanto, do meu ponto de vista, afirmo-o de há muito, a questão central radica numa questão central, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
Será que se chegará a algum consenso sobre esta questão?

sábado, 29 de abril de 2017

GOSTEI DE LER "O INFERNO, DIZ-VOS ALGO?"

Algumas vezes as pessoas ficam surpreendidas quando comentam qualquer coisa como  “Que bom, está mais um dia bonito, cheio de Sol!” e eu respondo “Não, mais um dia sem chuva, a coisa está a correr mal”. Sem grande convicção lá entendem o meu ponto de vista apesar de estranharem que é produzido por um tipo que utiliza mota diariamente. No entanto, acho que continuam mesmo satisfeitas com mais um excelente dia.
Serve esta introdução para referir o texto interessante de António Guerreiro no Público, “O Inferno, diz-vos algo?”
É de ler.
(…)
(…)
As alterações climáticas podem mesmo trazer o verdadeiro inferno.

UM HERÓI NACIONAL

Apesar de ser uma pesquisa limitada face ao tempo e fontes disponíveis encontrei alguns significados para “herói”.
Segundo a Infopédia – Dicionários Porto Editora, “Herói” é um “indivíduo que se destaca por um acto de extraordinária coragem, valentia, força de carácter, ou outra qualidade considerada notável.
De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa “Herói” é uma “Pessoa de grande coragem ou autora de grandes feitos.
Num registo diferente e conforme a Wikipédia “Herói” é “Uma figura arquetípica, personagem modelo, que reúne, em si, os atributos necessários para superar, de forma excepcional, um determinado problema de dimensão épica.
Em entrevista ao DN Nuno Crato considera Passos Coelho um herói nacional e continua orgulhoso do seu trabalho como ministro da Educação.
A fase de identificar heróis desta forma adulatória e mágica desaparece habitualmente um pouco mais cedo no desenvolvimento das pessoas. No entanto, a maioria de nós adultos continua a mostrar e a gostar de acreditar que ainda mantém algo de criança em si.
Que assim seja, Professor Nuno Crato.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

DO MAL-ESTAR EM ADOLESCENTES E JOVENS

Agora trata-se do jogo Baleia Azul, logo depois será uma outra qualquer ideia. Não parece importante falar do que é o “jogo” Baleia Azul, parece-me essencial, isso sim, reflectir sobre o conjunto de razões pelas quais adolescentes e jovens se envolvem em situações desta natureza com riscos graves, incluindo automutilação e suicídio.
Na verdade, este envolvimento é um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Recordo um estudo da Universidade de Coimbra que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os 19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito de Coimbra cerca de 20% afirma já ter desencadeado comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida.
Este mal-estar o que daí pode emergir decorre com alguma frequência situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas, ou relações degradadas em família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social, facilitadoras de comportamentos autodestrutivos.
Começa também a emergir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam a si próprios sofrimento que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola espaço onde passam boa parte do seu tempo.
De facto em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.
Muitos pais, diz-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes.

A EDUCAÇÃO, A ESCOLA, FAZ A DIFERENÇA

O trabalho interessante da Escola de Segunda Oportunidade de Matosinhos com adolescentes e jovens que cumprem trajectórias de abandono e insucesso escolar mostra que a educação, a escola, faz a diferença e é capaz de contrariar o destino. Recordo Mandela quando afirma que a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo, a começar no mundo de cada um com o qual se cumpre o que de forma simples costumo definir como o grande objectivo de um sistema educativo, o de que os jovens, todos os jovens, à saída do sistema se encontrem equipados com qualificação pessoal e profissional independentemente do patamar académico atingido.
Considerando a diversidade dos alunos e contextos só uma via de diferenciação de percursos e de oferta educativa, de modelos e tipologia de escolas, de conteúdos curriculares e práticas pedagógicas, de apoios ajustados e competentes é possível levar, tanto quanto possível todos os alunos a aceder a alguma forma de qualificação, pois será a melhor forma de combater a exclusão.
Aliás, a oferta formativa de natureza profissional no âmbito do ensino secundário que também está a acontecer apesar de muitas dificuldades e constrangimentos, pode ser um passo nesse sentido e tem contribuído para baixar os níveis de abandono. Importa, no entanto, garantir que esta oferta não seja preferencialmente dirigida para os "que não servem" para a escola ou assim percebida por parte da comunidade educativa, tanto na escola como nas famílias.
Numa altura em que tantas vezes se questiona e responsabiliza a escola é bom saber, nós sabemos, que, apesar de tudo, a escola … ensina e educa.
Muitas vezes penso que nos falta um pouco a “cultura" de valorizar e divulgar o que corre bem. Embora se compreendam algumas razões estamos quase sempre mais direccionados para os muitos problemas e dificuldades sempre presentes no complexo universo da educação.
Na verdade apesar do peso das variáveis referidas, o trabalho na e da escola, das escolas, e dos professores é um factor significativamente explicativo do sucesso dos alunos mais vulneráveis e capaz de contrariar o peso das outras variáveis que estão presentes no contexto de vida desses alunos. Aliás, a experiência da Escola de Segunda oportunidade de Matosinhos parece ser um bom exemplo.
Aqui se regista e saúda.
No entanto, importa desenvolver políticas educativas que em termos genéricos e em termos mais particulares como currículos, sistema de organização, recursos humanos docentes, técnico e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia das escolas que sustentem esta ideia de diferenciação, a ferramenta para promovam qualidade e inclusão.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

AS PALAVRAS FEIAS

Acho sempre muito interessante a ingenuidade voluntariosa com que muitos pais e outros adultos tentam instruir os miúdos para que não digam asneiras ou “palavras feias” como também lhes chamam.
Como sabemos todos, passámos por esta estrada, não adianta, os miúdos aprendem as “palavras feias”, felizmente diria. Já tenho causado alguns embaraços quando digo coisas como achar que aquelas “palavras feias” não são palavras feias e também quando digo que, por vezes, é “bom” dizer aquelas “palavras feias”, fazem bem ao nosso discurso e à nossa saúde mental. Trata-se só de ajudar os miúdos perceber  onde e com quem se podem dizer e os miúdos aprendem isso muito bem se a forma como o fizermos for ajustada e firme.
Também digo que muitas vezes, não estando em circunstância de dizer uma “palavra feia”, penso cada uma, o que me permite, garanto-vos, ficar melhor.
Mas na verdade existem palavras feias, agora sem aspas, algumas mesmo muito feias. Maltratar é uma palavra muito feia. Abuso também é uma palavra feia. Desemprego é igualmente uma palavra muito feia. Também acho que sofrimento é uma palavra feia, tal como pobreza ou exclusão, são palavras terrivelmente feias. Outra palavra que me parece muito feia é humilhação. Também acho ostentação uma palavra um bocadinho feia. E há muitas mais, podem descobrir.
Mas tal como com as “palavras feias” com aspas, também acho que estas palavras feias, sem aspas, devem ser usadas, muito usadas e é importante que os miúdos ao crescer vão percebendo também estas palavras feias se devem dizer. Pode ser que de tanto as usarmos elas se gastem e desapareçam.
Não me digam que não posso sonhar senão digo uma “palavra feia”.

A SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Após estudo da situação actual a Escola de Saúde Pública propõe um novo modelo de organização da resposta em matéria de saúde mental, designadamente de crianças e de casos mais graves, promovendo um acesso mais fácil e abrangente e um seguimento mais próximo nas comunidades.
Álvaro de Carvalho, coordenador do Programa Nacional de Saúde Mental, sustenta que se trata de "um modelo que vai viabilizar as equipas de saúde mental e o trabalho comunitário". Aguarda-se a forma como será recebido no Ministério da Saúde.
Algumas notas mais direccionadas para a questão da saúde mental de crianças e adolescentes desde logo sublinhando a necessidade e a urgência de criar mais e melhores respostas para crianças e adolescentes no âmbito da saúde mental.
Dados do European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs de 2016 sugerem que 13% os jovens portugueses até aos 16 anos consome antidepressivos e tranquilizantes. O estudo envolveu 96043 jovens de 35 países, 3456 portugueses alunos de escolas públicas. O valor é impressionante, a média é de 8%.
Muitas vezes aqui tenho escrito sobre a questão grave da saúde mental de crianças e adolescentes portugueses que, do meu ponto de vista, tem sido uma área desvalorizada, aliás, a saúde mental tem sido um parente pobre das políticas de saúde pública.
Um estudo divulgado em 2015 realizado pela Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra em colaboração com entidades estrangeiras apontava para que 8% por cento dos adolescentes portugueses que frequentam o 8.º e o 9 º ano apresentam sintomatologia depressiva e 19% estarão em risco de desenvolver a doença. O estudo contemplava também um programa de prevenção a promover em meio escolar, com a participação dos pais, que pareceu indiciar bons resultados.
Em Maio de 2014, o Expresso relatava que em 2013 se tinham registado cerca de 20 000 novas consultas de pedopsiquiatria, mais 30% que em 2011. Era um indicador preocupante e ainda mais preocupante pela inexistência de resposta adequada e acessível para muitas crianças e adolescentes.
Recordo também que em 2014 foi noticiada a interrupção dos apoios a crianças e adolescentes da região do Algarve pois o programa de que beneficiavam, Grupos de Apoio à Saúde Mental Infantil, que já tinha merecido prémios de boas práticas, foi suspenso em vez de ser generalizado. Esta suspensão foi obviamente sentida com grande inquietação por famílias e profissionais.
Em 2012 esteve em Portugal um especialista nesta área, Peter Wilson, que, naturalmente, referia a necessidade de que nas escolas e na comunidade próxima existam apoios aos professores, às famílias e às crianças com dificuldades emocionais, a única forma, entende, apoiado na sua experiência, de minimizar e ajudar neste tipo de problemas que, não sendo acautelados, têm quase sempre efeitos devastadores em termos pessoais e sociais. Segundo Peter Wilson, os estudos em Inglaterra sugerem a existência de três crianças com problemas do foro emocional em cada sala de aula pelo que o apoio é muito mais eficaz e económico prestado na escola ou na comunidade próxima a alunos, famílias e professores. Este entendimento é partilhado, creio, pela generalidade dos profissionais e famílias, também em Portugal e os dados conhecidos apontam nesse sentido.
Há algum tempo a imprensa referia a inexistência de camas nos serviços de pedopsiquiatria que possam acomodar adolescentes em tratamento o que leva a que em muitas circunstâncias adolescentes sejam internados em serviços de adultos o que na opinião dos especialistas pode ser uma experiência "traumatizante" sendo, aliás, contrárias às boas práticas de qualquer país civilizado em matéria de saúde mental.
Está nos livros e nas experiências que em situação de crise os mais vulneráveis, crianças e adolescentes, por exemplo, são, justamente, os mais sofredores com as dificuldades. Acresce que, actualmente, se verifica em muitos agregados familiares e em contextos escolares a emergência de discursos que pressionam os mais novos no sentido de atingirem a excelência nos resultados escolares ou em qualquer actividade “importante” pois será, dizem, a “única” forma de atingir um patamar de sucesso futuro.
Como se sabe e a experiência mostra, muitas crianças e adolescentes não suportam com tranquilidade esta pressão o que se repercute no seu bem-estar e na sua saúde mental. Para complicar um pouco mais, ainda se verifica que algumas pessoas desvalorizam estes fenómenos, entendendo que é preciso ser exigente e bem-sucedido e não entendendo o sofrimento de algumas crianças e jovens.
Por outro lado é também conhecida a enorme dificuldade que muitas instituições que acolhem menores estão a passar dificultando a resposta com a qualidade bem como a possibilidade de responder a novas situações.
Os miúdos, nas famílias preferencialmente, ou nas instituições, necessitam de um aconchego, um ninho, uma qualidade de vida que os cuidadores, por diversas razões, não sabem, não querem, não podem ou não são capazes de providenciar. Tal cenário implica riscos fortíssimos de compromisso do seu futuro pelo que os apoios e resposta são fundamentais mas não podem passar apenas pela medicação.
Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

PORTUGUESES, UMA ESPÉCIE AMEAÇADA

A imprensa refere hoje que segundo dados agora divulgados pelo INE, a população portuguesa continua a diminuir pelo oitavo ano consecutivo apesar de no ano anterior terem nascido mais bebés.
Os portugueses são uma espécie ameaçada e fico deveras inquieto com a aparente despreocupação que as autoridades na matéria e do universo da ecologia revelam e a ausência de medidas de protecção espécie o que não acontece com outras também ameaçadas.
Na verdade, de há alguns anos para cá os portugueses têm sofrido com alterações a vários níveis que se traduzem na sua diminuição.
As alterações climáticas têm sido de alguma severidade criando um clima tenso, inseguro, que gera desconfiança e desesperança.
De uma forma geral, exceptuando alguns exemplares mais preparados, os portugueses têm, sido vítimas de predadores, mais conhecidos por mercados, que têm criado uma enorme pressão no nosso habitat instalando situações de carência e pobreza que dificultam a construção de projectos de vida que incluam filhos o que acentua o declínio da espécie.
É também sabido que nas espécies mais evoluídas assume especial relevância na sua sobrevivência e evolução o papel e a qualidade das lideranças. Também nesta dimensão se verifica uma enorme fragilidade criando uma deriva inconsequente e dispersão de esforços e ideias. Esta situação é ainda um contributo para as alterações climáticas que referi acima.
Os membros mais novos da espécie têm sido particularmente afectados pelas alterações no seu ecossistema pelo que população adulta tende a abster-se de aumentar o número de indivíduos, condição imprescindível à manutenção da espécie.
Acontece ainda que muitos milhares de portugueses, válidos e qualificados, sem que se sintam capazes da sobrevivência no seu habitat se sente empurrados e partem para outros territórios onde muito provavelmente se adaptarão e a prazo abandonam, na prática, a sua espécie.
Neste quadro, parece urgente que se exijam medidas de protecção aos portugueses. Urge diminuir a actividade predatória sobre boa parte da população.
Urge aumentar os níveis de protecção e incentivo à natalidade mas de forma séria e não medidas inconsequentes e mais retórica.
Urge aumentar o bem-estar da população no seu todo e não de uma pequena minoria que é insuficiente para a manutenção da espécie.
Urge construir um caminho que possibilite a recuperação e proliferação da espécie.
Não somos uma espécie em extinção.
Somos, é verdade, uma espécie ameaçada.
Mas vamos sobreviver.
E para isso é preciso mudar.
Já.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

TOLERÂNCIA

Foi agora confirmado que o Governo concede tolerância de ponto aos funcionários da administração pública no dia 12 de Maio, o dia da visita do Papa Francisco a Fátima para comemorar as “visões imaginativas” das crianças mais conhecidas por pastorinhos, dois dos quais vão ser canonizados pelo Papa nessa ocasião.
A administração das designadas tolerâncias de ponto sempre foi uma excelente ferramenta de acção política, razão pela qual a tradição em Portugal sempre foi de alguma generosidade nessa matéria.
Assim, a decisão de conceder com regularidade tolerâncias de ponto à administração pública inscreve-se nessa acção política, nada como um tempinho de férias extra em tempos de crispação e dificuldade até porque ... temos eleições, “Honni soit qui mal y pense”.
Alguns terão a tentação de entender que sendo Portugal um estado laico não deveria a visita do Papa não justifica tal medida assim como a visita do Chefe de Estado do Vaticano não é argumento. É verdade que vigora a Concordata mas também não serve de base a esta decisão e que carece de coragem política para a sua revisão.
Claro que a questão não tem rigorosamente a ver com as eventuais convicções religiosas das centenas de milhares de funcionários da administração, trata-se de política pura e dura, oportunista, pequenina, à medida do Portugal dos Pequeninos.
Por outro lado, um Governo tolerante é algo de muito importante e significativo em tempos de chumbo carregados de intolerância.
Como sabem, a tolerância é um bem precioso na vida das comunidades e uma das dimensões mais importantes da democracia. A luta pela democracia tem sido a luta pela tolerância.
Mais a sério, trata-se de uma decisão que não se pode sustentar.

A HISTÓRIA DO ASTRONAUTA

Era uma vez um rapaz chamado Vítor. Era um “cabeça no ar”, ou melhor, um “cabeça na Lua”, como lhe chamava a Professora. Tinha uns oito anos e na escola tinha sempre um ar ausente, em viagem, mesmo, quando por decisão da Professora, já não se sentava perto da janela.
O Vítor parecia ter a estranha capacidade de mesmo com a cara encostada a uma parede aparentar um olhar como se estivesse a ver o mais interessante dos cenários. É claro que o aprender das coisas da escola não estava a correr muito bem o que preocupava a professora, que insistia em chamar a atenção do Vítor para as tarefas que deveria realizar.
Vítor, tens que estar concentrado, com atenção ao que tens para fazer. Precisas de aprender estas coisas para quando cresceres saberes muito. Se não aprendes agora que vais fazer quando fores grande, diz-me lá.
Vou ser astronauta Professora.
Astronauta Vítor? Porquê astronauta?
Porque eu gostava de viajar com a minha cabeça. A Professora está sempre a dizer que tenho a cabeça na Lua. Tenho a cabeça na Lua mas ela também vai a muitos lados sem ser à Lua. O problema é que vai sozinha, eu fico aqui. Eu gostava de ir com ela e quando eu for astronauta posso andar com a minha cabeça pelos sítios todos onde ela vai só. Vai ser fixe.
Está bem Vítor, mas olha, enquanto não fores astronauta faz esta ficha, pode ser?
Assim que chegar, Professora.

ABANDONO ESCOLAR = EXCLUSÃO SOCIAL

Segundo dados do Eurostat hoje divulgados, em 2016 Portugal detinha a quarta taxa de abandono escolar mais alta da UE, 14% dos jovens entre os18 e os 24 anos abandonam o sistema escolar ou de formação. A média europeia é de 10.7%. Deve, no entanto, registar-se que nos últimos 10 anos a melhoria foi significativa se considerarmos que em 2006 a taxa de abandono era de 38.5%, a mais elevada da União Europeia.
É certo que podemos olhar para o copo meio cheio ou para o copo meio vazio mas na verdade os dados ainda são preocupantes. Estamos ainda longe de cumprir os objectivos estabelecidos para 2020, situar o abandono nos 10%.
A exclusão escolar é a quase sempre a primeira etapa da exclusão social pois sem qualificação ou formação a capacidade de entrada no mercado de trabalho de sociedades cada vez mais desenvolvidas é difícil pondo em risco a construção de projectos de vida viáveis e proporcionadores de realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.
Este cenário combate-se por duas vias, a prevenção do insucesso que leva ao abandono e a recuperação para trajectos de formação e qualificação da população que entretanto já abandonou.
Esperemos que algumas mudanças em curso e, sobretudo, a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores, possam contribuir para a minimização do insucesso.
No que respeita à recuperação dos jovens que já abandonaram espero que as iniciativas em desenvolvimento, designadamente o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades tenha os meios necessários e resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

terça-feira, 25 de abril de 2017

UMA ESCOLA LÁ PARA TRÁS NO TEMPO

Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril.
Não é raro que a propósito de diferentes matérias ainda se oiçam formulações como "afinal o 25 de Abril ...", e ... "estamos como estamos".
Devo dizer que não simpatizo com este tipo de afirmações. Sendo certo que temos vivido tempos difíceis também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973. Já passaram 43 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta. Escolho falar da escola porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade.
Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem atravessado dificuldades e problemas sérios mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era, naturalmente, triste.
As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava. Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola, eram deficientes.
E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”.
E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo.  Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que o meu neto e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

25 DE ABRIL. TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM

Por estes dias, mesmo 43 anos depois, para as pessoas da minha geração é impossível não falar do 25 de Abril, daquele 25 de Abril, do nosso 25 de Abril, do meu 25 de Abril.
Há algum tempo, numa conversa informal com alunos, jovens, do ensino superior, alguns questionavam-me sobre como era a vida académica, e não só, antes desse 25 de Abril, o que felizmente acontece com alguma frequência. Ao procurar dar-lhes um retrato desse tempo e do que era a nossa vivência diária, deu para perceber alguma perplexidade nos jovens não tanto pelas referências às grandes questões, mas, sobretudo, pelas pequenas histórias do dia-a-dia.
Histórias do clima de desconfiança e suspeição sobre a pessoa do lado que nos prendia dentro da gente; do livro que se não tinha; do filme que se não podia ver; do disco que se contrabandeava; do teatro que não se podia fazer; da conversa que se não podia ter; do professor de quem não se podia discordar; da ideia que se não podia discutir; da repressão visível e, mais pesada, invisível; do beijo que não se podia dar em público; do livro único para formar um pensamento único; de tantas outras histórias com que se tecia um mundo pequeno que nos queria pequenos.
Aquela conversa foi muito estimulante. É certo que me deixou a doce amargura da idade mas, mais interessante, fiquei convencido que aquele pessoal não permitirá nunca que se possa voltar a ter histórias daquelas para contar a gente mais nova.
Acho até que esta gente, apesar das enormes dificuldades que enfrentam para construir um projecto de vida viável e sustentado, não vai mesmo estudar para ser escrava, esta gente vai, apesar de por vezes se sentir à rasca, chegar ao futuro.
Gosto de acreditar nisto. Também por causa daquele 25 de Abril.
E porque é mais fácil e mais bonito, "Traz outro amigo também".

segunda-feira, 24 de abril de 2017

OS NÚMEROS NA EDUCAÇÃO

Como é sabido foi decidido pelo ME a redução do número de alunos por turma começando no próximo ano pelas escolas que integram TEIPs e pelos primeiros anos de cada ciclo.
A avaliação do número de alunos envolvido pela medida tem gerado alguma controvérsia. Nada de novo, os números na educação nunca dão certo, estranho seria que estes não levantassem discussão. Do meu ponto de vista e sem desvalorizar a questão do rigor, um elemento escasso em boa parte dos discursos políticos e institucionais, gostava de retomar alguns aspectos.
O número de alunos por turma é apenas umas das muitas variáveis associadas ao maior ou menor sucesso do trabalho de alunos e professores.
Nesta conformidade e sabendo-se do potencial impacto positivo qualquer orientação no sentido de o baixar tem contornos positivos mas importa no entanto não perder de vista outras dimensões.
Um dos aspectos que me parece central nesta matéria e que também está na agenda, será a autonomia das escolas. Dentro do que entendo por verdadeira autonomia das escolas, deveriam estas ter a competência para definir e organizar as turmas embora aceite a existência de orientações nesse sentido.
Aliás, também com base na autonomia das escolas poderiam ser consideradas outras opções como a presença de dois professores em sala de aula. Em algumas circunstâncias pode ser mais vantajosa que a redução do número de alunos por turma e, por outro lado, várias escolas terão turmas com efectivos abaixo do que agora se estabelece como limite.
Ainda neste âmbito gostava de ver discutido o impacto que os modelos de organização, funcionamento e gestão de recursos das escolas têm no trabalho docente. A carga de burocracia, a redundância da recolha e tratamento de múltipla informação em múltiplos suportes desde as velhas grelhas aos mais recentes “excel” e plataformas criam um volume de trabalho parte do qual, peço desculpa pelo atrevimento, me parece desperdício muitas vezes pouco produtivo do esforço e do trabalho de profissionais qualificados.
Por outro lado, para além das variáveis de contexto que não se confinam ao pertencer a um TEIP, devem ser também consideradas as especificidades ao nível da tipologia de escola e oferta educativa, recursos humanos (docentes, técnicos e funcionários)
Acresce nesta matéria a importância da qualidade do trabalho em turmas com alunos com necessidades educativas especiais o que, evidentemente, deve ser considerado na análise do efectivo de turma, desde logo cumprindo o que está legislado.
Neste quadro a discussão sobre quantos alunos serão abrangidos pela medida, apesar de não a desvalorizar, parece-me pouco potente no sentido da promoção de mais sucesso para alunos e professores.
Se nada mais for pensado e tanto quanto possível ajustado, apesar do potencial positivo ao nível do princípio, o impacto real em cada aluno pode não ser o desejado por toda a gente.

DA DIVERSIDADE DOS ALUNOS

Como muitas vezes tenho escrito a característica mais presente em qualquer sala de aula das nossas comunidades é a diversidade entre os alunos.
Essa diversidade é de uma enorme latitude e envolve também um grupo a que nem sempre damos a devida atenção, as crianças sobredotadas.
De facto, não existirão tantas crianças com capacidades acima da média e em diferentes domínios como, por vezes, os pais têm a tentação de afirmar, mas na verdade existem crianças e adolescentes que tendo capacidades acima dos seus pares e com diferentes expressões sentem sérias dificuldades na sua estadia na escola.
Não é impossível que algumas destas crianças possam passar por situações de insucesso ou dificuldades no comportamento e quadros de frustração.
O Público traz hoje um trabalho sobre este universo para o qual me solicitou uma pequena colaboração.
Sem ser um especialista nesta área, a sobredotação, entendo que a única forma de responder à diferença entre os alunos é diferenciando o trabalho educativo, diferenciando as respostas educativas, construir modelos curriculares de natureza mais aberta e flexível tal como definir dispositivos de avaliação também com algum nível de diferenciação e, finalmente ter modelos de autonomia e organização escolar reais bem como dispositivos de apoio competentes e suficientes.
Este cenário, enunciado a propósito dos alunos sobredotados, é a melhor forma de acomodar as diferenças entre os alunos, qualquer que seja a sua expressão, e promover, de facto, uma educação inclusiva que idealmente não deixe ninguém para trás.
Como sempre digo o insucesso e a exclusão escolar são quase sempre “apenas” a primeira etapa da exclusão social.

domingo, 23 de abril de 2017

DIA MUNDIAL DO LIVRO. AS LETRAS NUNCA ACABAM

Porque hoje o calendário das consciências determina que se reconheça o Dia Mundial do Livro, aqui fica uma história velha com livros dentro.
Um dia destes a Ana entrou na biblioteca da escola para entregar uns livros ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A Ana ia muito concentrada e sentia-se importante na tarefa de responsabilidade que a professora lhe tinha encomendado, a devolução de uns livros.
O Professor Velho aproveitou e como estava arrumar alguns que tinham chegado, mostrou um novo à Ana que começou a folheá-lo e a tentar a leitura, a Ana está a iniciar-se nessa tarefa e ainda tropeça um pouco, são os primeiros passos na estrada da escola.
De repente, ficou com um ar apreensivo e interroga o Professor Velho.
Velho, as letras podem acabar?
Como assim Ana? Não estou a perceber o que queres dizer com isso.
Todos os livros têm palavras e as palavras têm letras. Eu estou a perguntar se as letras se podem acabar.
Já percebi. Não Ana, as letras não se acabam. Tu já sabes escrever letras?
Já e também já sei escrever palavras com as letras.
Então, se tu és capaz de fazer letras e todas as pessoas que sabem escrever também são capazes de fazer letras, as letras nunca vão acabar. A gente escreve sempre mais para tudo o que precisar.
Ainda bem que as letras não se acabam, assim vamos sempre ter livros novos para ler.
Tens toda a razão. E a propósito de livros novos, faz-me um favor, leva estes para a tua professora ver e vos mostrar.
Adeus Velho, vou ler um. Até ao fim.
Claro. Só se aprende a ler ... lendo, pensou o Professor Velho.

DA MARCHA PELA CIÊNCIA. CIÊNCIA E OPINIÃO

Também em Lisboa se realizou uma Marcha pela Ciência, integrada numa iniciativa global que assume a defesa da ciência, do conhecimento científico face à deriva assente e traduzida nos “factos alternativos” tão promovida pela presidência dessa figura assustadora que é Donald Trump. São múltiplos os exemplos em que nos discursos de elementos com responsabilidades políticas são negadas evidências científicas o que em alguns domínios pode mesmo vir a ter consequências desastrosas, caso, por exemplo, das alterações climáticas.
No entanto, este fenómeno não é recente nem um exclusivo da sociedade americana e envolve mesmo pessoas com formação científica de nível superior. Na verdade há muito tempo que me vejo envolvido em situações curiosas, para ser simpático.
Quando me envolvo em alguma discussão com pessoas com formação em áreas diferenciadas que não as Ciências Sociais, designadamente Educação ou Psicologia, áreas que conheço melhor, sobre matérias do seu universo de formação ou intervenção, percebo com clareza alguns dos meus interlocutores tendem a desvalorizar o que exprimo pois não lhe reconhecem “saber” ou “ciência”, apenas opinião.
Por outro lado, quando falo de assuntos da minha área de estudo de décadas, Psicologia e Educação, qualquer que seja a sua formação, muitos dos interlocutores afirmam com a maior das convicções opiniões sólidas e seguras sobre o que está em discussão e assumem com toda a segurança essas opiniões como “saber”.
Quando era mais novo ainda tentava argumentar com base no que a ciência nestas áreas, a evidência como é designada, vai produzindo mas, dada a falta de efeito, vou desistindo.
Na verdade, “mete-me espécie” que engenharia, biologia, economia, medicina, etc., etc., sejam áreas de “saber” e que educação ou psicologia sejam percebidas não como áreas de saber mas como áreas de opinião que, naturalmente, qualquer pessoa pode expressar e, assim, passar a ser “saber”.
Aliás, até já tenho visto referências às Ciências da Educação escritas com aspas e, frequentemente, com sentido pejorativo. Foi patente nos últimos anos a emergência de discursos diabolizando as “ciências da educação” identificando-as como o eixo do mal responsável pelo que de mau vai acontecendo no mundo da educação. Elucidativo. Seria estranho, no mínimo, alguém afirmar que o que se sabe e estuda em engenharia num qualquer ramo é prejudicial … à engenharia
É estranho que o que eu afirmo dentro da minha área não seja percebido como saber, não seja percebido como ciência, seja uma opinião e, como tal, passível de discussão com base noutra opinião enquanto o discurso do meu interlocutor sobre a sua área de intervenção seja “saber” pelo que um leigo como eu não o pode abordar de forma séria.
Não é grave que se construa opinião sobre qualquer assunto da nossa vida. É desejável e estimulante para toda a gente que assim seja. O que me embaraça é que se entenda que opinião é ciência ou, quando convém, que a ciência não é ciência é opinião e como tal deva ser tratada.
Aliás, esta visão pareceu informar a política científica dos últimos anos em que no quadro de um desinvestimento na investigação e da ciência as ciências sociais foram profundamente atingidas, não produzem "bens, patentes ou serviços" como dizia o Ministro da Economia do Governo anterior. 
Ao fim de quarenta anos de lida já estou mais habituado mas lá que me continua a incomodar ... continua.

sábado, 22 de abril de 2017

MENORES EM RISCO, FUTURO EM RISCO

O DN divulga alguns dados preliminares do relatório anual relativo a 2016 da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens.
Em média, sete crianças por dia, 2719 situações sinalizadas de maus tratos físicos e psicológicos a crianças às comissões de menores.
Apesar de um abaixamento ligeiro do número de situações face a 2015 os episódios conhecidos parecem mais grave, designadamente caso de agressão física recorrendo a a materiais como cabos eléctricos, pneus, chicotes ou colheres de metal. Verificaram-se 360 casos de espancamento grave a crianças dos 0 aos 5 anos, 523 dos 6 aos 10 anos, 541 casos dos 11 aos 14 e 442 dos 15 aos 18 anos.
Estima-se que em Portugal cerca de 12 000 crianças estejam expostas a situações que as marcam negativamente, violência doméstica, o que constitui, aliás, a maior justificação para sinalização às CPCJ, cerca de 30%
Deve ainda considerar-se que nem todos os casos chegam às Comissões de Protecção o que torna o cenário ainda mais preocupante sendo que na sua esmagadora maioria são detectados nas escolas e nos serviços de saúde.
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma relação de causa efeito, as dificuldades severas que muitas famílias têm atravessado e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS

Há poucos dias coloquei aqui um texto com o título “Como é que isto vai acabar?”. Era sobre o ambiente que se tem vindo a instalar em torno do futebol.
Escrevi, “Não será improvável, antes pelo contrário, que tenhamos um dia destes algum episódio mais grave fruto da irracionalidade e do ambiente de hostilidade e ódio instalados.”
Aconteceu esta noite. Não era difícil adivinhar que seria uma questão de tempo. Virão agora os (ir)responsáveis pelos clubes mostrar algumas lágrimas de crocodilo e produzir discursos que são ofensivos vindo de quem vêm.
A mediocridade da generalidade dos dirigentes produz discursos e comportamento que inflamam muitos dos apoiantes, apoiam e organizam as suas actividades. Servem-se deles para os jogos de poder e devem-lhes isso.
A comunicação social na guerra desregulada pelas audiências abriga um grupo imenso de “comentadores” que em inúmeros formatos alimentam a demagogia e a hostilidade sem nada acrescentarem a quem como eu e muitos outros temos uma paião pelo futebol. Eles não são o futebol, são uma escumalha, salvo honrosas pouquíssimas excepções que também se servem do futebol.
Não branqueio nem desculpo o comportamento dos adeptos, de alguns adeptos, longe disso. No entanto, esse comportamento radica noutras questões para lá do futebol que apenas serve de gatilho para a testagem dos limites em nome de um considerado deus maior, o clube, mas que na verdade é fruto do clima instalado pelos energúmenos que o dirigem e deles e do futebol se servem.
Malditos sejam.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

100 ANOS DE MÍSTICA

Há fenómenos estranhos. Comemora-se o centenário dos acontecimentos em Fátima. O Papa Francisco vem participar e vai canonizar os pastorinhos Francisco e Jacinta Marto uma vez que foi, por assim dizer, validado o milagre que realizaram, a cura de um menino brasileiro.
Na semana passada o Padre Anselmo Borges, uma figura respeitada da Igreja, afirmou ao Expresso, “É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima.”
Hoje, em entrevista ao Público o Bispo D. Carlos Azevedo, Delegado pontifício da Cultura no Vaticano, profere, “Maria não vem do céu por aí abaixo” e entende que é o momento de usar uma “linguagem exacta” sobre os acontecimentos de há 100 anos na Cova da Iria, aconteceram visões imaginativas, místicas, não aparições.
Não será que todo o discurso da Igreja sobre esta questão nos últimos 100 anos não foi ele próprio um discurso místico, um discurso imaginativo, ambíguo, manipulador da "mística"?
E o Papa Francisco vem celebrar uma visão imaginativa, mística? 

O PERFIL DO ALUNO, O CNE E A MUDANÇA NAS PRÁTICAS

O Conselho Nacional de Educação emitiu um parecer sobre o Perfil dos Alunos para o Séc. XXI. Do conjunto de apreciações produzidas registo a recomendação 5. “Sejam ponderadas as implicações do documento na organização do sistema educativo, nomeadamente ao nível do currículo, das práticas pedagógicas e da formação inicial e contínua dos professores.
Parece importante esta matéria vai no sentido que também oportunamente aqui escrevi e que retomo.
O que se pretende, a meu ver bem, com o Perfil dos Alunos para o Séc. XXI. Será desenvolvido com que organização curricular, conteúdos e cargas horárias, por disciplina e globais? Com que quadro de autonomia? Com que dimensão das turmas e das escolas? Eu sei que nem todas são excessivamente grandes mas algumas são.
Com que ajustamento em práticas, capacidade e recursos de promover diferenciação para acomodar a diversidade dos alunos e promover um menor peso dos manuais no trabalho de alunos e professores?
Tudo isto será desenvolvido com que modelos e dispositivos de avaliação de alunos, professores e escolas?
Com que impacto na formação inicial e contínua e na organização da carreira dos professores, designadamente do espartilhado modelo dos grupos disciplinares?
Apesar de algumas orientações temos ainda demasiadas destas questões sem resposta clara.
Uma segunda nota remete para a questão mais específica mas central das práticas pedagógicas.
A característica mais evidente de qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Em muitas conversas que realizo com pais pergunto aos corajosos que têm mais que um filho se os tratam da mesma maneira. Nunca alguém me responde que sim e se pergunto porquê, respondem com um ar óbvio qualquer coisa como “então, eles são diferentes”.
Esta é questão central, com grupos diversos e escolas diversas a resposta deve, tem que ser, diferenciada sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos. Não tem só a ver com o Perfil do Aluno para o Séc. XXI, tem a ver com qualidade e inclusão.
Esta diferenciação começa na organização e funcionamento das escolas, dos horários, das turmas, da gestão curricular e caminha até á sala de aula ao nível das práticas nos seus diferentes aspectos.
Todo o sistema educativo e as políticas educativas, por exemplo a questão da autonomia, devem servir de suporte a esta visão.
Indo um pouco mais longe nas práticas pedagógicas e como nestas se traduz um princípio de diferenciação umas notas breves sublinhando que alterar alguns aspectos não tem a ver com “inovação”, termo cuja utilização frequente me irrita um bocado. A questão central pode ser alterar e não inovar.
Uma primeira nota sobre o equívoco habitual de que diferenciação é sinónimo de trabalho individual. Considerando as dificuldades (e o desajustamento) de fazer assentar o trabalho educativo no trabalho individual, encontra-se assim um suposto “impedimento” à diferenciação. De facto, diferenciar não é igual a trabalho individualizado, pelo contrário, implica muito fortemente a aprendizagem cooperada e a cooperação entre professores. Aliás, verificando-se desejavelmente aprendizagem individual por parte de cada aluno a sua construção é social pelo que mesmo que fosse possível o recorrer exclusivamente ao trabalho individual, que não é mesmo com turmas muito pequenas, não seria a melhor forma de trabalhar.
Sublinha-se, pois, que diferenciação não é igual a trabalho individualizado, pelo contrário, implica muito fortemente a cooperação e troca entre os alunos, bem como a cooperação entre professores.
Assim, só o desenvolvimento de formas diferenciadas de organizar os processos educativos, de gerir a sala de aula, de avaliar, de gerir a estrutura curricular, de comunicar, de cooperar com pais e encarregados de educação, etc. poderá permitir responder tão bem quanto possível à diversidade dos alunos e contextos.
Nesta perspectiva, a organização e funcionamento de uma sala de aula pode da forma mais ajustada a recursos e necessidades contemplar alguma foram de diferenciação em dimensões como: Planeamento educativo/gestão curricular; Organização do trabalho dos alunos – as múltiplas formas de organizar o trabalho dos alunos relativamente às situações de aprendizagem; Clima de aprendizagem – a qualidade e nível de interacção e relacionamento social entre alunos e entre professor e alunos; Avaliação – os processos relativos à avaliação e regulação do processo de ensino e aprendizagem; Actividades / Tarefas de aprendizagem – a escolha das diferentes tarefas ou situações de aprendizagem a propor aos alunos e Materiais e Recursos – a definição, utilização e gestão dos materiais e recursos que funcionarão como suporte ao processo de ensino/aprendizagem.
Como nota final sublinhar o que tantas vezes afirmo, um dos factores individuais mais contributivos para a qualidade dos processos educativos, é a presença de um professor empenhado e qualificado.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

OS MIÚDOS A QUEM DÓI A ALMA

Ainda na sequência da participação no debate de ontem sobre os tratos e as circunstâncias de vida de algumas crianças e adolescentes mais uma notas breves.
Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.
Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.
Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos.
Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la.
Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam. 
Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um gaiato dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.

OS OLHOS DE ANDRÉ

No âmbito do Mês de Prevenção dos Maus Tratos na Infância e Juventude e a convite da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens participei ontem num debate após a apresentação do filme de António Borges Correia “Os olhos de André” que aconselho.
Em síntese e tentando ler o que os olhos do André nos dizem algumas ideias.
Uma família é um bem de primeira necessidade na vida das pessoas, em particular das crianças.
Citando Bronfenbrenner, "Para que se desenvolvam bem, todas as crianças precisam que alguém esteja louco por elas".
Recuperando mais uma vez a feliz expressão de Laborinho Lúcio, “Só as crianças adoptadas são verdadeiramente felizes. Felizmente, a grande maioria dos pais adopta os seus filhos.”
A regulação parental e a resposta em situações de risco deve ponderar cautelosa e imprescindivelmente os factores de protecção e os factores de risco presentes em cada situação à luz do superior interesse da criança o que nem sempre parece acontecer.
A comunidade pode ser um desses factores de protecção a mobilizar e incentivar.
Um lamento, como quase sempre acontece, a audiência era composta exclusivamente por técnicos a intervir neste universo.
Como sempre digo, discutimos em circuito fechado o que deveria, tanto quanto possível, ser discutido em circuito aberto, os tratos das crianças é uma matéria da comunidade e não um exclusivo das instituições ou dos técnicos.
Um dia vai ser diferente e as crianças e jovens terão melhores tratos.


quarta-feira, 19 de abril de 2017

ESTÓRIAS DA AVOZICE

Ao fim da tarde sempre que posso um tempinho de avozice é uma bênção, uma coisa mágica.
Avô, vamos fazer uma brincadeira barulhenta?
Acho melhor que não Simão. Lá na minha escola estava barulho e ainda me dói um bocadinho a cabeça.
Que é que fez a tua educadora?
Ainda estou à procura da resposta.
Ideias?

OS ADOLESCENTES E A ESCOLA

Foi divulgado pela OCDE o terceiro volume de resultados obtidos a partir dos dados do PISA de 2015. Este volume é dedicado ao “Bem-estar dos adolescentes”.
Numa primeira apreciação umas notas breves.
Face à média da OCDE, verificam-se alguns desvios não surpreendentes, caso da maior ansiedade face a avaliação, da mais baixa expectativa face à conclusão de um curso superior por exemplo.
Estes resultados poderão estar associados à existência para os alunos que responderam de múltiplos dispositivos de avaliação externa, a maior fonte de ansiedade e do baixo nível de escolaridade dos pais, variável associada às baixas expectativas dos filhos face a trajectos escolares mais longos e bem-sucedidos.
Um dado curioso remete para o facto dos adolescentes portugueses se afirmarem mais “dependentes” da net mas passam um tempo médio online quando comparados com os alunos dos outros países.
De resto e dentro da média mostram-se satisfeitos com a vida, e acima da média sentem que “pertencem” à escola e menos envolvidos em situações de bullying.
É ainda de registar que 90 % dos alunos portugueses afirmam que realizam pelo menos uma refeição conjunta com os pais, a média da OCDE é de 82% e 92% dizem que os pais falam regularmente com eles depois da escola face 86.1% verificado na OCDE.
O conjunto dos dados parece sustentar que a vida escolar e familiar na percepção dos alunos é globalmente positiva e satisfatória tal como no volume anterior tinha ressaltado a percepção positiva sobre o trabalho dos professores.
Surge-me uma pequena dúvida. Será que a forma como estes adolescentes percebem a sua vida escolar e familiar é coerente com a percepção que nós adultos, de forma geral, temos das mesmas questões?
Sabemos que a escola não é um paraíso mas também não é o inferno para o qual todos os dias os nossos filhos e netos são enviados.
É apenas a instituição que lhes ajuda a construir o futuro, não é coisa pouca.

INSISTO. VACINAR OU NÃO VACINAR NÃO PODE SER UMA OPÇÃO

Há dias coloquei o texto que se segue no Atenta Inquietude. O desenvolvimento posterior desta questão obriga a que insista na mensagem, vacinar ou não vacinar não pode ser uma opção, vacinar é uma obrigação em nome do bem estar e da saúde, sobretudo dos mais novos.
O surgimento de alguns casos de sarampo já com uma morte de uma adolescente faz reentrar na agenda a questão da vacinação das crianças. A Apesar de ainda não parecer algo de preocupante também em Portugal começa a emergir alguma discussão relativamente à vacinação.
Estima-se que mais de quatro mil crianças em Portugal não sejam anualmente vacinadas.
Como é sabido existe um Plano Nacional de Vacinação e Portugal tem, felizmente, uma taxa bastante elevada de vacinação nas crianças, cerca de 95%.
Noutros países e até com mais significado também se assiste à emergência de movimentos que levam a que muitos pais recusem vacinar os filhos e por cá também se ouvem opiniões nesse sentido e pais que não procedem à vacinação dos filhos como já foi referido. Alguns dos recentes casos de sarampo parecem atingir crianças não vacinadas.
Recordo que há algum tempo se verificou um surto de sarampo nos Estados Unidos com resultados preocupantes pois atingiu estados em que os pais podem recusar as vacinas.
Não sendo especialista, sei que as vacinas contêm alguns riscos que basicamente estarão controlados e sei também que existem interesses brutais em jogo, designadamente por parte das farmacêuticas e laboratórios. No entanto, parece-me que a vacinação representa um ganho civilizacional que poupa a morte a muitos milhares de crianças pelo mundo inteiro e quando reparamos na taxa de mortalidade infantil verificada em países que não conseguem assegurar campanhas de vacinação generalizadas percebemos isso com clareza. Os testemunhos de gente conhecedora, como Mário Cordeiro ou Gomes Pedro mostram isso mesmo.
Assim sendo, é sempre com alguma preocupação que em nome de valores, certamente legítimos mas que necessitam de ponderação, se possa decidir por comportamentos que manifestamente são causadores de riscos para as crianças.
Ainda no mesmo âmbito recordo também um movimento emergente que defende a realização de partos em casa que, evidentemente, tem merecido a condenação de enfermeiros e médicos devido aos elevados riscos envolvidos para bebés e mães. Também nesta matéria sabemos dos interesses económicos em jogo traduzidos, por exemplo, numa altíssima taxa de cesarianas que parece agora com tendência para baixar.
O povo costuma dizer que "com a saúde não se brinca". Não estamos a falar, obviamente, de brincadeiras mas estamos a falar de decisões que são de uma enorme responsabilidade e que podem levar como aconteceu recentemente no Reino Unido que o Tribunal Superior de Justiça por iniciativa do pai das crianças obrigasse a mãe a aceitar que os filhos fossem vacinados.
Trata-se como sempre do superior interesse da criança. Importa que nós os que trabalhamos na área da educação ou da saúde tenhamos uma maior atenção a estas matérias.

terça-feira, 18 de abril de 2017

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL. UM RAPAZ EMPREENDEDOR, EMPODERADO, COMO AGORA SE DIZ

Bem, Marco, acabaram as férias da Páscoa, tiveste quatro negativas o que estás a pensar para o terceiro período?
Pai, não comeces já assim com tipo secas, ainda estou de férias.
Eu sei, mas estou preocupado, tenho medo que chumbes o ano.
Não te preocupes, se melhorar a alguma disciplina, assim tipo subir, os setores depois dão-me notas para passar.
O problema não é só passares, é ficares a saber o que é preciso para estudares mais à frente. Se calhar seria melhor arranjar umas horas de explicação para te ajudar nas disciplinas mais difíceis.
Pai, já estou na escola assim tipo bué de tempo, ainda queres que vá para a explicação, ganda seca.
O meu colega, o Francisco, disse-me que a filha anda numa explicadora muito boa, é um bocadinho cara, mas a filha já subiu as notas no fim do segundo período.
Eu acho que sou capaz de me safar sozinho, podíamos fazer um negócio, se eu passar dás-me assim tipo um telemóvel novo.
Sabes que não gosto muito desse tipo de negócios, deves sempre tentar fazer o melhor possível, porque é bom para ti, não porque vais ter um prémio.
Sim, mas ter um prémio também é bom para mim, fico satisfeito bué.
Todos nós temos obrigações e responsabilidades e não podemos cumpri-las só quando nos prometem prémios.
Pai, tás mesmo assim tipo menino. Toda a gente faz alguma coisa sempre a pensar o que vai ganhar com isso, assim tipo, tás a ver.
Certo, se te esforçares e passares de ano ganhas com isso.
Mas se ganhar também assim tipo um telemóvel ainda é melhor. No teu trabalho se te pagarem mais ficas mais assim tipo contente, ou não?
Como sempre não desistes. Então vamos combinar o seguinte, se passares o ano, sem negativas compro-te o telemóvel.
E se for assim tipo só com uma negativa?

DO FUTEBOL. COMO É QUE ISTO VAI ACABAR?

Também no desporto, em particular no futebol, os tempos andam feios, por cá e por fora. Estranho seria se assim não fosse.
A minha paixão pelo futebol vai resistindo aos maus tratos que vai recebendo. São recorrentes e progressivamente mais radicalizados os comportamentos e discursos que o envolvem para além da componente negócio que também desempenha um papel importante no clima criado.
Não será improvável, antes pelo contrário, que tenhamos um dia destes algum episódio mais grave fruto da irracionalidade e do ambiente de hostilidade e ódio instalados.
Os mais recentes episódios envolvendo as claques do Benfica, Porto e Sporting mostram quão próximo podemos estar de alguma tragédia quando, e não é coincidência, se aproxima um Sporting-Benfica que pode ser decisivo para o campeonato.
No Público refere-se que os clubes, leia-se as suas direcções, podem tomar medidas face ao comportamento de alguns, muitos, energúmenos que fazem parte das suas claques.
É no mínimo ingénuo acreditar nisto. As direcções, os seus discursos, comportamentos e decisões são parte do problema, não podem ser parte da decisão.
A mediocridade da generalidade dos dirigentes produz discursos e comportamento que inflamam muitos dos apoiantes, apoiam e organizam as suas actividades. Servem-se deles para os jogos de poder e devem-lhes isso.
É um mundo, escrevia isto há dias, onde não existem santos e pecadores. Talvez a bola sela o elemento mais são deste universo apesar de tantas vezes também ser maltratada.
Já dificilmente me mobilizo para ir a um estádio, não consigo assistir aos milhentos programas televisivos onde opinadores avençados, salvo algumas raras excepções, vão papagueando agendas encomendadas e se envolvem em obscenas trocas de mimos e boçalidades que são mais um alimento para o clima instalado.
O problema é que não consigo não continuar fascinado com esse jogo estranho chamado futebol. Por isso me inquieta tudo isto.

NUNCA TIVE UM BOM, NEM SEQUER UM BOM PEQUENO. Uma história na Visão online

A história da menina que nunca teve um bom, nem sequer um bom pequeno e que gostava tanto de ter um. Agora na Visão online

NUNCA TIVE UM BOM, NEM SEQUER UM BOM PEQUENO

segunda-feira, 17 de abril de 2017

AOS VOSSOS LUGARES, VAI COMEÇAR O TERCEIRO PERÍODO

Vai iniciar-se o terceiro período escolar. Para muitos alunos será o período da decisão, das decisões.
Considerando que uma boa parte dos alunos está já "arrumada" ou porque "chumbados" ou porque terão boas perspectivas de que tal aconteça, com excelência ou com suficiência, para quase todos os outros o terceiro período é o da recuperação, dito de outra maneira, é o das explicações.
De facto, existe um grupo significativo de alunos dos quais se espera que recuperem o rendimento escolar de forma a salvar o ano, pelo que crescerá exponencialmente o recurso à velha "explicação", um importante nicho de mercado para professores, ex-professores, candidatos a professores ou simples curiosos que se dedicam à lucrativa arte. Aliás, ainda durante as férias de Páscoa que hoje terminam muitas crianças e adolescentes passaram já algum tempo nos centros de explicações o aumento da procura dos centros de explicação durante as férias da Páscoa. É preciso ir adiantando para garantir a "recuperação", a nota que permita “passar” ou dê acesso ao curso escolhido, pelo aluno ou pela família.
É também um período de promessas, "se passares, nós oferecemos-te ...", "se tiveres notas para entrar, terás ...". Chamam-se incentivos e providenciam, esperam os pais, uma ajuda extra à motivação para este terceiro período.
Para alguns alunos este terceiro período vai anteceder, espera-se que facilitando, uma mudança, de ciclo, de escola ou a, por muitos desejada, passagem para o ensino superior, esperemos que não desistam de estudar.
No fim do período uma parte dos alunos ainda vai realizar exames. Há que trabalhar e mostrar conhecimento e, dizem, os exames servem para evidenciar uma coisa e outra. Daqui decorre uma outra pressão para o recurso às explicações, vêm lá os exames e os pais e professores esperam, naturalmente, que os filhos ou os alunos façam "boa figura". Alguns pais, mais do que esperar ou desejar, exigem, o que torna vida mais difícil para alguns miúdos e que, em algumas situações, pode mesmo ser um contributo para mais dificuldades.
No entanto, para outros alunos, o terceiro período vai deixá-los mais perto do insucesso, da desmotivação, do abandono revoltado ou resignado. Eles terão falhado, mas não terão sido só eles, nós também.
Existe ainda um grupo de alunos que vive dentro de espaços curriculares ou físicos guetizados de quem também não se espera muito, são CEIs, são NEEs, são “redutores”, são outra qualquer designação, que procuram sobreviver a ambientes que nem sempre são muito amigáveis e inclusivos apesar de algumas boas práticas que se saúdam e registam.
Na verdade, os próximos meses vão ser pesados, exigentes, apesar de haver quem entenda como fáceis os trabalhos dos alunos.
Boa sorte e bom trabalho, para alunos, professores e pais.

O NÚMERO DE ALUNOS POR TURMA, DEVAGAR, DEVAGARINHO MAS A CAMINHO

De acordo com o anunciado faseamento da redução do número de alunos por turma o ME decidiu que a medida será operacionalizada no próximo ano lectivo nos anos iniciais de ciclo e apenas nas escolas integradas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Os limites voltam ao que estava estabelecido antes de da alteração promovida por Nuno Crato em 2013, máximo de 24 alunos no 1º ciclo e de 28 nos restantes ciclos.
O diploma apenas será publicado hoje pelo que não sei se também está previsto um outro importante aspecto nem sempre valorizado, o número de alunos por professor. Muitos professores lidam com muitas turmas perfazendo números acima dos 120 ou 150 alunos. Parece dispensável explicitar as implicações negativas desta situação.
Como tantas vezes tenho afirmado é uma medida que se justifica e que importa incentivar.
A revisão de estudos sobre esta matéria mostra o que também conhecemos, existem vantagens em turmas com efectivos menores que podem ser mais ou menos significativas em função das variáveis em análise.
Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza impacto positivo no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.
Alguns estudos, apenas centrados em resultados, não encontram diferenças significativas mas também me parece que não são consideradas variáveis importantes, de contexto por exemplo, o que nem sempre é tido em conta nos discursos dos economistas da educação.
É também fundamental considerar as diferentes características dos diversos territórios educativos. O facto de começar pelos TEIP percebe-se numa lógica de faseamento mas a verdade é que todos os territórios educativos são TEIPs, os de Intervenção Prioritária e os outros em que realiza a Intervenção Possível.
Na verdade, é necessário considerar as diferenças de contexto, isto é, a população servida por cada escola, as características da escola, a constituição do corpo docente, os recursos disponíveis, etc. Importa ainda sublinhar que a qualidade e sucesso do trabalho de professores e alunos depende de múltiplos factores, sendo que a dimensão do grupo é apenas um, ou seja, importa considerar, vejam-se relatórios e estudos nesta área, as práticas pedagógicas, os processos de organização e funcionamento da sala de aula e da escola, bem como o nível de autonomia de cada escola ou agrupamento, entre outros. Daí a importância de promover uma autonomia real. Aliás, dentro do que entendo por verdadeira autonomia das escolas, deveriam estas ter a competência para definir e organizar as turmas embora aceite a existência de orientações nesse sentido.
Aliás, também com base na autonomia das escolas poderiam ser consideradas outras opções como a presença de dois professores em sala de aula. Em algumas circunstâncias pode ser mais vantajosa que a redução do número de alunos por turma.
Acresce nesta matéria a importância da qualidade do trabalho em turmas com alunos com necessidades educativas especiais o que, evidentemente, deve ser considerado na análise do efectivo de turma, desde logo cumprindo o que está legislado.
Diga-se ainda que é quase dispensável referir a diferença entre trabalhar com 26 ou 28 alunos num estabelecimento privado de acesso “protegido” ou com o mesmo número de alunos num mega-agrupamento de uma escola pública em que um professor lida com várias turmas, centenas de alunos ou se desloca entre escolas para trabalhar.
Não só por esta razão, dimensão das turmas e qualidade do trabalho dos alunos, de todos os alunos, e dos professores, também me parece que deveria ser promovida uma verdadeira desburocratização do trabalho nas escolas e promovido algum ajustamento na sua organização e funcionamento o que certamente libertaria tempo de professores para trabalho em turma ou em apoios que promovessem qualidade.
Sei que mudanças neste sentido são politicamente difíceis mas parecem-me imprescindíveis. Terão custos certamente mas os custos do insucesso e da exclusão são incomparavelmente mais caros.