segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

GORDINHOS E PARADINHOS. NÃO, A GORDURA NÃO É FORMOSURA


O universo do bem-estar de crianças e adolescentes tem naturalmente múltiplas dimensões. Na imprensa de hoje encontrei uma referência a um estudo realizado pela Universidade de Coimbra com dados que me pareceram curiosos e interessantes. O trabalho envolveu 793 pais e filhos, com idades entre os seis e os dez anos e 30.6% dos pais subestimam o peso dos filhos. Tal “enviesamento” na apreciação do peso das crianças pode associar-se à promoção ou manutenção hábitos alimentares e estilos de vida, um pouco no sentido da velha e perigosa máxima, “gordura é formosura”.
É verdade que os tempos são de excesso, mas o excesso de peso é um problema preocupante nos mais novos.
Dados divulgados em 2019 do projecto em curso realizado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto sugerem que a obesidade infantil continua a aumentar.
Com base na avaliação a mais de oito mil crianças da Área Metropolitana do Porto aos 4, 7 e 10 anos, verifica-se que aos 4 anos, 22% das crianças evidenciam excesso de peso e aos 10 anos é de 26%. Aos 4 anos 10% têm obesidade, aos 7 anos já serão 15% e aos 10 atingem 17%. Dada a natureza do problema, estas crianças serão muito provavelmente adolescentes e adultos com obesidade.
Estes dados estão em linha com estudos anteriores.
Em 2017, dados do Childwood Obesity Surveillance Initiative, que avalia a situação relativa à nutrição infantil, realizado em Portugal pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, mostravam que 42,4% das crianças entre os 6 e os 8 anos ultrapassam o peso recomendado, 30,7% têm excesso de peso e 11,7% são obesas.
No mesmo sentido, temos os dados de um trabalho da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil realizado durante o ano lectivo de 2016/2017 envolvendo 17698 crianças, entre os 2 e os 10 anos, de escolas do continente, Madeira e Açores e realizado no âmbito de um projecto “Heróis da Fruta – Lanche Escolar Saudável, mostrou que 28.5% (mais de uma em cada quatro) têm excesso de peso, 12.7% são obesas. O estudo também mostrou que em algumas semanas de envolvimento no Projecto as alterações positivas foram positivas.
De facto e desde há algum tempo, o excesso de peso e obesidade infantil são já um problema de saúde pública.
Recordo o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” da OCDE, segundo o qual em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos.
A Direcção-Geral de Saúde e o ME têm vindo a determinar que nas escolas alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Um estudo divulgado de 2015 da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colesterol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras como já se verifica com o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
Ainda no que respeita à actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais”, mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão uma escolha individual para a esmagadora maioria dos miúdos e graúdos nessa situação, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.
Eu sei que à escola não compete e não pode fazer tudo. Não pode nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Sei, sabemos, no entanto, que pela educação é que vamos lá. É claro pais?


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