domingo, 16 de novembro de 2014

NA TERRA DOS ALPINISTAS

O estado da meritocracia em Portugal

O Público de hoje traz um trabalho interessante procurando responder a questões como “Portugal é uma meritocracia ou a república da “cunha”, do nepotismo e do amiguismo? Consegue o emprego ou a promoção quem é melhor ou quem tem amigos? Nas empresas, na administração pública, no ensino, nas instituições ou nos partidos, são os mais competentes, talentosos e trabalhadores que têm êxito? Ou esses são afastados?
Deixem-me recordar um realizado na Universidade de Aveiro, divulgado em Fevereiro, que investigou as nomeações, cerca de 11 000 em 15 anos, dos governos de diferentes cores partidárias para a hierarquia da administração pública e concluiu, de forma completamente inesperada, que o critério predominante é o cartão partidário, com o objectivo de controlar as políticas públicas e pagar ou antecipar o pagamento de favores, serviços e fidelidades.
A questão é que nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada o que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Aliás, os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria e já não forneçam dados para o estudo.
Este cenário é desde cedo preparado e alimentado através de uma das formas mais eficazes de progressão social e profissional existente em Portugal, a pertença a uma juventude partidária, sobretudo, naturalmente, nos partidos do chamado arco do poder, Passos Coelho é apenas um exemplo. Há algum tempo, também o Público fez um levantamento da rapaziada mais novinha, sem currículo relevante, académico ou profissional que enxameia gabinetes ministeriais e os números são curiosos. Como característica comum têm a pertença à "sua" jota onde desempenharam cargos que os catapultam para assessores ou deputados e são o início de uma bela e promissora carreira, numa despudorada utilização da administração pública, central, local e empresarial para a distribuição de alguns jobs para os promissores boys e girls. A sociedade portuguesa está cheia de exemplos deste tipo de percursos nas suas diferentes fases.
Um deles é a história do meu amigo Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele não acederia rapidamente, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente, o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas universidades em que a exigência em certos cursos, sobretudo para figuras de algum relevo público, não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista. O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante, valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.
Alguns anos depois, poucos naturalmente, o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à escrita.
O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista” e consta obrigatoriamente das bibliografias distribuídas nas Universidades de Verão dos diversos partidos.
Dito isto tudo e apesar disto tudo, importa sublinhar que vale a pena não esquecer que também há lugar para o mérito e qualificação em que vale sempre a pena investir.

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