O Público faz hoje referência a um trabalho muito
interessante de Agostinho Silvestre a apresentar no VII Congresso Português de
Sociologia. Em termos breves, o trabalho assenta na ideia de que o facto de se
ter trabalho já não constitui factor de protecção contra a pobreza, constituindo-se
mesmo como mais um mecanismo de “aprofundamento das desigualdades sociais”.
O sustenta este entendimento no facto de que em
2010, 12% dos trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza em
2010. Por outro lado, afirma, 16% das pessoas que em 2011 usufruíram do
Rendimento Social de Inserção (35.015), acumularam este apoio com rendimentos
do trabalho, o que significa aumento da pobreza entre pessoas com trabalho.
Este cenário exige, afirma Agostinho Silvestre um
repensar sério e aprofundado dos modelos de desenvolvimento, dos modelos de
organização do trabalho e dos apoios sociais, pois não voltaremos a sociedades
de pleno emprego.
Curiosamente, há algum tempo atrás escrevi para
este espaço um texto do qual retomo algumas notas que me parecem oportunas.
De facto, temos vindo a assistir à emergência de
"novos pobres", muitos milhares de pessoas que apesar de terem
emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos
realizados e prometidos, se sentem e vivem numa condição de pobreza não
antecipada pelo que cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar
de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego mas
também decorrentes, à falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e
perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e
que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades
porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para
além das consequências óbvias das dificuldades ainda se torna necessário, como
várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas.
De facto, umas das consequências menos quantificáveis das dificuldades
económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se
verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora
maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a
sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha,
exactamente por uma questão de dignidade roubada.
É neste quadro, a forma como a dignidade está
ameaçada, para além do óbvio impacto na qualidade de vida das pessoas que me
parece importante e pertinente a reflexão hoje divulgada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a
discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também
não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois
milhões de portugueses sentem e o facto também conhecido de que um terço das
famílias tem um orçamento encostado ao limiar de pobreza, exigem uma
recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma
vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir
efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no
sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição
de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a
situações de exclusão extrema para bastantes outros.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a
todos, a começar por quem lidera.
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