sexta-feira, 1 de junho de 2012

O DIA DOS MIÚDOS

A agenda das consciências determinou para hoje o Dia Mundial da Criança. A liturgia variada associada à efeméride vai acontecer, como de costume. As visitas, os passeios, as festas, etc., as idas a espectáculos de todas as naturezas mostrarão uma comunidade preocupada em fazer as crianças felizes, muitas até parecem, outras parecem sofrer o peso de um dia calorento e cansativo. Irão ouvir-se, certamente, alguns discursos dirigidos aos miúdos e ao seu mundo.
Nestas alturas, lembro-me do Mestre Almada que na Cena do Ódio falava sobre, "a Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões". De facto, muitos enchem os discursos e as intenções com a preocupação sobre os miúdos mas, todos sabemos, muitos passam mal, muito mal. Não cabem no Dia da Criança.
Não cabem os que diariamente são vítimas de crimes e maus-tratos.
Não cabem muitos dos que vivem numa instituição esperando por uma família que nunca virá.
Não cabem os que são alvo de discriminação e a quem são negados direitos básicos.
Não cabem os que vivem em famílias que os não desejam e mal os suportam.
Não cabem os que apenas comem o que refeição única na escola lhes possibilita.
Não cabem os que vivem em famílias a quem roubaram a dignidade do trabalho e que, por isso, sobrevivem envergonhadamente.
Não cabem os que a escola não consegue ajudar a construir um futuro a que valha a pena aceder e sofrem políticas educativas pouco amigáveis para os miúdos.
Não cabem os que sofrem de solidão e isolamento sem que se perceba como não estão bem.
Na verdade, estes miúdos quase não existem, os que existem são transparentes, às vezes nem os vemos. Por isso, comemora-se o Dia Mundial da Criança com a convicção de que, como dizia Pessoa, "o melhor do mundo são as crianças" e elas são felizes, todas.
O que, obviamente, não é verdade.

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