Neste 10 de Junho, dia em que te comemoras,
resolvi escrever-te, de novo. Como sabes, conhecemo-nos há umas décadas. Quando
te conheci eras um tipo tristonho, cinzento, com a tua gente calada e com medo
de quem em ti mandava. A partir de certa altura, entraste em guerra e a nossa
relação complicou-se, assim como a situação de toda a gente. Nesses tempos, o
resto do mundo vivia longe e todos nós, que te habitávamos, nos sentíamos distantes
de tudo e tudo era difícil de conseguir.
Um dia, tu mudaste. De repente, ficaste a cores,
o longe ficou perto, a tristeza ficou alegre, o impossível parecia possível.
Foram os tempos da brasa, dizíamos. Tudo era depressa, tudo era ontem, até a
guerra. Foi um tempo para descobrir, transgredir, aprender e progredir. Para a
democracia, finalmente. Lembras-te? Fizemos as pazes.
Meu caro Portugal, a poeira entretanto começou a
assentar e entrámos na chamada normalidade democrática, campanhas, eleições,
mudanças de governo, desenvolvimento, etc. Apesar de alguns solavancos fomos
mantendo uma relação tranquila. Então, juntaste-te a outros mais desenvolvidos,
a União Europeia, e perdeste um bocado a voz que gostávamos de ouvir, por nós.
Para um tipo pequeno como tu, pode ter sido boa ideia.
E aqui estamos meu caro, mais velhos e com uma
relação como a que os velhos amigos têm. Zangamo-nos, fazemos as pazes,
zangamo-nos de novo e, de novo nos entendemos. Quando me afasto de ti sinto
saudades, quando estou contigo aborreces-me e vamos andando nisto.
Ultimamente, tenho-te sentido diferente.
Pareces-me mais desalentado e com pouca esperança. É certo que a situação à tua
volta também não ajuda e contigo as coisas não vão bem, mas é importante que te
sintas com futuro. Isso para nós é fundamental, para nos sentirmos bem contigo.
Se bem te lembras na carta que te enviei o ano
passado já te dizia que não te sentia bem, achava-te em baixo, como diz o teu
povo, hoje, acho mesmo que não estás nada bem. Neste ano que passou continuou
instalada por todo o mundo uma complicada situação a que tu também não tens
conseguido fugir. Muita gente sem trabalho e sem esperança em dias melhores. As
lideranças que acolhes também não parecem capazes de promover a esperança. Devo
confessar-te que não estou particularmente optimista.
Entretêm-se nos jogos da política pequenina,
provavelmente por falta de competência para a política grande. Como se não
bastasse a crise instalada ainda aparece uma rapaziada a gerir estruturas e
empresas públicas que acumulam tantos prejuízos como a rapaziada acumula
prémios que, em decisões difíceis de entender, terão de ser pagos com o
dinheiro e sacrifícios do cidadão, prejuízos e prémios. Os casos de corrupção e
manhosices dos pequenos e grandes poderes não têm fim e ninguém parece
substantivamente empenhado em contribuir para o seu fim.
Ao que dizem para colocarem as tuas contas em
ordem, colocam a nossa vida em desordem, chamam-lhe austeridade e tem que ser assim,
custe o que custar, dizem.
Pois é meu caro e velho Portugal, estás a
atravessar um período nada fácil. Imagina que durante este ano ouvi gente com
responsabilidade a sugerir que talvez fosse melhor ir embora de ti Na verdade,
é o que está acontecer a muita gente nova, procurar a sorte noutras paragens
como cantava o Manuel Freire. O futuro parece inacessível.
Que está a acontecer meu velho? Os adultos de
“baixa” ou desempregados como nunca tivemos, os jovens perdidos, sem projecto
de vida e ao que dizem “à rasca” e os velhos a lutar pela sobrevivência. Não
pode ser, temos que dar a volta a isto. Apesar de pequeno tens que protestar, não
podemos ser apenas uma feitoria de quem não considera as pessoas mas os
mercados. Não podemos aceitar não ter futuro meu caro, temos que nos organizar
para um projecto de futuro.
Espero que para o próximo ano te possa encontrar
em melhor estado. Até lá recebe um abraço de confiança.
10 de Junho de 2012
1 comentário:
Senhor Professor Morgado
A carta que o Senhor escreveu é de fácil digestão; branda, delicada, fofa, mole, suave, tenra, débil, ou seja,"soft". Sinónimos entra si mas que cabem perfeitamente na missiva.
Presentemente o Portugal que eu conheço (vejo) é o das pessoas que formam bicha para receber um prato de sopa. Das pessoas que vivem em caixas de cartão.Das pessoas que olham para os seus filhos e choram porque não os podem alimentar. Das pessoas que estão a ficar sem lar porque o desemprego lhes bateu à porta. Das pessoas séniores que trabalharam toda a vida e têm reformas miseráveis que mal dá para comer e muito menos para comprar medicamentos. Das pessoas que não vão ás consultas médicas porque não têm dinheiro para o transporte e taxas moderadoras. Pessoas que são assaltadas em ruas movimentadas e em plena luz do dia. Pessoas que estão dispostas a dar-nos um tiro apenas porque olhamos um pouco demoradamente para elas. Fico-me pelo limiar da realidade...
O QUE ME CHOCA AINDA MAIS É QUE ESTAMOS A HABITUAR-NOS A ISTO!
saudações
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